B A I L E Y, Frederik G. 1998. The Need f or Enem ies: A Best iary of Polit ical Forms. I t h aca/ London: Cornell Univer-sit y Press. 223 pp.
Sabina Fre d e r i c
P ro fad a Un ive r sid a d N a cio n a l d e Q u ilm e s , Bu e n os Aire s
Ba ile y e scre ve e st a e tn og ra fia n o fim d os a n os 90, q u a n d o a “ su je ira ” q u e m a rca os e m b a te s e n tre os p olíticos n o rt e a m e rica n os ch a m a a su a a te n çã o. Ao m e sm o te m p o q u e a lg u n s crê -e m s-e r d on o s d a v-e rd a d -e -e d o d ir-e i t o d e ju lg a r se u s op on e n te s “ com o se fos -se m d e u -se s” , h á u m a p ro g re ssiva fa lta d e re sp e ito p or tod a s a s fig u ra s p ú -b lica s d e cla ra d a s com o “ n ã o-cre n t e s ” . O a u tor p e rg u n ta -se , e n tã o, o q u e g e ra o a n ta g on ism o viru le n to, e ssa n e ce ssi-d a ssi-d e ssi-d e e n con tr a r u m a v ítim a , e p or q u e , e m ve z d isso, os p olíticos n ã o d e s-ta ca m su a s p róp ria s virtu d e s.
Ta is p e rg u n t a s p od e ria m p a re c e r b a sta n te ób via s p a ra a lg u n s, já q u e , co-m o os líd e re s p olíticos coco-m p e t e co-m p or p o d e r, e ssa riva lid a d e os torn a p e sso-a s sso-a n tsso-a g ôn icsso-a s. N o e n tsso-a n to, com o p sso-a rsso-a Ba ile y e ste fa tor e stá n o â m a g o d o p ró -p rio -p roce sso -p olítico, fa lta a in d a e x-p li-ca r p o r q u e o n íve l d e viru lê n cia e m u m a situ a çã o con cre ta n ã o é con sta n te . S o b re tu d o se , a o con trá rio d a q u ilo e m q u e a lg u n s p a re ce m cre r, n ã o sã o a s e le içõe s q u e o d e te rm in a m . Pa ra Ba
il e y, o q u e co n troila a fre q ü ê n cia e a in -te n sid a d e d e sse a n ta g on ism o – e p or-ta n to o q u e é n e ce ssá rio e xp lica r – é o con te xto m a is a m p lo. Assim , te n ta d e s -cre ve r o com p orta m e n to cíclico d o p r ce sso p olítico e d e m on stra r q u e a m o-ra l p olítica é o fa tor-ch a ve q u e m ove a su ce ssã o d e su a s fa se s.
e xp lica çõe s siste m á tica s, tota liza d ora s e u n ive rsa is d a d ive rsid a d e cu ltu ra l.
A Índ ia da m e ta d e d o sécu lo XX é o ce n á rio e sco lh id o p a ra m ost ra r com o e sse a n t a g on ism o e stá org a n iza d o n o ca m p o político em fa ses de m a ior e m e n or h ostilid a d e : p rod u tora s d e u m e n ca n ta men to d a política , n o p rim eiro ca -so, e d e d e se n ca n ta m e n to e in ce rt e z a , n o se g u n d o. Em 1959 , q u a n d o Ba ile y re a lizou se u tra b a lh o d e ca m p o, a Ín -d ia con ta va com u m a ge ra çã o q ue vivia a p a re n te m e n te e m u m n ovo m u n d o, m a s q u e su b ita m e n te se d e ra con ta d e q u e se u fu tu ro lh e a p re se n ta va m u ito m a is p roble ma s d o qu e se h avia p re v i sto d u ra nte a luta d e lib e rta ção d o Imp é -r io B-ritâ n ico. Isto p -r od u z iu u m a p e - r-d a r-de confia n ça e m sua ca p a cir-da r-d e r-d e ve n cer a a dversid ad e ta l como fora fe ito a lg u ns a nos a n te s. O d e se nca n ta m e n to p oste rior te ria sid o prod u zido p orqu e a “ re lig iã o p olítica ” d om in a n te d u ra n te os a nos d e lu ta e ra , a p e sa r d e su a a p a -rê n cia d e u n id a d e , u m a m istu ra d e vo-ze s, va lore s e cond u ta s dive rsa s. Ba ile y volta -se, e ntão, p ara a e xp loraçã o d e ta l “ fra ca sso m ora l” n e ssa e xte n sa “ To rre d e Bab e l” , form a d a p or re tóricas dive rsa s, q u e os p olíticos u rsa va m p a ra con -te sta r a re tórica oficia l g a n d h ia n a .
De p ois d e a p re se n ta r su a e tn og ra fia , Ba ile y d e scre ve com su ce sso a s re -tórica s – com o g u ia s in te rn a liza d os d e con d u ta – e o jog o in te rn o d e su a s e xp re ssõe s xp ú b lica s (f ro n t st a g e ) e xp riva -d a s (b a c k st a g e ). N o ca p ítu lo -d ois, tra ta d o ce n á rio q u e e n con trou e d e su a d ifi-cu ld a d e p a ra p e rc e b e r, n e ssa é p oca , a com p le xid a d e d a vid a d e p ois d a lib e r-ta çã o d a Ín d ia . N o ca p ítu lo trê s, d iscor-re sob iscor-re a iscor-re tórica d o p a te rn a lism o e d e su a re la çã o com a b urocra cia e o e stilo d e g ove rn o d a re a le za in d ia n a . O ca p í -tu lo q u a tro d e d ica -se à e x p lora çã o d o m od o com o a re tó rica d os n e g ócios se d e se n volvia n os b a stid ore s d a re t ó r i c a
oficia l, tom a n d o com o ob je to os “ con -to s” d e q u e os p olíticos la n ça va m m ã o e n os q u a is o p rin cip a l m otivo p a ra fa -ze r p olítica e ra o d in h e iro e n ã o o se rvi-ço. Esse tip o d e cre n ça , a ssin a la Ba ile y, é a m e a ça d or, p orq u e con trib u i p a ra o d e se n ca n ta m e n to p ro g re ssivo. O ca p í-tu lo cin co d e scre ve a re tórica d a lu ta , próp ria d os libe rt a d o res ind ia n os, e a i n ca p a cid a d e d e le s p a ra re solve r os p ro -b le m a s p rá ticos. Por ú ltim o, n os ca p ítu-los se is e se te , Ba ile y p e rg u n ta se u m a b oa socie d a d e p od e fu n cion a r n ã o se n d o u m a e n tid a d e m ora l u n itá ria e sin -g u la r e se a coe xistê n cia d e d ive rsa s m ora lid a d e s n ã o e xig e o comp ro m i s s o e a n e g ocia çã o.
Ba ile y d e m on stra p a ra o le itor q u e e ssa s d ife re n t e s re tórica s sã o “ cu ltu ra s” q u e con stitu e m u m m e sm o siste -m a p olítico. Da n d o con tin u id a d e à su a m issã o d e a sse n t a r a s b a se s d e u m a te oria siste m á tica d e a lca n ce u n ive rsa l, s u g e re a in d a q u e os p olíticos se d ife -re n cia m m e n os p e la s ca ra cte rística s in-trín se ca s d a s re tórica s q u e os com p õe m d o q u e p e lo m od o com o e la s se com b in a m e m u m a socie d a d e e e m u m te m -p o d e te rm in a d o.
e le s e ra m o e fe ito d e u m a p u ra n osta lgia ? Com e sta ind a g a ção, e usa n d o ple -n a me -n te su a re tórica , Ba ile y e xp licita u m d os p on tos fra cos d e su a a rg u m e n ta ção: ele n ã o e ste ve pre se n te n os ch a ma d os a n os d e e n ca n ta m e n to . N o e n -tan to, a pe sa r da s d úvida s q ue insta la no l e i t o r, e le a va n ça n a d ire çã o fixa d a a n-t e r i o rm e n n-te , a firm a n d o a e xisn-tê n cia d e “le mb ra nça s ve rd ade iras”. Ne ste p ont o , t o rn a se d ifícil, p a ra o le itor, a com p a -nh ar o de sfe cho d e seu a rg u m e n t o .
As d ificu ld a d e s p a ra d e m on stra r o ca rá te r cíclico d o p roce sso p olítico p re -ju d ica m ou t ra s a p osta s ta lve z m e n os a m b iciosa s d a e tn og ra fia , m a s m u ito m a is e stim u la n te s, com o a d e com p re -e n d -e r com o a m ora l in cid -e n a p rod u çã o d a m u d a n ça . Ba ile y e sforça -se p a ra a p lica r u m m od e lo u n ive rsa l in scr ito, se g u n d o e le , n a n a tu re za d a m e n te h u-m a n a e ch a u-ma d o d e p roce sso e n a n t i o-d r ôm ic o – p osiçõe s q u e se m ove m a té su a n e g a çã o –, q u e se ria a ch a ve d a t r a n s f o rm a çã o m o ra l. N o e n ta n to, n ã o con se g u e con e cta r a com p le xid a d e d a s re tórica s d e scrita s a o lon g o d e se u tra -b a lh o com e ste m od e lo a p re se n ta d o a o fim d o livro. A e tn og ra fia p e rd e su a ri-q u e za e m troca d a fé rre a d e cisã o d o a u tor d e su ste n ta r u m m od e lo t a lve z d e m a sia d o e stre ito.
A p e sa r d a s d ificu ld a d e s d o a u tor p a ra p rova r o fu n cion a m e n to d e sse m od e lo cíclico n a Ín d ia e o lu g a r d a “n e ce ssid a d e d e in im ig os” n e le , ta lve z e ste d e b a te im p lícito com a s n ova s cor-re n te s a n trop ológ ica s e xp liq u e n ã o so-m e n te o in te re sse p or su ste n tá -lo, so-m a s ta m b é m o m od o com o e le é tra ta d o. Ba ile y su g e re q u e n a e n a n t i od rom i a o p roce sso p olítico se ca ra cte riza p or u m a fa se de e n ca n ta m e n to d a p olítica , n a q u a l a s p e ssoa s se con ve r te m e m “ c re n te s ve rd a d e i ros” p e la e xistê n cia de u m in im ig o comu m e xte rn o a q u e m se p od e a trib u ir tod os os m a le s. Q u a n
-d o e sse in im ig o é -d e r rota -d o, a u n i-d a -d e é rom p id a e o in im ig o p a ssa a se r in te r-n o, e xp lod ir-n d o e m p osiçõe s m ú lt ip l a s . Este m ovim e n to le va a o d e se n ca n ta -m e n to d a p olítica , u -ma ve z q u e a q u e la “ c re n ç a ve rd a d e ira ” se torn a in ca p a z de resolve r os proble m a s q u e a re a lid a -d e a p re se n ta . A in ce rte za é p ro v o c a -d a e n tã o p or m ú ltip la s re tórica s q u e com -p e t e m t e n t a n d o solu cion a r q u e stõ e s p rá tica s. A n e ce ssid a d e d e in im ig os p a ra su ste n ta r a u n id a d e in sta la u m a é tica d os fin s (n o se n tid o q u e lh e a tri-b u i M a x We tri-b e r), te rrive lm e n te p e rig osa p or ca u osa d e se u id e a lism o. N o e n -ta n to , q u a n d o os p olíticos se ch oca m com a re a lid a d e e sã o p or e la m a rc a d os, in sta la se u m a é tica d a re s p o n s a b ilid a d e , q u e , m e sm o p rod u zin d o d e -s i n t e re -s-se e in ce rt e za , n ã o re q u e r o ód io p a ra se m a n te r, m a s sim o com p rom isso e a n e g ocia çã o, e q u e é su ficie n -te m e n -te p ra g m á tica p a ra fa ze r fre n t e a os p rob le m a s d a re a lid a d e .
Ba ile y te rm in a m ostra n d o p or q u e d á va lor a e ssa fa se d e d e se n ca n ta m e n -to, in ce r te za e p ra g m a tism o d o p ro-ce sso p olítico q u e le va a o fra ca sso d a m ora l re lig iosa . M a s h á p a ssa g e n s d o ciclo q u e fica m se m e xp lica çã o. E ssa c re n ça fu n d a d a n a e xistê n cia d e u m in im igo e xte rno é se m p re p u ro id e a lim o? C olim o se tra n sforlim a a é tica d a re s-p on sa b ilid a d e e m u m a é tica d os fin s? N ã o ob sta n te , in te re ssa -m e d e sta ca r o p e so d a a n a log ia e m se u a rg u m e n to.
l i z a d o r e s e u n ive rsa liza n te s e a com -p re e n sã o d a d ive rsid a d e , se m q u e se ca ia e m u m re la tivism o e xtre m o. Ba ile y le va -n os a ssim a olh a r a a n trop olog ia a p a rtir d e ssa im a g e m e sp e cu la r e n tre o m od o com o a n a lisa o ca m p o p olítico e a m a n e ira com o con ce b e o cam p o a ca -d ê m ico a n trop ológ ico. Assim , t om a o ca m in h o d a n e g ocia çã o.
Por fim , a p artir do b a c k st a g e d e su a re tórica , Ba ile y su g e re q u e os g ra n d e s p a ra d ig m a s e xp lica tivos d e ixa va m a a n t rop olog ia d ia n te d e u m h orizon te id e a lista in ca p a z d e re sp ond e r a n ovos p rob le m a s da re a lid a d e . Pa ra e le , a in c e rte za e o de se nca nta m e nto q u e imp e ra m h oje na disciplin a se ria m a evid ên cia d e u m ce n á rio a u sp icioso p orq u e re -su lta ra m d a im p losã o d os g ra n d e s m o-d e los o-d ia n te o-d e ta is p rob le m a s. C om o n o ca m p o p olítico, ta m b é m é b e n ig n o p a ra a a n tropologia a tra vessa r essa fa se d e irrup çã o d e n ova s p osições se m pre e q u a n d o se p rivile g ie , como fa z o a u tor, u m a é tica d a re sp on sa b ilid a d e . Se n d o e sse m od e lo cíclico d a p olítica tã o pró-xim o a o m od e lo d os p a ra d ig m a s d e Ku h n , p od e se r q u e Ba ile y e ste ja p re ve n do n esse m a r d e ince rte zas o com e -ço d e a lg u m p a ra d ig m a u n if ic a d or n a d iscip lin a a n trop ológ ica .
CAPONE, St ef ania. 1999. La Quêt e de l`Af rique dans le Candomblé: Pouvoir et Tradit ion au Brésil. P aris: Kart hala. 345 pp.
Ant onio Carlos de Souza Lima
P ro f. d e A n tr o p olog ia , PPG AS -M N - UFRJ
De u m p rim e iro ca p ítu lo re cu p e ra n d o a lite ra tu ra sob re a fig u ra m ítica d e Exu -Le g b a n a costa ocid e n ta l a frica n a (N i-g é ria e Be n in a t u a is), p a ssa n d o p e lo c a n d o m b lé n a cid a d e d e S a lva d or, n a
Ba h ia , o le itor é le va d o a im e rg i r, se m se “ a fog a r” , no cotid ia no d os in teg ra n -te s d e u m a “ fa m ília d e sa nto d e ‘n a ção’ Efon ” , n os lim ite s d a á re a me tro p o l i t a -na d a cida d e do Rio d e J a ne iro dos a n os 90. A d é m a rc h e , u m a d e scriçã o fin a e a p rofu n d a d a , p lu rivo ca l e d ia lóg ica , d a s re la çõe s d e p od e r n a con stru çã o d a le g itimid a d e n os cu ltos a fro - b r a s i l e i ro s (n oçã o cu id a d o sa m e n te p ro b l e m a t i z a -d a n o te xto), com b a se n a ob se rv a ç ã o p a rticip a n te , e m e n tre vista s, e m d ocu -m e n t a çã o icon og rá fica e fotog rá fica , s o b re tu d o. Da í se g u e o te xto p a ra d e -m on stra r a irre d u tíve l, e h istórica, con s-titu içã o m ú tua e ntre a “tra d içã o d os orixás” e seu s “ a n trop ólog os” , a té con du -zir o le itor, e sboça n d o u m p róxim o livro , aos Estad os Unid os d e h oje , e m m e io a o p roce sso d e r e a frica n iza çã o, com se u re i d os Yo ru b á e m u m a “ a ld e ia a frica -n a ” -n a C a roli-n a d o Su l o-n d e d a -n ça m os m a sca ra d os e sp íritos d e a n ce stra is. Lon g o p a rá g ra fo p a ra o p e rcu rso p rp osto e m se u livro rp or Ste fa n ia C a rp o-n e , p e sq u isa d ora d o C N R S, c h a rg é e d e c o u r s na Un ive rsida de de Pa ris X – N a n-t e rre , on d e se d ou n-torou d e p ois d e u m lon g o p e ríod o d e p e sq u isa s n o Bra sil, in icia d o n o com e ço d a d é ca d a d e 80, e a p ós u m a e lu cid a tiva p a ssa g e m p e lo m e io u n ive rsitá rio b ra sile iro, com m e s-trad o em An tropolog ia Social n o P P G A S/ Mu seu Na ciona l.
con clu sã o os re tom a ) a p re se n ta -n os aos dile m a s te óricos, m e tod ológ icos, é ticos e m ora is com q u e se d efron ta o pe sq uisa dor d os fen ôm e nos religiosos n o m u n -d o con te m p orâ n e o, so b re tu -d o q u a n -d o lid a com cu ltos in iciá ticos d e posse ssã o. M a s isto é fe ito e tn og ra fica m en te , e d e m od o b rilh a n te . C a p on e u t iliza com o trilh a p a ra m on ta r se u s a rg u m e n tos, a um tem p o, a a ná lise d a s tra nsform a ç õ e s d a figu ra de Exu a o long o do sé cu lo XX n o Bra sil, se ja p e la via d a ob se rv a ç ã o d i re ta , se ja p e la a n á lise h istórica d a lte ra tura de e sob re os cultos a fro - b r a s i-l e i ros. E n isso vão de sde os nom e s e a s-pe ctos d e Exu n a África, a os p ontos risca d os e risca n ta d os d os Exu s d e u m b a n d a , ou os “ a sse n ta m e n tos” d e ste s, m e -t a m o rfose a d os d e “ e sp íri-tos d e p ou ca lu z” e m se rvos d os orixá s. Em um ou tro te m p o, proce de a u m a re fle xã o p erm a -n e -n te , e d e ra ra s h o-n e stid a d e , p e rsp i-cá cia, lucid ez e corag e m , a pa rtir d e sua próp ria traje tória d e mais de u m a d éca d a in te ra g in d o com ca sa s d e ca n d om -blé e institu içõe s a ca d ê mica s n o Bra sil. O te xt o a p re se n ta , n e sse s m om e n tos, um tom de objetivid ad e difícil d e se c o n -s e g u i r, fá cil q ue é d e -sliza r p ara um do-s re g i s t ros le gítimos, re s e rva d os p ela a n -t rop ologia , para u m -tipo d e reflexã o q u e , se d e sv e n d a d a , p od e coloca r a b a ixo o tra b a lh o d o p e sq u isa d or: os ton s “ con fe ssion a lmem oria lístico”, com seu p e n d or p a ra o p itore sco e o “ d e m a sia d a -m en te h u -m a n o” ; o “ filosófico--m e d ita tivo” , p re se n te sob re tud o (m a s n ã o a p e -n a s) -nos e stu d iosos d a re lig ião, e m q u e a e xp e riê n cia d o in cog n oscíve l e d o tran scen d e n te m e sm eriza m o p esq uisa -d o r e m su a vi-d a p e ssoa l; ou a in -d a (e ma is fre q ü e n te m e n te ) a sim p le s om issã o d o in divídu o qu e p esq u isa e da s re -la ções socia is a su p ortá -lo.
A op çã o d a a u tora , u m a d as ch a ve s d a q u a lid a d e d e su a a n á lise , é a m e tó-d ica e x p licita çã o tó-d os lim ite s e p iste m
o-lóg icos d e su a e m p re itad a , p arte d o cui-d a cui-d oso e stu cui-d o cui-d a s re la çõe s cui-d e p ocui-d e r q u e e n tre te ce m o siste m a d e ca sa s d e sa n to, q u e con tra p õe m e u n e m in icia -d or(a )/ in icia -d o(a ), h om e n s/ m u lh e re s , ca n d om b lé / u m b a n d a , sa ce rd o t e s / a n -t rop ólog os, -tra d içã o/ m is-tu ra , re l i g i ã o / m a gia , n a m e n te e n a p rá tica oficia l d os seu s in te gra ntes. As te ia s d esse siste m a s u rg e m n os in a p e la ve lm e n te im b rica -d a s a in stitu içõe s a ca -d ê m ica s, ON G s e s i m i l a res. A se p a ra ção en tre mu nd os e m socie da d es com p le xa s p ode se r tê nu e e ilu sória , sob re tu d o q u a n d o a s d ife re n -ças d e p od e r sã o tã o in te nsa s qu a nto as g e ra d a s p or u m a h ie ra rq u iza çã o a ce n -tu ad a , a lta con ce n tra çã o d e re n da e dis-pu ta a cirrad a por p re stíg io.
Ca p one pa rte de a u tores b ra sile iro s , Yvonn e M a g g ie , Pa trícia Birm a n , Re gi-n a ld o Pra gi-n d i, Va g gi-n e r G ogi-n ça lv e s, e m e sp e cia l Be a triz G óe s Da n ta s e m Vov ó Na g ô e Pa p a i Bra n co: Usos e Abu sos d a África n o Bra sil. Ma s am p lia re fle xiva e e m p irica m e n te a s con q u ista s d e sse s a u t o re s, a o p rop or u m c o n t in u u m e n t re p u ro / i m p u ro, tra d icion a l/ m istu ra d o, re -ligiã o/ m ag ia. O m ovim e n to d e re a f r i c a-n iza ção é a p ea-n a s p a rte d e um e le a-n co d e d isp ositivos q u e p ossib ilita e sse c o n t i-n u u m . Ao ce i-n tra r su a ii-n ve stig a çã o e m u m a ca sa da “ n a çã o” Efon , com p on e n-te d a “ ortod oxia ” n a g ô, m a s p e rifé rica a os te xtos a n trop ológ icos q u e a con s-t ruíra m , a a u s-tora m oss-tra com o a s p re o-cu p a çõe s com a d e g e n e ra çã o tra zid a , por su p osto, pe la m istura d e ra ças, cos-tu me s, lín g u a s etc., tã o ma rcan te n a li-te ra tu ra e u rop é ia d os sé cu los XVIII e XIX sob re os n ovos m u n d os con q u ista -d os, p o-d e ria p a ssa r p or m om e n tos -d is-tin tos e va ria d os, e m u m a fre q ü e n te e n a d a coe re n te in ve rsã o.
e xu s e p omb ag iras re a frica niza d os n ã o só sã o su b m e t id os a o s orixá s e a o p o-d e r o-d os in icia o-d or e s n a h ie ra rq u ia o-d o ca n d o m b lé , m a s t a m b é m sã o in stru -m e n tos d e tra b a lh o n a vid a cotid ia n a d a s cla sses p opu lare s da s g ra n de s cida -d e s bra sile ira s, e stra té gia n a lu ta por a l-g u m a a uton om ia e m fa ce d a s m ú ltipla s f o rm as d e h iera rq u iza çã o e dom in a çã o, o p re ssiva s e su p e rp osta s, im a g e n s q u e p e rm ite m u m a con stru çã o d e si, d e in d i v i d u a l i d a d e s in d e p e n d e n te s. O s d e -p oim e n tos d e in icia d os, sob re tu d o d e m u l h e re s, e su a a ná lise são u m pon to al-to d o te xal-to. O p a p e l d e d om in a çã o d a s re l a çõe s d e g ê n e ro é a q u i a p ro f u n d a d o d e m a n e ira m eticu losa e sug e stiva , se m q ue e sta se ja a te má tica central d o te xto. C om o e m tod a b oa e tn og ra fia , h á u m n otá ve l e xce d en te d e da d os qu e pe rm i-t e m re i n i-t e r p re i-ta çõ e s. Escon d id a e si-tá ta m b é m u m a ou tra virtu d e d o te xto: a in se p a ra b ilid a d e d a a n á lise d a s re p re -se n ta çõe s e d os a sp e ctos m orf o l ó g i c o s . E tu d o isso se m e sta rd a lh a ço te órico.
O ce n á rio p rin cip a l d e ssa d im e n sã o d o te xto é a cid a d e d o Rio d e J a n e iro , cu ja h istória d a s ca sa s d e ca n d om b lé , d a re la çã o in se p a rá ve l d e sta s com a u m b a n da e ou tros cu ltos d e p osse ssã o, e m u m m e rca d o re lig ioso a m p lo e h e -t e rócli-to, p a ssa a o s olh os d o le i-to r a o lon g o d e tod o o sé cu lo XX e m a lg u m a s p á g in a s d o livro. Ta m b é m a form a com o e ssa h istória é a p re se n ta d a , p or n a -tivos d o ca n d om b lé e p e los d a a n trop olog ia , é m a té ria d a s in d a g a çõe s d e C a -p on e : d a “ M e ca ” n a g ô, com o a cid a d e d e Sa lva d or é re p re se n ta d a , à m istu ra e à “ corru p çã o” d a s re lig iõe s n os su -b ú r-b ios ca rioca s, co m o se con strói a “ tra d icion a lid a d e ” ? O q u e d ig n ifica o fie l a ca d a m om e n to d o cu rso d e ste sé -cu lo? De a cord o com a h ie ra rq u i z a ç ã o p rod u zid a p e la lite ra tu ra a n tro p o l ó g ica , a “ n a çã o” a n g ola se ria m e n os “ p u -ra ” , te n d o in corpo-ra d o d e ma n e i-ra
sis-te m á tica o cu lto d os ca b oclos à s su a s p rá tica s ritu a is. Esse é o p on to d a p a s-sa g e m q u e a rticu la ria d ive rs-sa s m od a li-d a li-d e s li-d e cu lto li-d e p osse ssã o e n tre si, li-d e m od o q ue , h oje , por in icia çõe s su ce ssi-va s, se p od e com e ça r p e la fre q ü ê n cia a t e rre i ros d e “ u m b a n d a b ra n ca ” p a ra , a p ós u m a p rim e ira in icia çã o n o ca n -d om b lé e m u m te rre i ro a n g ola , torn a r-se k e tu , log o, “ n a g ô p u ro” , p a rte d e u m “ a xé ” d e re n om e . C a p on e a p re se n ta os in ú m e ros d isp ositivos e e stra té g ia s q u e p e rm ite m n e g ocia çõe s p a ra a q u isiçã o d e m a ior le g itim id a d e , in clu sive a cha -m a d a “ -m u d a n ça d a s á g u a s” , p e la s q u a is o in icia d o d e u m a “ n a çã o” p a ssa p a ra ou tra . Se se g uísse m os os poé ticos te xtos d e Ba stid e ta l se ria im p ossíve l.
a o coe re n te m u n d o d e u m a m itolo g ia re cé m -sa íd a d o forn o, e sca va d a à s “ ori-g e n s africa n a s” , por m e io d e via ori-g e n s e trâ n sitos e n tre África , Europa e Am é rica . Do s im p lícitos d os te xto s d os e st u d os a fro b r a s i l e i ro s p a ssa m os a os b a n -cos e scola re s d a USP e d e in stitu içõe s ca rioca s, com se u s cu rsos d e yoru b á , d e mitos e do e sq u e cid o siste m a d ivina tó-rio p e lo cola r d e Ifá .
O r e su lta d o é u m a d e m on str a çã o e xe m p la r d o ca rá te r d e flu xo d a s re l a -çõe s d e p o d e r e le g itim id a d e n a con st ru çã o d e stra d içõe s (in clu sive a s in ste -le ctu a is), d a im p ossib ilid a d e d e se ve r q u a isq u e r d e se u s com p on e n t e s e n -q u a n to e ssê n cia s im u tá ve is. C om o n a rra tiva , o livro é d e stit u íd o d o tom e n -ca n ta d o d e m u itos e stu d os sob re ritu a is, m a s ig u a lm e n te ise n to d o ca rá te r d e d e n ú n cia a p re se n ta d o p or ou -tros, te n ta çã o d e u m ce rto tip o d e cre nte qu e se d e scob re lu d ib ria do. Pe lo con -trá rio: a a u tora re con h e ce a força d e s-se s d isp ositivos d e p od e r, p ois a o p roce d e r à e tn og ra fia a p a rt ir d e u m a fa m ília d e sa n to , forn e ce lh e s os in stru -m e n tos p a r a le g iti-m a r-se n o -m e rc a d o re lig ioso, e fe ito p a ra d oxa l d a m od a li-d a li-d e li-d e li-d e scriçã o e tn og rá fica vig e n te n o a m e rica n ism o com q u e d ia log a , p re -sa s q u e tod os som os d os con te xtos e m q u e n os p rod u zim os.
Se m se p re te n d e r co m p le tu d e s e sis te m a s a u to- e xp lic a tivos , S te fa n ia C a p on e a p re se n ta n os à im p e rm a n ê n -cia d a s cor re n te s cu ltu r a is q u e b a li-za m d e lon g a d a ta o m u n d o a tlâ n tico e m t o rn o d o q u a l g ra vita m Am é rica s, África (s) e , e m p a rte , a p róp ria Eu rop a . As va loriza çõe s e mp írica e e piste m oló-g ica d o p a r a d ox o, te rm o u sa d o mu ita s ve ze s n o te xto, e e m d ire ta re la çã o com a fig u ra d e Ex u , p e rm ite m a ssom a r a c o m p l e x id ad e sociocultu ra l d e sse s m últiplos mu n dos. O m u n d o em “ criouliza çã o” e “ m istu ra ” d os n ovos m ovim e n
-tos sociore lig iosos e n con tra a q u i u m a e xce le n te via d e a ce sso p a ra su a p ro-fu n d id a d e h istórica e p a ra a s im a g e n s q u e o torn a m p ossíve l.
CASTRO FA R I A, Luiz de. 1998. A nt r o-p ol ogia: Escritos Exumados 1. Eso-paços Circunscritos, Tempos Solt os. N i t e r ó i , RJ: EDUFF. 285 pp.
M ariza Corrêa
P ro fad e An tro p olog ia , U n ica m p
An ton io C a rlos d e Sou za Lim a , fa ze n d o a a p re se n ta çã o d e ste p rim e iro volu -m e d os trê s q u e re u n irã o o con ju n to d e te xtos e scritos p or Lu iz d e C a stro Fa ria , a ssin a la a “ su a se m p re g e n ia l a trib u i-çã o d e títu los, ta m b é m d e sse s volu m e s e d e su a s p a rte s” . Um p ou co à m a n e ira d e Ca stro Fa ria , p od e ría m os d ize r q u e títu los sã o ta m b é m p ista s fa lsa s, m od os d e o a u tor d e sp ista r o le itor.
ob je to d o se g u n d o vo lu m e –, foi à a n -t rop olog ia , e à a n -tro p olog ia d o M u se u N a cion a l, q u e o p rofe ssor C a stro Fa ria d e d icou a m a ior p a rte d e se u s e scritos. A Exp osiçã o An trop ológ ica d e 1882, e se u ce n te n á rio, a s Exp osiçõe s d e An -t r op olog ia e Arq u e olog ia d e 1947, os ce n te n á rios d e J oã o Ba t ista d e La ce r-d a , r-d e Alb e rto C h ilr-d e e r-d a S ocie r-d a r-d e d e An trop olog ia d e Pa ris, o b ice n te n á -rio d e Ale xa n d re Rod rig u e s Fe rre ira , os a n ive rsá rios d o M u se u N a cion a l e d os P rog ra m a s d e PósG ra d u a çã o d o M u se u N acion a l e da Un ive rsida d e d e Bra sília , p rimo s irm ã os, sã o ta m b é m t e m -p o s b e m circu n scritos n os q u a is se u s e scrit os se a n cora m , e xp lora n d o su a s h istória s, su a s co n e xõe s e su a s re v e r-b e ra çõe s p a ra a lé m d os e sp a ços in tu cion a is a os q u a is e sse s e ve n tos e sti-ve ram in icia lme n te vincu la d os. E, p a ra a lé m d a s e fe m é rid e s q u e p a re c e r i a m e sta r n a orig e m d e se u s te xtos, d e co-m e co-m ora çã o ou d e lu to, tra ta -se a q u i d e u m lon g o e cu id a d oso m a p e a m e n to d e u m a p a rte d a h istória d e n ossa d iscip li-n a , a g ora , fili-n a lm e li-n te , a p re se li-n ta d o li-n o se u con ju n to.
Pu b lica d o e m ord e m q u a se rig orosa m e n te cron ológ ica – q u e b ra d a a p e -n a s p e la i-n t e r ca la çã o d e u m te xto d e 1963 com o se g u n d o e n sa io –, o livro a b re com u m a rtig o d e 1942, q u a n d o o a u tor tin h a 29 a n os, e q u e só a ssu m e se u p le n o se n tid o q u a n d o co m p a ra d o com a su a ap re ciaçã o do ca m p o d a a n -trop olog ia n o Rio d e J a n e iro, log o a p ós a fu n d a çã o d a s F a cu ld a d e s d e Filoso-fia , q u e p a re cia m a m e a ça r os m u se u s com o se d e in stitu cion a l d a d iscip lin a (ve r “ A An trop olog ia n o Bra sil. De p o i-m e n to se i-m C oi-m p roi-m isso d e u i-m M ili-ta n te e m Re ce sso” , e m se u livr o An tro-p ol og ia : Estro-p e t á cu lo e Exce lê n cia , 1993). N o a rtig o d e 1942, C a stro Fa ria o b s e rva va : “ O M u se u Na cion a l, e n tre -ta n to, con tin u a a se r o ú n ico in stitu to
d e p e sq uisa on d e a a n trop ologia é cu ltiva d a e m tod os os se tore s d o se u a m -p lo d om ín io.” (:25). E, e m se u d e -p oi-m e n to, q u a re n ta a n os d e p ois, re p e t i a : “ Ta l q u a d ro m ostra q u e , n a re a l i d a d e , o e n sin o d e a n tro p olog ia n a s Fa cu ld a -d e s -d e Filosofia n ã o ofe re cia con -d içõe s p a ra a form a çã o d e a n trop ólog os.”
R e g i s t ro e ssa s ma rca ções d os te xtos d o p ro fe ssor C a st ro Fa ria , p rim e iro , p o rq u e sei de se u zelo p e la correta distribu içã o de au tore s / a t o re s e m um ca m -p o d isci-p lin a r e , ta m b é m , -p orq u e cre i o ser im porta n te q ue os leitore s d a s g era -çõe s m a is jove n s p ossa m situ a r e sse s escritos, a comp a nh a n d o a sua tra je tória e o se u e m p e n h o e m re gistra r a im p or-tâ ncia d o Mu se u N a cion al na constitui-ção d o cam p o a ntrop ológ ico n o Bra sil.
P a ra os p e sq u isa d ore s d a g e ra çã o ma is ve lh a , in te re ssa d os n a h istória d a nossa d iscip lin a, ca da u m d e sses te xtos te m u m a cor e um che iro m u ito p ecu lia -re s, e é e stra n h o vê -los tã o lim p in h os e m form a d e livro. É ta mb é m u m a b ê nção – n ã o ma is tere mos de sair à p ro c u ra d e a lg u n s d e le s, ra ros, e m b ib liote -cas ou e m se bos.
Ma ria H e loisa Fen é lon C osta , se m e vo-ca r fotos d o m ocin h o C a st ro Fa ria , n o j a rd im ou n a p orta do M u seu Na cion a l, d e te rn o ou d e a ve n ta l b ra n co, ju n to a d on a H e loisa e a a lg u n s d os p e rson a -g e n s d e sse s te xtos, ou e m m e sa s d a s re u niõe s da A B A, com ou tros. (A última foto d e q u e me “re c o rdo” , n u n ca vi im -p re ssa: C astro Fa ria , com o ch a -pé u símb olo d a XXI Re u n iã o Bra sile ira d e An t rop olog ia , rod e a d o p o r cole g a s e a lu -nos, e m Vitória , em 1998.)
Pe rson a g e m se m p re p re se n te a o lon g o d e n ossa h istória in stitu cion a l, o au tor C astro Fa ria e stá a gora , fina lm en -te, d isp onível pa ra e stud os e pe squ isa s.
CASTRO FA R I A, Luiz de. 2000. A nt r o -pologia: Escrit os Exumados 2. Dimen-sões do Conheciment o Ant rop ológi-c o. Niterói, RJ: EDUFF. 438 pp.
M aria Dulce Gaspar
A rq u e ó lo g a , M N -U FRJ
A n t rop olo g ia : Escritos Exu m a d os 2, d e Lu iz d e C a stro Fa ria , n os d á a d im e n -sã o d a fa sc in a n te tra je tória d e um p e s-q u isa d or form a d o e m u m m u se u d e h is-tória n a tu ra l. É u m a ob ra d ivid id a e m trê s b locos, q u e re ú n e a rtig os, re fle x õ e s e com un icaçõe s e m d ifere n tes con g re ssos cie n tíficos. Este volu m e com p le -m e n ta Escritos Exu -m a d os 1 e a p re se n ta os m ú ltip los in te re sse s d o p e sq u isa d or n o e xe rcício d e su a p rofissã o. O s te m a s a b o rd a d o s re f e re m -se a u m a m p lo e s-p e c t ro e sin te t iza m o s-p e n sa m e n to d e C a s t ro Fa ria sob re a a n trop olog ia físi-ca , a a rq u e olog ia , a via g e m e tn ológ ifísi-ca , a fig u ra h u m a n a n a a rte d os ín d ios Ka -ra já , a sit u a çã o d o ín d io, a p ro d u ç ã o a ca d ê m ica sob re a p e sca e a s re fle xõe s s o b re a s orige n s cultu ra is d a h a b ita çã o p o p u l a r. Som a m -se a in d a o a rtig o
so-b re o a rq u ivo d o C on se lh o d e Fisca li-za çã o d a s Exp osiçõe s Artística s e C ie n-tífica s n o Bra sil, a a va lia çã o crítica d o te xto d e H e loisa Alb e rto To rre s e a h o-m e n a g e o-m a J u a n C oo-m a s.
A con trib uiçã o m a is d e nsa está vol-tad a pa ra a a ntropolog ia física (170 p p.), e n ã o p od e ria se r d e ou tra ma n e ira , já q u e a d iscip lin a e stá in trin se ca m e n t e re la cion a d a à ca rre ira d o p e sq u isa d or. O a rtig o q u e in a u g u ra o livro é u m a a de qu a ção d as n ota s pre p ara d as p a ra o con cu rso re a liza d o p a ra in g re ssa r n o M u se u Na cion a l, e m 1944. Tra ta -se d e u m e stu d o d e ta lh a d o d o s a va n ços e p rob le m a s d a d iscip lin a n o p e ríod o c o m p re en d id o e n tre 1860 e 1950. C om -p le m e n ta m e sta sín te se os a rtig os “ O Esta d o Atu a l d a An trop olog ia Física ” , n o q u a l fa z u m b a la n ço d o e n sin o e d a p e sq u isa d a d iscip lin a , e “ O Tr a b a l h o I n t e rd iscip lin a r e m An trop olog ia ” , e m q u e t r a ça o s lim ite s e a s c o n tr ib u i-çõe s dos aspectos b iológicos e cu lturais, a p o n ta n d o a in te ra ç ã o n e ce ssá ria p a ra q u e a s in form a çõe s p ro ve n ie n te s d os d i f e re n tes dom ínios d o sab e r con stru a m con h e cim e n to sob re a p op u la çã o. S e gu ind o esta ótica ta mb é m se p od e com -p ree n d er a con trib u içã o contida e m “ O H om e m Bra sile iro: Form a çã o Étn ica e Cu ltura l – Situ a çã o De m og rá fica” . Pa ra e n te n d im e n to d e te m a tã o com p le xo, e n foca a con trib u içã o d a b iolog ia , d a s ciên cias sociais e inclu i, a in da , a d e m o-g rafia q u e , e m su a s p ala vra s, “ e xprim e nu m e rica m e nte fa tos biológ icos pro f u n -d a m e n te a lte ra -d os p e la socie -d a -d e e a cultu ra ” (:162).
stud o stud a pré h istória n o Bra sil e ste ve , stud u ra n te m uito te m p o, e n volto e m pro f u n -d o e m p irism o, lim ita n -d o-se à s -d e scri-çõe s d os ma te ria is re cu p e ra d os na s e s-ca va çõe s. Ca stro Fa ria inova a o atrib uir à a rq u e olog ia u m imp ort a n t e e s p a ç o n a s ciê ncia s socia is, e sp e cia lm e nte ju n -to à an trop ologia cu ltura l. As de scriçõe s d a s ce râ m ica s M a ra joa ra , Sa n ta ré m , M iraq u a n g u e ra e a fa b rica d a pe los Tu -p i-G u a ra n i sã o u tiliza d a s -p a ra a -p on ta r a d ive rsid a de d os te ste m u nh os pré-h is-tóricos n o território n a cion a l e o e norm e p ote n cia l p a ra p e sq u isa .
O s d e m a is a rtig os tra ta m d e d ife -re n te s a sp e ctos -re la cion a d os com os sa m b a q u is. C a stro Fa ria tra ta d os p rob le m a s re f e re n te s à p e sq u isa , à p ro t e çã o d os sítios, cara cte riza a a rte a n ima -lista fa b rica d a p e los sa m b a q u ie iros e i n f o r m a sob re o e stu d o p ion e iro q u e re a lizou no sa m b aq u i d e C a be çud a , e m La g u n a , Sa n ta C a ta rin a , n a d é ca d a d e 50. Sa m b a q u is sã o sítios a rq u e o l ó g i c o s e n con tra d os e m p a rte sig n ifica tiva d a costa b ra sile ira q u e se a p re se n ta m co-m o uco-m a p la ta forco-m a e rg u ida coco-m re s t o s fa u n ísticos, con stitu in d o m u itos d e le s loca l d e se p u lt a m e n t o d os h u m a n os. C om e stra t ig ra fia b a sta n te com p le xa , e m a lgu m a s reg iões d o Bra sil ch e ga m a te r m a is d e 20 me tros d e a ltu ra e 400 m e t ros d e com p rim e nto. Eles sã o obje to d e in te nsos de ba te s de sde o sé cu lo pa s-sad o, con stitu in do u m im porta nte te m a d e re fle xã o re la cio n a d o com a p róp ria c o n s t ru çã o d a a rq u e olog ia e n q u a n to ca mp o d e sab e r. O s sa mb aq u is fora m o p rin cip a l a lvo da lei d e p roteçã o d a s ja -zid a s p ré -h ist órica s p rom u lg a d a e m 1961, p ois na é p oca estava m e m fra n co p roce sso d e d e stru içã o, d e corre n te d a e xp lora çã o d e con ch a s p a ra fa b rico d a ca l. C astro Fa ria, jun to com Pa ulo Dua r-te e José Lou re i ro Ferna nd es, r-te ve pa p e l fu n d a m e n ta l n a lu ta p e la p re s e rv a ç ã o d o p a trim ôn io a rq u e ológ ico n a cion a l.
M u ita s de su a s obse rva çõe s são a in da p e rtine n te s e an te cipa ra m vá rios re -sulta d os só a g ora ob tid os. O e stu d o e m-p ree n did o sob re a arte a nim a lística fe i-ta p e los sam b a qu ieiros é e xtre m a m e n t e a cu ra d o. O a u tor a p re se n ta a s n orm a s e sté tica s q u e orie n ta ra m a p ro d u ç ã o d a s e scu ltu ra s e m p e d ra e osso, re c o r-re n d o a e sp e cia lista s p a r a id e n tifica r o s a n im a is re p re se n ta d o s e in d ica a o le itor os tra ços d ia g n ósticos. En q u a n to a rq u e ólog os, a té re ce n te m e n te , se e s-força v a m p or ca ra cte riza r a d ie ta a li-m en ta r d os sa li-m b aq uie iros tra b a lha n do, q u a se e xclu siva m e n te , com a op osiçã o cole ta d e m olu sco v e rs u s p e sca , C a stro Fa ria já ch a m a va a a te n çã o p a ra o fa to d e a d ie ta n ã o se r ja m a is e xclu siva . A f i rm a q u e os a p a n h a d ore s d e mo lu scos se ria m ig u a lm e n te p e sca d ore s, ca -ç a d o re s e cole tore s d e fru tos silve stre s . D i f e re n te me n te d e m u itos p e sq u isa d o-re s, e le n ã o se d e ixou a p rision a r p e la visã o imp re ssion ista d os p e rfis e stra ti-g rá ficos, n a q ua l a s con ch a s se sob re ssa e m e m re la çã o a os d e m a is re stos fa u -n ísticos, se m q u e isto i-n d iq u e , -n e ce ssa-ria m e n te , q u e o m olu sco te n h a sid o a b a se d a d ie ta a lime n ta r.
r-va çõe s d e C a stro Fa ria e se a p rofu n d ou o e n te n d im e n to d o siste m a d e a b a ste -cim e n to d os con stru tore s d e sa m b a q u i. A s in te rp re t a çõe s so b r e a fu n çã o d o s sa m b a q u is sã o ta m b é m e xtre m a -m e n t e p e rtin e n te s; p a ra e le já e sta va cla ro q u e o sa m b a q u i d e C a b e çu d a e ra u m se p u lcrá rio e ta m b é m loca l d e m o-rad ia. Ele n ã o se de ixou le va r p e la id é ia c o rre n te d e q u e os sítios e ra m a p e n a s re stos de cozinh a . Atu alm e nte , pe sq u i-s a d o re i-s e n te n d e m q u e oi-s i-sa m b a q u ii-s sã o re su lta d o d e u m orq u e stra d o tra b a-lh o socia l e v olta m se u s e sforços p a ra e st u d a r a s re g r a s d e su a con stru ç ã o . P re ocu p a m -se e m com p re e n d e r com o os sítios se a rticu la va m e m u m siste m a d e a sse n ta m e n to e e m e sta b e le ce r a (s) fu n çã o(õe s) d e ca d a sítio n o in terior d e com u n id a d e s p ré -h istórica s, p ois se a c re d ita q u e os sa m b a q u is n ã o p od e m se r e n te n d id os se isola d o s n o te m p o e n o e sp a ço.
A re u niã o d as contrib uições d e C a s-t ro Faria à a rq u e ologia ess-ta ria com p le s-ta ca so se t ive sse in clu íd o o b a la n ço d a discip lin a feito p or ele n a IV Re u niã o da Socie d a d e d e Arq u e olog ia Bra sile ira . N e ssa oca siã o e le a p re se n to u o tra b a -lh o “ Dom ínios e Fronte ira s d o Sa be r: A Id e n tid a d e d a Arq u e olog ia ” , e m q u e m ais um a ve z tece crítica s p ro c e d e n t e s , ap onta lacu n as e eq u ívocos. De ma ne ira firm e , in cita os a rq u e ólog o s a su p e rar a s dificu ld a de s pa ra qu e se ja p ro d u -zid o con h e cim e nto sob re o proce sso d e coloniza çã o d o te rritório b ra sile iro.
O te rc e i ro con ju n to d e t e xtos (139 p p .) re ú n e re fle xõe s sob re te m a s va ri-a d os, m ri-a s q u e se cri-a rri-a cte rizri-a m p e lri-a a p re se n ta çã o, m a p e a m e n to e ord e n a çã o d e n ovos e d istin tos ca m p os d e sa b e r. É a ssim q u e p od e se r vista a “ In -t ro d u çã o a o In v e n -t á rio A n a lí-t ico : Ar-q uivo d o Con se lh o d e Fisca liza çã o d a s Exp osiçõe s Artíst ica s e C ie n tífica s n o Bra sil” . C a stro Fa ria tra ça u m b re v e
h istórico d a re la çã o d o a p a re lh o d e Esta d o com a s e xp e d içõe s cie n tífica s in t e rn a cion a is e a p on ta a riq u e za d a s in -form a çõe s con tid a s n e sse m a te ria l p a ra la n ça r lu z sob re o p a ssa d o re ce n te d a n a çã o. Da m e sm a m a n e ira , a p re s e n t a a s orig e n s cu ltu ra is d a h a b ita çã o p op u-l a r, m ostra a s va ria çõe s e a p on ta ca m i-n h os p a ra i-n ovos e stu d os.
CSORDAS, Thomas J. 1997. L a ng u ag e , Charisma, and Creat ivit y: The Rit ua l Life of a Religious M ovement . Berke-ley/ Los Angeles/ London : Universit y of Calif ornia Press. 320 pp.
Clara M afra
P ro fad a UE RJ
Th om a s C s o rd a s é u m d e sse s ra ros a u -t o re s q u e -tê m a ou sa d ia d e -tra ze r p a ra o p rime iro plan o de su a p rod uçã o a in -q u ie tu d e in te le ctu a l. Ao lon g o d e su a form a çã o, d e sd e 1973, ve m se d e d ica nd o a o e stu nd o nd o m ovim e n to ca tólico ca -r ism á tico n o-rt e -a m e -rica n o. Vo l t o u - s e p a ra a p e sq u isa d e u m g ru p o re l i g i o s o m in oritá rio, a o con trá rio d a te n d ê n cia p r e d om in a n te n a a n trop olog ia n ort e a m e rica n a d e d e sloca m e n to p a ra a p e -rife ria e d e b u sca d o e xótico d ista n te . Esse d e svio e m re la çã o a u m a te n d ê n cia forte n o ca m p o a ca d ê m ico já n os fa -la d e u m a ce rta in q u ie tu d e , m a s, ce r-t a m e n r-te , a e vid ê n cia m a ior e sr-tá e m ou-t ro lu g a r, n a su a p e rm a n e n ou-te b u sca d e n ovos re f e re n cia is te óricos e de re f i n a m e n to con ce itu a l p a ra t ra d u zir a lg u -m a s d a s e sp e cificid a d e s d os n ovos -m o-vim e n tos r e lig iosos con te m p orâ n e os p a ra u m p ú b lico se cu la riza d o.
Ate n t o à p e cu lia r com b in a çã o d a re lig iosid a d e ca tólica ca rism á tica , q u e fu n d e u m a e sp iritu a lid a d e e xu b e ra n te com u m a p rod u çã o in te n sa d e d in â m i-ca s ritu a is e q u e te m o m ila g re com o e v e nto cotid ia n o, C s o rd a s n ã o se sa tis-fe z com a s in te rp re ta çõe s clá ssica s d a a n t rop olog ia e in ve stiu e m u m a circ u -la çã o in te rd iscip lin a r a m p -la n a b u sca d e r e fe rê n cia s co n ce itu a is m a is a d e -q u a d a s. Foi, con tu d o, n o re torn o à s ra í-ze s e p ist e m ológ ica s, n a filosofia , com M e r l e a u - P o n t y, q u e e le e n con trou a s in d ica çõe s m a is va liosa s, ta n to e m fu n -çã o d o a ju ste a n a lítico q u e p ro m o v e u
p a ra d e scre ve r o fe n ôm e n o se m re d u -zi-lo a os se u s a sp e ctos d e fá b u la , com o n o re sg a te d o con ce ito d e e m b od im e n t, con ce ito e ste q u e a tra ve ssa rá t od a a su a p rod u çã o.
N a b a se d a a n trop olog ia da re l i g i ã o de se n volvid a p or C sord as e stá o p ostu -la d o d e q u e o s corp os sã o p ro d u z i d o s cultu ra lm e n te – a firm a ção q u e cairia n o sim p le s tru ísm o se n ã o se com p le ta sse com a id é ia d e q u e e ssa p rod u çã o n ã o e stá tota lm e n te d e te rm in a d a p e la lin -g u a-ge m . O u seja , h á um “ va zio” e n tre o con ju n to de re f e ren te s cu ltu ra is e os im -pon d eráve is d a exp eriê n cia q ue se atua-liza n a disp osiçã o sile n ciosa d os corpos. Trata -se da s m ú ltipla s forma s e m an if e s-ta çõe s d a in corp ora çã o [e m b od im e n t] d a cu ltu ra . O de sta q u e da s relig iõe s n o p roce sso d e in corp ora çã o e stá, se g un d o C s o rd a s, e m q u e e la s, a o te m a tiza re m os a sp e ctos n ã o “n a tura is” da e xpe riê ncia , o la d o som b rio d a lin gu a g e m , o in -c o r p ó re o n o -corp óre o, a b re m -ca m in h o p a ra e xp e rim e n ta çõe s a lte rn a tiva s d o e s t a r-n o-m u n d o. Por e xe m p lo, n a g lossola lia , tra ço forte d a re lig iosid a d e ca -rism ática , os fiéis p od e m com p a rtilh a r o nã o d ito, prom ove n d o atua liza çõe s ne m s e m p re con ve n cion a is d o se u p róp rio a rca bou ço, ou m e sm o, n a in te rp re t a ç ã o a u to ritá ria d a g losso la lia p e lo p ro f e t a , p od e ocorre r u m a p a ssa g e m d o con ce bido e d o d ito sem o con trole da conv e n -çã o. De sd ob ra -se a ssim u m a d a s te se s f o rte s de C sord as, de se nvolvid a na obra a n t e r i o r, Th e S a cre d Se lf: A Cu ltu ra l Ph e nom e nolog y of Ch arism a tic H e alin g (1994), n a q u a l o a utor p ropõe qu e o h om e om e sp iritu a liza d o a ssu om e u oma con -diçã o p ecu liar de e sta r-n o-m u n d o, um a vez q u e n o ce n tro de se u s e l f se de se n -volve u m a d iá log o a b e rto com a a lte ri-d a ri-de m á xim a – esta q u e se apre sen ta n o la d o ocu lto d a lin g u a g e m .
i-v i t y. N o p re se n te lii-vro, C s o rd a s i-v a i a lé m d a s n u a n ça s d os ritos e d os re l a -to s d os m ila g re s e xp e r im e n ta d os p or fié is, d oe n te s e sa ce rd ote s, p a ra situ a r con te xtu a lm e n te a re lig iosid a d e ca ris-m á tica . Esta a ris-m p lia çã o do foco sob re o u n ive rso d e p e sq u isa e xig e q u e e le se con ce n tre sob re o p rob le m a d a a p a re nte p e rson a liza çã o d o ca rism a , fe n ôm e -n o com u m -n os m ovim e -n tos re l i g i o s o s ca rism á ticos e p e n te costa is con te m p o-râ n e os. Su a a rg u m e n ta çã o se g u e u m a a l t e rn a tiva clá ssica : se g u n d o C s o rd a s, n ã o se p od e e n t e n d e r a ra d ica liza çã o d o ca rism a se n ã o se p re sta r a te n çã o n a s m otiva çõe s d o g ru p o e n a a u to-im a g e m q u e e le q u e r ofe re ce r p a ra si p róp rio e p a ra os ou t ro s. M a s e sta in -t e r p re -ta çã o clá ssica g a n h a sofis-tica çã o e com p le xid a d e com o con h e cim e n to q u e o a u tor te m d o u n ive rso e stu d a d o. Pois ve ja m os, a “ com u n id a d e ” Word of G o d , p or e xe m p lo, q u e e stá n a orig e m do m ovim e n to d e re n ova çã o ca rism á ti-ca e q u e foi cria d a p or u m g ru p o d e e s-tu d a n te s d a Un ive rsid a d e d e M ich ig a n e m 1967, a ssu m iu in icia lm e n te u m a e s-tru tu ra çã o u m ta n to in form a l e cria tiva , b a se a d a q u e e sta va e m u m a re tórica d e re t o rn o à vid a com u n itá ria d o s p rim e iros cristã o s. N a é p oca , os líd e re s Ste ve n C la rk e Ra lp h M a rtin su b m e tia m -se , com o os d e m a is m e m b ros, à s d e ci-sõe s cole tiva s. Em m e a d os d a d é ca d a d e 70, q u a n d o o g r u p o d e cid iu m ora r em re sid ê n cia s cole tiva s a n ece ssid ad e d e re g ra s m a is e sp e cífica s sob re os vá -rios a sp e ctos d a vid a cotid ia n a a ca b ou re força n d o a a u torid a d e d a s lid e ra n ça s. Esta te n d ê n cia se a ce ntu ou a in da m a is a o lon g o d a d é ca d a , te n d o com o á p ice a d e cisã o d o u so d o vé u d e lin h o b e lg a p a ra a s mu lh e re s e m a n to d e lin h o ir-la n d ê s p a ra os h om e n s, u m a p rá tica q u e , p o r se u a sp e cto in u sita d o e a rb i-trá rio, os d e sta cou n o ca m p o ca rism á tico m a is a m p lo. Pa ra C s o rd a s, a ticorre la
-çã o e n tre con ce n tra -çã o d o ca r ism a e n o r m a tiza çã o d a vid a cole t iva n ã o é f o rtu it a . A b u sc a d a n orm a tiza çã o e d iscip lin a riza çã o te n d e a ir a o e n con tro d e u m a von ta d e cole tiva d e con te n çã o, p roce sso q u e te m com o sa lva g u a rd a o re forço d o p a p e l d o líd e r.
C e rta m e n te , u m a com p a n h a m e n to d e d u a s d é ca d a s e m e ia foi ú til p a ra o b a liza m e n to d a a u torid a d e d o líd e r n a a n á lise d e C s o rd a s. N o ca so a n te rior, p or e xe m p lo, o g ru p o d iv id iu -se e m d ois e m m e a d os d e 80, com a cria çã o d o S w o rd of Sp irit. E m 1992, d e z a n os d e p ois, o Wo rd of G od g u a rd a va m u ito p ou co d a s ca ra cte rística s p e rson a lista s e cen tra liza d oras d o pod e r e de n orm a-tiza çã o d a p rá tica q u e a p re se n ta ra n a s d é ca d a s a n te riore s. A p a rt ir d e ca sos com o e ste , C sord a s in siste e m u ma in -t e rp re-t a çã o q ue vá alé m da crí-tica à con-cen tra ção d e p od er n as m ãos de líd e re s ca rism á ticos a b u n d a n te n a lite ra tu ra , p rop on d o e m contra p artida qu e , e m ú l-tim a in stâ n cia , a fon te d a a u torid a d e ca rism á tica e stá n a m od u la çã o d a e vo-lu çã o re tórica e scolh ida p elo coletivo.
N ão fosse o p rofu n d o conh ecim e n to q u e C sord a s d e té m sob re o u n ive rso pe sq u isa do, o le itor pod e ria sen tir cert a a p re e n sã o d ia n te d e a lg u n s corte s a b ru p tos q u e su rg e m e m m e io a o e n ca -m in ha -me n to d e alg u -m a s síntese s teóri-cas e n a ap ropria çã o, à s vezes u m tan to lig e ira , d e con ce itos con stru íd os e m c a m p os d iscip lin a re s vizin h os. C on tu -do, a própria estrutu ra d o livro, d ividid o com o e stá e m trê s con ju ntos te m á ticos, i n f o rm a o le itor sob re u m su b te xto e s-t ru s-tura d o e e ss-trus-tu ra nd o o conju ns-to. As fissu ra s p on t u a is n ã o ch e g a m a d im i-n u ir o im p acto d o a rgu mei-n to ce i-ntra l.
q u e stõe s d e orig e m , d e in flu ê ncia p e n -te costa l n o in -te rior d o ca tolicism o – a sp e cto con sid e ra d o e ssp e cia lm e n te re l e -va n te n o contexto bra sile iro –, pa ra p ôr e m de sta q u e u m se m n úm e ro d e e xp e rim e n tos cole tivos im p le m e n ta d os p e -los ca rismá ticos a o lon g o d e su a h istória . Sã o os g ru p os d e ora çã o, a s com u -n ida d es a lte r-n a tiva s, os ce-n tros te ológ i-cos, os ce ntros a d m in istra tivos virt u a i s , c e n t ros d e míd ia, em u ma forma çã o e m re d e q u e a tra ve ssa a s fron te ira s n ort e -a m e ric-an -a s t-a nto em fun ção d -a n ece ss i-d ai-d e i-d e coori-de nação i-de u m m ovim e n t o q u e , em fin s d a d é ca da d e 70, já se e x-p a n d ia mu n dia lm en te , com o em fun çã o d a b u sca d e re con h e cim e nto d a h ie ra r-q u ia d a Ig re ja C atólica.
A se g u n d a p a rte , in titu la d a “ H a b itu s a n d Pra ctice ” , é d e d ica d a a o d e se n -volvime n to d a te se d a corre la çã o e ntre ra d ica liza çã o do ca rism a e ritu a liza çã o d a p rá tica e m q u a tro d ife re n te s n íve is: n o te m p o cole tivo, n a vid a ritu a l, n a vi-d a vi-d om é stica e n a h istória p e ssoa l. Em te rm os d e te m p o cole tivo, o m ovim e n to ca rism á t ico n orte -a m e rica n o con tu iu -se in icia lm e n te u m ta n to con tra sti-va m e n te , te n d o os p e n te costa is com o r e fe rê n cia p rin cip a l. E n t re ta n t o, e m 197 5, n o con g re sso in te rn a cion a l co-n h e cid o com o “ Eco-n coco-n tro d e Rom a ” , a re ve la çã o p rofé tica d e q u e o m ovim e n t o ca rism á t ico se ria a p rin cip a l sa lv a g u a rd a d a Ig re ja C a tólica p a ra e n fre n -t a r a s a g ru ra s d os ú l-tim os -te m p os, n a m e d id a e m q u e o a va n ço e in te n sifica -çã o d a “ b a ta lh a e sp iritu a l” a ce n tu a va a n e ce ssid a d e d e re n ova çã o e sp iritu a l d a Ig re ja , g a n h ou fa m a . C om a re v e l a çã o, os ca rism á ticos p a ssa ra m a se re -con h e ce r com o “ os p r o t e t o re s e sp iri-tu a is d a Ig re ja C a tólica ” e , sin tom a ti-ca m e n te , a ssum ira m d e form a m a is n ítid a a n e ce ssid a d e d e a u t oorg a n i z a çã o. Se g u n d o C s o rd a s, a m e sm a d in â m ica t ra n sfo rm a tiva re p õe se e m ou
-tros n íve is. C la ra m e n te , n a con stitu içã o d a s comu n id a d e s loca is, on d e a lg u m a s in icia tiva s e sp a rsa s a ca b a m “ re c e b e n -d o” u m n om e p or re ve la çã o. J u n to com o n om e , o cole tivo p a ssa a se re c o n h e -ce r e m u m m e sm o a trib u to e m issã o comu m n ã o p or u m a me ra re la çã o d e re -p re se n ta çã o, ma s -p orq u e o n om e a te sta u m a p a rticip a çã o e m u m cole tivo in -corp ora d o.
Se a p rim e ira p a rte sit u a o m ovi-m e n to ca risovi-m á tico in stitu cion a lovi-m e n te e a se g u n d a a n a lisa a d in â m ica m icro s-sociológ ica d o m ovim e n to, n a te rc e i r a C s o rd a s con du z o le itor à s esp ecificida -d e s -d a p ro-d u çã o -d e se n ti-d o -d o m ovim e n to. Ce rta ovim e nte , n e sta s ú ltiovim a s p á -g in a s e n con tra m os a s p a ssa -g e n s m a is d e n sa s. Esp e cia lm e n te q u a n d o o p e s-q u isa d or a p re se n ta fra g m e n tos d os d iscu rsos d os n a tivos e m cola g e n s e ju sta -p osiçõe s in stig a n te s. Ta l com o n o jog o d e con tra ste s e n tre a s d ife re n te s p e r-ce p çõe s d os ca rism á ticos sob re a p rofecia , on d e o ce ticism o, a somb ra d a d ú -vid a , o re sp e ito, o te m or e a g ra tid ã o se con tra b a la n ça m , e m p osiçõe s d ife re n -cia d as se g u n do a tra je tória de cad a fie l, ou se e n tre ch oca m n o d e p oim e n to d e u m a m e sm a p e ssoa . O u a in d a , n a s e -q ü ê n cia d a s p rofe cia s, a m e tá fora d o s ca rism á ticos com o p rote çã o d a Ig r e j a C a tólica sofre u m a t ra n sform a çã o d a im a g e m d e u m m u ro se m e n tra d a s e sa íd a s p a ra u m a p rote çã o org â n ica d o tip o ce rca viva .
se u h a b itu s, su a tra d içã o, se u s im p líci-tos. O p rofeta, m u ita s ve ze s, n ão sa b e o qu e irá dize r – e le se p erce b e com o u m ca na l d e tra n sm issã o: “ It is a p a ra d oxi-ca l situ a t ion in w h ich th e sp e a k e r [o p ro fe t a ] is a t th e m o m e n t of sp e a k in g en me sh e d in a voice lon g pre ce d in g it-self, in w hich th e sp e a ke r sta nd s in the p a th of th e sp e e ch th a t p roce e d s fro m him , a n d in wh ich b e ca use of discou rse ‘I’ is n ot th e se lf, on e is a lre a d y on th e othe r side of d iscou rse – its ch a rism a tic sid e – sa fe from its fe a rsom e , d e vilish , or un can n y fea tu res” (:241).
C s o rd a s con clu i com d e se n voltu ra su a in te rp re ta çã o d o m ov im e n to ca ris-má tico, costu ra n d o com cu id a d o os a r-g u m e ntos le va n ta d os a o lonr-g o d a ob ra , d a n e ce ssá ria a rticu la çã o e n tre a n or-m a tiza çã o da prá tica , a d in â or-m ica ritu a l a ce n tu a d a e a p ossib ilid a d e d e p ro d u -çã o d e u ma d isposi-çã o corpora l e strita , re la cio n a d a q u e e stá com o sa g ra d o. C e rta m e n te , com su a in q u ie tu d e e orig in a lid a d e e le a b riu u m ca min h o p ro -missor p a ra se comp ree nd e r esses n ovos m ovim e n tos re lig iosos, m a s q u e , p a r a se r m e lh o r e xplora d o, e xig e d os p róxi-mos p e sq u isa dore s u m olh a r e tn og ráfi-co m a is d e tid o e e xp e rim e n ta l, a ssim com o u m a e scrita q u e n ã o se e n tre g u e à fá cil se d u çã o da virtuose sociológ ica .
D A S, Veena. 1995. Crit ical Event s: An Ant hropological Perspect ive on Con-te mporary In dia. New Delhi: Oxf ord Universit y Press. 230 pp.
Virginia Ve c c h i o l i
M e s tr a n d a , PPG AS -M N - UFRJ
Ao lon g o d e u m a in trod u çã o, se is ca p í tu los e u m e p ílog o , a a n trop ó log a in -d ia n a Ve e n a D a s a p re se n ta -n os u m olh a r re fle xivo sob re a s re la çõe s con
flita n te s e n tre o Esflita d o e d ive rsa s com u n id ad e s p olítica s d a Ín d ia con te m p orâ -n e a . M e d ia -n te a se le çã o d e u m co-n ju - n-to h e te rog ê n e o d e “ e ve n n-tos crít icos” , com o o d e sa stre in d u stria l d e Bh op a l, a Pa rtiçã o d a Ín d ia , a p rá tica d o sa crifício fe m in in o e n tre os h in d u s e o a p e lo a o e x e rcício d a violê n cia e n tre os milita n -te s Sik h , a a u tora p re t e n d e m ost ra r e c o m p re e n d e r a lg u m a s d a s ca te g or ia s n a tiva s qu e h oje sã o ce n tra is n a p olíti-ca in d ia n a – com o a s d e “vítim a ” , “ m e-m ória ” , “ tra d içã o” , “ h e rói” , “ h on ra ” , “sa crifício” e “ pu re za” –, n ão a p a rtir d e u m a p e rsp e ctiv a a b stra ta e d i st a n t e a c e rca d a s in ju stiça s d o siste m a , m a s sim d o sofrim e n to cotid ia n o d a s vítim a s d e sse s a con te cim e n tos.
A se le çã o d e sse con ju n to d e e ve n -tos viole n -tos n ã o é re su lta d o, se g u n d o a a u to ra , d e u m a a d e sã o a m od ism os te óricos. Em ve z d isso, d e riv a d e u m a i rru p çã o d a p róp ria violê n cia n o cotid ia n o cotid a socie cotid a cotid e in cotid ia n a , on cotid e con -ju n tos d e a tore s q u e le va va m a té e n tã o u m a v id a a n ôn im a su r g e m n a e s fe ra p ú b lica in te rp e la n d o o Esta d o p e -la s con se q ü ê n cia s d e u m sofr im e n to p e rce b id o com o “ re p e n t in o” e “ in e x-p licá ve l” . Com o mome n tos d e “ q u e b ra d o cotid ia n o” , e sse s e ve n tos p e rm i t e m e xp licita r a s tra n sform a çõe s ocorr i d a s n a s n oçõe s e n a s p rá t ica s d a p o lít ica con te m p orâ n e a , q u a n d o a s com u n id a -d e s, a o se con fro n t a re m com o Esta -d o, se con stitu e m com o a tore s p olíticos; e q u a n d o o Esta d o, a o re con h e ce r e ssa s com u n id a d e s com o “ vítim a s” , a ssu m e a re sp on sa b ilid a d e d e a tu a r “ e m fa vor” d e se u s in t e re sse s. Ta is e ve n tos re v e la m com cla re za q u e e sse e n con tro en -t re u m a ra cion a lid a d e b u rocrá -tica e os v a l o r e s e a s n oçõe s d a s co m u n id a d e s n ã o se re a liza rá livre d e con flitos.
-p a çã o d e e n te n d e r os con flitos q u e su rg e m d e sse e n con tro, ju n to com a s im -p lica çõe s te órica s e -p olítica s d a -p ró-p ria p rá tica d a s ciê n cia s socia is e m ca d a u m a d a s situ a çõe s a n a lisa d a s. Porq u e a e xp e riê n cia d a violê n cia n ã o som e n te i rrom p e n o cotid ia n o d a s vítim a s, m a s ta m b é m n a s p róp ria s con stru çõe s te óri-ca s q u e a s d iscip lin a s e la b ora m sob re o m u n d o socia l. M é tod os e n oçõe s tra d i-cion a is sã o n e ce ssa ria m e n te tra n sfor-m a d os. Afin a l, e sfor-m con te xtos n a cion a is p e rp a ssa d os p e la violê n cia , com o re -p rod u zir a m e tod olo gia q u e a a n tro -p olog ia d e se n v olve u n o e stu d o d e socie -d a -d e s -d e p e q u e n a e sca la ? Com o re c o-n h e ce r a s ca te g oria s d a p olít ica q u e sã o sig n ifica tiva s p a ra m ilh õe s d e p e s-s oa s-s? C om o d a r con ta d os-s p ro c e s-s s-s o s-s h istóricos q u e tra n sform a m e ssa s ca te -g oria s se m ca ir e m ilu sõe s tota liza n te s? Esse s q u e st ion a m e n tos se ju st ifi-ca m n ã o a p e n a s p o r ra zõe s te óriifi-ca s, m a s ta m b é m p olítica s. C on scie n te d a n ova “ vitim iza çã o” q u e a s te oria s ca u sa is e m on olítica s d a violê n cia p ro d u -ze m , a a u tora te n ta con st ru ir u m tip o d e n a rra tiva q u e p e rm ita “ re c u p e r a r ” a s voze s d a s vít im a s. É n a in te r se çã o e n tre os in te re sse s e m e stu d a r a violê n cia e p e n sa r a p olítica e m con te xtos n a -cion a is q u e o con ce ito d e “ e ve n tos críticos” a d q u ire se n tid o com o in stru m e n -to a n a lítico q u e a rticu la te oria , m e -tod o-log ia e p rod u çã o te xtu a l.
C ritica l Eve n ts é u m a “ e t n og ra fia e xp e rim e n ta l” d e u m a socie d a d e n a -cion a l. C on scie n te d a co n trib u içã o d e m u itos e st u d os p a r a a p rod u çã o ou a con va lid a çã o cie n tífica d e e ste re ó t i p o s n a cion a is, Ve e n a D a s e x p licita q u a is s ã o os p roce ssos d e ob je tiva çã o q u e e n g e n d ra ra m a s in te rp re ta çõe s d a Ín -d ia co m o “ e sse n cia lm e n te ” -d e sig u a l, t ra d icion a l e fu n d a m e n ta lista . Pa ra a a u tora , e ssa s im a g e n s n ã o sã o sim p le s “ ficçõe s” n a rra t iva s, m a s “ fa t os
so-cia is” q u e in te rvê m n a e sfe ra p ú b lica . Tom a r os a n trop ólog os com o “ a tore s” e su a s e tn og ra fia s com o “ in te rp re t a ç õ e s n a tiva s” é p a rte d o p rog ra m a d a a u tora p a r a d e sn a t u ra liza r o con h e cim e n to a n t ro p ológ ico, m ostra n d o su a a fin id a -d e com a s su p osiçõe s p róp ria s -d o m o-d e rn o Esta o-d o n a cion a l.
A e stra té g ia d e re corta r e sse s e ve n-tos a p a rtir d e se u s e m b a te s p ú b lico s p e rm ite in t e g ra r à n a rra tiva a s m ú lti-p la s voze s q u e lti-p a rticilti-p a m d a lti-p olítica , d e m od o q u e a Ín d ia n ã o p o ssa se r a p re se n ta d a com o u m a e n tid a d e ú n ica . O q u e e sse s e ve n tos, sim u lta n e a m e n te , e voca m é a d e stru içã o d o se n tid o d e in -te g rid a d e d o loca l e d o se n tid o d e h o-m og e n e id a d e d o n a cion a l. O ca rá te r “ ficcion a l” d o loca l co m o u n id a d e a u -to-su ficie nte se evid e n cia u m a ve z q u e a tota lid a d e d a s re la çõe s socia is n e ce s -sá ria s p a ra e n te n d ê -lo n ã o se e n con tra n o in te rior d a s com u n id a d e s. C om a e xp e riê n cia d o te rro r, o m u n d o lo ca l é tra n sform a d o, e a p e rce p çã o d os vín cu-los e n tre o loca l e o g lob a l p a ssa a se r u m a con d içã o d e in te lig ib ilid a d e ta n to p a ra os su je itos q u e sofre m ta l violê n cia com o p a ra o a n trop ólog o q u e p re -te n d e com p re e n d ê - l a .
Essa p e rsp e ctiv a d e scon stru t i v i s t a s o b re a n a çã o, o e sp a ço loca l e a violê n cia orie n ta o olh a r d e Ve e n a Da s p a -ra u m a re d e fin içã o d o tip o d e su je ito socia l. O s a tore s q u e h a b ita m C r it ic a l Eve n ts n ã o e stã o lig a d os a u m te rritório loca l e xclu siv o, m a s con st itu e m – n o se n tid o q u e Be n e d ict A n d e rson d á à e x p re ssã o – “ com u n id a d e s im a g in a -d a s” . Da -d a e sta q u a li-d a -d e , Ve e n a Da s loca liza se u e n con tro n o e sp a ço d a e s-fe ra p ú b lica . Rom a n ce s, d iscu rsos p a r-l a m e n t a re s, re r-la tórios m é d icos, ord e n s ju d icia is, e st u d os clín icos, n a rr a t i v a s fa m ilia re s, con fe rê n cia s cie n tífica s, m e m ória s e d iscu rsos p olíticos sã o os re -cu rsos a q u e a a u tora re c o rre rá n a con stru çã o d e sse s e ve n tos.
Critica l Eve n ts ta m b é m fa z re fe rê n cia a d ife r e n t e s m om e n to s sig n ific a t ivos n a h istória d a Ín d ia con te m p orâ -n e a . Sã o críticos p ois, com o re s u l t a d o d e sse s con flitos, su rg ira m n ova s form a s d e a çã o q u e re ssig n ifica ra m os se n tid os n a tivos d a p olítica e tra n sform a ra m a s id e n tid a d e s socia is. E isto p orq u e , a p a rtir d a p e rsp e ctiva d a a u to ra , a vio-lê n cia n ã o é som e n te de struiçã o. O so-frim e n to e a d or tê m se u p a p e l n a cria-çã o d e “ com u n id a d e s m ora is” . Ao e xi-g ire m ju stiça e a o se re la cion a re m com o siste m a b u rocrá tico e ju ríd ico d o Es-ta d o, Es-ta is com u n id a d e s sã o d e sloca d a s d o m u n d o p riva d o e “ cria d a s ” com o com u n id a d e s p olítica s.
O qu e C r it ica l Eve n ts p rete n de m os-tra r é e ssa te n sã o e n tre , d e u m la d o, a s te n t a tiv a s d o Esta d o d e con t rola r a id e n tid a d e d e se u s m e m b ros in scre -ve n d o-os n a ca te g oria d e “ vítim a s” e , d e ou tro, os e sforços d a s com u n id a d e s p a ra re sistir a e sse p od e r d iscip lin a d or. Ao e vid e n cia r e sse tip o d e a tor a n ôn i-m o e i-m situ a çõe s e xtre i-ma s, Ve e n a Da s re ve la , d e forma e xtre m a m e n te su g e s-tiva , a m a n e ira com o, p or m e io d e ssa op e ra çã o d e re con h e cim e n to, o Estad o
se a p rop ria d o sofrim e n to d e le s. E, a o fa zê -lo, con d u z e sse s m e sm os a tore s a u m a n ova violê n cia , su b m e te n d o-os à su a p róp ria lóg ica . P a ra d oxa lm e n te , me dia n te ta l op e ra ção, o Estad o conse -g u e le -g itim a r-se . N e ste p on to p a re c e e n c o n t r a r-se a força d e monstra tiva d es-ses “e ven tos críticos” .
O s con flitos d e sfra ld a d os e m to rn o d o Esta d o e d a com u n id a d e con stitu e m o le itm otiv d os d ife re n te s “ fra g m e n tos” q u e in te g ra m o livro. M a s, q u a n d o os e xp õe , a a u tora a fa sta -se d os a rg u m e n-tos re d u cion ista s q u e m a rca m a in te r-p re ta çã o d a Ín d ia e in scre ve a s o r-p osiçõe s e n tre tra d içã o e m od e rn id a d e , Es -ta d o e com u n id a d e , h in d u s e m u çu lm a n os n os d e b a te s lm a is a lm p los e ca -ros à t ra d içã o a n trop ológ ica – d iscu ssõe s com o a s q u e se re f e re m a o p lu ra -lism o le g a l, à con stru çã o d e h e g e m o-n ia s e sta ta is e co mu o-n a is e a os p ro c e s-sos cole tivos d e con stru çã o d a m e m ória e d o e sq u e cim e n to.
Critica l Eve n ts a p re se n ta -se , p or ú l-tim o, com o “ u m e xp e rim e n to p ós-m o-d e rn o com a form a o-d a e tn og ra fia ” . Por m e io d a fra g m e n ta çã o, te n ta le va r e m con ta a s im p lica çõe s q u e a con te m p ora n e id a d e e n g e n d ora n o te xto e tn og rá -fico, p orq u e a violê n cia q u e stion a n ã o som e n te a p róp ria con d içã o d a m od e r-n id a d e , m a s ta m b é m su a s form a s clá s-sica s d e re p re se n ta çã o. C r it ica l Eve n ts, com o solu çã o n a rra tiva , p re te n d e con -v e rt e r-se e m “ e sp e lh o” d a s ca ra cte rís-tica s d istin tiva s d o te rror.
-d a , m a s in te rp re ta -d a . Se os su je itos se c o n v e rte m e m vítim a s ju sta m e n te p o r n ã o p od e re m p rova r a a u te n ticid a d e d e se u s sofrim e n tos, a a n trop olog ia socia l p od e tra n sform a r-se e m u m a força “ cu-ra tiva ” a o p ossib ilita r q u e se e xp on h a su a voz e a o p rovoca r e m ou tros a e x-p e riê n cia d o sofrim e n to.
N o e n t a n t o, se a fra g m e n ta çã o d o re la to e m u m a su ce ssã o d e e ve n tos crí-ticos é u m a to d e com p rom isso é tico e p olítico p a ra com a s vítim a s, a re l a t i v i-za çã o d a violê n cia é su a con se q ü ê n cia trá g ica . Porqu e é som e n te a p a rtir d e s-ta p osiçã o q u e Da s p od e a firm a r q u e os e ve n tos vin cu la d os a u m d ivórcio ou à viola çã o e m m a ssa d e m u lh e re s sã o to-d os “ ig u a lm e n te to-d ra m á ticos” . C om o é p ossíve l e sta e q u ip a r a çã o, q u e in clu i e m ú lt im a in stâ n cia a s p r óp ria s ciê n cia s socia is? C om a con d içã o d e e xp u r -g a r a “ h istoricid a d e ” d os su ce ssiv os e ve n tos n a rra d os n o livro. É sob re e sta b a se q u e tod os os ca sos p a re ce m con -v e rt e r-se e m e xe m p los d e u ma m e sm a coisa : A Violê n cia .
Ao te nta r livra r-se d o e xotism o q u e tra d icion a lm e n te é a trib u íd o à Ín d ia , p a ra d oxalm en te a au tora h om og e n e iza a e xp e riê n cia d e sse s e ve n tos d ra m á ticos e os torn a e xótiticos. A e sse n cia liza -çã o d a violên cia ap a rece e xp osta e m to-d a a su a to-d im e n sã o a o re c o rre r a o p ro-p ósito d e alca n çar “ A Ve rda d e ” da s ví-tim a s. Esta e xiste som e n te se a s con si-d e r a rm os um a u n isi-da si-de , e se , e m última in stâ n cia , p en sa rm os com o ta l a s com u n id a d e s im a g in a d a s q u e h a b ita m a Ín -d ia con te m p orâ n e a . S ob ta is su p osi-çõe s, a p róp ria ca te g oria d e “ vítim a ” a p a re ce n a t u ra liza d a e a violê n cia é t r a n s f o rm ad a em u m “ ab soluto” porq u e o e spa ço qu e atra ve ssa o cam p o, o pe s-q u isa d or e a te oria é a e stra té g ia te xtua l e n ã o os p roce ssos con cre tos q u e con -d u ze m a su a irru p çã o. In scre ve r e sse s e ve n tos n o se u p roce sso h istórico p e
r-m itiria re con h e ce r ta r-m b é r-m os e sp a ços d e con ve rg ên cia e n e gociaçã o e ntre Es-ta do e com un ida d e, o qu e nos obrig a ria a tra ta r a categ oria d e “ vítim a” n ã o co-mo a lgo a b solu to, m as com o a su b sta n-cia liza çã o p rovisória d e u m p ro c e s s o c o n c re to d e d isp u ta socia l q u e re q u e r se r e xp licita d o e tn og ra fica m e n t e .
L I M A, Nísia Trindade. 1999. Um Sert ão Chamado Brasil: Int elect uais e Repre-sent ação Geográf ica da Ident idade N a-c i o n a l . Rio de Janeiro: Revan/ IUPERJ-UCAM . 232 pp.
Candice Vidal e Souza
Dou tor a n d a , PPG A S- M N -U FRJ
O p e n sa m e n to sob re o Bra sil org a n i -za d o e m torn o d a s re p re se n ta çõe s so-b re se rtã o e litora l é e xp lora d o n e ste tra b a lh o – te se p re m ia d a e m 1998 p e lo IUPERJ – com o p rop osiçõe s a ce rca d a n a cion a lid a d e , n a s q u a is se a rt i c u l a m refle xõe s sob re a id entida de dos in tele ctu a is loca is. A re c o n s t ru çã o d e u ma d u -ra d ou -ra t-ra d içã o d e e xcu rsõe s in te le c-tu ais com vistas a loca liza r, d e scre ve r e exp lica r o h ab ita nte d o inte rior a b ran ge te xtos d istrib uíd os e ntre a se gu n da m e -ta d e d o sé cu lo XIX , a s p rim e ira s trê s d é c a d a s d o sé cu lo XX e a sociolog ia un iversitá ria d ese n volvid a e ntre 1933 e 1964. O p e rson a g e m q ue rece b e os n o-m es d e sertan e jo, ca boclo ou caip ira foi ob je to d e a va lia çõe s positiva s e n eg a ti-va s, otim ista s e de sespe ran ça d a s. Pa ra a au tora , são essas figu raçõe s e seu s m a ti-ze s op in a tivos os ra stros a se g u ir p a ra e n con tra r m a trize s d o p e n sa m e n to so-cia l b ra sile iro e e n sa ia r p on tos d e vista i n o v a d o re s sob re a h istória d a e xp lica -çã o sociológica do Bra sil.