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3 DA INCIDÊNCIA DO ITBI SOBRE A PARCELA DO VALOR DOS BENS

3.4 Concretização da hipótese de incidência do ITBI em face da formação de reservas de

Como visto no capítulo anterior, a relação jurídico-tributária se inicia pela ocorrência, no mundo dos fatos, de situação caracterizada como geradora de obrigação tributária pela lei. Isto quer dizer que a hipótese de incidência por si só não é capaz, abstrata que é, de criar para o Fisco o direito de receber e para o sujeito passivo a obrigação de pagar. Depende para produzir efeitos a norma tributária, como aliás boa parte das normas jurídicas, da verificação de uma situação fática a ensejar sua incidência, desde que concomitantemente não haja também outra norma capaz de romper o vínculo subsuntivo entre o fato e sua hipótese abstrata77.

Sobre o surgimento da relação jurídico-tributária em razão da subsunção do fato à norma, Dino Jarach ensina:

A obrigação tributária em geral, do ponto de vista jurídico, é uma relação jurídica ex lege, em virtude da qual uma pessoa (sujeito passivo, principal, contribuinte ou responsável) está obrigada a realizar ao Estado ou outra entidade pública o pagamento de uma soma em dinheiro, enquanto se verifique o pressuposto de fato

75 COELHO, op. cit., p. 175-176.

76 Art. 201. A companhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido do exercício, de lucros

acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de capital, no caso das ações preferenciais de que trata o § 5º do artigo 17.

determinado pela lei78.

O pressuposto do fato previsto em lei, a que se refere o mestre ítalo-argentino, é justamente a hipótese de incidência, ou hipótese tributária, que em razão da ocorrência do fato jurídico tributário, produz os efeitos que lhe são próprios, ensejando a formação da relação obrigacional entre o contribuinte e o Fisco.

Estas considerações são apenas remissão ao quanto já referido anteriormente nesta monografia, mas oportunas neste momento uma vez que se verificou no tópico anterior qual o fato resultante (formação de reserva de capital) de uma integralização de ações ou cotas do capital social com bens imóveis em valor que lhes seja superior. Cabe agora verificar se tal fato se subsume à norma jurídico-tributária veiculadora da hipótese de incidência do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis.

Para tanto, cumpre recordar que a norma de incidência do ITBI só produzirá efeitos quando uma transmissão de bens imóveis ocorrer entre vivos e de forma onerosa. Todos estes elementos precisam ser verificados, conforme salienta Aires Fernandino Barreto:

A primeira consideração necessária, relativamente à hipótese de incidência do chamado "imposto de transmissão de imóveis", consiste em enfatizar que esta, por força de seu protótipo constitucional, deverá conceituar realidade integrada por elementos vários, que não se constituirá somente no ato de transmitir, nem no da transmissão ser de inter vivos, nem apenas na natureza desse ato (oneroso), nem só no imóvel, mas na conjugação de todos esses termos, que, conceitualmente, reporta- se ao "ato da transmissão, inter vivos, por ato oneroso, que tem por objeto um imóvel, por natureza ou acessão física". Essa, em síntese, deverá ser a consistência material da hipótese de incidência desse imposto, em face do que estatui a norma constitucional, que o prefigurou de modo preciso79.

Com o objetivo de analisar a ocorrência concomitante dessas circunstâncias no caso objeto deste trabalho, utilize-se um exemplo: seja A uma pessoa física proprietária de um imóvel no município fictício X e B, uma pessoa jurídica constituída sob a forma de sociedade anônima da qual A seja subscritora de 10% das ações, representativas de um valor de R$ 100.000,00. Supondo que as ações de que A é titular não estejam integralizadas e que A decida as realizar conferindo o imóvel de sua propriedade, avaliado em R$ 1.000.000,00, haverá incidência do ITBI?

Para responder, precisa-se indagar: há transmissão de imóvel? Sim, observando-se que tenha havido a transcrição no registro competente, ter-se-á verificada a transmissão.

78 JARACH, Dino. O fato imponível: teoria geral do direito tributário substantivo. trad. Dejalma Campos. 1.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 87.

79 BARRETO, Aires Fernandinho. Curso de direito tributário. In: MARTINS, Ives Gandra (coord.). São Paulo:

Como ensina Orlando Gomes, tem-se que:

A lei cerca de maiores garantias a circulação de riqueza imobiliária, exigindo solenidades para a transmissão da propriedade dos bens imóveis, que se estendem até ao próprio título. Assim é que a alienação de tais bens deve obedecer necessariamente à forma de escritura pública. O título, se revestido das solenidades legais, há de ser levado à transcrição para que produza o efeito translativo80.

Pois bem, verificada a transmissão de bem imóvel, indaga-se: deu-se a transmissão entre vivos? Evidentemente que sim, já que o negócio jurídico realizado (a transmissão) é, como nas palavras de Caio Mário, "destinado, naturalmente, a produzir as suas consequências durante a vida das partes"81.

Além dessas duas características, a transmissão imobiliária entre vivos exemplificada é onerosa? Recorrendo-se ao mestre civilista de Minas Gerais mais uma vez, tem-se por oneroso o negócio jurídico "que proporciona ao agente uma vantagem econômica, à qual corresponde uma prestação correspectiva"82.

Responder a esta pergunta tem relevo não apenas em relação ao ITBI, mas também para afastar a incidência doutro tributo: o ITCD. De competência estadual, poder-se- ia considerar, numa primeira análise, que o referido imposto, incidente sobre a transmissão gratuita de bens e direitos em doação ou por causa mortis, seria incidente sobre a parcela de valor dos bens imóveis que excedesse o valor das cotas ou ações. Isso se dá porque uma conhecida forma de planejamento tributário consiste em transferir em vida os bens imóveis a uma holding familiar, fazendo com que a carga tributária incidente na transmissão causa

mortis seja menor. Ocorre que, como aqui se pretende demonstrar, se se transmitem bens

imóveis de valor superior ao valor das cotas ou ações com formação de uma reserva de capital, verifica-se a onerosidade em razão das formas de utilização do saldo das reservas de capital, que representariam benefício recebido pelos sócios, onerosidade essa incompatível com a concretização da hipótese de incidência do ITCD. O sócio, que detém posição de proprietário de parcela da pessoa jurídica, se beneficia da formação de reservas, seja porque receberá diretamente uma contrapartida, pela distribuição de dividendos, por exemplo, seja porque seu patrimônio (representado pelas cotas ou ações) experimenta valorização diante do aumento de valor de mercado da sociedade. Assim, não se caracteriza o negócio gratuito da doação.

Conforme analisado no item deste trabalho relacionado à formação e às

80 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. Rio Janeiro: Forense, 2007, p. 160-161.

81 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: introdução ao direito civil e teoria geral de

direito civil. 28. ed. atual. por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 418.

finalidades das reservas de capital, verifica-se que, diante da integralização de ações no valor de R$ 100.000,00 com um imóvel de R$ 1.000.000,00, constituir-se-á uma reserva de ágio na emissão de ações no valor da diferença (R$ 900.000,00), permitindo-se que este saldo seja utilizado para conferir vantagens econômicas à pessoa física A, transmitente do imóvel no exemplo aqui elaborado, tais como o pagamento de dividendos ou o resgate de partes beneficiárias, aumentando a concentração dos lucros entre os acionistas.

Assim, têm-se verificados três elementos essenciais ao surgimento da relação jurídico-tributária concernente ao ITBI: transmissão de bem imóvel operada entre vivos e de forma onerosa.

Há, no entanto, conforme antes aqui sustentado, que se perquirir se não há a incidência de norma de não tributação a vedar a verificação da própria hipótese de incidência (imunidade) ou a subsunção do fato jurídico-tributário ao seu suposto legal (isenção).

Pugnou-se por demonstrar, nesta monografia, que realização de capital e formação de reservas de capital são fenômenos diversos, tendo em vista as situações que os ensejam e as finalidades a que os elementos patrimoniais se destinam. A norma imunizante específica do artigo 156, § 2°, I, que se refere à vedação ao exercício do poder de tributar em relação ao ITBI no caso, dentre outros aqui tratados, de realização do capital social de pessoas jurídicas, não é, portanto, aplicável nas situações em que além da própria integralização haja formação de reserva de capital, posto serem diversas as situações. Assim, não é viável que se conceda à norma interpretação que fira a sistematicidade do ordenamento e subverta a noção já legal e doutrinariamente consagrada do que seria integralização de capital e constituição de reserva. Ainda que seja veiculador de direito fundamental, merecendo interpretação que lhe assegure a maior eficácia possível dentre as possibilidades comportadas pela moldura da própria norma, o preceito imunizante sob escólio não pode ser interpretado para além de sua abrangência imanente, inclusive porque desnecessária proteção maior ao direito de livre iniciativa, já que protegida a parte da operação de transmissão em que haja integralização do capital.

Por fim, quanto à existência ou não de norma isencional, não é possível concluir nada neste trabalho que não seja limitado a uma amostra de municípios, não apresentada em razão de não ser esta a razão científica deste trabalho. Isto porque, como a previsão de isenção faz parte do exercício da competência outorgada pela Constituição ao ente federado, cada município da Federação é competente para isentar uma operação como a do exemplo acima exposto. No entanto, conjecturando não haver isenção no município fictício X, não há que falar em não tributação, concluindo-se pela verificação, na hipótese apresentada, de ocorrência de fato jurídico capaz de atrair a incidência da norma de tributação do ITBI, na

parte relativa à formação de reserva de capital.

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