APELAÇÃO CÍVEL 1.515.665-5, DA VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES, INFÂNCIA E JUVENTUDE, ACIDENTES DO TRABALHO, REGISTROS PÚBLICOS E CORREGEDORIA DO FORO EXTRAJUDICIAL DO FORO REGIONAL DE CAMPO LARGO DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA.
APELANTE: JANDIRA FERREIRA DE MORAIS. RELATOR: DES. DALLA VECCHIA.
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO E RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. REGISTROS PÚBLICOS. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL E ANULAÇÃO DE ASSENTO DE
NASCIMENTO SUPOSTAMENTE EM DUPLICIDADE. QUESTÕES DE ALTA INDAGAÇÃO. ARTIGOS 109 E 110, DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS (LEI 6.015/1973). IMPOSSIBILIDADE DE SOLUÇÃO NA SEARA ADMINISTRATIVA. TUTELA JURISDICIONAL. NECESSIDADE. INTERESSE PROCESSUAL CONFIGURADO. SENTENÇA QUE DEVE SER CASSADA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA. ART. 515, §3.º, DO CPC/1973. IMPOSSIBILIDADE. FEITO QUE DEVE SER PROCESSADO E DEVIDAMENTE INSTRUÍDO NA ORIGEM. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA CASSADA.
1. Restando claro nos autos que os pleitos da inicial vão além de simples retificações registrais, requerendo a anulação de suposto registro em duplicidade, trata-se de questão de alta indagação de modo que é inegável a indispensabilidade da intervenção do Poder Judiciário para a solução do caso, conforme determina a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), em seus artigos 109 e 110.
2. Sendo a questão de alta indagação e inexistindo instrução do feito na origem, inaplicável a Teoria da Causa Madura (art. 515, §3.º, do CPC/1973).
3. Recurso conhecido e parcialmente provido, para cassar a sentença.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível 1.515.665-5, da Vara de Família e Sucessões, Infância e Juventude, Acidentes do Trabalho, Registros Públicos e Corregedoria do Foro Extrajudicial, sendo apelante Jandira Ferreira de Morais.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso interposto em face de sentença de mov. 12.1, proferida nos autos nominados “ação de anulação e retificação de registros civil”, a qual julgou extinto o processo sem resolução de mérito, por falta de interesse processual, nos moldes do art. 267, VI, do CPC/1973, sem condenação em custas.
Nas razões recursais (mov. 20.1), a apelante alega, em síntese, que: a) equivocamente foram lavrados dois registros de nascimento em seu nome; b) “[...] ao buscar o judiciário estava simplesmente exercendo sua garantia constitucional prevista no ordenamento jurídico pátrio, inclusive com observância da norma do art. 110, da Lei 6.015/1973 [...]”; c) tal decisão ofende o princípio da inafastabilidade da jurisdição; d) para realizar o cancelamento do segundo registro de nascimento, o único meio possível é a intervenção do Poder Judiciário; e) seja o feito julgado em segundo grau, com fundamento na Teoria da Causa Madura (art. 515, §3.º, do CPC/1973).
O recurso foi recebido em seu duplo efeito (mov. 22.1).
A d. Procuradoria Geral da Justiça apresentou parecer, manifestando-se pelo conhecimento e parcial provimento do recurso.
VOTO
Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.
Quanto à tempestividade do recurso, embora o ilustre representante do Ministério Público de primeiro grau, tenha se manifestado pela intempestividade do apelo, por entender que o benefício do prazo em dobro não se estender ao Departamento de Assistência Judiciária Municipal, entendo mais adequado o posicionamento da d. Procuradoria Geral de Justiça, que indica ser aplicável a supramencionada benesse.
Isso porque, o prazo em dobro concedido à defensoria pública, pretende viabilizar o serviço que esta presta, gratuito e em auxílio aos que não possuem recursos para tanto, em atenção ao contingente dos atendimentos e sua estrutura, consoante apontou o julgado colacionado pela PGJ em seu parecer (fl. 40-TJ1).
Logo, tempestivo o recurso, passo a análise do mérito.
Inicialmente, da detida análise do caderno processual, vê-se que a magistrada singular extinguiu o feito, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267, VI, do CPC/1973, pois entendeu ausente o interesse processual, fundamentando a desnecessidade de intervenção judicial para tanto.
Todavia, ao analisar o pedido e causa de pedir da autora, verifica-se que pretende esta além da retificação dos assentos de nascimento e casamento, também a anulação de um segundo registro de nascimento em seu nome.
Analisando os autos, vê-se que a autora colacionou ao caderno processual um registro de nascimento em nome de Jandira de Moraes, nascida em 29/1/1954, matrícula 1298170155.1954.1.00007.086.0001036.90, lavrado no Serviço Distrital de Balsa Nova/PR (mov. 1.6), e o segundo em nome de Jandira Ferreira de Moraes, nascida em 23/1/1956, matrícula
0817860155.1981.1.00002.201.0002004.41, lavrado no Registro Civil de Almirante Tamandaré (mov. 1.7).
Dessa forma, resta claro que a apelante requer, além das retificações registrais, a anulação de suposto registro em duplicidade, inegável a indispensabilidade da intervenção do Poder Judiciário para a solução do caso, conforme determina a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), em seus artigos 109 e 110. Registre-se:
“Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório.
Art. 110. Os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público”.
Destarte, da leitura dos supramencionados dispositivos legais, é possível extrair que ao Registrador Civil é autorizado apenas a correção de erros de grafia (art. 110), “erros que não exijam qualquer indagação”, de modo que, nos atos de maior complexidade, como é o caso da anulação do assento de nascimento, é indispensável o ajuizamento da ação competente.
Isso porque, a anulação do registro civil requer ampla produção probatória, pois intimamente ligada aos direitos de personalidade, e com reflexos diretos em questões mais complexas, como emissão de outros documentos, lavratura de casamento, entre outros impactos, consoante bem apontado pelo parecer do d. Procurador de Justiça (fl. 41-TJ), in verbis:
“In casu, tem-se como adequada a propositura da ação, na qual se tenha ampla participação do
Ministério Público e se passe pelo crivo do órgão jurisdicional. Além do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, neste caso não se revela cabível, muito menos prudente, que a alteração se desse diretamente em Cartório, até porque, como se mencionou, não se trata de mera correção de erro flagrante, mas de cancelamento de uma das certidões de nascimento que, inclusive, lastreou a elaboração de todos os documentos de identificação da apelante”.
Assim, considerando que o registro em duplicidade de um assento de nascimento trata-se, indubitavelmente, de questão de alta
indagação, requerendo, inclusive, ampla produção probatória, é cabível a demanda judicial para resolução da questão.
Nessa trajetória, sendo o caso de julgamento do mérito da ação, e não havendo na origem instrução processual suficiente a autorizar o julgamento do feito com base na Teoria da Causa Madura (art. 515, §3.º, do CPC/1973), deve ser cassada a sentença, para que o processo seja instruído e julgado na origem.
É como voto.
ACÓRDÃO
ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Magistrados integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso, para cassar a sentença, devolvendo o feito à origem, para seu devido processamento e instrução.
O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Ruy Muggiati, sem voto e dele participaram, acompanhando o voto do Excelentíssimo Senhor Relator, os Excelentíssimos Desembargadores Sigurd Roberto Bengtsson e Mário Nini Azzolini.
Sala de Sessões da Décima Primeira Câmara Cível, Curitiba, 22 de junho de 2016.
Des. Dalla Vecchia Relator