IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA
08 a 10 de junho de 2016
GT7 Gênero e Reprodução
Atendimento no período gravídico-puerperal a casais homoafetivos de
mulheres
Paula Galdino Cardin de Carvalho
IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS
GT7 Gênero e ReproduçãoAtendimento no período gravídico-puerperal a casais homoafetivos de
mulheres
Paula Galdino Cardin de Carvalho1
Resumo:
Objetivos: Problematizar a assistência de saúde no período gravídico-puerperal (pré-natal,
parto e pós-parto) prestada a casais homoafetivos de mulheres. Metodologia: Levantamento e análise crítica da literatura. Os descritores utilizados foram: Homossexualidade feminina (Homosexuality, Female); Poder Familiar (Parenting); Enfermagem Materno-Infantil (Maternal-Child Nursing); Mães (Mothers); Assistência à Saúde (Delivery of Health Care). Embora não sejam consideradas como descritores, as palavras: maternidade (maternity), homoparentalidade (homoparentality), casais homoafetivos, assistência ao parto, trajetória reprodutiva e mães lésbicas (lesbian mothers) auxiliaram na busca de artigos relacionados à pesquisa. As bases de dados utilizadas para a pesquisa bibliográfica foram: Pubmed, LILACS; PsychInfo, Portal de Periódicos da CAPES e a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP. Resultados: A busca bibliográfica resultou em 55 estudos, dos quais 46 eram artigos de periódicos, 9 eram dissertações ou teses. As famílias atuais comportam arranjos que vão além do modelo tradicional da família nuclear heterossexual. Uma destas “novas” configurações, que tem tido cada vez mais destaque social, diz respeito à família homoparental, composta por dois homens ou duas mulheres e seus filhos, sendo o acesso à filiação dado pela adoção, pela inseminação artificial, ou ainda, pela co-parentalidade. Diversos estudos internacionais demonstram que casais homoafetivos de mulheres permanecem marginalizados pela sua identidade não- heterossexual e experimentam diversas formas de homofobia com os serviços de saúde e prestadores de serviços, incluindo exclusão, suposição heterossexual, questionamentos inadequados e recusa de serviços. No Brasil, o Ministério da Saúde apresentou em 2010 a Política Nacional de Saúde Integral de LGBT, para ser implementada no sistema único de saúde (SUS), com o objetivo de aumentar a equidade e o respeito nos atendimentos.
Palavras-chaves: Homossexualidade feminina; Mães; Assistência à Saúde.
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Introdução
Considerando a experiência da reprodução, assim como a da sexualidade, como construtos sociais, estas serão sempre mediadas por relações de poder. Os atos sexuais são sobrecarregados com um excesso de significados, e as sociedades ocidentais modernas os avaliam de acordo com um sistema hierárquico de valor sexual. Os indivíduos no topo dessa hierarquia, os casais heterossexuais casados tem reconhecida a sua saúde mental, respeitabilidade, legitimidade, mobilidade social e física, apoio institucional e benefícios materiais. Casais homossexuais estáveis estão próximos da respeitabilidade, mas ficam abaixo na pirâmide (RUBIN, 1999, p.154).
A partir desta hierarquia sexual, é possível indicar um paralelo para a reprodução e exercício da maternidade, chamado de “hierarquias reprodutivas”, onde diferentes aspectos das mães, como raça, classe social, idade e parceria sexual, determinam a legitimidade e aceitação social destas maternidades, e, portanto, suas vivências. Este modelo é discriminatório, e pautado por um imaginário social sexista, generificado, classista e homofóbico, onde relações sexuais não reprodutivas quanto a reprodução resultante de parcerias sexuais com menor aceitação social estão sujeitas à discriminação. Estando sujeitas à discriminação, estas mulheres podem ser submetidas a diversos procedimentos durante a gestação e o parto, possibilitando diferentes experiências sobre o nascimento de seus filhos (MATTAR & DINIZ, 2012, p.114). Este trabalho tem como objetivo problematizar a assistência de saúde no período gravídico-puerperal (pré-natal, parto e pós-parto) prestada a casais homoafetivos de mulheres.
Os descritores para esta pesquisa foram determinados com o auxílio da base nacional DECS (Descritores em Ciências de Saúde) e MeSH (Medical Subject Headings) e são: Homossexualidade feminina (Homosexuality, Female ); Poder Familiar (Parenting); Enfermagem Materno-Infantil (Maternal-Child Nursing); Mães (Mothers); Assistência à Saúde (Delivery of Health Care). Embora não sejam consideradas como descritores, as palavras: maternidade (maternity), homoparentalidade (homoparentality), casais homoafetivos, assistência ao parto, trajetória reprodutiva e mães lésbicas (lesbian mothers) auxiliaram na busca de artigos relacionados à pesquisa.
preliminar resultou em 55 estudos, dos quais 46 eram artigos de periódicos, 9 eram dissertações ou teses.
Desenvolvimento
As famílias atuais comportam arranjos que vão além do modelo tradicional da família nuclear heterossexual, como é o caso da família homoparental, onde o acesso à filiação pode ocorrer pela adoção, pela inseminação artificial ou pela co-parentalidade (MARTINEZ, 2012, p.46). O neologismo “homoparentalidade” foi cunhado em 1997 na França, e refere-se à situação na qual pelo menos um adulto que se autodesigna homossexual é, ou pretende ser, pai ou mãe (ZAMBRANO, 2006, p.127).
As mudanças sociopolíticas e culturais ocorridas nas últimas décadas, sobretudo nos países ocidentais, têm-se refletido numa maior abertura e aceitação dessas diferentes configurações familiares. O aparecimento de diversas técnicas de fertilização possibilita a muitas mulheres homossexuais o acesso à parentalidade, sem a participação direta de uma figura masculina e a combinação destes dois fatores aumentou consideravelmente o número de casais homoafetivos de mulheres que de forma planejada decidiram ser mães (FRANCO, 2013, p.4).
O desejo de filhos também se traduz em termos de reivindicações no plano dos direitos sexuais e reprodutivos e em novas demandas no âmbito das políticas públicas, inclusive de saúde (VARGAS & MOAS, 2010, p.159). O crescimento da visibilidade do movimento LGBT; a explicitação em separado da categoria "lésbica”; as reivindicações em torno da saúde das mulheres nos últimos anos no Brasil; a produção e a divulgação de conhecimentos sobre homossexualidade; e os avanços na luta por direitos são fatores que estão relacionados ao crescimento da preocupação com a temática da saúde de mulheres lésbicas e bissexuais (FACCHINI & BARBOSA, 2006, p.8).
A conjugalidade homossexual, a homoparentalidade e as novas configurações familiares complexificam o debate que tange a reprodução assistida e o corrente entendimento do que seja natural na reprodução humana (AMORIM, 2013, p.9). No caso de mães homossexuais, a concepção pode ser realizada por meio de tecnologias reprodutivas, que englobam técnicas de Reprodução Assistida (inseminação artificial, fertilização in vitro, etc.) e tecnologias mais leves como a autoinseminação caseira. A “inseminação caseira” é uma autoinseminação de baixo custo que é realizada fora de instituições médicas, enquanto a inseminação artificial e a fertilização in vitro são feitas em contextos medicalizados. Na fertilização in vitro é possivel realizar a Recepção de óvulos da parceira (ROPA), ambas as mulheres participam da técnica, uma doando os óvulos para a fertilizacao, e a outra na gestação do embrião (CORREA, 2012, p.120). Também é possível que a concepção seja realizada por meio de relação sexual ocasional com fins reprodutivos.
Em uma busca preliminar da literatura todos os trabalhos que consideraram a assistência ao período gravídico-puerperal de mulheres homossexuais eram internacionais. Os estudos nacionais incluíram oito artigos, cinco teses e quatro dissertações, entretanto estes abordavam questões mais relacionadas à vivência da homoparentalidade. O estudo qualitativo realizado por Correa (2012) procurou compreender as concepções sobre a parentalidade de mulheres lésbicas que buscam a gravidez por meio de técnicas reprodutivas, e observou que apesar de todo complexo processo com o qual estas se deparam, muitas vezes conseguem construir suas famílias a partir de muita criatividade, com um repertório geralmente bem sucedido de estratégias e recursos sociais, pessoais e entre o casal. Contudo, o referido trabalho se ateve às questões que tangem o significado da maternidade e uso de tecnologias reprodutivas, mas não enfatizou o período gravídico-puerperal e assistência prestada às mulheres nesse momento.
Com relação à assistência ao pré-natal, parto e pós-parto prestado à mulheres homossexuais, um estudo qualitativo australiano demonstrou que mães homossexuais permanecem marginalizadas pela sua identidade não-heterossexual e experimentam diversas formas de homofobia com os serviços de saúde e prestadores de serviços, incluindo exclusão, suposição heterossexual, questionamentos inadequados e recusa de serviços (HAYMAN et al., 2013).
recentemente, os estudos incluíram famílias lésbicas cujos filhos nasceram com o casal de lésbicas. Estudos em ambas as fases têm enfatizado que as famílias lésbicas e heterossexuais são muito parecidas com relação ao desenvolvimento das crianças (como a identidade sexual, emocional, desenvolvimento comportamental, relações sociais e funcionamento cognitivo), e funcionamento dos pais (como a saúde psicológica e mental dos pais). No entanto, é o estigma da homossexualidade feminina que faz com que a situação da família de lésbicas seja diferente. Este estudo também aponta que os profissionais de saúde devem ser informados sobre as semelhanças e diferenças entre famílias lésbicas e famílias heterossexuais, e sobre a situação da família não-tradicional e de famílias lésbicas planejadas
Em estudo qualitativo realizado na Suécia foi analisada a experiência de mães homossexuais com relação aos cuidados pré-natal, do parto e pós-parto. A maioria das participantes tiveram experiências positivas, mas a comunicação e rotina de cuidados foram baseadas em comunicação heteronormativa por parteiras e profissionais de enfermagem durante todo o processo por meio de formulários, jornais, comunicação verbal e orientações dadas nas visitas. Isto foi embaraçoso e constrangedor para essas mães e demonstra a falta de conhecimento sobre a parentalidade lésbica (RONDAHL, BRUHNER & LINDHE, 2009).
Um estudo descritivo quantitativo e qualitativo realizado no Reino Unido selecionou uma amostra de conveniência de 50 mulheres sobre um total de 65 gestações, e constataram que enquanto as participantes geralmente apreciam o atendimento recebido, elas também relataram altos níveis de ansiedade sobre as implicações de revelarem serem homossexuais, por terem consciência das atitudes pessoais e preconceitos das parteiras. Seus comentários demonstram o grau em que estas questões podem afetar negativamente a qualidade do atendimento, bem como o estudo revela exemplos de desconforto, prestação inadequada de serviços e até mesmo hostilidade (WILTON & KAUFMANN, 2001).
existindo evidência de os cuidados são melhorados quando os profissionais são sensíveis e conhecedores das necessidades exclusivas de pacientes homossexuais.
Com relação às mães lésbicas não biológicas, a experiência de pré-concepção, gravidez e maternidade é complicada pela falta de comprovação biológica e legal para a criança, poucos modelos e apoio social limitado. Os enfermeiros e profissionais de saúde cientes desses problemas podem desempenhar um papel importante no sentido de facilitar uma transição positiva à maternidade para essa população (WOJNAR & KATZENMEYER, 2013).
Por fim, um estudo qualitativo realizado no Reino Unido abordou como mulheres homossexuais lidaram com as experiências negativas vivenciadas na assistência à maternidade. As autoras pontuam que os profissionais de saúde que trabalham na assistência à maternidade devem considerar o impacto de respostas negativas para mães homossexuais, e o efeito que podem ter na redução da qualidade global de vida deste evento significativo (LEE, TAYLOR, & RAITT, 2011).
Considerações finais
Diferentes aspectos das mães, como raça, classe social, idade e parceria sexual, determinam a legitimidade e aceitação social das maternidades, e, portanto, suas vivências (MATTAR & DINIZ, 2012, p.8). As práticas de cuidado no âmbito do período gravídico-puerperal necessitam ser problematizadas e avaliadas especialmente nessa intrincada relação de desigualdade em torno das diferenças vivenciadas por determinados segmentos populacionais. Além de considerar a diversidade social e étnica/racial, existe também a questão da orientação sexual, que na maioria das vezes não é incluída no perfil de mulheres estudadas nos inquéritos e pesquisas relacionadas à saúde materna.
O preconceito no caso de casais homoafetivos de mulheres pode ser evidenciado tanto no atendimento de profissionais de saúde, na dificuldade de incluir a parceira nas consultas, discussões e presença em todo o período gravídico-puerperal, quanto na legitimização social e política dessa família. No Brasil, isso pode ser exemplificado com a inseminação artificial, que é fornecida gratuitamente pelo SUS a casais heterossexuais casados entretanto não inclui casais homossexuais; e as desigualdades nos direitos legais e de registro do filho em nome de ambas as mães (CORREA, 2012, p.36).
Referências
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FACCHINI, Regina; BARBOSA Regina Maria. Dossiê: Saúde das Mulheres Lésbicas promoção da equidade e da integralidade. Rede Feminista de Saúde. Belo Horizonte: 43 p. 2006.
FRANCO, J. S. Vivências Psicológicas de um Casal Homossexual Feminino na Transição para a Homoparentalidade, 2013.
FRANCO, Joana Sofia. Vivências Psicológicas de um Casal Homossexual Feminino na Transição para a Homoparentalidade, Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica, ISPA - Instituto Universitário, 2013.
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MARTINEZ, Ana Laura Moraes. Considerações sobre a homoparentalidade feminina: uma visão psicanalítica. Tese de Doutorado em Psicologia, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, Ribeirão Preto, 2012.
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