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Da incidência do imposto sobre transmissão de bens imóveis nas transferências de bens que excedam o valor das cotas ou ações em realização de capital

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

GABRIEL CARNEIRO DE CASTRO

DA INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS NAS TRANSFERÊNCIAS DE BENS QUE EXCEDAM O VALOR DAS COTAS OU AÇÕES

EM REALIZAÇÃO DE CAPITAL

FORTALEZA 2019

(2)

GABRIEL CARNEIRO DE CASTRO

DA INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS NAS TRANSFERÊNCIAS DE BENS QUE EXCEDAM O VALOR DAS COTAS OU AÇÕES EM

REALIZAÇÃO DE CAPITAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Tributário.

Orientador: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo.

Coorientador: Prof. Dr. Carlos César Sousa Cintra e Mestranda Ana Paula Ferreira de Almeida Vieira Ramalho.

FORTALEZA 2019

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C351i Castro, Gabriel Carneiro de.

Da incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis nas transferências de bens imóveis nas transferências de bens que excedam o valor das cotas ou ações em realização de capital / Gabriel Carneiro de Castro. – 2019.

50 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2019.

Orientação: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo . Coorientação: Prof. Dr. Carlos César Sousa Cintra .

1. Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis. Imunidade Específica. Hipótese de Incidência. Realização de Capital. Reserva de Capital.. I. Título.

(4)

GABRIEL CARNEIRO DE CASTRO

DA INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS NAS TRANSFERÊNCIAS DE BENS QUE EXCEDAM O VALOR DAS COTAS OU AÇÕES EM

REALIZAÇÃO DE CAPITAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Tributário.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. Carlos César Sousa Cintra

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Ana Paula Ferreira de Almeida Vieira Ramalho

(5)

A Deus.

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço, inicialmente, a Deus, que para uns significa tudo e para outros é uma ficção. Eu mesmo, por bom tempo, O julguei impossível. Hoje, me contento com a impossibilidade de julgá-lo.

À minha família e, sobretudo, à minha avó Maria José, sem a qual não só esta monografia não seria possível, mas o próprio autor.

A Amanda pelo apoio nas horas difíceis, em que sua tranquilidade e ternura mostraram que a tenacidade não é física, mas espiritual.

Ao professor Hugo Segundo, que me ensinou a compreender o Direito sob outra perspectiva, pela inexcedível paciência, gentileza e disposição em ajudar.

Aos amigos Caio e Moisés pela sempre prestativa atuação no exercício do ofício tornar conhecimento e cultura mais acessíveis.

(7)

“In this world nothing can be said to be certain, except death and taxes.”

(8)

RESUMO

O presente trabalho cuida de investigar o fenômeno da incidência do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência dos municípios e do Distrito Federal, sobre operações que envolvem a transferência de bens imóveis e direitos a eles relativos, exceto os de garantia, entre uma pessoa física ou jurídica e outra pessoa jurídica em realização de capital. O tema da monografia abrange a forma como se deve interpretar a imunidade constante do art. 156, § 2°, inciso I da Constituição Federal, considerando os conceitos de direito comercial de que o Constituinte se utilizou para elaborar o dispositivo de não tributação e sua eficácia e aplicabilidade. A matéria se encontra sob apreciação do Supremo Tribunal Federal no âmbito do recurso extraordinário n° 796.376, tendo sido analisadas na pesquisa as decisões judiciais que antecederam o reconhecimento de repercussão geral ao tema. Com o recurso às categorias jurídicas fundamentais do Direito Tributário, em que se destacam a hipótese de incidência e o fato jurídico tributário, e aos conceitos de Direito Comercial pertinentes, tendo por base a unidade do ordenamento jurídico e a necessidade de se conferir à norma de imunidade a maior efetividade possível, concluiu-se que, nas transmissões em que houver, além da integralização do capital social, a formação do elemento patrimonial conhecido como reserva de capital, haverá a incidência do ITBI sobre a parte do valor dos bens imóveis que exceder as ações ou cotas do capital social.

Palavras-chave: Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis. Imunidade Específica.

(9)

ABSTRACT

The present work investigates the phenomenon Tax on Real Estate Transfer, of the jurisdiction of the municipalities and Federal District on operations involving the transfer of real estate and related rights, except for collateral, between a natural or legal person and another legal entity in the form of capital. The theme of the monograph deals with how to interpret immunity in art. 156, § 2°, subsection I of the Federal Constitution, considering the concepts of commercial law that the legislator used to elaborate the non-taxation mechanism and its effectiveness and applicability. The material is under evaluation of the Federal Supreme Court in the scope of extraordinary appeal No. 796.376, and the judicial decisions that preceded the recognition of general repercussion on the subject were analyzed in the investigation. With the use of the fundamental legal categories of Tax Law, with emphasis on the incidence hypothesis and the tax legal fact, and the relevant Commercial Law concepts, based on the unity of the legal system and the need to confer the immunity standard on greater effectiveness, it was concluded that, in the case of transfers where there is, besides the payment of social capital, the formation of the equity element known as capital reserve, there will be an incidence of Tax on Real Estate Transfer on the part of the value of the real estate that exceeds the shares or quotas of the capital stock.

Keywords: Tax on Real Estate Transfer. Specific immunity. Incidence hypothesis. Realization

(10)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 DA IMUNIDADE ESPECÍFICA DO ITBI SOBRE A INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL COM BENS IMÓVEIS ... 12

2.1 Do problema... 12

2.2 Critério material da regra-matriz de incidência do ITBI ... 13

2.3 Da limitação da competência tributária ... 16

2.3.1 Imunidades ... 19

2.3.2 Imunidades e isenções ... 21

2.4 Imunidade específica do art. 156, § 1°, I, da Constituição Federal ... 22

2.4.1 Finalidade da norma ... 24

2.4.2 Eficácia e aplicabilidade do art. 156, § 2°, inciso I ... 25

2.4.3 Interpretação ... 27

3 DA INCIDÊNCIA DO ITBI SOBRE A PARCELA DO VALOR DOS BENS CONFERIDOS EM INTEGRALIZAÇÃO QUE EXCEDE O VALOR DAS AÇÕES REPRESENTATIVAS DO CAPITAL SOCIAL... 32

3.1 Conceito de integralização do capital social ... 32

3.2 Formação das reservas de capital ... 34

3.3 Finalidades das reservas de capital ... 36

3.3.1 Absorção de prejuízos ... 37

3.3.2 Resgate, reembolso ou compra de ações ... 38

3.3.3 Resgate de partes beneficiárias ... 38

3.3.4 Incorporação ao capital social ... 39

3.3.5 Pagamento de dividendo a ações preferenciais ... 39

3.4 Concretização da hipótese de incidência do ITBI em face da formação de reservas de capital e de suas finalidades... 40

3.5 Suporte fático comum a duas normas de competência ... 44

3.6 Decisões judiciais sobre o tema ... 46

(11)

1 INTRODUÇÃO

A complexa relação que se instaura entre o Fisco e os contribuintes, em que o interesse fiscal, no mais das vezes relacionado ao atendimento de necessidades básicas impostas como dever do Estado pela ordem constitucional, e os direitos fundamentais dos contribuintes entram em rota de colisão, enseja, frequentemente, grandes discussões cuja solução recruta conhecimentos e conceitos que desbordam do próprio Direito Tributário. O presente trabalho cuida de tema em que esse entrechoque de interesses, para ser solucionado, demanda recurso a categorias próprias de outras áreas da ciência jurídica, como o Direito Constitucional e o Direito Comercial.

Cuidou-se aqui de questionar se, diante da norma imunizante do artigo 156, § 2°, inciso I, da Constituição Federal, que impede a tributação pelos municípios e pelo Distrito Federal do ITBI em operações de realização do capital social de pessoas jurídicas, seria plausível a cobrança do tributo pelos entes políticos competentes nas transmissões de imóveis realizadas para integralização de ações ou cotas.

A referida questão veio a lume, nacionalmente, com o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de repercussão geral ao tema, que foi levado ao conhecimento daquela Corte por meio de recurso extraordinário oriundo de Santa Catarina, levantando discussões por todo o País, principalmente em razão da adoção, pelas Fazendas Municipais, de entendimentos orientados à cobrança do ITBI nesse tipo de operação.

Para responder à indagação outro meio não poderia ter sido utilizado senão o recurso às categorias básicas do Direito Tributário, quais sejam a hipótese de incidência, o fato jurídico-tributário, as normas de competência e as imunidades, analisando-as em consonância com conceitos constitucionais e comerciais, a exemplo da classificação das normas constitucionais segundo sua eficácia e aplicabilidade, das noções de interpretação das normas constitucionais veiculadoras de direitos fundamentais e dos conceitos de integralização do capital social e de formação de reservas de capital.

Tendo por base a unidade sistemática do ordenamento jurídico e, em última instância, a própria unidade do conhecimento humano, esses conceitos, separados como objetos de reflexão por diferentes ramos da ciência jurídica, na verdade, dialogam na construção do sentido normativo do dispositivo de imunidade específica do ITBI, sendo necessário, para apreender a intenção do Constituinte ao utilizá-los no dispositivo, compreendê-los harmonicamente.

(12)

A razão de ser desta monografia resulta do fato de que, na análise do conflito entre o interesse fiscal e os direitos individuais dos contribuintes, alçados ao nível de cláusulas pétreas, não se pode chegar a conclusões simplistas e enviesadas, destinando-se o trabalho a aclarar tanto quanto possível o tema. Isso porque o objeto de estudo é naturalmente complexo, ensejando diferentes abordagens, umas voltadas à análise da desconsideração de negócios jurídicos, e outras à hermenêutica dos dispositivos constitucionais, não podendo ser relegado a reflexões superficiais.

A relevância do tema, inclusive por conta do reconhecimento de repercussão geral pela Suprema Corte, justifica-se pela amplitude de seu impacto nas relações entre os Fiscos Municipais e os contribuintes, considerando ser a tributação nesses moldes resultante da compreensão da extensão e dos limites da própria norma constitucional de não tributação.

No intento de esclarecer, ainda que sob perspectiva específica (a da integralização quando há formação de reserva de capital), o tema da incidência do ITBI, este trabalho se valeu, partindo da doutrina, principalmente tributária e comercial, de metodologia indutiva, por meio da qual se buscou apresentar conclusão resultante da confluência de pressupostos aceitos pelos Direitos Tributário, Constitucional e Comercial. Ao fim do trabalho, remeteu-se ao entendimento, ainda incipiente, de alguns órgãos do Judiciário e do Ministério Público que já se manifestaram sobre a matéria.

Em relação a organização do tema entre os capítulos, buscou-se, no primeiro, (i) apresentar mais detalhadamente o problema de que se ocupa esta monografia, explicando sua origem, (ii) explanar as categorias jurídico-tributárias necessárias à compreensão do problema (hipótese de incidência, regra matriz e seu critério material, imunidades) e os temas constitucionais envolvidos, quais sejam a eficácia e aplicabilidade da norma constitucional de não tributação e sua interpretação, e (iii) lançar as bases para que o segundo capítulo desdobrasse o fenômeno da integralização concomitante à formação de reservas de capital já analisando se ele se subsumiria à norma de tributação.

O segundo capítulo tratou, portanto, de demonstrar a natureza e as finalidades do capital social e das reservas de capital, extremando os fenômenos que resultam na realização daquele e na constituição destas. A partir daí, verificou-se a possibilidade de sobre uma mesma operação, ou mesmo suporte fático, ocorrer a incidência de duas normas diversas, uma de tributação e outra de não tributação. Em seguida, como parte da compreensão do tema, buscou-se analisar opinião contrária à incidência do ITBI, in casu, e pontos que pudessem prejudicar a conclusão a que se chega pela pesquisa. Por fim, analisaram-se decisões judiciais e o parecer da Procuradoria-Geral da República sobre o tema.

(13)

2 DA IMUNIDADE ESPECÍFICA DO ITBI SOBRE A INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL COM BENS IMÓVEIS

Para a correta compreensão do instituto da imunidade e seus efeitos no caso específico do ITBI que seria incidente sobre a transmissão de bens imóveis a pessoa jurídica em realização de capital, precisa-se contextualizar em que circunstâncias se debate a abrangência da norma imunizante plasmada no art. 156, § 2°, inciso I, da Constituição Federal, e quais as categorias jurídicas fundamentais envolvidas.

2.1 Do problema

O tema de que se ocupa este trabalho veio à tona, em nível nacional, após a repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do recurso extraordinário n° 796.376, oriundo do estado de Santa Catarina, sendo recorrente a pessoa jurídica Lusframa Participações Societárias Ltda. e recorrido o Município de São João Batista1.

Segundo o relatório apresentado pelo Ministro Relator Marco Aurélio, em pronunciamento no qual pugnava pelo reconhecimento de repercussão geral ao recurso, o Município recorrido não reconheceu integralmente a incidência da norma imunizante do artigo 156, § 2°, I, da Constituição Federal, sobre a operação de integralização de parcela do capital social da sociedade2.

O valor dos bens conferidos ao capital na sua realização excediam o valor das respectivas cotas representativas. Em razão disso, e por entender que a abrangência da eficácia do preceito imunizante não abarcasse a fração do valor dos bens imóveis que excedesse o valor das cotas, o referido Município, por meio de sua Administração Fazendária, denegou administrativamente o reconhecimento da imunidade sobre o valor integral do bens transmitidos, concluindo, entretanto, pela não tributação do valor dos bens imóveis que correspondesse às cotas3.

1

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n° 796.376. Lusframa Participações Societárias Ltda e Município De São João Batista. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília,

Distrito Federal, 29 de agosto de 2017. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4529914&nume roProcesso=796376&classeProcesso=RE&numeroTema=796> Acesso em: 25 mai. 2019.

2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n° 796.376, op. cit. 3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n° 796.376, op. cit.

(14)

Insurgindo-se contra esta decisão administrativa, a referida sociedade recorreu ao Judiciário para pleitear o reconhecimento da imunidade sobre a integralidade dos bens conferidos, aduzindo ser a norma constitucional questionada de eficácia absoluta, não comportando redução de sua aplicabilidade por parte do Ente Tributante. Ademais, ressaltou que a parcela de valor dos imóveis que excedesse as cotas seria, nos termos do ato constitutivo, utilizada na formação de reserva de capital4.

Assim, dada a pertinente discussão sobre matéria constitucional, a requerer decisão pela Suprema Corte, foi reconhecida repercussão geral, sendo os autos encaminhados para a Procuradoria-Geral da República. Este órgão, então, proferiu parecer, cujas razões serão discutidas neste trabalho em momento oportuno, pelo desprovimento do recurso no mérito5.

O citado recurso ainda não foi objeto de apreciação pelo colegiado competente do STF. Fez surgir, no entanto, questionamentos acerca da matéria discutida, demandando reflexão científica que busque clarificar, ao menos parcialmente, a quaestio juris envolvida.

É o que se tenta fazer com este trabalho, e se tenta parcialmente em razão do reconhecimento de que a matéria de fato objeto da discussão jurídica é deveras complexa e enseja perspectivas amiúde diversas, a exemplo da reflexão sobre planejamento tributário, sobre a interpretação da norma imunizante ou, ainda, sobre a própria natureza desta.

Necessário foi, portanto, realizar recorte do objeto para que servisse à investigação a que este trabalho se propõe. Assim, será alvo de considerações a incidência ou não do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) nas operações em que os bens conferidos excedam o valor das cotas ou ações representativas do capital social, e em que haja a formação de reserva de capital, como no caso fático acima destacado.

2.2 Critério material da regra-matriz de incidência do ITBI

A hipótese de incidência tributária, ou hipótese tributária, como preferem alguns6, constitui-se numa descrição legal dos fatos que, uma vez ocorridos, fazem surgir uma particular relação entre o Fisco e o contribuinte. Assim como outras abstrações normativas, ela só existe como categoria jurídica, sendo, como tal, uma representação fracionária da realidade selecionada pelo legislador para produzir efeitos. Até esse ponto, em nada se difere

4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n° 796.376, op. cit. 5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n° 796.376, op. cit. 6 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 253.

(15)

de tantas outras previsões legais que demandam a verificação de determinadas circunstâncias a elas exteriores, mas por elas descritas, para projetarem seus preceitos de dever-ser sobre o

ser.

A diferença específica, no entanto, deriva da particular relação acima referenciada: aquela que se estabelece entre o Fisco e o contribuinte. Com a ocorrência do fato jurídico tributário, sua projeção factual7, a incidência da previsão legal faz surgir obrigação cujo objeto "é o comportamento consistente em levar dinheiro aos cofres públicos"8. Assim a hipótese tributária diferencia-se da penal, v.g.

Por sua vez, a regra-matriz de incidência é, em verdade, instrumento de representação da hipótese de incidência a facilitar, didática e cientificamente, a compreensão dos aspectos ou critérios, como se queira, que compõem a descrição legal de uma situação hipotética que, uma vez se concretizando, dá surgimento à obrigação tributária.

Sua relevância é por Paulo de Barros Carvalho assim enunciada:

A esquematização formal da regra-matriz de incidência tem-se mostrado um utilíssimo instrumento científico, de extraordinária fertilidade e riqueza para a identificação e conhecimento aprofundado da unidade irredutível que define a fenomenologia básica da imposição tributária. Seu emprego, sobre ser fácil, é extremamente operativo e prático, permitindo, quase que de forma imediata, penetrarmos na secreta intimidade da essência normativa, devassando-a e analisando-a de maneira minuciosa9.

Além dessas palavras qualquer esforço no sentido de demonstrar a praticidade do instrumento referenciado é desnecessário e padece de redundância. Entretanto, um exemplo que o aplique ao tributo objeto deste trabalho é frutífero para a discussão que se irá seguir.

Para tanto, é preciso ter em mente que a hipótese de incidência, logicamente representada pela regra-matriz, compõe-se de cinco critérios cuja reunião, no mundo fenomênico, é essencial para o surgimento, em razão da concretização da hipótese, ou ocorrência do fato jurídico tributário, da consequência tributária10.

Antes de representá-los (os critérios), é preciso compreender que a despeito de cada um deles ter um significado próprio, inconfundível com os demais e particularmente essencial para a verificação da hipótese de incidência, esta é indivisível como categoria jurídica, constituindo unidade lógico-jurídica incindível11. Assim, sua partição em elementos constitutivos serve apenas de meio à simplificação para fins de estudo.

7 CARVALHO, op. cit., p. 254.

8 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 16. tir. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 23. 9 CARVALHO, op. cit., p. 335.

10 CARVALHO, op. cit., p. 256 11 ATALIBA, op. cit., p. 65.

(16)

Graficamente e por uma representação semelhante à regra aritmética da adição, a hipótese de incidência poderia ser assim enunciada:

H.I = C.M + C.E + C.T + C.P + C.Q

Em que C.M seria seu critério material e C.E, C.T, C.P e C.Q, respectivamente, seus critérios espacial, temporal, pessoal e quantitativo.

Como afirmado, todos esses critérios são essenciais para a completa compreensão da hipótese de incidência, mas os três primeiros cuidam de descrever os elementos que, uma vez verificados, fazem surgir para alguém (critério pessoal) a obrigação de pagar determinada quantia (critério quantitativo).

Aplicando estes conceitos ao ITBI verifica-se que ele tem por critério material a ação, representada por verbo e complemento, de transmitir imóvel ou direito real a ele relativo, bem como direitos à sua aquisição. Seu critério temporal, por regra, é o momento que em se dá a transmissão e o elemento espacial é o território do município em que situado o imóvel. O critério pessoal é definido nas leis municipais12, geralmente, como sendo sujeito passivo o adquirente ou cessionário do bem imóvel ou direito a ele relativo. Por derradeiro, o critério quantitativo, composto por base de cálculo e alíquotas é fixado pelo Código Tributário Nacional13, em relação à base, e pelas leis municipais, em relação às alíquotas.

Assim, retomando o problema de que se ocupa este trabalho, exposto no tópico anterior e relativo à imunidade específica do artigo 156, § 2°, I, da Constituição Federal, percebe-se o porquê do título deste tópico. É que, dentre os critérios que compõem a hipótese de incidência, aquele que é afetado sobremaneira pela norma imunizante referida não é outro senão o critério material.

Isso se explica pelo fato de que, qualquer que seja o município (critério espacial) ou momento (critério temporal), ou quaisquer que sejam as pessoas jurídicas adquirentes (critério pessoal) e o quantum debeatur (critério quantitativo), ocorrida a transmissão nas circunstâncias materiais descritas no preceito imunizante não se verificará a hipótese de incidência. Daí, conclui-se que afetado pela norma imunizante que lhe retira os efeitos é o critério material da hipótese de incidência.

Referido critério, como acima exposto, constitui-se na transmissão dos bens imóveis e direitos a eles relativos e pode ser extraído da própria norma constitucional de atribuição de competência. Qual seja:

12 Art. 42 da Lei nº 5.172/1966: Contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada, como

dispuser a lei.

(17)

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...]

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

[...]

Discussões próprias a este aspecto da hipótese de incidência existem e são largamente apresentadas pela doutrina, cabendo, para os fins deste trabalho, dar destaque apenas à necessidade de onerosidade na transmissão, sob pena de se caracterizar fato jurídico tributário relativo a tributo diverso (o ITCD), e ao objeto dos atos ou negócios translativos, que precisa ser bem imóvel ou direito real a ele relativo, exceto os de garantia (no caso de imóveis, hipoteca e anticrese).

2.3 Da limitação da competência tributária

Em consonância com o quanto sustentado no item anterior acerca da hipótese de incidência, verifica-se que a norma instituidora do tributo, cuja validade repousa na superior previsão constitucional de competência tributária, encontra, de forma implícita ou explícita, limites na própria Lei Fundamental.

Diz-se, no contexto que aqui se atribui, implícita a forma de limitação quando, no exercício do esforço cognitivo de extração de um sentido da previsão de competência, acabam por emergir da norma que confere o poder de tributar alguns de seus próprios limites.

Assim é que, ao estabelecer que os Municípios, v.g., têm competência para instituir imposto sobre a "transmissão 'inter vivos', a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição"14, o Constituinte não apenas atribuiu poder de tributar, mas pôs luz sobre alguns limites fundamentais ao exercício da particular competência municipal (e distrital) para instituir o ITBI. Ou seja, a título do exercício de suas competências legislativas, não podem os Municípios distorcer a norma constitucional para abrigar sob a incidência do referido imposto as transmissões não onerosas de imóveis ou aquelas que se verifiquem pelo fato jurígeno da morte, sem, portanto, derivarem de negócios "inter vivos".

14 Art. 156, II, da Constituição Federal/1988: Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) II -

transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; (...).

(18)

Abstraindo-se, ad argumentandum tantum, da existência de tributo diverso a incidir sobre referidas transmissões, qual seja o ITCD, a limitação existe e se consubstancia no fato de que os termos utilizados pelo Constituinte, ainda que possam ser polissêmicos, guardam fidelidade a conceitos jurídicos cuja interpretação não permite que o Município exerça poder de tributar, em relação ao ITBI, para a além dos negócios ontologicamente onerosos, celebrados entre vivos e relativos a bens imóveis. Daí não se cogitar, por óbvio, de incidência do imposto municipal sobre uma hipotética transação em que duas partes negociam a alienação de um veículo automotor, já que, a despeito de oneroso e celebrado entre vivos, o negócio jurídico não tem por objeto bem imóvel. Possível lei municipal que transviasse esses conceitos estaria ferindo a implícita determinação constitucional de que não há incidência do ITBI sobre negócios relativos a bens móveis, não onerosos ou causa mortis.

Sobre matéria semelhante, mas referente ao imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), o STF já se pronunciou, no bojo do julgamento do R.E. n° 361.829-6/RJ, no seguinte sentido:

O ISS é um imposto municipal. É dizer, ao Municípios competirá instituí-lo (CF, art. 156, III). Todavia, ele está jungido à norma de caráter geral, vale dizer, à lei complementar que definirá os serviços tributáveis, lei complementar do Congresso Nacional (CF, art. 156, III).

Isso não quer dizer que a lei complementar possa definir como tributáveis pelo ISS serviços que, ontologicamente, não são serviços. No conjunto de serviços tributáveis pelo ISS, a lei complementar definirá aqueles sobres os quais poderá incidir mencionado imposto15.

Outro sentido não se pode extrair destas afirmações senão o de que o exercício da competência tributária na definição do critério material da regra matriz de incidência não pode, sob qualquer pretexto, ainda que sob a nobre busca de justiça fiscal, subverter o sentido jurídico dos significantes em que se apoia o Constituinte na tarefa de traçar os contornos da competência dos Entes Federados.

O Código Tributário Nacional traz disposição cujo objetivo, de maneira clara, se depreende ser o de impor respeito às disposições que limitam o exercício da competência tributária, disposições essas que, como se quer aqui demonstrar compreendem não apenas normas expressamente proibitivas, mas também as próprias delegações de competência. Verifique-se, nesse sentido, o quanto disposto no art. 110 do mencionado diploma legislativo nacional:

15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n° 361.829-6. Disponível em:

(19)

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

É por esse motivo que a jurisprudência é pacífica na compreensão de não haver incidência do ISS sobre a locação de bens móveis, já havendo o STF editado súmula vinculante sobre a matéria. Acerca disso, verifique-se o seguinte julgado (R.E. n° 602.295 AgR/RJ):

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCIDÊNCIA DE ISS SOBRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. PRETENSA NECESSIDADE DE NOVA INTERPRETAÇÃO APÓS O ADVENTO DA LC Nº 116/2003. ENTENDIMENTO QUE INDEPENDE DO DIPLOMA DE REGÊNCIA POR ESTAR AMPARADO NO CONCEITO CONSTITUCIONAL DE SERVIÇO. 1. A não incidência do ISS sobre a locação de bens móveis decorre da impossibilidade do poder de tributar vir a modificar o conceito constitucional de serviço que provém do direito privado. Tal conclusão afasta a competência do sujeito ativo com relação a qualquer dos diplomas que tenham disciplinado as normas gerais sobre o imposto. Não é por outro motivo que o item da atual lista de serviços que previa a possibilidade de fazer o tributo incidir sobre a atividade em questão foi objeto de veto presidencial. 2. Agravo regimental a que se nega provimento16.

Esta compreensão deriva da noção de ser serviço "o exercício de qualquer atividade intelectual ou material com finalidade lucrativa ou produtiva"17

, de sorte que a

simples obrigação de dar, em que se consubstancia a locação, não pode ser elencada como hipótese de incidência do ISS. Não fosse essa a compreensão dos Tribunais, estar-se-ia a contrariar o que aqui se designa por limitação implícita à competência tributária, segundo a qual o mencionado tributo municipal deve incidir sobre serviços (o que exclui, a título exemplificativo, obrigações de dar).

O que se quer com isso demonstrar é que a Constituição Federal não delimita a competência tributária apenas por meio de normas expressamente proibitivas, como as que veiculam imunidades, mas também pelas próprias normas que deferem essas competências, criando um subsistema constitucional de normas que, conjuntamente, perfazem uma moldura que contém o poder de tributar.

Assimilada esta noção, não se pode concluir que, para normas de igual finalidade, qual seja a de limitar o poder, técnicas interpretativas diversas sejam empregadas, tentando

16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 602.295. Locar

Munck Transporte e Locação De Máquinas e Equipamentos Ltda e Município Do Rio De Janeiro. Relator:

Ministro Roberto Barroso. Disponível em:

<http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=308381591&ext=.pdf> Acesso em: 23/05/2019.

(20)

atribuir a umas sentido restritivo, quando preveem competência, e a outras, significado que amplie indevidamente o alcance das expressões de direito privado utilizadas, quando veiculem regras expressas de limitação de poder. Melhor seria se perguntar qual a finalidade a que se destina a norma de competência e qual a significação dos termos de direito privado utilizados pelo Constituinte para lhe dar valor semântico, não se distorcendo tais termos para albergar hipóteses que sob eles não se encontram.

Sobre a compreensão de que as normas que sintaticamente atribuem competência e as normas que expressamente proíbem seu exercício são, na verdade, vias com o mesmo destino, qual seja o de conformar a competência tributária, assim se pronuncia Paulo de Barros Carvalho:

Inexiste cronologia que justifique a outorga de prerrogativas de inovar a ordem jurídica, pelo exercício de competências tributárias definidas pelo legislador constitucional, para, em momento subsequente ser mutilada ou limitada pelo recurso da imunidade. Aliás, a regra que imuniza é umas das múltiplas formas de demarcação de competência. Congrega-se às demais para produzir o campo dentro do qual as pessoas políticas haverão de operar, legislando sobre matéria tributária18.

O autor ainda afirma que é "curioso refletir que toda atribuição de competência, ainda que versada em termos positivos e categóricos, importa uma limitação"19.

Com isso, pode-se afirmar, com segurança, que, embora com estruturas sintáticas diversas, a semântica dos dispositivos que atribuem competência (veiculadores do que se chama limitações implícitas) e daqueles que expressamente a proíbem é semelhante, mormente quando se tem em mente a finalidade dessas normas, de sorte que não há margem para atribuir-lhes naturezas totalmente diversas a pretexto de limitar ou ampliar o poder de tributar. É nesse sentido, que se passa, neste trabalho, agora, a referenciar imunidade como norma de competência negativa.

2.3.1 Imunidades

Apreendida a concepção de que, em verdade, imunidades são normas de competência, ainda que negativas, posto terem o condão de conter o poder de tributar com o uso de expressões normativas de negação, ao contrário das normas de atribuição de competência, que utilizam termos de significância positiva, pode-se chegar a conclusão relevante sobre o referido instituto.

18 CARVALHO, op. cit., p. 181. 19 CARVALHO, op. cit., p. 181.

(21)

Trata-se de compreender que os conceitos de direito privado utilizados pelo Constituinte para perfazer o sentido normativo das disposições imunizantes devem ser interpretados com o mesmo rigor técnico utilizado na apreensão do sentido e alcance das normas positivas de competência. Isso porque elas não possuem naturezas diversas, senão apenas sintaxes opostas entre si para atingir o mesmo objetivo.

Sobre isso, Sacha Calmon Navarro Coêlho assim escreve:

As previsões jurídicas de tributação descrevem situações tributáveis. As previsões jurídicas imunitórias e isencionais descrevem situações intributáveis.

No plano da linguagem-do-objeto existem inúmeros textos, desde a Constituição, prevendo tributações e intributações expressas.

No plano normativo, todas as previsões de tributabilidade e intributabilidade se juntam no descritor da norma tributária20.

Com isso, quer-se dizer que ambas as normas merecem tratamento semelhante na perquirição de seus objetivos, já que ambas se unem na finalidade de conformar o poder de tributar.

Isso é facilmente compreensível se se partir do pressuposto de que o poder de tributar antecede o Direito, sendo dele independente e derivado da própria soberania. Noutras palavras: não são as normas positivas de competência, jurídicas que são, que atribuem poder, cuja natureza é política. Hugo de Brito Machado assim traduz o que aqui se afirma:

No contexto da Teoria do Direito Tributário, a expressão 'poder de tributar' não se confunde com a expressão 'competência tributária'. A palavra 'poder' tem significado que transcende a ideia de Direito, que está presente na palavra 'competência'. 'Poder' é a aptidão para realizar a vontade, seja por que meio for. Com, sem ou contra a lei. É do mundo dos fatos e existe independentemente do sistema normativo. Já a palavra 'competência' alberga a ideia de Direito. Tem competência quem recebe atribuição outorgada pelo Direito. É do mundo das normas, e não existe fora do sistema normativo21.

As normas positivas de competência, em verdade, limitam o poder, sendo, nesse intento, idênticas às normas negativas de competência, as imunidades.

Estas últimas, portanto, não devem ser segregadas daquelas no processo de assimilação de seus conceitos, de modo a atribuir-lhes interpretações ampliativas, enquanto àquelas se restringem os sentidos, sob o pretexto de que veiculam direitos fundamentais ao limitarem o poder de tributar, uma vez que ambas servem a este objetivo, de maneira que

20 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2012. p. 136.

(22)

deve-se perscrutar a finalidade da norma a fim de melhor satisfazer as intenções constitucionais22.

2.3.2 Imunidades e isenções

Prescindível para os fins deste trabalho é retomar corriqueira e pacífica diferenciação entre as normas imunizantes e as concessivas de isenção, uma vez que a doutrina tributária já por muitas vezes se ocupou do tema. Específica observação, no entanto, merece lembrança, já que confirma o quanto aqui sustentado sobre situar-se a imunidade no campo da definição dos lindes da competência tributária, enquanto a isenção seria forma de vetar o surgimento da obrigação tributária pela descaracterização de seu fato gerador pela incidência doutra norma, que não a definidora de competência (norma positiva e imunidade).

Acerca do tema, Denise Lucena sustenta:

Tem-se como melhor doutrina o entendimento de que a isenção age como um verdadeiro bloqueio à ocorrência do fato gerador e à respectiva criação da obrigação tributária.

O fato ocorrido, que poderia ter sido gerador de uma obrigação tributária, foi descaracterizado pela incidência de outra norma que aumentou ou reduziu os elementos da hipótese prevista, transformando-o num simples fato, descaracterizando-o como fato gerador. A regra isentiva age impedindo o fenômeno da incidência23.

A diferença fica ainda mais clara quando se entende que a imunidade conforma a competência, enquanto a isenção se dá através de seu exercício. Isso porque a imunidade, como norma constitucional negativa de competência, permite aos Entes Federados compreenderem em que limites podem dar vazão ao seu poder de tributar. Já as isenções, como disposições legais produzidas pelos próprios Entes que vetam a incidência da norma de tributação, derivam da própria competência anteriormente limitada. Daí porque não se admite, no plano das relações internas à Federação, a concessão, por regra, de isenções heterônomas24, uma vez que instituidor da norma legal de não tributação estaria assim invadindo o plexo de competências de Ente a quem a Constituição outorgou competência tributária.

22 Acerca desse tema, Denise Lucena afirma: "mormente na interpretação da norma constitucional que estabelece

a imunidade tributária em casos específicos, deve-se dar ênfase ao aspecto teleológico-sistemático". (RODRIGUES, Denise Lucena. Imunidade como limitação à competência impositiva. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 33).

23 RODRIGUES, Denise Lucena. op. cit., p. 26.

24 Assim dispõe a Constituição Federal: art. 151. “É vedado à União: [...] III - instituir isenções de tributos da

competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios; [...] Sobre isso, anota Hugo de Brito Machado: "essa regra tem apenas o mérito de eliminar controvérsias, eis que na verdade bastaria o silêncio constitucional, posto que competente para isentar é o titular da competência para tributar." (2007, p. 312).

(23)

2.4 Imunidade específica do art. 156, § 1°, I, da Constituição Federal

Feitas as considerações anteriores acerca da natureza das limitações ao poder de tributar expressas em normas positivas e negativas de competência, bem como sobre a necessidade de se pesquisar o fim a que se presta a norma, cabe verificar qual seria a eficácia, aplicabilidade e finalidade da imunidade específica relativa ao ITBI.

Preliminarmente, cumpre fazer referência ao texto constitucional na parte concernente ao referido dispositivo imunizante. Assim a Constituição Federal disciplina, em seu art. 156, § 2°, inciso I, que o IBTI:

não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

Para a correta compreensão do dispositivo e demarcação do tema específico deste trabalho, precisa-se conceituar e extremar cada uma das operações que envolvam bens imóveis e estejam imunes pelo preceito imunizante transcrito:

a) Realização de capital: trata-se da conferência de bens na integralização do capital social de pessoas jurídicas civis e comerciais. Segundo Hugo de Brito Machado25 é operação que "se refere à transmissão dos bens imóveis ou direitos a eles relativos da pessoa de quem constitui uma pessoa jurídica, ou eleva seu capital social, como forma de pagamento do capital subscrito". É desta específica operação que este trabalho cuidará com maior detalhe no momento oportuno.

b) Fusão: compreende a situação em que duas ou mais pessoas jurídicas se unem e formam uma nova, diferente das anteriormente existentes e sucessora daquelas em seus direitos e obrigações26.

c) Incorporação: tem lugar quando uma pessoa jurídica absorve outra ou outras pessoas jurídicas, continuando a existir a incorporadora e se extinguindo as incorporadas27.

d) Cisão: ocorre quando uma pessoa jurídica se divide dando origem a outra ou a outras entidades. Pode ser parcial, quando a cindida permanece a existir, ou total quanto a cindida se extingue28.

25 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional, volume I. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 2007. p. 410.

26 Art. 228, caput, da Lei n° 6404/1976.

(24)

e) Extinção: a pessoa jurídica deixa, neste caso, de existir. Pode-se dar por ocasião de uma fusão, cisão total, incorporação (em relação à incorporada), ou, pelo término da liquidação29.

Evidentemente, se percebe que o preceito imunizante ora em comento não é absoluto, de abrangência ilimitada. A própria norma estabelece exceção à sua aplicação de maneira a conferir competência aos municípios e ao Distrito Federal para exercer seu poder de tributar relativo ao ITBI nos casos em que a atividade preponderante do adquirente dos bens imóveis (em realização de capital, fusão, cisão, incorporação ou extinção) seja atividade imobiliária, consubstanciada em compra e venda de bens imóveis ou direitos a eles relativos, locação desses bens ou arrendamento mercantil.

Como se trata de norma de limitação constitucional ao poder de tributar, em conformidade com o artigo 146, II, da Lei Maior, não poderia ser outro o veículo normativo adequado à sua regulamentação senão a Lei Complementar. E assim foi recepcionado pela ordem constitucional de 1988 o Código Tributário Nacional que, em seus artigos 3630 e 37,

cuida de regular a norma sob escólio.

O disposto no art. 36 do CTN é mais restrito que o quanto previsto na Constituição Federal, uma vez que não se faz referência explícita às hipóteses de cisão ou extinção das pessoas jurídicas a quem foi transferido o bem, o que de qualquer modo não prejudica a amplitude do preceito constitucional dada sua natureza hierárquica superior, em atenção à qual imunizam-se também essas duas outras operações.

Por sua vez, o art. 37 especifica o sentido da vaga expressão "atividade preponderante", empregada pelo Constituinte na redação do dispositivo do art. 156, da Carta Magna. Dispõe o CTN que é atividade preponderante aquela que representamais de 50% da receita operacional da entidade adquirente31. Uma vez verificada a preponderância da atividade imobiliária, tornar-se-á devido o imposto segundo a lei vigente ao tempo da transmissão e tendo por base o valor dos bens e direitos naquela data32.

28 Art. 229, caput, da Lei n° 6404/1976.

29 Art. 219, caput e incisos, da Lei n° 6404/1976.

30 Art. 36 da Lei nº 5.172/1966. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a

transmissão dos bens e direitos referidos no artigo anterior: I- quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito; II- quando decorrente de incorporação ou de fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra. Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos, adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.

31 Art. 37 da Lei nº 5.172/1966 (...) § 1° Considera-se atividade preponderante referida neste artigo quando mais

de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.

(25)

2.4.1 Finalidade da norma

A Constituição Federal em diversos pontos privilegia a livre iniciativa e a liberdade de atividade econômica na tentativa de construção de um Estado que não onere em demasia o exercício, por parte dos particulares, de atividades geradoras de riqueza33.

Pela análise da norma imunizante do art. 156, § 2°, I, acima transcrita, percebe-se claramente seu intento de proteção à constituição e alterações na estrutura ou tipo societário escolhido pelos agentes econômicos para a realização de suas atividades.

Buscou o Constituinte realizar este intento pela inserção de norma negativa de competência que impede o exercício do poder de tributar relativo ao ITBI por parte dos Municípios e do Distrito Federal.

Segundo Sacha Calmon Navarro Coêlho:

A regra colima facilitar a mobilização dos bens de raiz e a sua posterior desmobilização, de modo a facilitar a formação, a transformação, a fusão, a cisão e a extinção de sociedades civis e comerciais, não embaraçando com o ITBI a movimentação dos imóveis, quando comprometidos com tais situações34.

Segundo Francisco José Gomes em recente dissertação sobre o tema da incidência do ITBI ante a verificação de negócios dissimulados que envolvem a imunidade específica ora sob reflexão:

(...) analisando a imunidade em foco sob a exegese do método teleológico, salienta-se que essa imunidade tributária não tem outro fim, que não salienta-seja permitir a entrada de pessoas naturais e jurídicas no mercado, assentindo na integralização de capital social não só mediante a disponibilidade de dinheiro, mas também por meio de transmissão de bens imóveis sem a incidência do imposto35.

Destaca-se, portanto, a finalidade protetiva da norma imunizante, buscando estimular o exercício da atividade econômica, benéfica que é à geração e distribuição de riquezas. Deve-se, nesse sentido, observar que o Fisco e os tribunais precisam assegurar interpretação e aplicação dessa imunidade de maneira a que seja possível que atinja sua finalidade sem, no entanto, servir de proteção a operações que em sua natureza não se constituem naquelas abrangidas pela norma.

lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.

33 V.g., o art. 1° da Carta Magna de 1988 dispõe ser fundamento da República a livre iniciativa e o art. 170 a

projeta como fundamento da ordem econômica.

34 COÊLHO, op. cit., p. 338.

35 GOMES, Francisco José. A Desconsideração de Negócios Jurídicos Dissimulados Ante as Imunidades

Tributárias Específicas do ITBI. 2019. Dissertação. Direito Tributário – Centro Universitário 7 de Setembro,

(26)

Sobre a o tema do objetivo da norma, o Procurador-Geral da República, em parecer no âmbito do recurso extraordinário n° 796.376/SC, citado no início deste capítulo, afirmou que "a Constituição pretende estimular a livre iniciativa e impulsionar o início da atividade empresarial ao prever a imunidade específica em debate, porém o limite da norma benéfica se circunscreve à proteção da constituição do empreendimento."

Ao comentar qual seria a ratio legis de dispositivo análogo, referindo-se à Constituição de 1946, Aliomar Baleeiro assim se pronuncia:

A emenda constitucional n° 18/65, do ponto de vista econômico, contém várias disposições de política fiscal endereçadas às modificações conscientes da conjuntura e das estruturas, visando ao desenvolvimento econômico. A exclusão do imposto nas transmissões para a formação de empresas, sob a forma de pessoas jurídicas, notadamente sociedades anônimas, é uma delas, protegendo-se, também, a desincorporação, desde que os bens voltem ao patrimônio dos que as incorporaram à firma36.

Assim, conclui-se facilmente que foi primando pela proteção à livre iniciativa e ao exercício das atividades econômicas por meio da constituição de pessoas jurídicas que o Constituinte previu referida imunidade.

2.4.2 Eficácia e aplicabilidade do art. 156, § 2°, inciso I

Conhecidas são as classificações das normas constitucionais quanto à sua aplicabilidade e eficácia. Na doutrina pátria, diversos autores se propuseram a elaborar sobre o tema trabalhos que permitiram a compreensão da densidade das normas contidas na Constituição Federal.

Sem adentrar desnecessariamente no tema, para os fins deste trabalho necessária se faz uma breve consideração sobre quais são os tipos de normas constitucionais quando considerada sua aplicabilidade, a fim de determinar em qual desses tipos encontra-se a norma imunizante ora sob análise. São elas:

a) Normas de eficácia plena: possuem grande densidade normativa, sendo capazes de produzir efeitos sem a necessidade de esforço integrativo por parte do legislador ordinário. São consideradas auto-executáveis, trazendo em seu bojo todos os elementos necessários à produção de efeitos37.

36 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. atual. por Misabel Abreu Machado Derzi. 18. tir.

Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 271.

37 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e

(27)

b) Normas de eficácia contida: são aquelas dotadas de densidade normativa suficiente para produzirem os efeitos que lhe são próprios, mas cuja aplicabilidade pode ser restringida pela atuação do legislador infraconstitucional38.

c) Normas de eficácia limitada: não são auto-executáveis, precisando, para produzirem efeitos, de integração por parte da legislação infraconstitucional, possuindo parca densidade normativa. Se subdividem em normas programáticas e normas de princípio institutivo, sendo aquelas responsáveis por impor um conjunto de objetivos aos poderes constituídos, vinculando-lhes, e estas por dar azo à formação de institutos, instituições, entidades e órgãos39.

Pela análise combinada do § 1°, do artigo 5°, da Constituição40 com o dispositivo

que veicula a imunidade específica do ITBI contida no artigo 156, § 2°, I, verifica-se que a referida norma negativa de competência possui aplicabilidade imediata em razão do fato de que veicula verdadeiro direito fundamental dos contribuintes. Constitui-se essa norma em verdadeira proteção à liberdade de atuação econômica daqueles que desejem exercê-la pela formação de pessoas jurídicas.

Destarte, reconhecida a aplicabilidade imediata do dispositivo por força, inclusive, de mandamento constitucional expresso, resta saber se referido dispositivo comporta norma de eficácia plena ou contida.

Considerando que a norma de eficácia plena não permite que disposição infraconstitucional venha lhe tolher, nem mesmo parcialmente, os efeitos, sob pena de incidência em inconstitucionalidade, não parece ser desta natureza a norma imunizante relativa ao ITBI. Isto porque a parte final do inciso I, do § 2°, do artigo 156 contém ressalva à aplicação do preceito normativo que já neste trabalho foi referida como vaga: trata-se da expressão "atividade preponderante".

Como cabe ao legislador infraconstitucional, por meio de Lei Complementar, regular as limitações ao poder de tributar41, poderia ele preencher, como já o fez pelo CTN, o conteúdo normativo da imunidade relativa ao ITBI, reduzindo-lhe a amplitude. Isso se dá justamente em virtude da baixa densidade normativa da referida expressão.

Ademais, refletindo sobre a eficácia de normas limitativas previstas na Constituição, José Afonso da Silva propõe:

38 MENDES, BRANCO, op. cit., p. 70. 39 MENDES, BRANCO, op. cit., p. 70.

40 Art. 5° da Constituição Federal/1988. (...) § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais

têm aplicação imediata.

41 Art. 146 da Constituição Federal/1988. Cabe à lei complementar: (...) II- regular as limitações constitucionais

(28)

As normas limitativas (elementos dogmáticos ou limitativos) impõem restrições e deveres aos poderes e, em contrapartida, conferem direitos subjetivos aos governados. Situam-se predominantemente entre os dispositivos que estatuem sobre as declarações dos direitos fundamentais e democráticos e garantias constitucionais desses direitos. Em nosso Estatuto Político Máximo aparecem concentradas no Título II, especialmente entre os arts. 5° e 14 a 1742.

Ainda que tenha se referido apenas aos artigos acima citados (5° e 14 a 17), é evidente que o autor está referenciando normas que, como aquelas, constituem-se em direitos fundamentais ao limitarem os poderes estatais (entre eles o poder de tributar). Assim, estendendo o raciocínio, a norma do art. 156, § 2°, I é norma constitucional limitativa.

Continuando, sobre a eficácia dessas normas, José Afonso da Silva afirma:

Páginas atrás distinguimos um conjunto de normas que denominamos normas de eficácia contida. São aquelas que estatuem diretamente sobre os interesses configurados mas preveem, também, meios de conter sua própria eficácia em limites que atendam à ordem pública, à segurança, aos bons costumes _ enfim, à efetividade

mesma dos direitos e vantagens nela outorgados _, a fim de que o exercício desses

direitos e o auferimento dessas vantagens por uns não venham a prejudicar os direitos dos outros. Pois bem, pela exemplificação, então apresentada, nota-se claramente que as normas de eficácia contida (ou com possibilidade de ser contida por uma regulamentação ulterior ou por conceitos gerais nela consignados) manifestam-se, com mais frequência, entre as disposições que consagram os direitos democráticos e individuais do homem e as garantias constitucionais.

Do exposto, conclui-se facilmente que as normas limitativas são de eficácia contida43.

Assim, seguindo a lição do renomado constitucionalista e diante do anteriormente exposto, não há como negar à norma imunizante ora sob análise a natureza de norma de eficácia contida.

2.4.3 Interpretação

Ponto nevrálgico deste trabalho é propor uma solução interpretativa que melhor realize o intento do Constituinte ao prever a referida imunidade. Para isso, busca-se compatibilizar a necessidade de manter intangível a proteção conferida pela norma imunizante específica do ITBI com a função principal da atividade fazendária, qual seja a de prover de recursos o Estado para que este atenda aos objetivos fundamentais impostos pela Constituição.

42 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 188. 43 SILVA, op. cit., p. 188.

(29)

Nesse sentido, é imprescindível refletir que as disposições constitucionais, como apontado em item anterior deste trabalho, possuem eficácia e aplicabilidade diversas, havendo preceitos cuja densidade normativa é superior aos demais.

Decerto, essa diversidade de normas influencia a atividade do intérprete, sobretudo quando se considera que as normas constitucionais se dividem em normas com ampla carga axiológica (os princípios) e normas que possuem estruturas objetivas cuja aplicabilidade não demanda do intérprete grande esforço cognitivo para apreensão de seus lindes e finalidades (as regras). Quanto maior a carga valorativa, mais amplo é o plexo de possibilidades de aplicação da norma interpretada.

Kelsen, já em sua Teoria Pura do Direito, fixara noção fundamental para compreender o viria a ser o ato interpretativo:

Se por "interpretação" se entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e, consequentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro dessa moldura existem. Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que, na medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar, têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito, no ato do tribunal, especialmente44.

Essas asserções resumem muito bem o problema que aqui se põe acerca da interpretação do artigo 156, § 2°, I, da Constituição Federal, principalmente no trecho do dispositivo que tem sido gerador de controvérsias entre o Fisco e os contribuintes. Alega-se que o Fisco estaria concedendo ao preceito protetivo interpretação restritiva, como se, dentro da moldura a que Kelsen se refere, a Administração Fazendária, órgão aplicador do Direito, selecionasse a possibilidade que menos atende à eficácia do direito fundamental relativo à imunidade.

Referida suposição acerca da atuação da Administração não é de todo desarrazoada, no que concerne à real possibilidade de conferir ao preceito normativo sentido enviesado pelos interesses do intérprete. Isso porque interpretar, dadas suas semelhanças com o ato de escolher dentre alternativas possíveis, inclui carga de voluntariedade. É, por isso mesmo, um ato volitivo em certa medida. Sobre isso, também Kelsen vaticina:

Se queremos caracterizar não apenas a interpretação da lei pelos tribunais ou pelas autoridades administrativas, mas, de modo inteiramente geral, a interpretação jurídica realizada pelos órgãos aplicadores do Direito, devemos dizer: na aplicação

44 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins

(30)

do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva.45

Resta investigar se de fato há, in casu, direcionamento na atuação da Administração ao proceder à interpretação do dispositivo imunizante na parte relativa à integralização do Capital Social com bens imóveis que excedem a parte realizada.

Para isso, é preciso estabelecer, partindo do pressuposto de que nem todas as normas constitucionais apresentam a mesma margem de liberdade interpretativa, se se está diante, no tema a que se dedica este trabalho, de uma norma que contém conceitos jurídicos indeterminados ou não. Se a resposta é afirmativa, põe-se o intérprete em situação que apresenta moldura ainda mais larga, a comportar ainda mais variadas possibilidades de interpretação. Se, ao contrário, se está diante de norma que possui conceitos bem delimitados por outros campos do Direito, posto não ser da Constituição a tarefa de explicitar os significados próprios dos institutos jurídicos a que faz referência, a moldura se estreita dando vazão a menos plúrimas alternativas.

Nesse sentido, definindo conceitos jurídicos indeterminados, Luís Roberto Barroso assim se pronuncia:

Conceitos jurídicos indeterminados são expressões de sentido fluido, destinadas a lidar com situações nas quais o legislador não pôde ou não quis, no relato abstrato do enunciado normativo, especificar de forma detalhada suas hipóteses de incidência ou exaurir o comando a ser dele extraído. Por essa razão, socorre-se ele de locuções como as que constam da Constituição brasileira de 1988, a saber: pluralismo político, desenvolvimento nacional, segurança pública, interesse social, relevância e urgência, propriedade produtiva, em meio a muitas outras. Como natural, o emprego desta técnica abre para o intérprete um espaço considerável, mas não ilimitado ou arbitrário, de valoração subjetiva46.

Assim, estivesse o inciso I, do § 2°, do artigo 156 preenchido por termos cuja determinação de sentido fosse dificultosa (conceitos jurídicos indeterminados), alternativa não haveria, diante da dúvida, senão aquela que resultasse na interpretação mais abrangente possível de ser conferida à norma para atender à sua finalidade, uma vez que ela veicula verdadeiro direito fundamental a proteger o indivíduo do poder de tributar. Isso porque, como afirma Paulo Bonavides ao se referir ao período histórico da República de Weimar:

De qualquer modo, os publicistas alemães deste período chegaram a vislumbrar três aspectos de capital relevância quanto aos direitos fundamentais: primeiro, a sua

45ROSS, op. cit., p. 394.

46 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a

(31)

função protetora, capacitada a impor limites e deveres, tanto à autoridade legislativa como administrativa; segundo, o caráter unitário e unificador de que são dotadas tais normas de direitos fundamentais, sem embargo de sua variedade material de conteúdo, e terceiro, o princípio da efetividade desses direitos, cunhado por Thoma, princípio mediante o qual se determina que, em caso de dúvida na esfera interpretativa, cabe a preferência àquela norma mais apta a desdobrar com maior intensidade a eficácia jurídica do direito fundamental47.

Percebe-se, portanto, que a eficácia do direito fundamental deve ser assegurada pela interpretação mais ampla possível dentro das possibilidades contidas na moldura kelseniana.

No entanto, a norma em tela, a relativa à imunidade específica do ITBI, especialmente na parte em que se refere às transmissões de imóveis para realização de capital, crucial neste trabalho, não parece se constituir de conceito jurídico indeterminado, como acima conceituado, muito menos albergar margem para dúvidas quanto à natureza do instituto jurídico referenciado pelo Constituinte. Isso porque o Constituinte se valeu de expressão cujo sentido é amplamente conhecido da doutrina e dos tribunais: realização de capital. Conceito que já foi alvo de diversas obras dos estudiosos dos Direitos Civil e Comercial, ou Empresarial, como se queira.

Poder-se-ia afirmar, em contraponto à proposição de buscar nestes outros ramos do Direito o significado de um termo utilizado pelo Constituinte, que interpretar a Lei Maior sob a ótica de disposições normativas que lhe são inferiores seria ferir de morte a hierarquia do ordenamento jurídico, invertendo a conhecida pirâmide normativa. Este contraponto, todavia, não procede em virtude do fato de que não se trata de forçar a semântica do texto constitucional na direção de adequá-lo aos preceitos infraconstitucionais, mas de buscar, nas fontes utilizadas pelo Constituinte, a natureza dos institutos de que ele próprio se valeu, in

casu, para levar a cabo seu intento de limitar o poder de tributar.

Esta conclusão, a de que o conceito de realização de capital utilizado pelo Constituinte pode ser obtido pela análise dos dispositivos infraconstitucionais relativos à matéria, reforça, ainda, outra tese: a da unidade sistemática do ordenamento jurídico. Segundo Norberto Bobbio, é possível se falar em unidade do ordenamento jurídico desde que se considere a existência de uma norma dita como fundamental a permitir que todo o resto do ordenamento tenha com ela ligação, a ela remetendo sua validade. Para que seja um sistema, noutras palavras, para que seja uma unidade sistemática, é preciso, além disso, "que os entes constitutivos não estejam em relação apenas com o todo senão que também estejam em

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