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Literatura infanto - juvenil e educação

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Academic year: 2022

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LITERATURA INFANTO-JUVENIL E EDUCAÇÃO

Maria Magaly Trindade GONÇALVES*

V o l t a h o j e à b a i l a , como tem o c o r r i d o c i c l i c a m e n t e , a declaração do óbvio d i r e i t o de todos à alfabetização, como p a r t e da instauração da plena c i d a d a n i a . Discuro rigorosamente c o r r e t o mas, com fregüência, c a r e n t e de qualquer s i n c e r i d a d e , d i s c u r s o raanipulador às vezes, a c o n f i r m a r , paradoxalmente, a condição de subdesenvolvimento do t e r c e i r o mundo, condenando uma população considerável à miséria, miséria que se f a z o s t e n s i v a nos planos da alimentação e da moradia, mas c u j a face mais perversa é a indigência c u l t u r a l .

O poder, ainda em d i s c u r s o c o r r e t o , mas com duvidosa s i n c e r i d a d e , acrescenta gue o processo de alfabetização não se deve esgotar no a t o de t o r n a r alguém capaz de escrever o próprio nome, nem na transmissão pura e simples de um código lingüístico, com f i n s apenas i m e d i a t i s t a s , como técnica essencialmente u t i l i t a r i s t a , devendo, i s t o sim, c a p a c i t a r o indivíduo a comunicar-se, a r e f l e t i r e t r o c a r idéias no nível s o c i a l e como p a r t e da v e r d a d e i r a condição humana.

Diríamos gue a ênfase no s o c i a l , mesmo em se admitindo a a u t e n t i c i d a d e do d i s c u r s o , aponta para uma possível limitação, t a l v e z d e c i s i v a , a l g o que deve s e r u l t r a p a s s a d o em nossa visão da educação.

Pois não há sociedade sem indivíduos e, p o r t a n t o , t r a t a - s e de p e r m i t i r ao indivíduo que se assuma em toda a sua e s s e n c i a l u n i c i d a d e (sua r e a l i n d i d u a l i d a d e , sua condição humana), para que se

Docente do Programa de Pói-Gradueçao

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descubra, ao mesmo tempo, como s e r s o c i a l . Sua socialização, assim, ocorrerá n a t u r a l m e n t e , como r e s u l t a n t e do a t o de assumir sua humanidade, e não como um mero enquadramento em determinado sistema o r g a n i z a c i o n a l e de produção: s e r humano/social, e não peça de engrenagem.

Tudo i s s o i m p l i c a a idéia de uma sociedade não estática (estagnada), onde h a j a l u g a r para o c o n f l i t o e a diferença, que na prática são elementos v i s t o s , no mínimo, como incômodos, elementos a serem " l i b e r a l m e n t e " t o l e r a d o s (desde que e s t r i t a m e n t e l i m i t a d o s a uma condição inócua) ou r a d i c a l m e n t e e x t i r p a d o s do corpo s o c i a l . A v e r d a d e i r a aceitação de uma sociedade dinâmica i m p l i c a a convivência com uma visão essencialmente pertubadora. Ou convivemos com i s s o , ou estamos a • d e s e j a r a perfeição imutável da sociedade das j abelhas, por exemplo, de p e r f e i t o funcionamento, sem c o n f l i t o s nem discordâncias, de eficiência : perene, mas certamente d i s t i n t a da r e a l experiência humana.

Uma sociedade verdadeiramente humana impõe o abandono de comodismos s i m p l i s t a s (desumanizado- r e s ) , impõe a presença de seres i n d i v i d u a l i z a d o s . Formar indivíduos, formar homens, educar em s e n t i d o p l e n o , tudo i s s o c o n t r a r i a a redução do >

ensino à mera transmissão de competências. Não se : t r a t a , por exemplo, de t r a n s m i t i r um código - o da linguagem e s c r i t a - em s e n t i d o unicamente u t i l i t a r i s t a , i m e d i a t o . Trata-se de encarar a

linguagem não como simples i n s t r u m e n t o de uso prático, sem qualquer o u t r o v a l o r . Trata-se de r e s p e i t a r seu s e n t i d o eminentemente humano, não só como forma de relacionamento com o o u t r o , mas como condição do pensamento.

O próprio caráter sígnico da p a l a v r a , por s i só, não pode ser apreendido sem essa visão da linguagem, uma visão que v a i além da mera i n s t r u m e n t a l i d a d e . Daí a alfabetização não poder ser reduzida à mera aquisição de um código. É p r e c i s o superar essa limitação. É p r e c i s o que se ponha, ainda, ao alcance do aluno também um uso da

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linguagem onde o próprio caráter sígnico da p a l a v r a não s e j a seu l i m i t e . É p r e c i s o que se l i d e com a face não t r a n s p a r e n t e da p a l a v r a , quando e s t a , sem d e i x a r de s e r s i g n o , manifeste sua p o t e n c i a l opacidade, e x i b i n d o ostensivamente.

Quando e l a , sem d e i x a r de s e r meio, s e j a também f i m , como o b j e t o com v a l o r próprio, como o b j e t o de fruição. T r a t a - s e , enfim, de p r o p i c i a r a todos a experiência de seu uso estético na l i t e r a t u r a , e i s s o como d i r e i t o inalienável do cidadão, p o r t a n t o como p a r t e obrigatória de um processo verdadeiramente educativo (humanizador). Pois é na

l i t e r a t u r a que experimentamos essa face dupla da linguagem, no mesmo gesto gue nos f a z assumir nossa i n d i v i d u a l i d a d e e, p o r t a n t o , o c o n f l i t o . Os d o i s f a t o s ocorrem simultaneamente, num só movimento. Não é a f i n a l a l i t e r a t u r a um espaço p r i v i l e g i a d o do c o n f l i t o e da unicidade? O d i r e i t o u n i v e r s a l à experiência estética não é mera concessão gue se possam p e r m i t i r sociedades materialmente desenvolvidas, s a t i s f e i t a s as necessidades básicas de sobrevivência. E l e se impõe no momento mesmo em gue estas estejam começando a s e r s a t i s f e i t a s . Sonegar esse d i r e i t o é p e r m i t i r que o próprio d i r e i t o à v i d a s e j a s o r r a t e i r a m e n t e roubado, e t e r perpetuada a injustiça s o c i a l , num sistema estável de opressão.

A experiência do literário é a experiência do único, do irrepetível. No caso da l i t e r a t u r a i n f a n t o - j u v e n i l este é um ponto fundamental também. Não basta que s e j a l i t e r a t u r a i n f a n t i l , é p r e c i s o que s e j a l i t e r a t u r a . Para s e r i n f a n t i l (ou i n f a n t o - j u v e n i l ) não é p r e c i s o que, diminuída ao ponto da banalização, deixe de s e r l i t e r a t u r a . Mesmo as adaptações de temas e motivos t r a d i c i o n a i s , mesmo as versões modernas de obras legendárias, são todas p e r f e i t a m e n t e legítimas, desde gue não se g u e i r a com i s s o propor a o s t e n s i v a desnaturação, algo típico de algumas visões "Hollywoodianas". A l i t e r a t u r a i n f a n t o -

j u v e n i l , embora marcada por elementos p e c u l i a r e s , deve s e r , em p r i m e i r o l u g a r , l i t e r a t u r a . I s a b e l l e

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Jan, em Essai sur la Littératura Enfantine, i n s i s t e na afirmação de que a l i t e r a t u r a i n f a n t i l não é uma l i t e r a t u r a "menor":

"Marquer a i n s i l a spécificité de l a littérature e n f a n t i n e n'est done, en aucune façon, l a d i m i n u e r . C'est, en revanche, e t une f o i s encore, s o u l i g n e r l ' a r b i t r a i r e e t 1'irrealité de c e t t e v a l e u r purement s o c i a l e : l a littérature."

( I , p . l 5 5 ) .

À l i t e r a t u r a i n f a n t o - j u v e n i l deve s e r encarada em sua e s p e c i f i c i d a d e , mas deve s e r , em p r i m e i r o l u g a r , l i t e r a t u r a . Ela não tem como escopo c o l o c a r o problema da infância, t a l q u a l o encaram os a d u l t o s , nem c o l o c a r qualquer indício c o n s c i e n t e de interpretação. As grandes obras da l i t e r a t u r a i n f a n t o - j u v e n i l são aquelas que revelam, no a u t o r , um domínio tão c o n s c i e n t e de sua a r t e que e s t e pode ousar v e r d a d e i r a viagem de descoberta e revelação, num percurso complexo, i n t r i g a n t e , capaz de s e r apreciado p e l o l e i t o r a d u l t o , mas sem romper sua ligação com seu público i n f a n t o -

j u v e n i l . A grande l i t e r a t u r a i n f a n t o - j u v e n i l não se confunde com a mera p u e r i l i d a d e , por definição.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

(1) Jan, I . Essai sur la Littérature Enfantine.

P a r i s : Les E d i t i o n s Ouvrières, 1969.

Referências

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