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Subjetividade, fim de milenio: com que roupa?

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'

Subjetividade, fim de milenio: Com que

roupa?-Tania Maia Barcelos U

Abstract Resumo

This ankle aims at discussing some aspects Este anigo tern por objetivo provocar algu­

of our subjectivity at the end of this mas reflexoes sobre a nossa subjetividade

millennium. It is argued that the movements neste Bm de milcnio. Diante dos movimen­

of the contemporary world of "samba," on toS do samba do mundo contemporaneo,

the one hand, provide us with anxieties and temos experimentado inquieta"oes e insta­

different sorts of instabilities, which make bilidades diversas. Isso nos faz buscar estra­

us search for strategies to deal with the several tegias para sobreviver aos desaBos coloca­

challenges that life presents us. On the other dos e, ao mesmo tempo, leva-nos a inven­

hand, at the same time, these very moviments tar novas roupagens e novas possibilidades

lead us to invent new "costumes" and de existencia.

possibilities of existence.

Agora vou mudar minha conduta Eu vou prd luta,

Pois eu quero me aprumar. Vou tratar voce com flrra bruta,

Pra poder me reabilitar, Pois esta vida nao estd sopa E eu pergunto: com que roupa?"1

• Este texto foi apresemado na Mesa Redonda - Educac,:ao dos sentidos: Muska e subjetivi­ dade, no Simposio Cultum e Fim de Milenio promovido pelo NIESC e baseia-se na disserta­ c,:ao de mestrado: Com que roupa eu vou pro samba?, defendida em novembro de 1999 . .• Professora do Curso de Pedagogia do Campus de Catalao/UFG, Mestre em Psicoiogia Clfnica pela PUC-SP.

IEstrofe do samba Com que roupa?, de Noel Rosa, gravado em 1930. 18

Sao muitos os deseonfortos vivido perguntar: Com que roupa ir ao samba convida a dans:ar?

A pergunta provoea movimento! buscas/ tentativas de lidar com 0 proble

mas sobretudo 0 pensamento.

A problematizac:;:ao sobre 0 que an

de agir, pensar, sentir e existir, s~rge cor das formas de fazer 0 pensamento coml

perimentadas.

Nessa experimentac:;:ao, varias pergt ba e esse que esramos sendo fotc:;:ados a I

dade esta utilizando para enfrenti-Io?

o

que se sabe de antemao e que ( e desassossegos diversos; tern deixado a ~

tado e sem roupa. Ele nos pega de ealc:;:as cas a' e nem nos reeonheeemos mais.

As mudanc:;:as aeonteeem de uma I que nao temos tempo para acompanha­ invadidos em nossa propria pele/easa.

Podemos ehamar esse samba de s danc:;:a que faz a subjetividade viver mo aeostumada a viver, devido

a

intensidade movimentos, diffceis de serem acompan perimentar, com freguencia, novidades s las. 1s50 a deixa 'perdida' e sem saber 0 q

Como exemplo de movimentos de citat a globalizac:;:ao e as virtualizac:;:oes, q\ outros tempos, transformac:;:oes diversas, I co, mas tambem no espac:;:o, no tempo, n( A globalizac:;:ao tern forc:;:ado a subj misturas; misturas de alimentos, roupas,1 existeneias, provenientes de virios cante europeu, africano, asiatico - abalando as f

as instaveis diante de tanta variedade .

20 conceito de desterritorializac,:ao utilizado por movimentos em que os territerios 'originais', rei urn sistema percebido, no seio do qual urn sujeit~

ininterruptamente.

(2)

18

milenio: Com que roupa?"

Tania Maia Barcelos ••

Abstract

This anicle aims at discussing some aspect~

of our subjectivity at the end of this millennium. It is argued that the movemenrs of the contemporary world of "samba," on the one hand, provide us with anxieties and different sorts of instabilities, which make us search for strategies to deal with the several challenges that life presenrs us. On the other hand, at the same time, these very movimenrs lead us to invent new "costumes" and possibilities of existence.

meaprumar. com flrfa bruta, reabilitar,

-Educa~ao dos sentidos: Muska e subjetivi. promovido pelo NIESC e baseia-se na disserta­

samba?, defendida em novembro de 1999. Campus de Catalao/UFG. Mestre em Psicologia Noel Rosa, gravado em 1930.

OPSIS - Rellista do Niese. V.I. Maio de 2001

Sao muitos os desconfortos vividos na pele que levam a subjetividade a perguntar: Com que roupa ir ao samba que 0 mundo comemporaneo nos convida a danc;:ar?

A pergunta provoca movimentos diversos no corpo, traduzidos em buscas/tentativas de lidar com 0 problema que incomoda, nao so 0 corpo, mas sobretudo 0 pensamento.

A problematizac;:ao sobre 0 que anda acontecendo com nossos modos de agir, pensar, sentir e existir, s~rge como urn dos caminhos possiveis; uma das formas de fazer 0 pensamento comprometer-se com as inquietac;:oes ex­ perimentadas.

Nessa experimentac;:ao, varias perguntas VaG sendo disparadas: Que sam­ ba e esse que estamos sendo forc;:ados a danc;:ar? Quais estrategias a subjetivi­ dade esta utilizando para enfrenta-Io?

o

que se sabe de antemao e que esse samba tern provocado mal-estar e desassossegos diversos; tern deixado a gente mole, cansado, triste, amedron­ tado e scm roupa. Ele nos pega de calc;:as curtas. Nao nos sentimos mais 'em casa' e nem nos reconhecemos mais.

As mudanc;:as acontecem de uma hora para outra, com tanta rapidez, que nao temos tempo para acompanha-Ias.

13.

como se estivessemos sendo invadidos em nossa propria pele/ casa.

Podemos chamar esse samba de samba da desterritorializa<;a02 uma

dan<;a que faz a subjetividade viver movimentos diferentes dos que estava acostumada a viver, devido

a

intensidade e

a

rapidez com que acontecem. Tais movimentos, dificeis de serem acompanhados, forc;:am a subjetividade a ex­ perimentar, com freqiiencia, novidades sem 0 tempo necessario para digeri­ las. Is50 a deixa 'perdida' e sem saber 0 que fazer.

Como exemplo de movimentos do samba contemporiineo, podemos citar a globaliza~ao e as virtualiza<;oes, que produzem, de forma diferente de outros tempos, transformac;:6es diversas, nao so no plano economico e politi­ co, mas tambem no espac;:o, no tempo, no corpo, na inteligencia enos afetos.

A globaliza<;ao tern fon;:ado a subjetividade a lidar com uma serie de misturas; misturas de alimentos, roupas, musicas, ideias, cren<;as c modos de existencias, provenientes de varios cantos do mundo - oriental, americano, europeu, africano, asiatico abalando as formas de existir vigentes, deixando­ as instaveis diante de tanta variedade.

20 conceito de desterritorializaj;3o utilizado por Deleuze e Guattari, refere-se aos movimentos em que os territ6rios 'originais', relativos tanto a urn espaj;O vivido, quanto a urn sistema percebido, no seio do qual urn sujeito se 'scnte em casa' desfazcm-se

ininterruptameme.

(3)

· . . As virtualiza<;oes, tao frequentes na atualidade, tambem for<;am a subJetlvldade a provar urn outro jeito de se viver 0 real: "uma quase presen<;a:'(Levy,1996) 'urn e, mas nao eo' urn cerro desprendimento do aqui e agora. Com ISS0, os modos atuais de existenda sao desestabilizados e lan<;a­ dos a urn campo problematico - 0 virtual. 0 atual, campo das formas e das solu<;:oes, passa a ser incomodado e colocado em xeque pelo virtual. A virtualiza<;.ao: ~assagem do atual ( solu<;ao dada) para 0 virtual ( problema ), leva a subJetlVldade a encontrar consistencia num campo problematico.

o

contemporaneo expoe a subjetividade a uma multiplicidade de movi­ mentos, mundos e novidades, e, ao fazer isto, a desloca de seu eixo habitual

de ter urn rumo definido, tra<;ado a priori, estavel e constante. como sabemos, por experienda propria, sem esse eixo, a subietividade fica sem chao

e c~m um~ sensa<;io de estranhamento, pois perde os referenciais que ate

entao a delxava ,em casa, e perde sua identidade, 0 enfim, aquilo que acredltava garantlr a sua consistencia e sua estabilidade.

o

contemporaneo treme nossos contornos e desmancha as imagens que temos de nos mesmos. Por isso, e que esses movimentos foram chamados de ~a~ba da desterritorializa<;io, por eles desfazerem os territorios subjetivos lrunterruptamente.

A pergunta 'com que roupa?' vern das sensa<;oes terriveis des sa subjetivi­ dade ver-se desmanchando e, ao mesmo tempo, da vontade de inventar no­ vas formas de existir. De mudar de alma. Mas ir pca luta de que jeito?

Abrindo 0 guarda-roupa e enfrentando urn outro problema - 0 da escolha do traje para vestir a subjetividade. Como escolher diante da oferta infinita do mercado ou do leque de possibilidades que ele apresenta?

· 0 ,n:~rcado oferece de tudo - videntes, terapias orientais, drogas, ma­ nualS, religlOes, dan<;as, mudan<;as corporais, contatos extra terrestres etc. No momento delicado em que vivemos, atravessados pelas desilusoes com os projetos sodais, pelas promessas magic as de fim de milenio e desacreditados das a<;~e,~ coletivas, nao e ficil optar.

E

dificil tambem nao se deixar capturar

pel~s ~d~las sedutoras do mercado, especialmente, aquelas que apostam na

sUb)etl':ldade, numa perspectiva individualista e subjetivista.

. ,. E im~ressionante a quantidade de propostas de mudan<;as para a sub­ jetIVldade, dlsponiveis nas prateleiras das livrarias. Ha uma oferta infinita, ofe­ recendo-nos safdas para tentar elirninar 0 mal-estar.

· Du.as delas fic~m mais evidentes nas vitrines - a literatura de auto-ajuda e a tnteligencla emoclonal-, por estarem sendo muito procuradas ultimamen­ te, segundo relato de alguns vendedores.

As propostas da auto-ajuda sugerem: acreditar em si mesmo, usar a mente a favor da mudant;a pessoal, responsabilizar-se pela dire<;io da vida, mudar por dentro, fuzer afirma<;oes positivas - de preferencia, diante de urn

espelho, afastar-se dos problemas d

_

'

'.

. a si proprio. Urn dos autores da ir~ com 0 mundo em si. 0 caso nao

e

que tern que mudar."(Ribeiro, 1992) Tais propostas podem ser co. moleculares no campo da subjeti"'i~",,,,, caminhos que busquem solus:oes

in

se elas mudarem por dentto, 0 m versao ao individualismo contem Investir nessa pontica

e

co e da identidade, imaginados perdid zar os efeitos das desterritorializacc-. . atualmente. Ao tentar manter viva identica a S1 mesma, tal pontica con .. e urna estrategia, que escapa por en identico a si mesmo. Investir nessa insistir na 'forma homem' que niio

e se enttistece diante do samba

da

e quis:a de ttansbordar, aprisiona a capacidade de invens:ao de novas

Neste sentido, a pontica

da

urna especie de armadilha na con investe em uma dires:ao, que, 't:eaJl1£:III.

vigente da subjetividade ) e aposta A outta proposta que

WII.b!iI.

inteligencia emocional, cuja prom bilitar mais atens:ao

a

competencia.

Essa pontica insiste em QUC::,.QI.

e que as pessoas aprendam a

ge:rerac;. •

1

a adiar a satisfas:ao, a impedir que .

conttolar as emos:oes perturbadoru., Esta em jogo nessa polftica pensamento - uma relas:ao de

cap

que 0 mal-estar presente, hoje. na . nado com a falta de adequas:ao

das.

para lidar com seus afetos de fo suas emos:oes. Por isso, 0 que se

teIll:

possivel - aprender a lidar melho.r., amor, com a frusttas:ao etc.

Essa polftica tambem

gera.

(4)

20

frequentes na atualidade, tambem fon,:am a jeito de se viver 0 real: "uma quase nao e,' urn certo desprendimento do aqui e de existencia sao desestabilizados e lanc;:a­ o virtual. 0 atual, campo das form as e das

e colocado em xeque pelo virtual. A soluc;:ao dada) para 0 virtual ( problema ), iOn:sisten<:i'a num campo problematico.

a uma multiplicidade de movi­ fazer isto, a desloca de seu eixo habitual

a priori, estavd e constante. como sem esse eixo, a subjetividade fica sem chao pois perde os referenciais que ate sua identidade, 0 Eu, enfim, aquilo que

e sua estabilidade.

contomos e desmancha as imagens que que esses movimentos foram chamados de eles desfazerem os territ6rios subjetivos vern das sensac;:6es terriveis dessa subjetivi­

tempo, da vontade de inventar no­ alma. Mas ir pra luta de que jeito? . enfrentando um outro problema - 0 da

Metw1/111dlt> Como escolher diante da oferta possibilidades que de apresenta?

- videntes, terapias orientais, drogas, ma­ corporais, contatos extra terrestres etc. No

atravessados pdas desilusoes com os 1UJlI~1l;;~:S de fim de milenio e desacreditados

E

dificil tambem nao se deixar capturar especialmente, aquelas que apostam na [IW.VILIUa.ll~lca e subjetivista.

de propostas de mudanc;:as para a sub­ das livrarias. Ha uma oferta infinita, ofe­

o mal-estar.

nas vitrines a literatura de auto-ajuda sendo muito procuradas ultimamen­ sugerem: acreditar em si mesmo, usar a

responsabilizar-se pela direc;:ao da vida, positivas - de preferencia, diante de urn

OPSIS - Revista do Niese, V.I, Maio de 2001

espelho, afastar-se dos problemas desagradaveis, controlar 0 pensamento, amar a si proprio. Um dos autores da area afirma que "nao tern nada de errado com 0 mundo em si. 0 casu nao e mudar 0 Brasil, nem a sociedade. Voce e que tem que mudar."(Ribeiro, 1992)

Tais propostas podem ser consideradas estrategias politicas invisiveis e moleculares no campo da subjetividade, que indiquem caminhos de m·.ldanc;:a; caminhos que busquem soluc;:6es internas e fac;:am as pessoas acreditarem que se elas mudarem por dentro, 0 mundo tambem mudara. Sao formas de con­ versao ao individualismo contempod.neo.(Rudiguer, 1996)

Investir nessa politica e complicado, pois, ao apostar no resgate do Eu e da identidade, imaginados perdidos, a subietividade tenta tambem neutrali­ zar os efeitos das desterritorializac;:6es, que tanto a perturbam e a contorcem,

~~al~ente: Ao tentar manter viva a representac;:ao de uma figura de sujeito

ldentlca a SI mesma, tal politica continua nao percebendo que 0 controle de si e uma estrategia, que escapa por entre os dedos e que e ilusoria a crenca num identico a si mesmo. Investir nessa politica, portanto, e, como diz

Ni~tzsche,

insistir na 'forma homem' que nao tolera os movimentos, que adoece, se fecha e se entristece diante do samba da vida. Essa forma rigida, dificil de envergar e quic;:a de transbordar, aprisiona a vida, quando gruda em um Eu que trava a capacidade de invenc;:ao de novas possibilidades de existencia.

Neste sentido, a politica da auto-ajuda pode ser compreendida como uma especie de armadilha na contramao do samba da desterritorializac;:ao. Ela investe em uma direc;:ao, que, 'teoricamente' gostaria de livrar-se ( a forma vigente da subjetividade ) e aposta na repetic;:ao e na manutenc;:ao da mesma. A outra proposta que tambem sugere mudanc;:as a subjetividade e a

i~t:ligenc~a emocional, cuja promessa e levar inteligencia as emoc;:oes e possi­

bilitar mrus atenc;:ao a competencia emocional.

Essa politica insiste em que 0 corac;:ao e a razao entrem em harmonia e que as pessoas aprendam a gerenciar suas emoc;:6es, a controlar os impulsos, a adiar a satisfac;:ao, a impedir que a aflic;:ao invada a capacidade de pensar e controlar as emoc;:6es perturbadoras.

Esta em jogo nessa politica um tipo de relac;:ao da sensibilidade com 0 pensamento - uma relac;:ao de captura do sensivel. A proposta leva a entender que 0 mal-estar presente, hoje, na subjetividade, na instabilidade, esta relacio­ nado com a falta de adequac;:ao das emoc;:6es. As pessoas nao foram educadas para lidar com seus afetos de forma competente, nem para expressar bem suas emoc;:oes. Por i550, 0 que se tern a fazer e reaprende-Ios da melhor forma pOSSIVe! - aprender a lidar melhor com a agressividade, com a raiva, com 0 arnor, com a frustrac;:ao etc.

Essa politic a tambem gera alguns incomodos. Um deles

e

0 risco de

simplificar a questao da mudanc;:a da subjetividade, quando afirma que 0 mal­ 21

(5)

estar emocional, vivido hoje, pode ser solucionado mediante 0 reaprendizado das emo<;:oes. 0 outro incomodo e 0 risco que essa polftica corre de investir na dire<;:ao oposta do samba da desterritorializa<;:ao.

o

momento atual exige mais que 0 reaprendizado das emo<;:oes, ou a repeti<;:ao e a reprodu<;:ao dos mesmos modos de sentir.

0

que 0 contempo­ raneo exige e que sejam problematizadas as formas de sentir, de pensar e de existir para que a cria<;ao emerja.

E

preciso apostar na invenc,:ao de novas possibilidades sensfveis. 0 caminho do reaprendizado das emo<;:oes pode "so­ lucionar" alguns problemas da subjetividade, como se comportar de uma maneira mais adequada diante de algumas situa<;:oes, mas nao ataca, talvez, 0

problema maior -0 de sua reinven<;:ao.

E

como diz Fernando Pessoa: "balda­

do / esfor<;:o 0 teu se queres sentir-te outras coisas sem sentires de outra ma­

neira, e sentires de outra maneira sem mudares de alma C... ) 0 unico modo de haver coisas novas, de sentir coisas novas e haver novidade no senti-las."(pessoa, 1996)

Diante da dificuldade de se 'ajustar' as propostas do mercado, pode-se conduit que nao existe traje ou roupa alguma a ser descobetta, mas a ser inventada, a ser criada, forjada. Nao existem receitas prontas para vestir e mudar a subjetividade. 0 que se tern e urn lange e arduo trabalho a ser feito no invisfvel de sua produ<;:ao. Urn enfrentamento sem fuga e, de uma certa manetra, sem ilusoes de que 0 samba a que fomos convidados nos pouparia de nos tornar outros.

Nao temos outra saida, a nao ser aprender a rebolar 'na marra'; apren­ der a transitar com mais serenidade neste samba tao dificil de acompanhar. Ou seja, aprender a conviver com as misturas diversificadas e adquirir mais tranquilidade para experimentar as desterritorializa<;:oes. Talvez pudessemos aproveitar melhor a onda das virtualiza<;:oes para ficar de olho na invisibilidade virtual, que inquieta, problematiza e obriga a subjetividade a colocar novos atuais ( solu<;:oes dadas aos problemas colocados pelo virtual) para funcionar. Talvez pudessemos, tambem, aprencler com as praticas das misturas ever que os encontros nao sao indigestos necessariamente. Eles poclem ser potentes. Mas nao vale qualquer tipo de mistura e de encontro. I\1isturar de qualquer jeito nao vale. Aten<;:ao: Os encontros sao bons quando aumentam a potencia de agir e dao alegria e sao maus quando a diminuem, tornam-se indigestos e provocam tristeza. A esse respeito, Deleuze tambem da outra dica importante: preciso afetar-se de alegria, multiplicar os afetos que exprimem 01.1 envol­ vern urn maximo de afirmac,:ao."(Deleuze & Pamer, 1998)

o

convivio da subjetividade brasileira com as rrllsturas diversas, ao longo do tempo, indica que ela tern experiencia nesse campo, pois teve que adquirir, "na marra,' jogo de cintura para rrllsturar e com iS50, conquistou liber­ dade de improvisac,:ao, aprendeu a compor territorios e aceitar 0 efemero

22

como condi~ao de sua existencia.l diante do samba contempod.neo ..

o

samba, produ~ao aoruco-rJdI algumas dicas de como fazer um dade brasileira produziu um 'encOI1lut - ao criar 0 ritmo.

o

samba e desdobramento resultante dos diferentes tipos de Soube criar uma altemativa rfonit!1

desestabilizou os ritmos convc:n(:ioJ" diferente, que convoca 0 corpo a e intima. 0 corpo

e

convidado a A malandragem do samba capacidade de deixar-se afetar pdf

tente para agir. Talvez, tambem

improvisa~oes, 0 born humor e a

os problemas da vida.

Isso fica claro em Noel sensibilidade agu~da, 0 cornpc)SiO.

uma escuta diferente. Noel ;I'\"'n..)·~ OUtros e experimentou, via musica. lidar com 0 imprevisto, manter 0 agir, saber fazer bons encontros

Do encontro com 0

composi~ao da subjetividade

passam. Sim, pois 0 samba e vir a ser. Isso pode ser percebido nas diferentes maneiras de toc:a-;Idt

Os devires podem levar que a mantem presa a eXlpetlmc:il,1 extrair particulas 'entre' aquilo jogarem a subjetividade num criam brechas virtuais ou intPnli!tl nem la, nem

ca.

Os devires nwn lugar-meio, mesti~o, que a OUtro e as estranhezas.(Serres, 1

3Esta ideia. de Suely Rolnik. foi

des.,.

subjetividade brasileira e a antrollofaa'1 4Noel Rosa e considerado urn

1910. ern urn bairro do Rio de JaDearo~... curta vida produziu mais de 200

rnwuCl"

(6)

22

ser solucionado mediante 0 reaprendizado

eo tisco que essa politic a corre de investir que 0 reaprendizado das emo<;:6es, ou a

modos de sentir. 0 gue 0 contempo­

I!lUza<las as formas de sentir, de pensar e de

E

preciso apostar na inven<;:ao de novas do reaprendizado das emot;:6es pode "so­

. etividade, como se comportar de uma algumas situa<;:6es, mas nao ataca, talvez, 0

E

como diz Fernando Pessoa: "balda­ outras coisas sem sentires de outra ma­ sem mudares de alma ( ...) 0 unico modo de

novas e haver novidade no senti-Ias."(pessoa, 'ajustar' as propostas do mercado, pode-se roupa alguma a ser descoberta, mas a ser existem receitas prontas para vestir e tern e urn longo e arduo trabalho a ser feito enfrentamento sem fuga e, de uma certa a que fomos convidados nos pouparia

-'--~~-~

ser aprender a rebolar 'na marra'; apren­ neste samba tao dificil de acompanhar. as misturas diversificadas e adguirir mais desterritorializa<;:6es. Talvez pudessemos

UlllIza(,:QC::~ para ficar de olho na invisibilidade e obriga a subjetividade a colocar novos colocados pdo virtual) para funcionar. com as praticas das misturas ever gue necessariamente. Eles podem ser potentes. e de encontro. Misturar de qualguer sao bons quando aumentam a potencia a diminuem, tornam-se indigestos e Deleuze tambem da outra dica importante: tultlPhcar os afetos gue exprimem ou envol­

iJ..lC::IC::U'~C:: & Parnet, 1998)

brasileira com as misturas diversas, ao experiencia nesse campo, pois teve gue para misturar e com isso, conquistou liber­ a compor territorios e aceitar 0 efemero

OPSIS - Revista do Niese, V.l, Maio de 2001

como condi<;:ao de sua existencia.3 Essas estrategias talvez sejam interessantes

diante do samba contemporineo.

o

samba, produt;:ao dtmico-melodica brasileira tambem pode nos dar algumas dicas de como fazer urn born encontro com as misturas. A sensibiJi­ dade brasileira produziu urn 'encontrao' - possibilidade etimologica do samba - ao criar 0 ritmo.

o

samba

e

desdobramento dos encontros espontaneos e ludicos;

e

resultante dos diferentes tipos de misturas, ritmos e melodias. Ele

e

im'entivo . Soube criar uma alternativa rftmico - melodic a gue modificou, alterou e desestabilizou os ritmos convencionais. Ou seja, 0 samba cdou uma marca<;:ao

diferente, gue convoca 0 corpo a participar de uma forma muito viva, alegre

e intima. 0 corpo e convidado a compor com 0 ritmo.

A malandragem do samba talvez venha da!, da alegria da criat;:ao, da capacidade de deixar-se afetar por urn grande numero de coisas e tornar po­ tente para agir. Talvez, tambem seja por isso gue 0 ritmo acolhe tao bern as

improvisa<;:6es, 0 born humor e a habilidade para dar urn 'tom' mais \eve para

os problemas da vida.

Isso fica claro em Noel Rosa4

• Com irreverencia, born humor e uma

sensibilidade agu<;:ada, 0 compositor criou versos gue leva ram os ouvidos a

uma escuta diferente. Noel jogou com os afetos(Naffah), deu-lhes sentidos outros e experimentou, via musica, possibilidades sonoras e afetivas, tais como lidar com 0 imprevisto, manter 0 born humor diante da vida, ser potente para

agir, saber fazer bons encontros com as dores e criar novidades no sentir. Do encontro com 0 samba, pode-se ardscar a pensar numa possivel

composiyao da subjetividade com este. Compor com os devires que 0 per­

passam. Sim, pois 0 samba e atravessado por devires, par possibilidades de

vir a ser. Isso pode ser percebido na sua historia vis1vel, nas letras, no ritmo e nas diferentes maneiras de toea-lo e de dan<;:a-Io.

Os devires podem levar a subjetividade a desgrudar-se da raiz, daguilo gue a mantem presa a experiencia da repeti<;:ao. Os devires podem leva-I a a extrair particulas 'entre' aquilo que esta dado e aguilo que esta por vir. Por jogarem a subjetividade num 'vir a ser', nao formatado, nao dado a priori, des criam brechas virtuais ou intervalos na subjetividade territorios indefinidos, nem la, nem ea. Os devires levam a subjetividade a fixar-se no movimento, num lugar-mdo, mestiyo, que a lan<;:a a novas aprendizagens,

a

exposi<;:ao ao outro e

as

estranhezas.(Serres, 1993) IS50 facilita 0 transito e a passagem para 3Esta ideia, de Suely Rolnik, foi desenvolvida nos seus diversos artigos e Iivros sobre a subjeti vidade brasileira e a antropofagia.

4Noel Rosa IS considerado urn dos maiores compositores da musica brasilcira. Nasceu em 1910, em urn bairro do Rio de Janeiro, e morreu em 1973, Viveu 27 anos e durante sua curta vida produziu mais de 200 musicas.

(7)

.

p

...

o inesperado, para 0 imprevisivel. A subjetividade e arrastada para 0 aprendi­

zado de mover entre as coisas, de proliferar e nao se fechar, nao endurecer e nao perder a vitalidade ..

o

que os devires provocam na subjetividade tem tudo a ver com 0 lugar

'sem lugar' que 0 contemporaneo nos faz habitar.

o

samba musica nos ensina um pouco sobre iS50, quando mostra sua malandragem para transitar 'entre' e atrair os devires; quando acolhe a diversi­ dade, experimenta diferentes possibilidades e torna-se potente para agir; quan­ do fabrica afetos novos e ouve as fon;as sonoras do tempo e arranca delas novos personagens.

A subjetividade, contaminado-se dessas estrategias, criaria zonas de lJisj.

nban(a com 0 samba. Tatearia esse campo e comporia com ele. 0 resultado dessa

contamina<;ao seria a alegria transbordante que vem da cria<;ao e da movimen­ ta<;ao do corpo. Um corpo aberto as vibra<;6es. Uma subjetividade criadora de novas figuras, acolhedora de diferentes possibilidades ritmicas, viva, astuta e produtora de bons encontros.

Para isso, e preciso inventar, experimentar, tatear no invisivel, pois nao se sabe a priori, 0 resultado da experimenta<;ao. Nesse processo, tanto 0 sujeito quanto 0 mundo se refazem. A inven<;ao nao passa pela exclusividade de uma pratica pensada racionalmente. Eta e vivida por tateio, por sensibilidade, no avesso das formas.

Isso quer dizer que a roupa a ser inventada deve passar, tambem, par uma experimenta<;ao ncr avesso, pois 0 avesso tem 0 seu char me. Ele tem a ver com 0 invisivel das formas e das aparencias, coisas tao apreciadas no contemporaneo. Tem a ver com 0 virtual, campo da problematica, que for<;a

o atual a criar novas solu<;6es.

Viver, na pele, 0 desassossego de tornar-se outto, nao e fieiL f~ coerer

risco. Nao tem faz de conta, nem ensaios e, talvez, nem final feliz. ]\fas quem sabe essa seja a dor ou a de/faa de ex/Stir no final do mileruo.

Referencias Bibliogrdficas

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NAFFAH, Alfredo. Figuras poeticas de suijetitl/ilade amorosa - 0 amor ma/andro

cantado por Noel Rosa.

PESSOA, Fernando. Livro do desassossego. v.l,Campinas: Ed. da UNICAMP, 1996

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RUDIGUER, Francisco. Literatura de auto-qjuda eindil'idualismo. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1996.

SERRES, Michel. [<'ilosoJia mestira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

-

24

OPSE.

POLinCA DE

MElO AMBII

SOCIAL"

Resumo:

a

presente artigo analisa as dificuldadcs em se estabelecer uma poUtica de meio ambiente que seja representativa das com, plexidades inerentes ao territorio brasilci­

roo Demonstra que 0 conceito de "Desen­ volvimento Sustentave\" , como cstrate­ gia global de desenw)ldmento, neccssita superar a visao hist6rica da naturcza

as

leis de mercado e buscar uma sustentabihdade social para 0 futuro do homem no planeta.

A partir da segunda metade ( a compor com as varias formas de dos, que reivindicam mudan<;as com qualquer escala de abrangencia. Ao economica e social conremporanea, a

bilidade de novas formas de participa\ a cidadania do "lugar social", a/em de quest6es como a etica, a politica, •

Hi

uma profunda crise cont esgotabilidade de urn processo prod! sua face perversa at raves de varias Duas quest6es, que esrao longe de Sf

cadas como os grandes desafios para

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