TASHLIN, Frank. Era urso? 3. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
Era Urso?
História original e ilustrações de FRANK TASHLIN Tradução de ESDRAS DO NASCIMENTO
Era uma vez um urso que gostava muito de passear pela floresta. Um dia ele olhou para o céu e viu um bando de gansos voando para as zonas mais quentes.
As folhas das árvores haviam amarelecido e começavam a cair.
O urso sabia que o inverno estava chegando. Quando os gansos voavam naquela direção e as folhas caíam das árvores, era sinal de vento e neve. Ele precisava arranjar uma toca para se esconder. E foi exatamente o que ele fez.
Dias depois, dezenas de homens entraram na floresta, carregando mapas enormes, binóculos e estranhos aparelhos. Andavam de um lado para o outro, faziam cálculos e pareciam muito ocupados.
Depois chegaram outros homens. Traziam imensas pás, tratores e serras elétricas. Derrubaram árvores, cavaram buracos e transportaram a terra retirada em gigantescos caminhões.
Trabalharam bastante. Mudaram tudo de lugar. Quem ali chegasse não reconhecia a antiga floresta.
Uma grande fábrica foi construída em cima da toca onde o urso dormia. As chaminés atravessavam a neve e soltavam fumaça para todos os lados.
E então chegou
a
O urso acordou, espreguiçou-se, coçou o nariz e bocejou. Ainda estava com muito sono.
Olhou em volta. A escuridão era grande, ele não podia ver quase nada. Lá adiante, o urso viu uma luz. Bocejou de novo e caminhou.
Subiu os degraus, chegou à porta da toca e parou de repente. O que era aquilo?
Onde estavam as árvores? Cadê os pássaros? E as flores? O que havia acontecido?
Aquilo tudo era muito esquisito. Ele não estava compreendendo nada.
Olhou para os lados, com nervosismo. O que eram aqueles enormes edifícios? E aquelas chaminés soltando fumaça?
O urso fechou e abriu os olhos várias vezes. Pensou que estava sonhando. Beliscou-se no braço. Não, não estava sonhando. Infelizmente aquilo tudo era verdade.
Um vigia aproximou-se:
___ Ei, você aí! Que está fazendo aqui no pátio? Vá trabalhar. ___ Trabalhar? Eu? Por quê? Não sou operário. Sou apenas um urso. ___ Urso? Essa é muito boa! Um urso! Ora veja!
O vigia soltou uma gargalhada.
___ Deixe de conversa fiada e vá trabalhar!
O vigia não estava brincando. Queria mesmo que o urso fosse trabalhar.
___ Olhe aqui! Ou você vai trabalhar agora mesmo, ou eu chamo o chefe. Troque de roupa, tome banho, faça a barba e vá trabalhar. Não quero gente suja aqui na fábrica.
___ Encontrei este operário lá fora. Ele está imundo.
Precisa trocar de roupa, fazer a barba e tomar banho. Mas ele está teimando que é um urso e não quer trabalhar.
___ Mas eu sou um urso. É verdade ___ disse o urso.
E foi levado ao gabinete do gerente. Não conseguiu convencê-lo de que era, de fato, um urso: ___ Deixe de conversa mole. Vá tomar banho, faça a barba e troque de roupa. Precisamos de você lá embaixo, na fábrica.
___ Mas eu sou um urso...
___ Então vamos falar com o diretor.
Na sala do diretor as secretárias olharam com espanto para o urso. O diretor levantou-se e apontou para ele:
___ Basta de brincadeira. Vá trabalhar, que é melhor.
Troque de roupa, faça a barba, tome banho e pare com essa mania de querer passar por urso.
O vice-presidente já sabia da história do urso e estava furioso: ___ Você não é urso coisa nenhuma. Vou levá-lo ao presidente.
___ Mas o senhor está enganado. Eu sou um urso de verdade. Nasci na floresta, sempre vivi por lá, o senhor precisa acreditar em mim.
A sala do presidente era muito bonita. Havia cortinas nas janelas e quadros pendurados nas paredes.
Atrás do urso, entraram na sala o vigia, o chefe, o gerente, o diretor e o vice-presidente. O urso apontou para trás:
___ Eu não queria vir, mas eles me trouxeram. Juro que sou um urso.
___ Calma, meu filho. Você está muito nervoso. Não precisa esconder nada. Sei que você não é um urso. Faça a barba, tome banho, troque de roupa e vá trabalhar.
___ Mas eu sou um urso!
O presidente fechou a cara:
___ Deixe de bobagem. Você não é um urso coisa nenhuma. E eu posso provar. Os ursos vivem nos circos e zoológicos, não vivem? Pois, então?
___ Mas eu sou um urso!
Entraram todos no carro do presidente e foram ao jardim zoológico.
Quando cegaram perto da jaula dos ursos, o presidente apontou para o urso e perguntou: ___ Ele é um urso ou não?
Um urso que estava dentro de uma jaula respondeu:
___ Claro que não. Se ele fosse urso estaria aqui dentro, com a gente. O urso reclamou:
___ Mas eu sou um urso!
Então, um filhote de urso aproximou-se das grades e gritou:
___ Você precisa de um banho. Troque de roupa e vá trabalhar, vagabundo!
O presidente botou todo mundo no carro outra vez e foram para a pracinha onde havia um circo.
___ Ele é o não é um urso? ___ perguntou o presidente aos animais do circo. Continuando a pedalar a bicicleta, um deles respondeu:
___ Mas é claro que não. Se ele fosse um urso estaria aqui dentro do picadeiro e não aí fora nas arquibancadas.
Um ursinho, que estava aprendendo a fazer acrobacias na bicicleta, equilibrou-se lá em cima e gritou:
___ Ele precisa deixar de ser bobo e parar com essa mania. Por que vocês não dão um banho nele?
O urso, o presidente, o vice-presidente, o diretor, o gerente, o chefe e o vigia
saíram do circo e voltaram à fábrica.
E puseram o urso a trabalhar numa grande máquina, ao lado dos operários. E vários meses se passaram...
Mas um dia a fábrica fechou. Os operários foram para casa. O urso não tinha casa, mulher, nem filhos, e não sabia para onde ir.
Caminhou horas e horas sem destino, até se cansar. Olhou, então para o céu. E viu um bando de gansos voando para os trópicos.
As folhas das árvores começavam a cair.
O urso sabia que os gansos voavam naquela direção e as folhas caíam das árvores apenas quando o inverno se aproximava.
Estava na hora de procurar uma toca para se enfurnar.
Lá adiante havia um buraco entre as raízes de uma grossa árvore.
O urso pensou em esconder-se por lá. Mas quando chegou perto, pensou:
“Eu não posso entrar nessa toca. Não sou urso. Sou apenas um homem preguiçoso, que precisa tomar banho, fazer a barba e trocar de roupa”.
Veio o inverno. A neve cobriu tudo. A floresta desapareceu embaixo dos flocos brancos. O urso tremia de frio. “Seu eu fosse um urso...”, pensou.
Sentado no chão, o urso batia o queixo e se encolhia. O frio aumentou. A neve começou a virar gelo. O urso ficou triste. Sozinho no meio da neve e do gelo, ele se lembrou com saudade do tempo em que trabalhava fábrica:
“Como era bom lá dentro... Tudo tão quentinho...”
O frio foi piorando cada vez mais. O urso levantou-se com dificuldade, afastou a neve em redor e caminhou para a toca. Lá na certa haveria calor.
Com dificuldade entrou na toca.
O urso deitou-se no fundo da toca. espreguiçou-se, bocejou, coçou a barriga. “Como está gostoso aqui dentro.”
De repente, assustado, lembrou-se do vigia, do chefe, do gerente, do diretor, do vice-presidente e do presidente:
“Todos eles diziam que eu não era um urso.
Achavam que eu era apenas um preguiçoso, que precisava tomar banho, fazer a barba e trocar de roupa. E agora?”
Deitou-se outra vez de costas, cochilou, dormiu e sonhou... ... que era um urso.