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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

O corpo e seus processos de comunicação na

constituição do significado musical

Mariá Noronha Portugal

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Mariá Noronha Portugal

O corpo e seus processos de comunicação na

constituição do significado musical

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em

Comunicação e Semiótica, sob a

orientação da Profa. Doutora Christine Greiner.

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

A Christine Greiner, que, com sua orientação em seu sentido mais pleno, me mostrou o que já estava lá. Assim era no princípio, metáfora pura suspensa no ar...1

A Helena Katz e Wania Storolli, pelas preciosas palavras que me fizeram acreditar no que já estava lá. Desde o princípio.

A Patrícia Noronha, Cristiane Paoli Quito, Diogo Granato, Morena Nascimento, Key Sawao, meus mestres em dançamúsica, pelos ensinamentos e voos, primeiros de muitos.

A José Luiz Aidar Prado, Rogério da Costa, Acácio Piedade, Fernando Iazzetta, Felipe Castellani, Michelle Agnes, Isabel Fragelli, Gisele Calazans, Ana Noronha, Maria Carolina Oliveira, Fernando Sciarra, Ruy Luduvice, Shannon Garland, Amílcar Packer, Ana Dupas, Cida Bueno, Maurício Gargel, Luisa Barreto, André Fogliano, Andrea Kaiser, Natalia Mallo, Ramiro Murillo, Anna Turra, Filipe Franco, e tantos outros professores-colegas-amigos que participaram com revisões, traduções, indicações, dicas e ensinamentos fundamentais a este trabalho.

A José de Holanda, Haroldo Saboia, Henrique Cartaxo, Julia Monteiro, Otávio Dantas, Nath Calan e Osmar Zampieri, pelas imagens.

A Rafael Menezes Bastos e Silvia Beraldo, pelo acolhimento.

A Maria Beraldo Bastos, porque o amor é uma obra de arte colaborativa.

À minha família (amigos inclusos), pela compreensão e carinho.

A Arrigo Barnabé e aos crocodilos, professores, e à Quartabê, colegas da excursão pelo apaixonante abismo.

Aos dançarinos e aos músicos: estamos no mesmo barco.

                                                                                                                1 TATIT, L. O meio.Em: LUIZ TATIT.

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O CORPO E SEUS PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE SIGNIFICADO MUSICAL

Mariá Noronha Portugal

RESUMO

Esta dissertação de mestrado nasce de experiências práticas de improvisação e

composição que questionam paradigmas presentes tanto na história da linguagem musical como no senso comum, como, por exemplo, a autonomia da música e sua comunicação exclusivmente sensível. Ao afirmar a hipótese de que

toda experiência musical constitui-se corporalmente e que é a partir dessa conexão que emergem os seus significados, esta pesquisa traz para o campo

musical discussões que aliam teorias da comunicação e ciências cognitivas (teoria corpomídia), insistindo na necessidade de incluir o corpo nestes debates. Para tanto, são analisadas cinco experiências artísticas realizadas pela autora

nos últimos 13 anos, relacionadas a um escopo teórico que evidencia: a fisicalidade, a referencialidade e a espacialidade como elementos da experiência

musical (espectromorfologia de Smalley, 1997); e a metáfora e o significado corporificado como fundamentos da comunicação (Lakoff e Johnson, 1980; Katz e Greiner, 2005). O resultado esperado é um levantamento preliminar de

questões que apontem para novas possibilidades no âmbito da criação e da comunicação musical.

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THE BODY AND ITS PROCESSES OF COMUNNICATION IN THE CONSTITUTION OF MUSICAL MEANING

Mariá Noronha Portugal

ABSTRACT

This Master’s thesis arises from practical artistic experiences in improvisation and composition which question extant paradigms both of the history of musical

communication as well as of common knowledge. Such assumptions include the autonomy of the musical text and the notion that musical communication is

exclusively sensory. In affirming the hypothesis that all music experience is embodied and that musical meaning emerges from this connection to the body,

this research brings to the musical field a discussion which combines theories of communication and cognitive sciences (corpomidia theory), stressing the need to include the body in these debates. To this end, five of the author’s artistic

experiences over the last thirteen years are analyzed, in addition to a theoretical corpus that considers both physicality, referentiality and spatiality as elements of

musical experience (Cook, Smalley); as well as the importance of conceptual metaphor and embodied meaning as foundations of communication (Lakoff and Johnson, Katz and Greiner). The result raises preliminary questions that suggest

new possibilities in the context of artistic creation and musical communication.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: ALGUNS PONTOS DE PARTIDA 9

CAPÍTULO 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DAS PRINCIPAIS QUESTÕES 26

1.1O SIGNIFICADO MUSICAL EMBASADO NO CORPO 26

1.2A EMERGÊNCIA DA CORPORALIDADE NA MÚSICA DO SÉCULO XX 36

1.3.O PROBLEMA DO CONCEITO DE GESTO MUSICAL 40 1.4EM BUSCA DE UM MÉTODO DE ANÁLISE BASEADO NO CORPO 45

CAPÍTULO 2 - EXPERIMENTOS 58

2.1DESTE MEU TODO TEU SER 63

2.2IMPROVISOS E PESSOAL E INSTRANSFERÍVEL 66 2.3ORI JAM – UMA RAPSÓDIA PARA ANTES DA MEIA-NOITE 74

2.4LADIES – DA INOCÊNCIA À CRUELDADE 76

2.5EXPERIÊNCIA 3 85

CONSIDERAÇÕES (PROVISORIAMENTE) FINAIS 87

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INTRODUÇÃO: alguns pontos de partida

Esta pesquisa surge de duas experiências distintas: a prática de composição de música para e com dança; e minha formação como compositora,

desenvolvida dentro do meio musical acadêmico autodenominado “erudito”. Nos últimos anos, meu trabalho com dança seguiu dois caminhos diferentes: em alguns casos, a música era composta à parte, antes ou depois da

composição coreográfica, com maior ou menor interação com o diretor e os dançarinos; em outros, a improvisação acontecia junto aos dançarinos,

tornando-se o método principal de composição. Em ambas as situações, era comum que música e dança se valessem dos mesmos procedimentos

composicionais; mas era sempre na improvisação que isso ficava mais latente. Neste caso, os procedimentos organizavam a um só tempo as dinâmicas do

corpo e do som, explicitando, em cena, o poder da música e da dança de criar e manipular significado conjuntamente, numa troca dinâmica entre si e com o contexto.

Mas como este significado é construído? Onde ele surge e do que é feito? O que faz com que dança e música pareçam atadas intimamente, ao mesmo

tempo em que esse laço pode ser alterado, contestado, rompido e refeito na criação artística? Se o significado é criado em uma aliança com o contexto, por que razão as correspondências entre som e corpo parecem soberanas? Até que

ponto estas correspondências seriam instáveis, uma vez que dependem das circunstâncias, e até que ponto tornam-se estáveis? Não estariam estas

relações implicadas na composição e na improvisação de música com dança, mesmo que o compositor ou os improvisadores não quisessem levá-las em consideração? Não estariam calcadas, em realidade, nas relações mais íntimas

e primeiras entre som e corpo, ou seja, em relações que antecedem a própria experiência musical? Ou ainda: não seria a própria música fundamentada na

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estariam dança e música, mesmo quando não estão juntas, manipulando significados em comum?

Essas são algumas das perguntas que surgiram da minha experiência de

criação e que suscitaram as seguintes hipóteses: 1) a experiência e o significado musicais estão fundamentados em algo anterior à estruturação da linguagem

musical: 2 são formados, primeiramente, por padrões experienciais de movimento, constituídos no corpo a partir de suas contínuas transações com o ambiente. Tais padrões experienciais são a base mais profunda da própria

música- sem estes padrões ela não existiria; 2) estes padrões se estabelecem de maneira intermodal, pertencendo ao domínio da percepção do som, das

imagens e do movimento do corpo; portanto, eles estão implicados na percepção auditiva, mas não são limitados a ela; 3) estes padrões possuem uma certa

estabilidade, pois formam-se a partir das nossas experiências mais primárias com som e movimento, mas suas combinações são altamente dinâmicas e

processuais, dependendo da interação do corpo com outros corpos no ambiente. Para testar as hipóteses, decidi reunir práticas artísticas e abordagens teóricas que apontassem caminhos para a fundamentação de uma ideia de

música como algo que se dá no corpo e a partir do corpo. Acredito que as questões envolvidas nesta pesquisa dizem respeito a toda experiência artística,

e que essas experiências, por sua vez, representam um poderoso tubo de ensaio de processos de significação mais gerais. Portanto, gosto de pensar que este trabalho não está limitado à criação de significado através da música, da

dança ou mesmo da arte, mas que diz respeito também à própria maneira de darmos sentido a nós mesmos e ao mundo.

                                                                                                               

2 Há uma vasta bibliografia – p. e. Meyer (1956); Nattiez (1987, 1990); Orlov (1981); Mcmullen e

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Se na criação com dança os processos de significação entre corpo e som se faziam evidentes, na minha educação musical formal eles pareciam ser deliberadamente ignorados. Estava em contato com uma escola de cunho

fortemente formalista, ainda impregnada pela ideologia do serialismo do início do século XX, com foco quase exclusivo na análise melódico-harmônica de

partituras. Mesmo quando se falava em movimento musical – uma metáfora,

aliás, essencial para o discurso musical – suprimia-se desta metáfora seu viés corporal. O pensamento de dentro deste ambiente musical, imbuído pela ideia

de uma música pretensa e idealmente “cerebral” – a música de concerto – estaria em oposição a uma música de fora, “corporal” – o jazz, a música

“folclórica”, a música de mercado, ou seja, tudo o que era colocado sob o mesmo rótulo de “música popular”. A consideração do corpo como algo

secundário e até nocivo (pelo menos à música que aquele meio considerava válida) tornava muito mais difícil a pesquisa a respeito de seu papel na

experiência musical.3 Era uma escola cuja tradição estava fundada na ideia de

autonomia musical: a ideia de que a música é completa e autossuficiente em sua

estrutura, possuindo um fim em si mesma.

Esta ideia encontra-se disseminada em parte do pensamento musical e artístico, em especial no meio autointitulado “erudito”, mas também no senso

comum e em parte do meio acadêmico da música chamada de “popular”. Traz em si duas dicotomias implícitas: a dicotomia mente/corpo – na medida em que restringe a experiência artística ao plano intelectual – e a dicotomia

corpo/ambiente – na medida em que considera a arte como tendo um fim em si

                                                                                                               

3 É significante, por exemplo, o fato de a Sagração da Primavera (1913), de Stravinski e Nijinski,

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mesma (a arte pela arte), e, portanto, livre de qualquer interferência contextual.4

Assume-se, assim, que a obra artística possui fronteiras bem definidas, e portanto um “dentro” e um “fora”; que o significado é algo guardado “dentro” da

obra artística; que ele não pode estar ao mesmo tempo “dentro” e “fora”; e que corre o risco de ser diluído ou mesmo perdido uma vez “fora”. A ideia de

autonomia internaliza o que Johnson e Lakoff (1980, 1999) chamam de esquema

do recipiente, que será explicado nos capítulos seguintes.

É evidente que este tipo de pensamento atrapalha qualquer especulação

a respeito do papel do corpo nos processos de comunicação e significação. Por isso, faz-se necessário ter como ponto de partida a desestabilização da ideia de

autonomia da obra de arte. Para essa tarefa, é preciso primeiro identificá-la, conhecendo um pouco da sua origem e seu desenvolvimento histórico. Neste

sentido, apresento a seguir uma breve retrospectiva, sobretudo para evidenciar como a ideia de autonomia foi disseminada, modificando tanto a relação entre

dança e música quanto a experiência musical e artística em geral.

A ideia de autonomia da obra de arte é algo típico do pensamento artístico eurocêntrico. Surgiu por volta do século XVII (informação verbal)5, mas

consolidou-se no romantismo do século XIX, quando a música de concerto burguesa tornou-se seu símbolo. Pela primeira vez, a música instrumental

assumia um papel preponderante em relação à música vocal e programática, à ópera e ao balé. Se a presumida ausência de elementos externos6 havia sido o motivo para que a música instrumental fosse outrora considerada uma

“modalidade deficitária” da prática musical, foi também o que a tornou “paradigma estético – a essência do que é realmente a música” (DAHLHAUS,

1999, p. 10, grifo meu, tradução minha), chegando a sobrepujar a pintura, a

                                                                                                               

4 Se entendermos que o fluxo entre corpo e ambiente é um fluxo de informação, e que tanto

corpo quanto ambiente são formados, a cada instante, por esse fluxo, então vemos que a dicotomia corpo/ambiente é análoga à dicotomia texto/contexto.

5 Informação fornecida pela Profª. Lia Tomás no curso de Estética Musical, durante a graduação

em Música na UNESP, em 2007.

6 Inclui-se, aqui, a dança, a palavra, a narrativa, a referencialidade a elementos considerados

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escultura, o teatro e mesmo a filosofia em importância. A ideia de música

absoluta – termo cunhado por Wagner e utilizado na época como sinônimo de

música autônoma, ou música instrumental – foi “uma ideia de todo o século XIX,

que representou um sentir artístico de toda uma época” (p. 139, tradução minha).

A mais influente asserção da ideia de música autônoma encontra-se no livro O Belo Musical (1ª edição, 1854), do crítico alemão Eduard Hanslick. Nele,

Hanslick (2011, p. 41)7 radicaliza a ideia, afirmando que a essência da música

consistiria apenas em “formas musicais em movimento”. Essa famigerada frase refere-se, exclusivamente, ao movimento da estrutura musical (p. e. o

movimento melódico ou o movimento harmônico, rítmica etc.) e, portanto, deixa de lado qualquer conexão com nossa experiência cinestésica mais concreta: o

movimento do corpo.

Se agora se perguntar o que se há de expressar com este material sonoro, a resposta reza assim: ideias musicais. Mas uma ideia musical trazida inteiramente à manifestação é já um belo autônomo, é fim em si mesmo, e de nenhum modo apenas meio ou material para a representação de sentimentos e pensamentos […]. (HANSLICK, 2011, p. 41).

A música absoluta seria linguagem e substância em si mesma (DAHLHAUS, 1999) e, justamente por isso mesmo, música em seu mais alto

grau de desenvolvimento. Mas só alcançaria essa importância na medida em que estivesse supostamente fechada em sua própria forma; livre, portanto, de

qualquer função e de qualquer influência de outras artes, do contexto, da palavra e do corpo. É a música das salas de concerto – como bem define Cook (1998, p. vii, tradução minha), “câmaras anecóicas de baixa qualidade”, um ambiente

                                                                                                               

7 O conceito de forma em Hanslick é paradoxal, pois se refere, ao mesmo tempo, à forma e ao

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pretensamente isolado de qualquer intervenção externa, em que o ouvinte ideal deve permanecer em silêncio absoluto, extático e estático.

A ideia de música absoluta possuía um teor inegavelmente libertário:

surgiu como um ímpeto de emancipação da música de seu caráter funcional em relação à religião e ao convívio social, bem como de emancipação do artista em

relação às exigências de um patrão ou cliente.8 (DAHLHAUS, 1999). Entretanto, por ser um autêntico produto de uma cultura baseada na visão descorporificada da mente e da linguagem, mostrou-se como uma poderosa afirmação da

dicotomia mente/corpo.

Em sua busca pela transcendência, a música absoluta colocou a maior importância nas mais elevadas faculdades da mente. Neste sentido afirmou a ideologia do dualismo mente/corpo […] funcionando portanto como um meio engenhoso de suprimir o corpo […]. Chamo-o de engenhoso porque o fez por trás de uma aparência de uma manifesta autonomia com respeito à referencialidade social subjacente, e desta forma fez seu programa muito mais sutil e difícil de identificar. (CITRON, 1993, p. 142).

Ao mesmo tempo em que suprimia o corpo, a ideia de obra de arte autônoma partia do princípio de que a significação só poderia acontecer no domínio das palavras e do pensamento proposicional. Assim, para justificar uma

suposta inefabilidade da linguagem musical, a ideia de obra de arte autônoma terminava por negar à música sua própria capacidade de produzir significado.

Além da música instrumental, a proposta de autonomia da obra de arte expandiu-se por outras áreas, tais como a dança, o teatro e as artes visuais. Não por coincidência, foi no século XIX que o balé se tornou uma atividade autônoma

em relação à ópera e soberana em relação à música. A música utilizada nos balés assumia um papel subserviente, mesmo quando o compositor já possuía

                                                                                                               

8 Beethoven era a personificação do gênio criativo da arte autônoma – tanto quanto é

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algum reconhecimento.9 Sua falta de inovação era algo desejável, pois, segundo Sally Banes (1992, p. 311), sua função consistia apenas em fornecer “uma base rítmica clara e uma linha melódica que desse contorno aos fluxos de energia e

expressão dos dançarinos”.

É presumível que a relação soberana da dança sobre a música deixaria

descontente boa parte dos compositores identificados com a ideia de autonomia musical. Para eles, a presença de outra linguagem significava o perigo da perda de liberdade e identidade. Os compositores ditos autônomos eram os

considerados “de primeira linha”; os que tinham que lidar com contextos de interação entre linguagens e entre criadores seriam compositores menores, ou

então frustrados. Essa discriminação ainda aparece, até hoje, nos ambientes musicais permeados pela ideia de autonomia.

Na medida em que se estabelecia a ideia de autonomia da obra artística, esta foi sendo encarada como um território de disputa, em que uma linguagem

necessariamente deveria submeter-se à outra. Dependendo do contexto, dança ou música ditariam as regras da relação. Segundo Cook (1998), esta metáfora bélica aparece, até os dias atuais, na maior parte da literatura a respeito da

interação entre linguagens artísticas.

Se os compositores adeptos da ideia de música autônoma viam sua

degradação na união da música com outras linguagens, Wagner situava-se em seu lado radicalmente oposto:

A música absoluta é uma música separada de suas raízes, que são a linguagem e a dança. […] Para ser verdadeira música no sentido pleno da palavra, a harmonia, a trama sonora, devem manter-se unidas ao ritmo e ao logos, o que quer dizer: unida à

palavra e com um movimento ordenado. E isso significa para Wagner: no drama musical a música atua em conjunto com a ação cênica – como movimento corporal – e com o texto poético,                                                                                                                

9 Era o caso, por exemplo, do russo Pyotr Ilych Tchaikovsky, que frequentemente recebia

encomendas de música para balé. Apesar de já ser conhecido e respeitado como compositor

sinfônico, o coreógrafo Marius Petipa não hesitou em ditar requisitos completos para a música de A Bela Adormecida (1890), os quais Tchaikovsky aceitava sem nenhuma reclamação. Este

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e só assim alcança essa plenitude que lhe é negada como música absoluta. (DAHLHAUS, 1999, p. 23-4, grifo meu, tradução minha).

De acordo com Wagner, música, movimento corporal, texto, cenário e

figurino estariam unidos em todas as suas potências em torno da narrativa dramática de um mito universal, aos moldes das tragédias de Ésquilo. O

compositor sintetizou este ideal no conceito de “obra de arte total” (Gesamtkunstwerk), que foi altamente disseminado entre os artistas da virada do

século XIX para o XX, infiltrando-se, também, na dança, na arquitetura, na

música e no teatro modernos.

Cada um adquire a capacidade de ser e fazer o que, de suas próprias essências, desejam ser e fazer. Cada uma, até onde sua própria capacidade termina, pode ser absorvida na outra […], provendo sua própria pureza, liberdade e independência assim como ela é. (WAGNER apud KOSS, 2009, p. xii, tradução minha).

A contradição dentro do próprio conceito de obra de arte total fica

evidente aqui, nas palavras de seu bastião. O Gesamtkunstwerk reunia em si os

conflitos entre controle e independência, autoridade e descentralização, pureza e contaminação, totalidade e fragmentação, que futuramente perpassariam os

modernismos. (HARVEY, 1992). Para Wagner, a ideia de autonomia da obra de arte não era uma mentira a ser rechaçada, mas uma verdade a ser integrada na

ideia de Gesamtkunstwerk – e, na prática, um problema a ser solucionado. Se a

música deveria ser pura, livre e independente, ao mesmo tempo deveria ser absorvida nos outros elementos envolvidos no trabalho para que houvesse uma

unidade do todo.

Entretanto, o Gesamtkunstwerk foi sendo, na prática, interpretado da

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elementos envolvidos no trabalho artístico, fornecendo a desejada unidade à obra.

Adolphe Appia, famoso cenógrafo das óperas de Wagner, afirmava que o

drama deveria ser corporificado diretamente pela dança.10 Segundo Appia (apud ROGERS, 1969, p. 25-6), “a vida do corpo tende à anarquia, e então à feiura; é a

música que deve libertar o corpo, impondo a ele sua disciplina.” Se no

Gesamtkunstwerk o corpo era algo fundamental, era apenas na medida em que

esse corpo estaria devidamente controlado. A obra de arte total tentava reatar o

laço entre música (disciplina) e corpo (anarquia) negado pela música absoluta, mas, por estar calcada na dicotomia mente/corpo, também acabava operando

numa lógica que buscava tirar o papel do corpo da construção ativa de significado.

Influenciada tanto pela ideia de música absoluta quanto pelo conceito de

Gesamtkunstwerk, a arte moderna herdava do século XIX o modus operandi da

primazia na relação entre música e dança. Ora a música passava a ter papel preponderante, como nas interpretações de clássicos do repertório por Isadora Duncan (BANES, 1992) ora era comissionada para compositores, o que

consistia em trabalhar no estúdio juntamente com o coreógrafo ou em cima da coreografia já pronta, encontrando os repousos e pontos fortes e compondo

música que encaixasse com uma dança já estruturada. Assim trabalhavam Louis Horst, Lou Harrison, o jovem John Cage e Henry Cowell. (MILLER, 2002). O

                                                                                                               

10 Para isso, Appia lançava mão da recém-criada euritmia, concebida pelo seu parceiro Émile

Jaques-Dalcroze. Inicialmente desenvolvida para instrumentistas, a euritmia consistia em um programa pedagógico que envolvia ginástica e estudo do ritmo e visava a resposta instantânea do corpo ao estímulo musical, minimizando o intervalo entre ambos. Seu objetivo seria dar respostas imediatas, pré-conscientes ao estímulo musical. Nas palavras de Dalcroze (apud COPELAND, 2004, p. 137, tradução minha), “o objetivo não é interpretar a música, mas traduzi-la numa apropriação corporal direta”. Como Copeland (2004) nos aponta, a euritmia de

Dalcroze exerceu grande influência em Isadora Duncan e Mary Wigman (que teve aulas com Dalcroze em Hellerau), bem como na dança moderna em geral, além de ser utilizada para a superação de dificuldades dos bailarinos com obras de extrema complexidade rítmica, como, por exemplo, na montagem pelos Ballets Russes da Sagração da Primavera (p. 137). Se a

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papel de compositor ou músico para dança continuava sendo considerado de segunda linha – muitas vezes, era apenas um trabalho para pagar as contas.

Foi o próprio Cage que, junto a Cunningham, rompeu com essa dinâmica,

propondo algo até então inédito: a independência total entre música e dança, tanto nos processos criativos quanto em cena. Seus primeiros trabalhos já

apontavam uma maneira diferente de colaboração, tal como Cage já havia testado com outros artistas. Eram colaborativos no conceito e na forma geral, mas Cage e Cunningham desenvolviam métrica e materiais independentemente.

(pos. 3414). Nos trabalhos feitos a partir dos anos 1950, música e dança tornaram-se totalmente independentes, seguindo um caminho sem volta.11

Essa relação de coexistência sem codependência entre dança e música em Cage e Cunningham surgiu, segundo o próprio Cage, a partir de um episódio

que ele relatou em diversas conferências: ao ver, ao som de uma jukebox, uma

aula de natação através da janela de um café, Cage notou que a canção tocada

se encaixava perfeitamente no movimento dos nadadores. (LUCIER, 2012). Percebendo que as associações entre dança e música eram aleatórias e além das possibilidades de controle dos criadores, Cage e Cunningham foram

desistindo cada vez mais das estruturas micromacrocósmicas que utilizavam nas suas obras colaborativas iniciais12, vez por outra tornando o próprio acaso

um agente criador, como, por exemplo, em seus experimentos com o I Ching.13

                                                                                                               

11 A única exceção desta regra talvez seja

Variations V (1965), que buscava, através de uma

parafernália tecnológica, a cooperação intrincada entre compositores, dançarinos, artistas visuais e engenheiros, no que Gordon Mumma chamou de “a primeira obra wagneriana que Cage fez” (MUMMA, 2000 apud MILLER, 2002, pos. 3468, tradução minha). A música de

Variations V era selecionada pelos dançarinos através de sistemas de antenas espalhadas

pelo palco, de funcionamento semelhante ao do Theremin. A dança, portanto, influenciava diretamente na música, mas de forma aleatória– o dançarino não sabia qual som exatamente

ele estava escolhendo.

12 As formas micromacrocósmicas de Cage consistiam em estruturas nas quais as durações das

seções maiores da peça espelhavam “aquelas de suas partes constituintes” e que, em seus trabalhos com Cunningham, coordenavam tanto música quanto dança. (MILLER, 2002, pos. 3393).

13 Nas palavras de Cunningham: “John Cage e eu nos tornamos interessados no uso da sorte

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Depois disso, música e dança coexistiriam sem nenhuma relação de interdependência.

Para Cage e Cunningham, essa era a única alternativa para que música e

dança possuíssem, de fato, igual importância e qualidade dentro de um mesmo trabalho, chegando assim a seus propósitos artísticos singulares. A música não

mais forneceria estrutura rítmica para a dança, nem um contorno melódico que conferisse qualidades expressivas. E coreografia não forneceria diretrizes para a composição musical, tampouco se limitaria a ilustrá-la de maneira supostamente

“literal”.

Nunca a autonomia das linguagens havia sido tão radicalizada. Obras

como The Seasons (1947), Aeon (1961) e Roaratorio (1983) são alguns dos

muitos exemplos desta que virou, inclusive, prática habitual de colaboração entre

Cunnningham e seus demais parceiros. Na maior parte das vezes, os bailarinos conheciam a música, o cenário e o figurino no último ensaio ou mesmo no dia da

estreia do trabalho. Para os artistas em cena, seria uma experiência totalmente oposta da que se via no balé e na dança moderna. Como diz Copeland (2004), parafraseando Baudelaire, eles deveriam se agarrar a uma “inabalável resolução

de não serem comovidos” (l’inébranlable résolution de ne pas être ému).14

A princípio, a independência entre música e dança operada por Cage e

Cunningham aparenta ser apenas uma recusa, uma desistência da interação – tal como afirma Cook (1998). Mas é, na verdade, uma afirmação veemente de seu potencial de significação. A chave para esse entendimento é o episódio

supracitado da aula de natação. Cage e Cunningham perceberam que o significado não seria algo inerente a uma suposta “essência” das linguagens,

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         

64 sons. Você poderia jogar [as moedas, as varetas] […] para definir, pela sorte, qual som viria primeiro, e depois jogar de novo para decidir qual som viria depois. Ao invés de tentar descobrir o que você pensa que deveria vir em seguida […] o que o I Ching sugeriria? Bom, eu levei isso também para a dança.” (ATLAS et al, 2001, tradução minha).

14 Aqui, creio que a tradução mais imediata para

ému seja emocionado. Entretanto, tomei a

liberdade de optar pelo menos óbvio comovido para frisar a ligação com o movimento, que é

evidente no francês e principalmente no inglês moved. Emocionado também possui a mesma

ligação, mas creio que seu uso mais corriqueiro não nos ajude a percebê-la. O uso de

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mas construído na negociação entre essas linguagens e dentro de um contexto. Percebendo que a fronteira entre textos e contexto era flexível e maleável, eliminaram a ideia do significado como algo estático, implodindo a noção de uma

substância contida dentro do recipiente da linguagem. A partir de então, a relação entre música e dança tornou-se, necessariamente, uma questão que não

deveria ser solucionada, mas sim explicitada em cena.

A declaração de independência entre dança e música por Cage e Cunningham é, a um só tempo, a eliminação da disputa de território entre

linguagens, a vitória da estética sobre a poiética como campo de criação de significado e a dissolução da figura do autor moderno que havia sido criada e

fomentada desde o romantismo, intimamente ligada à ideia de obra de arte autônoma.

[Daisetz Teitaro Suzuki] então falou de duas qualidades: desimpedimento (unimpededness) e interpenetração.

Desimpedimento significa que em todo o espaço cada coisa e cada ser humano está no centro e ainda que cada um no centro é o mais honrado de todos. Interpenetração significa que cada um desses mais honrados de todos está se movendo em todas as direções, penetrando e sendo penetrado por todos os outros, não importa o tempo ou o espaço. (CAGE, 1961, p. 48, tradução minha).

Essa fala de Suzuki era comumente citada por Cage e Cunningham acompanhada de outra, atribuída a Albert Einstein: “Não há pontos fixos no

espaço.” (DICKINSON, 2014, p. 59, tradução minha). Ambas ilustram bem o que o compositor e o coreógrafo almejavam em seus trabalhos colaborativos. Para uma tradição artístico-musical fundada na ideia de autonomia, acostumada a

pensar a colaboração através da primazia de uma linguagem sobre as outras, era inimaginável que desimpedimento e interpenetração pudessem ser

(21)

Esta escolha metodológica também pode ser reconhecida nas primeiras apresentações do Judson Dance Theater: um grupo formado em 1962, em Nova York, por dançarinos, músicos e artistas visuais que eram alunos do músico e

coreógrafo Robert Dunn. Dunn havia estudado com Cage e aplicado vários de seus princípios composicionais em suas aulas. Muitos integrantes do Judson

Dance Theater também haviam estudado e trabalhado com Cunningham.

Em sua primeira apresentação, em 1962, o Judson Dance Theater testou inúmeras possibilidades de interação entre música e dança: música

comissionada, improvisada, incidental ou executada pela plateia; música composta por coreógrafos; coreografia composta por compositores; apropriação

de peças de John Cage e Erik Satie; canções do rock ’n’ roll; dançarinos

cantando, grunhindo e falando; dança sem música; e até música sem dança. O

Judson Dance Theater fazia no palco uma profunda reflexão crítica a respeito do papel da música na dança, bem como da colaboração em si. Se (e o quanto)

uma exerceria domínio sobre a outra, ou vice-versa, seria uma escolha deliberada do artista. Quando falam sobre autonomia, o fazem de um lugar bem diferente dos românticos da “arte pela arte”, e mais diferente ainda do

modernismo formalista. O pós-modernismo analítico que encontramos em boa parte dos artistas do Judson Dance Theater, assim como em seus antecessores

diretos, Cage e Cunningham, prefere expôr a relação entre música e dança no próprio discurso artístico.

Eu gostaria de dizer que sou uma music-hater. O único papel restante à muzeek em relação à dança é ser totalmente ausente

ou rir de si mesma. Usar muzache “séria” simultaneamente à

dança é dar uma aura de “alta arte” ao que se vê. Usar moosick

de “programa” ou pop ou rock é gerar excitamento ou coloração que a dança em si não evocaria de outra maneira.

Porque me oponho a este tipo de realçamento? Uma razão é que eu amo dançar e fico ciumenta com a intromissão de qualquer outro elemento. Eu quero que minha dança seja a

superstar e se recuse a dividir seu refletor com qualquer forma

(22)

[…] Eu simplesmente não quero a alta arte de ninguém perto da minha… eu não colaboro… além disso, sou totalmente a favor

de uma mídia por vez. (RAINER, 1968 apud BANES, 1992, p. 317-8, grifo da autora, tradução minha).

Esse texto de Yvonne Rainer é extraído de um tape usado em uma seção

de Performance Demonstration (1968), gravado pela própria artista. Rainer aqui

faz um ataque (irônico, já que também utilizava música na peça) à música, explicitando o problema que se tornou sua presença em espetáculos de dança

depois de Cage e Cunningham. Discorre, também, sobre o duplo processo de

kitzchização a que foi submetida no século XX: de um lado a onipresença líquida

da música pop; de outro, a rigidez da música culta, confinada na câmara

anecóica da sala de concerto. Além disso, denuncia a transformação da música

num “discurso invísível”, característico das trilhas de Hollywood, bem como da companhia Muzak 15, em que a música assume o papel que Cook (1998, p. 21)

chama de persuasor oculto: um “discurso que se passa por natureza; participa

na construção do significado, mas dissimula seus significados em efeitos”. Frente a todos esses processos, Rainer aponta que a única alternativa

para a música é rir de si mesma, desconstruindo, assim, sua seriedade e abrindo mão de seu poder de persuasão. Sua análise expõe, de maneira

precisa, as mudanças radicais que acometeram a música logo na primeira metade do século XX e aponta também a urgência de uma visão crítica do uso da música em cena, bem como uma autocrítica da música em si.

                                                                                                               

15 Neste texto, Rainer faz uma transformação, através de trocadilhos, da palavra

music (música),

que é transmutada em muzak e moosick (junção da palavra music com a palavra sick, doente),

até transformar-se finalmente em Muzak, que aparece com letra maiúscula. Muzak, hoje

sinônimo de música ambiente, é o nome de uma companhia especializada na produção de música ambiente para fábricas, para estimular e acelerar a produção, e lojas, para manipular hábitos de consumo. A palavra music aparece em sua grafia normal apenas em music-hater,

logo no início do texto. Muzache um neologismo - talvez uma brincadeira com o acento francês

e um trocadilho com a palavra francesa moustache - e se refere à “música séria”, que seria a

música “culta” ou “erudita” eurocêntrica, tanto a tradicional quanto a experimental. Já para se referir à música de programa e ao pop e o rock, utiliza o termo moosick (music + sick),

(23)

Em suma, as experiências de Cage e Cunningham e dos artistas da Judson Dance Theater realizaram transformações radicais na relação entre dança e música: desnaturalizaram-nas, mostrando que o significado gerado por

ambas está em função do contexto; questionaram o modo de colaboração até então dominante, calcado na primazia de uma sobre outra, propondo e

experimentando inúmeras alternativas; e tiraram da música seu papel de persuasor oculto, expondo-o e problematizando-o em cena. Colocaram em jogo,

assim, a necessidade de um novo plano de interação, não inteiramente

identificado, nem completamente alheio, mas definitivamente reflexivo.

Este panorama nada exaustivo da história da colaboração entre dança e

música e da evolução da noção de autonomia está incluído nesta introdução para apresentar, logo de saída, um conjunto de experiências que me ajudaram a

começar a elaborar as questões e hipóteses surgidas no decorrer da pesquisa. No capítulo 1, apresentei algumas bibliografias com o objetivo de reunir

“ferramentas” para pensar o significado musical de maneira não circunscrita à linguagem musical, mas, sim, embasado no corpo e construído em interação constante com o ambiente. Este me parece ser um caminho mais apropriado

para discutir a emergência de significado, tanto na experiência musical quanto na sua interação com a dança.

Para não dar a falsa impressão de que tudo que está sendo proposto neste trabalho é novidade, é importante mencionar que, dentro do próprio campo da música autodenominada “erudita”, há algumas linhas de pensamento que

fogem da ideia de autonomia. Dentre elas, destacam-se algumas visões do campo da música eletroacústica, em especial as baseadas no pensamento de

Pierre Schaeffer.16

                                                                                                               

16 A música eletroacústica é filha do surgimento e do desenvolvimento ímpar da tecnologia de

(24)

A possibilidade da escuta sem a sua fonte sonora originária fez com que a música começasse a lidar, tanto na teoria quanto na prática, com a referencialidade, a fisicalidade e a espacialidade – aspectos evidentemente

presentes na nossa experiência mais fundamental com o som e que, pelo menos desde o romantismo, eram ignorados pela bibliografia musical. Ao mesmo tempo

em que Schaeffer buscava uma escuta ideal do som, na medida em que era desvinculado de seu corpo sonoro, era esta mesma ausência que faria o corpo sonoro presente. Paradoxalmente, se a ideia de autonomia da obra de arte

dificulta a resposta para perguntas a respeito do papel do corpo na significação artística, é também ela própria que faz com que essas questões existam.

Dentro deste campo, merece destaque a abordagem espectromorfológica de Dennis Smalley (1997, 2007), baseada em Schaeffer e fortemente calcada

em parâmetros experienciais de movimento e de deslocamento no espaço. Smalley propõe a referencialidade como elemento fundamental na composição.

Apesar de se ater à música eletroacústica, acredito que diversos aspectos da espectromorfologia de Smalley possam ser estendidos à experiência musical em geral.

Ao lado desses autores, apresentei algumas bibliografias que não são específicas da teoria musical, tendo sido concebidas por pesquisadores das

chamadas ciências cognitivas. Tais pesquisas foram fundamentais para estudar a noção de significado, tanto no sentido da sua concepção como de sua modificação através da experiência artística. Para analisar o papel da teoria do

significado embasado no corpo, escolhi a obra do filósofo Mark Johnson (2007), bem como a teoria das metáforas cognitivas, desenvolvida pelo próprio Johnson

em parceria com George Lakoff (1980, 1999). Também elenquei algumas

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         

engenheiro e radiologista, foi o fundador e teorizador da música concreta, e é considerado o primeiro compositor a trabalhar com manipulação de fita magnética – embora o egípcio Halim El-Dabh também estivesse fazendo experiências com fita na mesma época. Em 1949, fundou, juntamente com Pierre Henry, o GRMC (Groupe de Recherche de Musique Concrète) na Radio

France, que depois transmormou-se no GRM (Groupe de Recherche Musicale[s] ). Sua obra

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pesquisas a respeito dos neurônios-espelho, como em Gallese et al. (1996, 2003, 2005), e sua implicação na escuta e na experiência musicais em Haueisen e Knösche (2001) e Lahav et al. (2007). Esta noção de empatia é brevemente

mencionada aqui, podendo ser mais desenvolvida em um momento futuro da pesquisa.

No capítulo 2, relatei minhas experiências de criação musical para e com a dança. Identifiquei, nas parcerias com os diretores Patrícia Noronha, Cristiane Paoli Quito, Diogo Granato, Morena Nascimento e Key Sawao, algumas

concepções apresentadas no primeiro capítulo, sobretudo o conceito de metáfora de Lakoff e Johnson (1980), presente também em Cook (1998), para

refletir sobre a criação e manipulação de significado entre corpo e som dentro destes processos criativos. As experiências com improvisação me fizeram

pensar, particularmente, no significado musical como algo embasado no corpo, transformando de maneira radical a minha própria maneira de fazer música.

Neste capítulo, utilizarei exemplos em vídeo de obras e artistas citados, que podem ser consultados no DVD que acompanha este trabalho.17

Como toda dissertação de mestrado, esta também deve ser lida como

uma introducão a algumas questões que, a meu ver, devem ser problematizadas. A proposta é que esta pesquisa tenha uma continuidade no

doutorado para que os pontos mais relevantes sejam devidamente aprofundados.

                                                                                                               

17 Além de verificar os vídeos mencionados no DVD, é possível consultar e assistir ao mesmo

material em: <http://mportugal.com.br/mestrado>.

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CAPÍTULO 1: fundamentação teórica das principais questões

Uma pessoa não possui nenhum território interno soberano, ela está inteira e sempre na fronteira;

olhando para dentro de si, ela olha para dentro dos olhos de outrem

ou com os olhos de outrem.

Mikhail Bakhtin (1984, p. 287, tradução minha)

1.1 O significado musical embasado no corpo

A experiência musical, em princípio, envolve sempre algum tipo de

movimento: o dos dançarinos, dos instrumentistas, dos regentes, do público. Esta relação entre música e movimento não é de maneira alguma estranha ao

pensamento musical ocidental. Entretanto, tal como vimos na introdução, a partir dos séculos XVIII e XIX, estabeleceu-se neste pensamento uma ideia, muito particular de autonomia da obra musical, que não considera o corpo e o

ambiente partes importantes da experiência musical tida como válida. Assim, também não leva em consideração o movimento, como algo originado, vivido e

terminado no corpo, nesta experiência.

Ao realizar aproximações entre teorias musicais que vão na contramão da ideia de autonomia e bibliografias sobre estudos do corpo, apresentam-se

ferramentas conceituais e evidências empíricas para desestruturar a ideia de autonomia da obra de arte e afirmar que a experiência musical, assim como toda

e qualquer experiência de significado, está embasada no corpo. A partir disto, podemos dizer que o corpo e o movimento possuem um papel fundamental também na relação entre som, imagem e significado. O objetivo deste capítulo é

apresentar estudos que fortaleçam esta proposta, estabelecendo um ponto de partida para uma pesquisa que continuará para além dos limites desta

(27)

É importante reforçar que, tal como vimos na introdução, há um grande número de experiências musicais e artísticas que evidenciaram o papel do corpo nas criações musicais, em especial no século XX. Entretanto, há uma carência

do reconhecimento deste papel em boa parte das bibliografias específicas. É neste sentido que esta pesquisa busca colaborar, apresentando e evidenciando

possíveis conexões entre autores que construíram pontes explícitas entre corpo e música, e aqueles que estudam o corpo.

Um importante ponto de partida é a descoberta da existência de ações

motoras cognitivas envolvidas na percepção. Gallese et al. (1996) mostraram pela primeira vez que um conjunto neuronal era ativado tanto quando um

macaco executava uma ação (por exemplo, agarrar uma banana), como quando ele via a mesma ação sendo executada por uma pessoa.18 Interessante também

era o fato de que a visão isolada tanto do objeto quanto da pessoa não despertavam nenhuma atividade, o que significava que o acionamento só

aconteceria através da ação, fosse realizada ou vista.

Os autores (p. 606-7) chamaram estes neurônios de neurônios-espelho e

indicaram que havia fortes evidências de que humanos, assim como os

macacos, também possuíam um sistema semelhante, responsável pela associação entre a observação visual e a execução de ações.

É sabido que tanto adultos quanto crianças aprendem por imitação. Este processo poderia ser baseado num mecanismo de emparelhamento entre observação e execução similar ao representado pelos neurônios-espelho. Tal mecanismo pode, por um lado, extrair os elementos essenciais para descrever o agente da ação (mão, braço, face) e, por outro lado, codificá-los diretamente em conjuntos específicos de neurônios com propriedades motoras […] (GALLESE et al., 1996, p. 606, tradução minha).

Estudos posteriores mostraram que a mesma relação parece acontecer entre percepção sonora e ação motora, tanto com sons cotidianos, tais como

                                                                                                               

(28)

portas batendo, quanto com materiais sonoros mais complexos, tais como música. Experimentos realizados por Haueisen e Knösche (2001) mostraram que estudantes de piano tiveram atividade motora involuntária no córtex motor

primário ao escutar uma melodia relativamente complexa, extraída de peças pianísticas. A atividade no córtex motor primário, portanto, “poderia ser evocada

e sincronizada ao feedback perceptual associado”, o que dá grandes evidências

de que há um “forte emparelhamento entre sistemas de percepção e ação no cérebro”. (p. 789, tradução minha).

Posteriormente, Lahav et al. (2007) mostraram que o mesmo ocorre com não-músicos. Estes demonstraram atividade motora cerebral involuntária ao

ouvirem uma melodia que haviam aprendido de ouvido e praticado durante algumas semanas. Assim como em Haueisen e Knösche (2001), a atividade

também ocorrera nos mesmos circuitos neurais associados à observação de ações apontados por Gallese et al. (1996), e que poderiam vir a ser o sistema

humano de neurônios-espelho.

Estes experimentos evidenciaram que, ao perceber um som, buscamos e reproduzimos no corpo sua origem físico-corpórea, que pode ser imediata ou

remota, inferida ou suposta. Segundo Johnson (2007), ao ouvir música, mesmo ouvintes aparentemente imóveis (a plateia ideal das salas de concerto)

movem-se emocionalmente, fisicamente, fisiologicamente, ativando mapas neurais tanto associados com o movimento dos músicos, regentes ou dançarinos, quanto subentendidos nos movimentos intrínsecos à linguagem musical, tais como o

ritmo, o movimento harmônico-melódico, etc.

A escuta, de Beethoven ao Candomblé, necessariamente acontece no

corpo. E é esse engajamento do corpo na escuta que faz com que a música nos seja significativa, pois toda a nossa produção e experiência de significado têm origem num lugar mais profundo que o das proposições e sentenças da

(29)

as emoções. São precisamente estes processos corpóreos que fazem a significação possível.

Johnson também argumenta contra uma vertente do pensamento

ocidental que considera o pensamento proposicional como a base de toda a significação. Neste ambiente filosófico, houve um gradativo processo de

“subjetivização da estética” que, segundo ele, teve seu momento mais decisivo na filosofia da beleza em Kant. (p. 214). A partir de então, a Estética seria uma disciplina de menor importância, limitada à subjetividade e aos sentimentos e

restrita ao estudo da arte. Johnson, ao contrário, defende a ideia de que aspectos tradicionalmente limitados à Estética são a base de todo significado e

que a arte, por sua vez, fornece exemplos de intensa condensação de significado, utilizando as mesmas fontes básicas de significação que dão sentido

ao nosso mundo e às nossas vidas. (p. 125).

[...] a Estética torna-se o estudo de tudo que constitui a capacidade humana de fazer e experienciar significado. [...] A estética do entendimento humano deveria tornar-se a base de toda filosofia, incluindo metafísica, teoria do conhecimento, lógica, filosofias da mente e da linguagem e teoria do valor. (JOHNSON, 2007, p. 73, tradução minha).

Neste viés, todos os nossos conceitos fundamentais são embasados no corpo, inclusive os que compõem a ética, a política, a filosofia e a matemática,

atravessando tanto as dimensões estruturais, formais e conceituais, quanto as dimensões pré-conceituais, não-formais e sensitivas.

Estes processos corpóreos que originam o significado acontecem,

necessariamente, nas interações entre organismo e ambiente, nas quais “padrões significantes são marcados em meio ao decorrer da experiência” (p.

273). Tais “estruturas sensório-motoras” de interação organismo-ambiente dão origem ao sistema conceitual que embasa nosso funcionamento e nosso processo de significação do mundo e da vida. (p. 119). É nesta contínua

(30)

Os conceitos que chamamos de “mais elevados” ou abstratos podem não parecer embasados em aspectos da nossa experiência sensório-motora, mas isto é uma ilusão. Conceitos

que pensamos como completamente divorciados das coisas físicas e das experiências sensório-motoras (conceitos como justiça, mente, conhecimento, verdade e democracia) não são nunca realmente independentes de nossa corporificação

(embodiment), porque a estrutura semântica e inferencial desses

conceitos abstratos é feita a partir das nossas interações sensório-motoras. […] (p. 5247, grifo do autor, tradução minha).

Este sistema de significação, segundo Johnson e Lakoff (1980), é

formado em sua maior parte pelas metáforas conceituais, que têm origem no

corpo, emergindo a partir das nossas primeiras experiências e aprendizados sensório-motores, anteriores e possibilitadores da aquisição da linguagem. Aqui, a metáfora (do grego μεταφορά, que significa “transferência, transporte para

outro lugar”; essencialmente, o entendimento de uma coisa nos termos de outra) não é apenas uma figura de linguagem, ou seja, mais um instrumento da poética

e da retórica. É, também, e principalmente, a articulação de distintos domínios conceituais que embasam nosso pensamento, ação e comunicação.

Assim, por exemplo, o domínio conceitual DINHEIRO projeta suas

características estruturais sobre o domínio conceitual TEMPO, formando a metáfora TEMPO É DINHEIRO (podemos “gastar”, “investir”, “desperdiçar”,

“economizar” tempo/dinheiro). Esta é uma metáfora-base que sustenta, por exemplo, a metáfora TEMPO É UM RECURSO LIMITADO (“esgotar”, “ter muito”, “ficar sem” tempo/dinheiro), que, por sua vez, contém TEMPO É UMA

MERCADORIA VALIOSA (“ter”, “dar”, “perder” tempo/dinheiro).

As diferentes metáforas do TEMPO se articulam sistematicamente,

criando uma rede de significados correspondente ao ambiente cultural no qual estamos inseridos. Ou seja: nosso sistema conceitual não é estático, mas dinâmico, pois depende da época, da sociedade, da cultura e dos indivíduos.

(31)

que acabam passando por verdade, modelando (e limitando) nossa experiência

e ideia de mundo.19

As metáforas conceituais não estão circunscritas à linguagem; são

baseadas em diversos padrões e lógicas advindos da nossa experiência corporal, tais como a percepção do movimento de objetos, da sensação

cinestética do nosso próprio movimento e da nossa sensação proprioceptiva da posição e do movimento do corpo. (p. 137) Estes padrões são chamados por Johnson (2007) e por Johnson e Lakoff (1980, 1999) de esquemas de imagem:

“conceitos espacial-relacionaisque “constituem os contornos básicos do nosso

mundo vivido”, ou “as estruturas básicas da experiência sensório-motora através

da qual nós encontramos um mundo que podemos entender e sobre o qual podemos atuar.” (JOHNSON, 2007, p. 135-6).

Os esquemas de imagem “existem como aspectos topológicos dos nossos mapas neurais, [que são] os elementos estruturais do nosso contínuo

engajamento com o mundo”. (p. 135, tradução minha) Só existem, portanto, por sermos os seres que somos no ambiente em que estamos. Johnson afirma que, se o nosso corpo fosse esférico, por exemplo, não existiriam os conceitos de

frente, trás e lado, tampouco os significados que estes conceitos geram. Nossa experiência e nossa significação são moldadas pelo corpo que temos.

É importante frisar que os esquemas de imagem não são imagens em si, mas padrões “imagéticos” (image-like); não são representações estáticas de um

momento no mapa neural, mas padrões de ativação deste mapa, operando

“dinamicamente e através do tempo.” (JOHNSON, 2007, p. 144, tradução minha). Nas palavras do autor (p. 143-6, grifo meu, tradução minha): “são os

próprios contornos da experiência em si, ou estruturas de experiência.”

                                                                                                               

19 É de se supor que TEMPO É DINHEIRO faça sentido principalmente no contexto capitalista

(32)

Três desses esquemas de imagem são particularmente importantes para este trabalho, e serão abordados mais detalhadamente em diversos momentos nas páginas subsequentes. Todos eles possuem uma “‘lógica’ espacial interna e

inferências intrínsecas.” (JOHNSON; LAKOFF, 1999, p. 33, tradução minha). O primeiro é o esquema do recipiente, que possui sempre a mesma

estrutura composta por três partes: um interior, um exterior e uma fronteira. “Uma fronteira física pode impor limitações visuais: pode proteger o conteúdo do recipiente, restringir sua locomoção […]” (p. 32, tradução minha).

O segundo é o esquema origem-percurso-destino, que é composto pelos

seguintes elementos: um percursor que se move; um ponto de partida; um ponto

de chegada; uma rota; a trajetória de fato; a posição do percursor num dado momento; a direção do percursor naquele momento; a posição final do

percursor, que pode ou não ser no ponto de chegada. Este esquema pode ser expandido, adicionando elementos conceituais como obstáculos, percursores

adicionais, forças motrizes externas, variações de velocidade de locomoção, etc. (p. 33, tradução minha). O esquema origem-percurso-destino é o que forma o

nosso conhecimento mais fundamental a respeito de movimento.

O terceiro são as projeções corporais, como os conceitos de frente e

costas, por exemplo.20 “Nós vemos pela frente, normalmente nos movemos na

direção de faces frontais, e interagimos com objetos e pessoas com as nossas frentes.” (p. 34, tradução minha). Nas costas, por outro lado, está o que não vemos. Quando percebemos um objeto escondido atrás de outro (como um gato

atrás de uma árvore), estamos projetando no mundo a nossa noção de frente e costas, baseada na nossa experiência com o corpo que temos. Sem essa

experiência e sem esse corpo, tal noção não seria possível. (p. 34-5).

                                                                                                               

20 Johnson e Lakoff (1999, p. 35) também citam os esquemas parte-todo; centro-periferia;

(33)

Não é difícil enxergar a importância fundamental que esses poucos esquemas de imagem têm na construção de significado, e como um esquema como o do recipiente, por exemplo, atravessa diferentes línguas e culturas.

Segundo Johnson e Lakoff (1999, p. 35, tradução minha), todas as línguas utilizam “um número relativamente pequeno de esquemas de imagem básicos”,

que, por sua vez, derivam um número bem maior de relações espaciais diversas. Isso acontece pois grande parte desses esquemas de imagem são transmodais

(cross-modal) – atravessam diferentes modos da nossa experiência do nosso

corpo e do corpo no mundo. Por exemplo,

[…] podemos impor um esquema conceitual de recipiente numa cena visual […] [ou] em algo que ouvimos, como quando separamos conceitualmente uma parte de uma peça musical de outra. Também podemos impor esquemas de recipiente nos nossos movimentos motores […] (JOHNSON; LAKOFF, 1999, p. 32, tradução minha).

Ao pensar nestes esquemas de imagem dentro de contextos artísticos,

surgem algumas considerações importantes. De acordo com Johnson (2007, p. 141, tradução minha), os esquemas de imagem podem explicar como “conceitos abstratos emergem de experiências corpóreas sem precisar de uma mente

incorpórea, módulos autônomos de linguagem ou razão pura”. A partir desta proposta, pode-se considerar que tais esquemas são estratégicos para

entendermos fazeres artísticos como a dança e a música. Em outras palavras, eles parecem constituir a matéria-prima destes fazeres artísticos, partindo de uma para outra experiência sem passar, necessariamente, pela conceituação da

linguagem proposicional.

Além disso, os esquemas de imagem e o processo metafórico que deles

emerge podem ser compreendidos como o fundamento dos conceitos constituídos pela experiência corporal compartilhada entre dança e música. Isso

porque, a partir destas teorias, manifestações artísticas tais como a dança e a

(34)

internas que representam realidades externas, e sim padrões de ativação neural, modelos recorrentes de estrutura de pareamento entre organismo e ambiente, que podem ser acionados através de estímulos perceptuais ou motores. (p.

157-9).

Um poderoso acionador nesses padrões é o movimento e a percepção

cinestésica corporal. Johnson e Larson (2003) explicam o papel do movimento e do esquema de imagem origem-percurso-destino na nossa percepção do tempo

musical, partindo da correlação entre tempo e movimento.

Esta correlação entre o movimento de um objeto com a passagem do tempo é presente em crianças assim como adultos. A principal diferença entre adultos e crianças em relação a esta experiência [...] [é] o fato de que adultos adquiriram a habilidade de utilizar esta correlação experiencial como uma base para o pensamento abstrato. Nós (adultos) conceitualizamos o tempo através de profundas e sistemáticas metáforas cinético-espaciais (spacial-movement) nas quais a

passagem do tempo é entendida como um relativo movimento no espaço. (JOHNSON, 2008, p. 27, grifo do autor, tradução minha).

A partir de duas metáforas espaciais e três maneiras básicas de experienciar o tempo como um movimento no espaço, Johnson e Larson (2003)

levantam três metáforas para o movimento musical. A primeira é TEMPO EM MOVIMENTO (MOVING TIMES), manifestada em expressões como “o tempo

está voando/se arrastando/correndo”, bem como em “o Natal está chegando”, ou

“o Carnaval já passou”. No primeiro exemplo, o tempo é um objeto em movimento visto pelo observador; no posterior, um objeto em movimento

passando pelo observador. É transposta para a metáfora MÚSICA EM

MOVIMENTO, em que os diferentes elementos ou seções musicais são objetos que passam pelo ouvinte.

Na segunda metáfora, o observador está em movimento e o tempo é conceitualizado como objetos em seu caminho ou regiões que ele percorre.

(35)

virão”, “passamos por dias ruins”, “vejo sucesso à frente”, etc. “Como a música, assim como o movimento, acontece no tempo, estas duas conceitualizações de tempo […] são incorporadas nas metáforas básicas do movimento musical […]”

e transpostas para a metáfora PAISAGEM MUSICAL, em que a música é um espaço passível de ser percorrido. (JOHNSON; LARSON, 2003, p. 7, tradução

minha).

Na terceira metáfora, associada à causalidade, o observador é movido por forças externas (como o vento, o mar ou outra pessoa – geralmente algo mais

forte que o próprio) que o deslocam de um lugar a outro. De acordo com a metáfora MÚSICA COMO FORÇA MOTRIZ, a música o carrega, embala,

empurra, derruba ou o puxa para cima, colocando o observador/ouvinte num novo lugar.

Segundo Johnson (2008), estes três sistemas metafóricos estruturam a nossa experiência temporal em termos espaciais, sendo essenciais para

pensarmos em movimento musical. “Nós entendemos a música como algo se

movendo, e entendemos a nós mesmos como sendo movidos pela música” (p.

247, tradução minha), sempre a partir das nossas experiências concretas, em

sua grande parte pré-reflexivas, com o movimento físico.

Além disso, estas três metáforas também se ramificam qualitativamente,

pois todo movimento envolve distintas qualidades como tensão, linearidade, amplitude e projeção. Estas qualidades nos permitem identificar e qualificar as várias experiências da passagem do tempo e, portanto, diferentes qualidades da

peça musical. O andamento talvez seja o exemplo mais óbvio, pois se refere diretamente à velocidade do passo.

Estas são apenas três das inúmeras metáforas que surgem ao projetar nossa experiência com movimento e causalidade na experiência musical. É evidente, também, que a nossa experiência musical não se esgota nestas três

metáforas. Pelo contrário: existem, obviamente, outras inúmeras relações metafóricas, que podem ou não se desdobrar a partir destas elencadas por

Imagem

Figura 1 – Teste de similaridade e diferença entre mídias, proposto por Cook.  30
Figura 2 – Apresentação de Improvisos no Teatro Poeira (RJ), em 2012. Foto: Haroldo Saboia
Figura 4 – anotação de ensaio: possível esquema de disposição dos diferentes elementos de  duas canções (vermelho e azul) a serem desconstruídas no processo de colagem
Figura 6 – Bicho: Caranguejo duplo, Lygia Clark (1961) 47
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