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O na sociedade e na educação brasileira

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(1)

"Va

IHGFEDCBA ~

..•

'ATRIMONIALlSMO NA SOCIEDADE E NA EDUCACAO BRASILEIRA

,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

lartinho Rodrigues"

INTRODUÇÃO

A tentativa de reunir ao estudo das especifi-des do ensino, do aprendizado e demais desafi-estritamente educacionais, às considerações da

.edade inclusiva, pode ser objeto de diferentes rdagens, uma das quais é o exame da influência o patrirnonialismo sobre a educação no Brasil. Para - o podemos incursionar, inicialmente, pelas

pecu-. .dades da sociedade brasileira.

Opatrimonialismo é uma forma de

domina-ção tradicional,YXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

" ... in s p ir a d a d ir e ta m e n te n a e c o n o m ia d o -m é s tic a (oiêos) (.. .) v in c u la - s e a u m a o r -d e m e s t a m e n t a l , o n d e o s d ir e ito s e a s o b r ig a ç õ e ss ã o a lo c a d o s b a s ic a m e n te d e a c o r -d o c o m o p r e s tíg io e o s p r iv ilé g io s e s ta -m e n ta is . A o r g a n iz a ç ã a p o lític a p a tr i-m o n ia i d a r - s e - ia n a m e d id a e m q u e o d o m in a n te o r g a n iz a s s e d e fo r m a a n á lo g a a o s e u p o d e r d o m é s tic o o p o d e r e s ta ta l.( .. .) v in c u la d o m in a n te s e d o m in a d o s p o r m e io d e u m a c o -m u n id a d e c o n s e n s u a l ( .. .) q u e r e p o u s a n a c o n v ic ç ã o d e q u e o p o d e r s e n h o r ia l e x e r c id o tr a d ic io n a lm e n te c o n s titu i d ir e ito le g ítim o d o s e u s e n h o r . ( , . .) A p r o p r ia n d o - s e d o s c a r -g o s a d m in is tr a tiv o s e m o n o p o liz a n d o - o s , a d o m in a ç ã o p a t r i m o n i a i n ã o e s ta b e le c e d is -tin ç ã o e n tr e a s e s fe r a s p ú b lic a e p r iv a d a ... " .

(F.G.v., 1986:874).

As políticas sociais em geral - e as políticas ucacionais em particular - têm sido fortemente

• Mestre em sociologia, Professor do Departamento de

Fun-damentos da Educação - FACED - Universidade Federal o Ceará

- I E W ca çã o e m D e o a te - F o rta le za · MO1 7 /1 8 · o ! 2 9 -3 0 -3 1 e 3 2 d e 1 9 9 5 -p.4 5 -5 4

influenciadas pela tradição patrimonialista' brasilei-ra. Tal tradição é minudentemente explicada por Faoro (1984), sem que o estudo dos aspectos relati-vos à educação integrem os objetivos da obra monu-mental do autor aludido - Os donos do poder. Avaliar o impacto do patrimonialismo sobre a educação re-quer algumas considerações sobre as sociedades tra-dicionais, tanto quanto sobre a própria educação. A afetividade predomina, nas sociedade tradicionais, que também tendem ao personalismo, às trocas inespecíficasê , às relações comunitãrias", à sacrali-zação das explicações do mundo, à diabolização do outro, à indiferenciação das instituições e funções sociais, dentre outros aspectos.

As sociedades modernas ou seculares, ao con-trário, tendem à impessoalidade, às trocas específicas, às relações societárias, à naturalização ou historicização das explicações do mundo, à diferenciação entre as instituições e funções sociais, ao pluralismo no qual a dissidência éencarada como uma simples manifesta-ção da diversidade cosmopolita. Por isso o

" ... d e s e n v o lv im e n to s o c io e c o n ô m ic o é c o n c e -b id o ( . .. ) c o m o u m p r o c e s s o d e

difração,

d e -fin id o c o m o a d ife r e n c ia ç ã o d e fu n ç õ e s

in d e p e n d e n te s e a lta m e n te e s p e c ific a sp a r a a s d ife r e n te s e s tr u tu r a s o u o r g a n iz a ç õ e s q u e c o m -p õ e m a s o c ie d a d e .t .. .) A e s p e c ific id a d e d a fu n ç ã o ta m b é m é c a r a c te r ís tic a d o s s is te m a s a d m in is tr a tiv o s m a is e fic ie n te s .(.. .) o s s is te -m a s p o lític o s d e s e n v o lv id o s ta m b é m s ã o m a r c a d o s p o r u m a s e p a r a ç ã o d o s p a -p é is ..."(Sander, 1977:7-8).

As sociedades tradicionais são assim chama-dasp r i- p r is m á tic a s , aquelas que já diferenciaram suas estruturas e funções denominam-se p â s - p r is m ã tic a s ,

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patrimonialismo tem lugar nas sociedades prismáticos e pré-prismáticas, o que vale dizer, tradicionais, uma vez que a imagem da di fração serve apenas a uma descriçãoYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo u ,de certo modo, como explicação, deste tipo de sociedade.

A formação da sociedade brasileira é caracte-rizada pela circunstância peculiar de haver começado com um Estado - representado por um d o n a td r io de capitania - construindo uma sociedade. E um Estado com nítidas características burocrãtico-patrimoniais, tão bem descritas por Faoro (1984), Schwartzman (1988) e Paim (1994). As estruturas jurídico-políticas caracterizadas pelo patrimonialismo têm marcado pro-fundamente a sociedade brasileira. Porém, a profun-didade e a amplitude de tal influência não deve ser interpretada como um determinismo irrecorrível, como pode parecer em Os donos do poder (Faoro, 1984). A relativização do patrimonialismo é mais nítida em Bases do autoritarismo brasileiro (Schwartzman, 1988) e - principalmente - emIHGFEDCBAA querela do estatismo (Paim, 1994).

2

TRACOS DE TRADICIONALlSMO NA

SOCíEDADE E NA EDUCAÇÃO BRASILEIRAS

a personalismo, o formalismo, a natureza confessional da cultura e a presença do sentimento de honra estamental, traços do ideal-tipo de socie-dade tradicional, denotam a persistência do tradici-onal em meio àmodernização cuja presença também é notória na sociedade brasileira.

o

Persllnabsmll

a personalismo se caracteriza pela atitude refratária em relação àimpessoalidade da norma ju-rídica, salientando-se pela discriminação entre ci-dadãos. A persistência deste traço arcaico, ou tradicional, nas nossas instituições, pode ser flagrada em comportamentos que se expressam por frases que já se tomam comuns, do tipo is s o é le g a l m a s n ã o é é tic o , e e n tr e a le i e o s m e u s p r in c íp io s e u fic o c o m o s m e u s p r in c íp io s . Além disso, a famosa frase v o c ê s a b e c o m q u e m e s tá fa la n d o r - registrada por Sérgio Buarque de Holanda (1976), em Raízes do Brasil - é denotativa da tipologia weberiana aqui aprecia-da, sendo largamente conhecida entre nós. A se-gunda frase é assumidamente arrogante, típica do

46 Eoocação em Debate-Fortaleza· Ano 17/18· o! :!9-3(}.31e32 de 1995-p. 45-54

estamento burocrático-patrimonial. A primeira é pró-pria do patronato que sabe se disfarçar, recorrendo à

invocação da ética para ocultar a própria arbitrarie-dade. A nova atitude descaracteriza oid e a l- tip o , mas a persistência do personalismo que contrapõe o juízo ético pessoal à lei é um forte traço - não a figura integral - do tipo em evidência.

a personalismo sabe se disfarçar. Ele pode assumir as mais variadas formas. A arbitrariedade tí-pica da burocracia patrimonial, a arrogância própria da honra estamental, já não exibem a face despudo-ramente, preferindo ocultá-Ia sob a máscara do moralismo, o que explica a súbita epidemia de puri-tanismo, expresso na constante invocação da ética, para legitimar a arbitrariedade e a oposição àlei. A arrogante frase v o c ê s a b e c o m q u e m e s ta falando? foi substituído pela outra expressão: e n tr e a le i e o s m e u s p r in c íp io s e u fic o c o m o s m e u s p r in c íp io s . a virruosismo

democrático é outro disfarce do arbítrio patrimonial. Por ele se recorre à argüição de ilegitimidade da nor-ma jurídica ou dos atos administrativos baseados em tais normas, com o que se oculta o personalismo e a prepotência. Daí a súbita e massiva conversão dos membros de todo o estamento burocrático - reduto do patrimonialismo, sede do patronato - a um certo sociologismo crítico. Metamorfoseados em a p r e n d i-z e s d e fe itic e ir o dafe itiç a r ia sociológica os donos do poder transmudam-se de representantes da tradição patrimonialista em representantes da resistência a um ordenamento jurídico alegadamente ilegítimo.

Não se é arbitrário sem contestar a legitimi-dade da lei.

as ditos neoconversos à democracia e ao moralismo não se constrangem de cometer algumas impropriedades quando assim procedem, ou não chegam a perceber os próprios tropeços sociológi-cos, seja por tática ou por indigência teórica. a estamento burocrático apresenta contrastes profun-dos. O vale-tudo da luta por posições de h o n r a con-vive com o acentuado moralismo; as juras de amor à

democracia misturam-se à reação contrária aos repre-sentantes do legítimo poder democrático, oriundo de eleições gerais na sociedade; a arrogância se jus-tapõe àsubserviência e ao servilismo, prevalecendo este último diante dos s u p e r io r e s das confrarias no interior do estamento.

A

ResistêncÍQ anliáemllcrólica e IIll1rmalismll

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mental, é usado contra o poder derivado de elei-universais, cuja validade o próprio estamento trimonial reconhece. Para deter o processo que leva ~ subordinação da elite técno-burocrática

contro-ora das instituições públicas à autoridade deriva-das eleições universais, os donos do poder esfraldam a bandeira do participacionismo, para

or à força da democracia de massa o poder dos

éWPOS particularistas por eles mesmos constituídos

- manobrados no interior da máquina estatal. O círculo diminuto em que se constituía o .tronato, abriu, a partir de 1930, as portas do seu

rivilegiad o estamento à chamadaYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAc la s s e m é d ia ,

ensejando uma democratização limitada a este seg-ento social, em 1946. A reabertura dos anos oiten-~- - integrada ao movimento histórico mais amplo modernização, introduz o dado absolutamente ovo no cenário político brasileiro, que é o advento

democracia de massas. Resistir a um dado tão for-~- requer astúcia, razão pela qual os aprendizes do estre Maquiavel, inspiram-se nas ...r a p o s a s , p a r a r c ita r o s la ç o s(MachiaveIli, 1987:74) que a história lhes

ervou, aparentando virtude democrática, transpi-do participacionismo.

O formalismo aqui referido resulta do jogo e aparências no qual se produzem fórmulas

moder-e dmoder-emocráticas no discurso, mas tais fórmulas ão têm, efetivamente, resultados democráticos. Fazem-se juras de amor à democracia, e não obstante resiste-se ao poder derivado das umas, acoimando-e os titularacoimando-es da legitimidade derivada, conferi da

elos titulares da legitimidade originária, de

is te r o e n to r e s . Legitimidade originária é aquela obti-nas umas, em eleições universais, com a manifes-ração da vontade de toda a sociedade, não de grupos específicos encastelados nas instituições públicas. Já

legitimidade derivada é a que decorre de nomea-ção feita por quem detém a legitimidade originária. Cercear a segunda é negar a primeira. O argumento

articipacionista é um hábil disfarce usado pelos onos do poder, conferindo uma aparência demo-ítica a quem se opõe à democracia. Além de per-mitir a prática da mobilização política, o sonho dos

- a q u e ir o s d a c id a d a n ia .

A nOllroeslomelllol

A honra estamental se manifesta, presente-mente, no desprezo pelas coisas práticas, na

valori-zação da c u ltu r a in ú til do palavrório oco, que de tãoIHGFEDCBA

7 I E d u c a ç ã oe m D e b a te · F o rta le z a ·A n o1 7 /1 8 · n !2 9 -3 G -3 1 e3 2d e1 9 9 5 - p.4 5 -5 4

vazio chega a dispensar a sintaxe, limitando-se a um léxico de semântica tão elástica quanto duvidosa. A articulação das proposições do discurso facilmente se resolve com a expressão p a s s a n e c e s s a r ia m e n tep o r ,

ou com a interposição do conectivo edizendo-se por exemplo, e d u c a ç ã o e tr a b a lh o , sem a preocupação de explicitar a conexão. Além disso tudo se resolve com as expressões n o b o jo ou, in s e r in d o n o c o n te x to , o u ain-da precedendo-se o que se deseja afirmar com o indefectível a n ív e l d e . Finalmente o discurso chega a apoteose quando são nomeados os vilões que es-tãop o r tr á s de tudo: ag lo b a liz a ç ã o e o n e o lib e r a lis m o .

Não importa que os á b io a n a lis ta não conheça o que são tais coisas, nunca tenha lido um autor liberal, não distinga o liberalismo monetarista da escola de Chicago, de outro, como o institucional da escola da Pensilvânia ou do liberalismo filosófico vienense. Mais importante do que tudo isso é não esquecer de antepor a palavra q u e s tã oa cada frase que proferir, ou carregar na veemência.

O horror ao trabalho, o simbolismo dos car-gos e dos títulos, a manipulação afetiva dos laços pessoais, ao lado da incapacidade para resolver pro-blemas práticos, são traços da forma tradicional de dominação até hoje persistentes no estamento bu-rocrático-patrimonial brasileiro. A incapacidade do patronato para resolver problemas concretos é habil-mente camuflada pelo participacionismo, que dilui a responsabilidade da inação mediante o recurso às reuniões prolongadas nas quais muito se fala e pou-co se diz, em que as pessoas gratas ao poder local são apoiadas, elogiadas e assim trabalhadas para ingres-sar no restrito círculo dos donos da r e s p ú b lic a

Especificamente sobre o horror ao trabalho, Jorge Caldeira (1995:182), expressa os sentimentos do Brasil Imperial nos seguintes termos:

a c h a r tr a b a lh a d o r e s liv r e s d is p o s to s a s e e m p r e g a r n u m a fá b r ic a e r a ta r e fa a c im a d a s fo r ç a s d e q u a lq u e r m o r ta l, p o r c o n ta d o id e d r io q u e c e r c a v a o tr a b a lh o n a q u e le m u n d o d e s e n h o r e s e e s c r a v o s . Q u a lq u e r tr a b a -lh o m a n u a l, p o r b e m p a g o q u e fo s s e , e r a c o n s id e r a d o ta r e fa d e g r a d a n te p a r a c id a -d ã o s liv r e s .

Oformalismo desvia a discussão para o pro-cesso decisório, que é «forma como se decide, esva-ziando os aspectos pertinentes ao acerto da decisão

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impressão de empenho, esforço, trabalho e compe-tência, massagiando-se o ego dos que falam e desa-bafam sem apresentar qualquer resolutividade, sentindo-se sábios e virtuosos, atacando alvos fáceis, vagos e disponíveis como bode expiatório para to-das as insatisfações. Por acréscimo ainda se aparenta umaYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAc o m p r e e n s ã o p r o fu n d a dos problemas mediante o recurso ao léxico desconexo da n o v iH n g u a e do

d u p lip e n s a r .4

A honra estamental se manifesta ainda no credencialismo que infla a importância dos títulos, no apego aos cargos da burocracia, não importando que tais cargos não tenham poder sobre verbas ou pessoas. O estamerrto burocrático se entredevora pelos c a r g u in h o s , os quais, além de vazios de poder, não sinalizam méritos ou reconhecimento. Não pas-sam de um simbolismo. E simbolismo de poder, não sobre verbas ou pessoas, por força da natureza anár-quica das instituições burocráticas do aparato esta-tal, mas poder sobre um jogo de distribuição de comendas. Daí o dese~ero dos burocratas quando perdem um c a r g u in h o . E o sentimento de perda pes-soal próprio de quem não distingue a coisa pública da fazenda privada.IHGFEDCBAÉa angústia de quem sente per-der ah o n r a estamental.

Registre-se, porém, a descaracterização do

id e a l- tip o p a tr im o n ia l, encontrando-se na realidade uma variada mistura de traços contraditórios. A eco-nomia monetária e o consumismo introduziram na burocracia patrimonial alguns traços de modernidade. O mais nítido deles é a presença no patrimonialismo de forte sensibilidade às considerações de ordem pecuniária, de modo que chega a obscurecer a honra estamental na determinação das atitudes. Os mem-bros do estamento já não se contentam com o título dec h e fe .Eles querem também vantagens pecuniárias. Assim é que os cargos cujas gratificações não passam de valores mínimos já não são concorridos, havendo renúncias de titulares quando descobrem o valor mínimo referido ..

Esta mistura de aspectos tradicionais e mo-dernos constitui o que Simon Schwartzman (1988:65/ 68) denominou n e o p a tr im o n ia lis m o , que de fato é mais adequado apara designar o amalgama aqui descrito, deveríamos está usando esta expressão. A opção pelo uso do termo patrimonialismo, sem o prefixo n e o ,

neste estudo, segue o espírito que inspira o ideal-tipo, não pretendendo ser uma fotografia do real, mas uma caricatura.

O discurso socialmente virtuoso, segundo o qual a luta pelos cargos era um c o m p r o m is s o s o c ia l, foi

48 EWcaçãoem Debate-Fortaleza·Mo11/18· n!29-30-31e32de1995 - p. 45-54

esquecido com a mesma desenvoltura com que foi lançado à época em que as gratificações, que eram mínimas, foram majoradas, oportunidade em que despertaram as vocações para o compromisso social. O farisaísmo social não se dá por achado. Ressalte-se, porém, que continuam a existir figuras quixotes-cas, representativas da tradicional honra estamental, sinceramente empenhadas em combater moinhos de vento e defender dulcinéias' .

A

Resistência

ti

mDdernizarãD

A indiferenciação de estruturas sociais e da ação social dos sujeitos singulares, traços típicos das sociedades tradicionais, também resiste à democra-tização e modernização da sociedade brasileira. Tal democratização e modernização é descrita por Hélio Jaguaribe (in Horta, 1994:17) como a conversão de uma sociedade de classe média em uma sociedade de massas, acompanhando o dinâmico processo de industrialização da década de 40 à de 80, e a conver-são de uma sociedade de massas, com a restauração democrática de 1985 e a constituição de 1988, em uma democracia de massas.

A reação encetada pela burocracia estatal à

d ifr a ç ã o da sociedade, o que vale dizer, à diferencia-ção social, é uma imposidiferencia-ção da manutenção da for-ma tradicional de dominação que é o patrimonialismo burocrático. O ocultamento dessa manobra de ma-nutenção de uma forma tradicional de dominação recorre à crítica à divisão do trabalho, não importa que a revolução industrial seja um fato irreversível, não importa que o sonho de cultivar flores, filosofar e ordenhar reses (como atividades de um mesmo indivíduo) seja, não por acaso, povoado por ocupa-ções típicas de sociedades tradicionais.

O estamento burocrático tem suas raízes fincadas no passado colonial e escravista da socieda-de brasileira, e depende dos resíduos deste passado para sobreviver. Ao mesmo tempo não convém ao estamento desafiar a aspiração das camadas mais amplas por democracia e modernidade. A saída é ocultar o poder de em tudo mandar - como é próprio dos chefes na indiferenciação pré-prisrnãtica e no patrimonialismo - sob a crítica à divisão do trabalho, porque esta divide atribuições, limitando o poder.

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Contra-Reforma, dominante na formação histórica do am-plo espaço ibero-americano, já não são apresentados

como um esforço de formação doYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAp e r fe ito c a v a lh e ir o .

A herança de pensadores como Vergério - afinado com a Contra-Reforma - que, e m b o r a a p r o v a s s e o s e s -tu d o s p r o fis s io n a is , n o c a s o , a m e d ic in a e o d ir e ito , dizia:

e s ta s s ã o d is c ip lin a s im p r ó p r ia s p a r a a e d u c a ç ã o d e u m c a v a lh e ir o , p o is n ã o p a s s a m d e o fic ia s (Giles, 1987:98), tal herança continua presente, ainda que sob disfar-ce, alegando formação dop e r fe ito c id a d ã o . Junta-se aí uma tática de dominação e o tradicional preconceito da sociedade senhorial contra o trabalho, incontor-nável quando se trata do aprendizado de saberes práticos, operacionais, próprios de ofícios.

Op e c a d o capital dos saberes úteis para os ofí-cios é o desvio que eles representam da senda da conquista dos corações e mentes. O importante é aprender a identificar amigos e inimigos, a amar e odiar, a confiar em santos guerreiros e a desconfiar dos dragões da maldade. Por isso o culto à personali-dade e a difamação têm lugar de destaque no cotidi-ano do estamento burocrático.

FormO/'poro Dominar

Já não estamos no século XVII e as elites preferem aparentar virtude, cientes que estão das lições do Diplomata Florentino. O preconceito con-tra o con-trabalho, que na sociedade brasileira foi refor-çado pelo longo período de escravismo, soube camuflar sua identidade arcaica com o discurso de

fo r m a ç ã o in te g r a l d o h o m e m , repudiando os saberes pertinentes aos simples ofícios em nome de uma formação integral a ser conduzida pela escola.

A formação integral aludida supõe, além de um grande poder-formador-dominador, uma enorme eficácia da agência formadora, que se pretende seja a escola. Ela se afasta dos saberes consensuais, embrenhando-se na zona do conhecimento polêmi-co. O caráter polêmico dos saberes relativos à forma-ção resulta do cosmopolitismo do nosso tempo, o qual ubtrai àbase axiológica das propostas formadoras o consenso sem o qual a formação expressa uma im-posição e o esmagamento de minorias, ou o que é pior, o esmagamento de maiorias por um estamento minoritário. Nas sociedades tradicionais, marcadas pela univocidade cultural, pela estreiteza do etnocentrismo, e pela intolerância própria das for-mas também tradicionais de dominação, como é o caso do patrimonialismo, as escolas adotam um

'pa-9 I EdJcação em Debate· Fortaleza· MO 11/18· ~ 29-30-31 e 32 de 1995 -p.45-54

drão confessional oficial.IHGFEDCBAÉo que o estamento gosta-ria: uma r e lig iã o o fic ia l, com uma e x c o m u n h â o e um

in fe r n o - aqui mesmo na terra - para os in c r é d u lo s e

a p ô s ta ta s . A descaracterização - amalgamado a fortes traços de modemidade - do tradicionalismo, faz da sonhada r e lig iã o o fic ia l do estamento burocrático-se-nhorial uma religião civil, secular e atéia, muito as-semelhada à Religião da Humanidade, do senhor Auguste Comte, por mais que o patronato amaldi-çoe - com uma repetitividade significativa - o positivismo, num gesto ritualístico de identificação tribal, que é também um rito de negação, que tem ainda o simbolismo de grito de guerra e a função de

r e s e t, aquele botão dos computadores destinados a permitir a evasão do usuário diante de um impasse: aperta-se o r e s e t quando não se sabe mais o que fa-zer. Também se dizp o s itio is m o , em muitas ocasiões, quando não se tem mais argumento.

A indiferenciação entre o público e o priva-do - quinta essência priva-do patrimonialismo - se prende à formação integral por vários motivos. O primeiro deles é a ambição de conquistar c o r a ç õ e s e m e n te s , con-forme a advertência de Kriele (1983), objetivo ade-quado a um sistema de dominação. F o r m a ç ã o g e r a l

significa fa z e r a c a b e ç a , o que até se compreende, quando o objetivo é dominar. Aliás, dominar é o único objetivo no universo de valores tradicionais, fiéis às origens fincadas em sociedades marcadas pela economia de escambo, alheias à moeda eà acumula-ção, hierarquizadas pela honra e o prestígio, centradas em tomo de um eixo confessional. E quando o obje-tivoédominar é precisofo r m a r , sendo melhor ainda se talfo r m a ç ã o for confinada em um espaço bem delimitado e controlado como é a escola, onde o estamento burocrático tem mais poder do que em outras instâncias formadoras do ordenamento cognitivo, como a imprensa, as igrejas, os grupos in-formais e as famílias. Por isso o estamento chama a si afo r m a ç ã o in te g r a l.

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caracterís-ticas a tendência para as posturas confessionais em detrimento da secularização da cultura. A atitude

confessional pode se manifestar nas chamadasYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAr e lig i-õ e s c iv is , as quais podem ser atéias, mas que se

cons-tituem em religião pelo sentido missionário, pelo messianismo, pelo espírito de seita? com o qual se julgam puros e iluminados em contraste com osin fe -liz e s q u e n ã o c r ê e m , acoimados de ingênuos ou per-versos, e por alcançarem a totalidade do ordenamento cognitivo.

3

A CONEXÃO ENTRE O PATRIMONIALlSMO E

A EDUCAÇÃO

A procura de símbolos de honra estamental, o projeto de dominação mal disfarçado sob o

eufe-m is eufe-m o dep r o je to p o lític o com o seu p r o p ó s ito de con-quistar c o r a ç õ e s e m e n te s - a mais terrível forma de dominação - têm sobre a educação o impacto que se traduz no desinteresse pelos conteúdos, no desdém pela erudição e no superficialismo. Isso tudo tem ocasionado um quadro pitoresco e dramático no qual as disciplinas se indiferenciam de tal modo, que es-tudantes apresentam um mesmo trabalho a inúme-ras disciplinas - as mais diferentes - e conseguem êxito. Vale tudo no afã de salvar o poder e a honra estamental. As sínteses mais surpreendentes são pro-duzidas para legitimar o desgastado modo de domi-nação tradicional, assumindo a forma de concepções educacionais. A e s c a o a ç ã o em busca das raízes do pensamento educacional é assaz promissora, no to-cante ao esclarecimento da relação entre o poder do estamento burocrático e a educação.

A relucóo enlre

Uf

concepfões de educufóO e o

IHGFEDCBA

,

-pulrimoniulismo

As diferentes concepções de educação vigen-tes hoje nos meios pedagógicos brasileiros, exigem, de quem queira entendê-Ias, um esforço de identi-ficação dos seus principais traços constituintes e uma sistematização de toda a sua diversidade, com o ob-jetivo imediato de agrupá-Ias em umas poucas :er-tentes, de modo a possibilitar uma apreciação do ngor lógico formal e material, assim como das contingên-cias históricas em que se constituíram tais idéias. A sistematização pode ser feita em quatro vertentes:

50 , .' 2S.JO.31 e 32 de 1995-p-6-54

uma tendência para perceber a educação como centrada na cultura. Uma outra vertente pode ser definida como centrada na pessoa. Um terceiro gru-po tem como eixo um projeto político. Um quarto espaço pode ser reservado a uma educação p o lie ê n tr ic a

ou não-centrada."

A educação centrada na cultura se fixa na estreita dependência do homem em relação à cultu-ra, motivo pelo qual entende que educar é transmi-tir a herança cultural. Como a cultura é dotada de totalidade, tem uma paidéia, deriva uma - e somen-te uma - concepção de homem, lastreando o conjun-to de idéias e os procedimenconjun-tos educacionais. Outra derivação desta posição que gravita em torno da cul-tura é um certo integracionismo, além de uma ten-dência para a ênfase nos conteúdos. Típica das sociedades tradicionais, marcadas pelo monismo confessional, pela univocidade provinciana e pela intolerância. A educação centrada na cultura não se constrange em proclamar que tem como baliza uma - e somente uma - concepção de homem e de socie-dade. É um modelo a d e q u a d o a uma sociedade tradi-cional com um Estado teocrático, uma religião oficial e uma grande uniformidade cultural. Quanto à dis-sidência ... é condenada a beber cicuta.

A educação etnocêntrica é adaptadora. O cultivo do espírito, ou a c o n s c ie n tiz a ç ã a , em sua for-ma s in c r é tic a , é o seu modelo. As culturas têm o atri-buto da longa permanência, da inércia relativa das formas, sugestiva, para os que se centram nela, de uma identidade constituída para além do fenomê-nico, do contingente, situada nas p r o fu n d id a d e s a b is s a is da metafísica, ainda que se perceba materia-lista. Daí a orgulhosa ênfase no próprio conceito de homem e de sociedade; e a auto-imagem de e s c la r e -c id o (mormente quando em sincretismo com as con-cepções centradas no projeto político) com o seu corolário, que é a visão dos in c r é d u lo s como in g ê n u o s

oup e r v e r s o s .

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for-ma racional-legal de poder, não à dominação patrimonial. A finalidade é a integração. A idéia do único grande rebanho facilita o sincretismo com o pensamento revolucionário, que também é apolo-gético e fascinado com aYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAu n id a d e e a organização das

o v e lh in h a s orwellianas". As resistências à integração passam a ser consideradas atitudes de b á r b a r o s ou de n ã o - e s c la r e c id o s .

A educação centrada na pessoa é própria das sociedades cosmopolitas. Não é integracionista, não se seduz pela u n id a d e d o r e b a n h o , não é um projeto de dominação.IHGFEDCBAÉ importada, em um certo sentido é exótica no n in h o do estamento patrimonial. O seu modelo é o não-modelo. Procura descobrir potencia-lidades e limitações para desenvolver as primeiras e superar as últimas. Seu valor central é a liberdade, mas a liberdade transitiva, porque é fenomênica, não se comprometendo com o ontologismo. Não é teleológica, ou se o é, tem por finalidade a aventura da existência. Arrisca-se a incorrer em reducionismo psicologista ou cognitivista. Seu referencial teórico é a fenomenologia eventualmente acopanhada do existencialismo. Encontra resistência no estamento patrimonial, porque não sendo messiânica nem ten-do espaço para formação de rebanhos, não favorece projetos políticos, que em última instância são pro-jetos de dominação, ainda que sob bandeiras libertárias.

A educação centrada no p r o je to p o lític o é libertária e o seu modelo é oa p a r e lh o libertário. Sua origem histórica também é estranha em relação ao ninho ibero-americano do patrimonialismo burocrá-tico. Mas assimilou-se facilmente ao meio. O seu discurso és o c ia lm e n te v ir tu o s o , seu ontologismo é afim à metafísica dos culturalistas. O seu sonho de unida-de do r e b a n h o é um velho conhecido da Igreja da Contra-Reforma, com sua atitude para com osin fe li-z e s q u e n ã o c r ê e m .

Por isso o tal projeto político foi adotado pelo espírito da Contra-Reforma e por sua vez o adotou.

Os e u projeto de poder se presta ao jogo do estamento burocrático que vem dando mostras de saber

utilizá-10, fazendo dos a p a r e lh o s lib e r tá r io s a nova face da dominação burocrático-patrimonial, que sempre a p a -r e lh o u a máquina estatal com os membros do estamento aqui estudado. Renovam-se com ele o léxico e as aparências, conservando o caráter de do-minação tradicional, pois os m is s io n á r io s da cruzada libertária são ou tomam-se membros do estamento, que de resto, muito se assemelha a urna n o m e n ê la tu r a

tropical.

5 1 I E w c a ç ã o e m D e b a te -F o rta le z a- A n o17/18·n229-30-31e32d e1995-p.4 5 -5 4

O historicismo " do p r o je to p o lític o , amol-dou-se ao imobilismo dos que têm como eixo a cul-tura, servindo de reforço ao determinismo imobilista do estamento burocrático, ainda que seja portador de um determinismo distinto daquele que se centra na cultura. A diferença entre os determinismos - um conservador e o outro p r o g r e s s is ta - não vai além das palavras, como se pode ver pelas afinidades enume-radas. A educação, particularmente, é um campo onde op r o je to p o lític o e o etnocentrismo mais se ir-manam, sendo oa p a r e lh o lib e r tá r io a continuação da

e s c o la c o n fe s s io n a i, com um discurso diferente, obvia-mente.

Por um lado os membros do estamento bu-rocrático se impõem como sentinelas indormidas da cultura. Por outro se justificam com pose de arautos de um novo tempo, demiurgos formadores de um

n o v o h o m e m , tutores das c o n s c iê n c ia s in g ê n u a s , v a q u e i-r o s d a b o ia d a c id a d ã , porque apoiados em epistemo-logias dogrnáticas, que afirmam p a r tir d o r e a l (com destino ao irreal?) e que apresentam suas conjecturas e percepções corno oc o n c r e to p e n s a d o .

É esta a vertente d o m in a n te n o s m e io s e d u c a c io -n a is , afinal, se as idéias dominantes são as do grupo dominante, não é surpresa que um projeto político historicista em cores libertárias seja a idéia dominante, desde que sirva ao poderoso estamento burocrático.

A concepção policêntrica de educação não reconhece qualquer definição à qual se possa redu-zir o homem, emparedando-o numa antropologia fi-losófica oficial ou oficiosa. Também não pretende impor ouc o n v e r te r a qualquer projeto integracionista, empreendendo qualquer cruzada salvacionista, messiânica ou formadora de rebanhos unificados. Ela é laica, é cosmopolita, é adepta de uma epistemologia falibilista que não hierarquiza consciências definin-do urna consciência esclarecida oficial ou oficiosa, não enseja aos dotados de espírito missionário a sa-tisfação arrogante de sentir-se portador de uma c o n s -c iê n -c ia s u p e r io r , pelo que não se presta àjustificação dos donos do poder.

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como uma caixinha de surpresas, posto que não re-conheceYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAle is h is t6 r ic a s definidoras do porvir. Sua fi-nalidade é a sociedade aberta, o que constitui um modelo político do tipo não-modelo, pela recusa das diretividades praticadas na vertente etnocêntrica e pelos arautos de projetos políticos.

CONCLUSÃO

Os traços definidores do patrimonialismo burocrático e do respectivo estamento encontram-se muito descaracterizados ou encobertos na socie-dade brasileira, pela justaposição de realidades diferentes da tipologia aludida. Encontrã-los sob o emaranhado das influências mais díspares exige um esforço dee s c a v a ç ã o ,ao lado de um outro esforço para identificar e separar a mistura heterodoxa e surpre-endent~ de manifestações históricas contraditórias como se vê na a sociedade brasileira.

O discurso mais inovador e até revolucioná-rio encobre e revela uma identidade política e cul-tural própria da tipologia tradicionalista referida. Libertários revelam-se liberticidas. R e b e ld e snão pas-sam de conformistas dóceis ante o poder do estamento burocrático. Para compreendê-los pode-mos tentar elaborar uma tipologia que nos permita distinguir entre eles.

Assim identificamos traços com os quais cons-truímos um tipo in tim id a d o , que percebe a astúcia do poder estamental, mas está sempre de acordo com ele por medo de desafiã-lo. Este diz que prefere ser Galileu, negando que a terra se mova, a ser Giordano Bruno, que foi imolado por não se retratar.

Outro tipo é oin o c e n te m a n s o , que não enten-dendo nada a sua própria volta, usa o léxico do dis-curso oficioso do estamento sem saber o que diz, mesmo porque não diz muita coisa, ainda que fale muito. O seu antípoda é oin o c e n te r a iv o s o , que tam-bém não compreende bem o que se passa, mas en-contra um ninho acolhedor na confraria estamental, alivia os nervos na c a ta r s e das reuniões em que a ve-emência substitui a argumentação e onde não lhe faltam alvos fáceis para agredir, judas para malhar: é ump a tin h o fe io que acolhido se deixa manipular. Na galeria de tipos estamentais o vizinho mais próximo do inocente raivoso é os a n to g u e r r e ir o . Este elabora com astúcia réplicas dod r a g ã o d o m a ld a d e sob medi-da para que ele mesmo combata. Diferencia-se do

52 EWcação em Debate· Fortaleza· Ano17/18·n229-30-31 e 32 de 1995-p. 45-54

inocente raivoso porque o primeiro, além de inocen-te, é passional, enquanto o segundo, além de saber o que faz, é calculista e em geral desfruta de uma posição de liderança nas confrarias no interior do estamento.

O inocente raivoso pode ser um D . Q u ix o te ,

que sendo míope, não distingue entre moinhos de vento e vilões, nem entre arbustos e donzelas, e não sabendo fazer outro coisa, como legítimo represen-tante de um passado em instinção, só deseja atacar, montado em teorias, digo, em pangarés e eventual-mente auxiliado por escudeiros disponíveis. Após evadir-se das páginas de Cervantes, este persona-gem luta desesperadamente para não ser arquivado pela história, recusando o asilo dos museus. Por últi-mo, existem osp r is io n e ir o s d o p a s s a d o , os quais, ten-do na juventude prestado juramento às confrarias do estamento, (tais confrarias exploram inescru-pulosamente a inexperiência dos jovens) abriram os olhos em relação a elas, mas, embora sejam escorraçados pelos ir m ã o s , não se sentem com forças para enfrentá-los, seja por saber do que eles são ca-pazes, seja por ter queixas maiores - e justas - contra injustiças e perseguições sofridas no passado, da parte de outras forças, adversárias da sua confraria.

Oo p o r tu n is ta colabora com o poder estamen-tal e com o jogo de justificação e de ocultação por ele praticado, seguindo as palavras de ordem, sem ver an u d e z d o r e i.Mas, ao contrário dos tipos inocen-tes, percebe, em variados graus de nitidez, o jogo de justificação e disfarce, mas só pensa em pegar ao n d a

como um surfista. Ele difere do santo guerreiro por ser um caudatário no interior dos grupos de poder. O sucesso pode transformã-lo em santo guerreiro, oportunidade em que passa a definir alvos e pala-vras de ordem.

Poderíamos construir muitos outros tipos, mas não pretendemos exaurir neste espaço a

ta x io n o m ia de uma b io ia exuberante como esta. Exa-minemos apenas mais um tipo; op a v ã o , para quem os sofismas e paralogismos, assim como o léxico polissêmico e a virtual ausência de uma sintaxe da

n o v ilin g u a e d o d u p lip e n s a r d a s confrarias do estamento patrimonial-burocrático constituem um modo c h ic d e

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rência de cultura e de profundidade conferida pelos bolos totêrnicos das tribos e seitas do estamento trimonial nos meios semi-letrados que elas pró--as constituem. O estamento, ou as tribos e seitas

~_e nele polulam podem promover oYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAp a v ã o am o n s -s a g r a d o , transformando-o em a u to r id a d e in c o n te s

-'~~/, para se apoiar no pseudo-sábio produzido ediante o artifício doc u lto àp e r s o n a lid a d e . A cria-ra só terá que servir docilmente ao criador.

Oin tim id a d o quer sobreviver. Oin o c e n te m a n

--- quer viver. Oin o c e n te r a iv o s o quer agredir ou fazer terapia. Os a n to g u e r r e ir o quer manipular. O o p o r tu

-is toIHGFEDCBAé um caçador de sucesso. Op r is io n e ir o d o p a s s a

-u

é um magoado e um constrangido que não onsegue recalcitrar. E op a v ã o é um blefe.

E a educação? Estap a s s a n e c e s s a r ia m e n tepela

= ~ tã o sociala n ív e l da qual se encontram as raízes do

roblema - causado pelo n e o liõ e r a lis m o e p e la g /o b a liz a ç ã o por ele imposta. A soluçãor a d ic a l,em cujo

:0está or e s g a tedac id a d a n ia e com ela a possibilida-e dpossibilida-e u m p e n s a r c o n s c ie n te q u e nos permita -e n q u a n to

educadores -p a r tic ip a r dac o n s tr u ç ã o de umas o c ie d a d e m a is s o lid á r ia , está na c o n s a e n tiz a ç ã o . (Duas e uma).

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NOTAS

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Patrimonialismo, ou Estado patrimonial, assim como

patrimonialismo burocrático, constituem ideais-tipos, os quais, por sua vez, são construções teóricas, não

constituin-do realidades observáveis na sua inteireza ou plenitude. Tais construções derivam da reunião artificial, pelo pes-quisador, de traços empiricamente observáveis - mas não

em conjunto - com o objetivo de compor uma caricatura do real, considerando que as caricaturas identificam melhor do que as fotografias. Assim é obtido o reconhecimento de

traços - na realidade social - e a compreensão do significa-do que eles têm naYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAc o n s t e l a ç ã o d e f a t o r e s integrantes de um fenômeno social. Falar em patrimonialismo no Brasil não significa dizer que existam, na sociedade brasileira, todos

os traços deste modelo teórico. Os ideais-tipos constituem uma das principais contribuições de Weber à sociologia

com-preensiva.

2 Trocas inespecíficas são aquelas nas quais a contrapartida

não é especificada e até é negada, mas na realidade a ex-pectativa de contraprestação existe. Este tipo de troca é problemática porque sendo uma transação implícita enseja expectativas desencontradas. As trocas específicas são

aque-las nas quais prestação e contraprestação são pactuadas explícitamente.

3 As relações comunitárias são aqui entendidas como distintas

das relações do tipo associação. Estas são caracterizadas pela adesão consciente e deliberada, com objetivos bem

deli-mitados, estabelecendo laços também circunscritos aos pro-pósitos definidos quando da adesão. Já as relações comunitárias são essenciais, não se limitando a objetivos específicos, constituindo a identidade do sujeito. Os sóci-os de uma livraria têm entre si relações societárias. Os mem-bros de uma igreja ou de um partido com feição de igreja

ou seita mantêm laços comunitários, fazendo deles parte da própria identidade, o que resulta no tratamento de i r

-m ã o s ou c o m p a n h e i r o s , na solidariedade diferenciada e na

conduta de confraria.

4 Duplipensar e novilíngua são expressões utilizadas por George Orwell (1991) em uma ficção política denominada 1984, na qual um Estado todo poderoso controla a socieda-de, recorrendo, entre outros meios, a uma manipulação do

léxico (novilíngua) e da sintaxe (duplipensar) para ocultar as contradições da sua propaganda política

54 EáJcação em Debate - Fortaleza - MOIHGFEDCBA1 7 /1 8 -n!2 9 -3 0 -3 1 e3 2de1 9 9 5 - p.4 5 -5 4

5 A referência ao personagem de Cervantes objetiva caracteri-zar um tipo fiel à honra estamental, autêntico, não obstante grotesco, acumulando ainda a condição de lídimo repre-sentante da forma de dominação tradicional, que no caso brasileiro não é a tradição feudal, mas patrimonial.

6 Falseabilidade aqui é o atributo que têm algumas proposi-ções de serem susceptíveis à contrastação, à observação ou ao exame teórico, de tal modo que possam assim ser infirrnadas. É este atributo um requisito necessário ao dis-curso que queira ser ciência (Popper, 1987).

7 O sentido em que a palavra seita é aqui empregada é o

mes-mo usado por Marx em carta a F. Bolte, datada de 23 de novembro de 1871, na qual se refere as e i t a s na i n t e r n a c i o

-n a l , dizendo que a o r g a n i : u J ç ã o d e L a s s a l e n ã o I m a i s d o q u e

u m a s i m p l e s s e i t a . Também Engels, em carta a T Cuno, da-tada de 24 de janeiro de 1872, referido-se ao grupo de

Bakunin, usa a expressão s e i t a ,a qual descreve como tendo membros s o l i d a r i a m e n t e u n i d o s acrescentando ainda que os referidos membros e n t r e g a m - s e a i n t r i g a s . Esta

correspon-dência encontra-se publicada na c o l e ç ã o f u n d a m e n t o s , da editora Aldeia Global, sob o título A c o m u n a d e P a r i s , cons-tituindo uma coletânea de cartas de Marx e Engels a

diver-sos membros da internacional. No caso do estamento patrimonial, existem muitas seitas rivais, como havia na

i n t e r n a c i o n a l . Não se confunda a união interna das seitas com a união do estamento.

8 Maria Ivoni Pereira de Sá e Rui Martinho Rodrigues (1994) propuseram essa classificação

9 A revolução dos bichos, outra obra de George Orwell (1982), é uma ficção política na qual os animais fazem

polí-tica, revolucionam uma fazenda e nela tomam o poder. A nova ordem revolucionária é marca da por conflitos nos quais os companheiros se entredevoram pelo poder, como soe acontecer nas revoluções, oportunidade na qual as ovelhas, organizadas e obedientes às palavras de ordem, não

enten-dendo nada dos debates, aplaudem ou vaiam pavlovia-namente, sem saber o que fazem, gritando em uníssono slogans adrede preparados.

10 O termo h i s t o r i c i s m o é empregado em dois sentidos

distin-tos: para a sociologia compreensiva ele significa uma

rup-tura com o monismo metódico. Popper, diferentemente, restringe mais o significa do historicismo, reservando-o para

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