• Nenhum resultado encontrado

3 DA INCIDÊNCIA DO ITBI SOBRE A PARCELA DO VALOR DOS BENS

3.6 Decisões judiciais sobre o tema

Devido à novidade do tema, poucas decisões foram proferidas pelo Judiciário sobre a matéria. Em razão disso e do fato de que o tema deste trabalho é oriundo da discussão que culminou no recurso extraordinário n° 796.376, trouxeram-se à monografia as decisões proferidas no âmbito do litígio instaurado entre o Município de São João Batista e a pessoa jurídica Lusframa Participações Societárias Ltda., aqui analisadas.

Inicialmente, a empresa citada impetrou mandado de segurança com pedido liminar contra ato do Secretário Municipal da Fazenda de São João Batista em razão do não reconhecimento, pelo Fisco Municipal, da imunidade sobre a transmissão do bem imóvel que lhe foi conferido. Em breve decisão (três páginas) o juiz substituto assim se pronunciou:

Bem de ver que, para gozar da imunidade, basta que os imóveis sejam incorporados em realização do capital social. Pouco importa, para fim de incidência do ITBI, qual o valor do imóveis e qual o valor da cota a ser integralizada.

Importante ressaltar que, caso os sócios tenham oferecido, para integralização do capital, bem de valor superior à respectiva cota, o fizeram por mera liberalidade, circunstância que não enseja a cobrança do tributo. Não há, com efeito, qualquer amparo legal para o ato impugnado85.

O magistrado, no entanto, não se aprofundou sobre o destino patrimonial dos imóveis conferidos ao capital social, não cuidando da formação da reserva de capital a que o próprio ato constitutivo da empresa se referia. Por fim, confirmou a medida liminar e concedeu a segurança86.

Da sentença foi interposta apelação cujo julgamento coube à Quarta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, tendo o órgão proferido acórdão no sentido de reconhecer a imunidade apenas sobre a parte do valor do imóvel que fosse

85 SANTA CATARINA. Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina. Portal de Serviços e-SAJ. Disponível

em:

<https://esaj.tjsc.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=1Q0000WWE0000&processo.foro=62&conversationId =&cbPesquisa=NMPARTE&dadosConsulta.valorConsulta=Lusframa&dadosConsulta.localPesquisa.cdLocal=- 1&uuidCaptcha=sajcaptcha_6244f6b3bca04420acb03912abbc1251&paginaConsulta=1> Acesso em: 30 mai. 2019.

compatível com o capital realizado. Por unanimidade, o órgão fracionário proveu a apelação87. O acórdão, reproduzido em decisão plenária do STF, assim é resumido:

TRIBUTÁRIO - ITBI - INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS PARA INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL DE PESSOA JURÍDICA - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA (ART. 156, § 2º, INCISO II, DA CF/1988) - VALOR DOS IMÓVEIS SUPERIOR AO DO CAPITAL SOCIAL INTEGRALIZADO E DAS COTAS DOS SÓCIOS RESPECTIVOS - IMUNIDADE QUE ALCANÇA APENAS O LIMITE DO CAPITAL E DAS COTAS INTEGRALIZADAS COM IMÓVEIS - EXCEDENTE SUJEITO À TRIBUTAÇÃO - SENTENÇA REFORMADA. A imunidade tributária prevista na primeira parte do inciso II do § 2º do art. 156, da Constituição Federal de 1988 impede a incidência do imposto de transmissão de bens imóveis "inter vivos" somente sobre o valor do imóvel necessário à integralização da cota do capital social. Vale dizer, sobre o valor do imóvel incorporado que excede o limite do capital social a ser integralizado ou da própria cota do sócio respectivo, haverá incidência do tributo88.

A empresa então se insurgiu contra decisão da segunda instância e interpôs o recurso extraordinário, já aqui referenciado, o de número 796.376, ainda não julgado no mérito, mas em relação ao qual foi reconhecida repercussão geral89.

Em sua manifestação sobre o mérito do recurso, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se no mesmo sentido do órgão de segunda instância catarinense com as seguintes razões:

[...]

Direto ao ponto, o que se faz necessário é distinguir – dada a moldura fática apresentada à Suprema Corte pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina – qual é a amplitude da norma constitucional que previne a cobrança do ITBI sobre a transmissão de bens e direitos destinados à realização do capital social da sociedade limitada de índole contratual.

[...]

Para atender aos objetivos a que se destina, o capital social se apresenta como parte

87 SANTA CATARINA. Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina. Portal de Serviços e-SAJ. Disponível

em: < https://esaj.tjsc.jus.br/cposgtj/search.do;jsessionid=DB7C51BFF0AD1FE2ECF0E4027FBC3C46.cposgtj2?conv ersationId=&paginaConsulta=0&cbPesquisa=NUMPROC&numeroDigitoAnoUnificado=0003169- 14.2010&foroNumeroUnificado=0062&dePesquisaNuUnificado=0003169- 14.2010.8.24.0062&dePesquisaNuUnificado=UNIFICADO&dePesquisa=&tipoNuProcesso=UNIFICADO&uui dCaptcha=sajcaptcha_97f79c9956f14f55af60b35dab7e61fc&g-recaptcha- response=03AOLTBLSVjHHLhNJU0inc8IS1oXdqBar5P0GqLXWZQuUY3JZt2UZk5I- gFTh51OYdYnWo3chBHeZUzGyI1Uu18JbKqGWAOKv_5F3rp94U_f9oMNf7wT71G9L9DPQQo6Ij_6evCBE xD8qbPvLZga69D4qdw3V2DK5CSythCiZE_DZmSqa6OecD0llbVu2zUcFCHo6B3wsMxI9UMY8OIeGaCtpG 03c26N5Zmy--M9svj7pGdqMeBNUbAcDZ6xzMc-7mIivO9g0DyKn9-

p4fdIYcKxd8rXkjFvrjekpMU_MefA_8KUAScy6i3xDylGofRacIoUbDC8txWUYs> Acesso em: 30 mai. 2019.

88 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n° 796.376.

Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4529914&numer oProcesso=796376&classeProcesso=RE&numeroTema=796>. Acesso em 05 jun. 2019.

mutável do acervo patrimonial, podendo ser elevado ou reduzido a depender das necessidades do empreendimento e do acordo entre os sócios.

Dito isso, desborda das pautas da razoabilidade conceber que, independentemente das cotas pertinentes à integralização do capital social, possam ser aportados bens imóveis de valor superior ao necessário, com o benefício da não tributação do ITBI quanto ao excesso90.

[...]

Tanto a Quarta Câmara de Direito Público do TJSC quanto a PGR foram silentes quanto à formação da reserva de capital com a parte excedente do valor de integralização dos bens imóveis. Limitaram-se a afirmar que haveria incidência do ITBI sem perquirir o motivo ou atribuindo-o à razoabilidade, argumento insuficiente à compreensão do tema. Espera-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal manifeste-se sobre referido fenômeno, já que é fundamental para a real compreensão da matéria, tendo sido citado inclusive no acórdão em

que reconhecida a repercussão geral.

4 CONCLUSÃO

Reconhecendo a impossibilidade de, no curto espaço de um trabalho monográfico de graduação, exaurir as discussões sobre tema complexo como este da incidência do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis nas operações em que haja integralização do capital social de pessoas jurídicas, buscou-se delimitar o referido tema o mais possível, de maneira a abranger apenas as operações em que, além da realização de capital, haja formação de reserva de capital, conforme dispositivo já citado da Lei n° 6.404/1976. Tal delimitação não se deu aleatoriamente, mas em razão de ter sido esta a situação fática que deu ensejo ao litígio ora sob apreciação pelo Supremo Tribunal Federal no bojo do recurso extraordinário n° 796.376.

Buscou-se, pelo recurso ao ferramental jurídico fundamental do Direito Tributário, em que sobressaem conceitos como hipótese tributária, fato jurídico tributário, imunidades, entre outros, analisar o fenômeno da incidência do ITBI, tentando aclarar e aprofundar a discussão sobre o tema, ainda incipiente como se pôde observar em tópico próprio deste trabalho em que se apresentaram as decisões proferidas pelo Judiciário no curso daquele específico processo do qual se originou o recurso supracitado. Sem recorrerem à análise das categorias fundamentais referidas, as decisões contribuem para tornar mais confusa a discussão travada, prejudicando a já conflituosa relação entre o Fisco e os contribuintes.

Primou-se, neste trabalho, pela necessidade de reconhecer a natureza de norma de competência, ainda que negativa, das imunidades, propondo a compreensão das normas constitucionais que limitam o poder de tributar de forma mais ampla, para abranger também as que firmam positivamente a competência, posto ser inclusive nestas normas que o Constituinte traça os contornos, ou, como se preferiu aqui escrever, a moldura, para o exercício, pelos Entes Federados, do seu poder tributário, oriundo da própria soberania, pré- jurídico que é.

Dessa forma, as imunidades e as normas de competência positiva teriam a mesma natureza, mas com sinais opostos, como que vetores na mesma direção, mas em sentidos contrários, justificando a necessidade de tratamento, senão idêntico, posto que clara é a diferença semântica (umas negativas, outras concessivas), ao menos uniforme.

Além disso, destacou-se a unidade do ordenamento jurídico como pressuposto fundamental para compreender qual o sentido que as expressões de direito privado assumem nas normas de limitação ao poder de tributar, que não podem, salvo disposição expressa do

Constituinte, modificar a significação dos conceitos originalmente juridicizados por outros ramos do direito.

Assim, analisando o significado que a expressão realização de capital assume no Direito Comercial, conclui-se que a imunidade específica do art. 156, § 2°, inciso I, atendendo à sua finalidade, qual seja a de proteção à livre iniciativa e fomento da atividade econômica, abrange, nas transmissões de bens imóveis a pessoas jurídicas, apenas a integralização das ações ou cotas subscritas pelo acionista ou sócio transmitente do bem imóvel ou direito a ele relativo. Portanto, não abarca a parte do valor do bem imóvel que seja utilizada para a formação de reservas de capital, dada a inconfundível natureza, como aqui demonstrado, de ambos os fenômenos.

Muitas considerações ainda são requeridas sobre a matéria, verificando-se, inclusive, a diversidade de perspectivas com as quais se pode abordar o objeto deste trabalho, quais sejam, por exemplo, a incidência do imposto distrital e municipal face à desconsideração de negócios jurídicos, ou investigando os limites ao planejamento tributário frente à necessidade de financiamento dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro. No entanto, espera-se ter sido lançada com esta monografia uma luz, ainda que parca, sobre o tema, esclarecendo ser devida a tributação no caso aqui discutido.

REFERÊNCIAS

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 16. tir. São Paulo: Malheiros, 2014.

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. atual. por Misabel Abreu Machado Derzi. 18. tir. Rio de Janeiro: Forense, 2005

BARRETO, Aires Fernandinho. Curso de direito tributário. In: MARTINS, Ives Gandra (coord.). São Paulo: 14. ed. Saraiva, 2013.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. trad. Ari Marcelo Solon. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2016.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 30. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2015.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº

602.295. Locar Munck Transporte e Locação De Máquinas e Equipamentos Ltda e Município

Do Rio De Janeiro. Relator: Ministro Roberto Barroso. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=308381591&ext=.pdf> Acesso em: 23/05/2019.

BRASIL. Constituição Federal de 1988, Brasil. Constituição da República Federativa do

Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 30 set. 2018.

BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de Dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações.

Brasília, 15 de dezembro de 1976. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm>. Acesso em: 04 de jun. 2019. BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.

Brasília, 25 de outubro de 1966. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm> Acesso em: 30 set. 2018.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, 10 de

janeiro de 2002. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 04 jun. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n° 361.829-6. Município do Rio de Janeiro e Ação S/A Corretora de Valores e Câmbio e Outros(as). Relator: Ministra

Ellen Gracie. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=609543 > Acesso em: 23 mai. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n°

796.376. Lusframa Participações Societárias Ltda e Município De São João Batista. Relator:

Ministro Marco Aurélio. Brasília, Distrito Federal, 29 de agosto de 2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incident e=4529914&numeroProcesso=796376&classeProcesso=RE&numeroTema=796> Acesso em: 25 mai. 2019.

BULGARELLI, Waldírio. Manual das sociedades anônimas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 1993. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998.

GOMES, Francisco José. A Desconsideração de Negócios Jurídicos Dissimulados Ante as

Imunidades Tributárias Específicas do ITBI. Dissertação. Direito Tributário – Centro

Universitário 7 de Setembro, Fortaleza: 2019.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.

MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional, volume I. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional, volume II. São Paulo: Atlas, 2004.

MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários

individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 4. ed. ref. e atual.

Rio de Janeiro: Forense, 1992.

MATIAS, João Luís Nogueira. Manual de Direito Comercial. Fortaleza: CreateSpace Independent Publishing Plataform, 2016.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: introdução ao direito civil e

teoria geral de direito civil. 28. ed. atual. por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro:

Forense, 2015.

RODRIGUES, Denise Lucena. Imunidade como limitação à competência impositiva. São Paulo: Malheiros, 1995.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

Documentos relacionados