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O lugar dos mortos. Geografias móveis e os monumentos aos Mártires em Timor-Leste

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Movimentos, Espíritos

e Rituais

Gestões da Morte

em Cenários Transnacionais

Clara Saraiva

Simone Frangella

Irene Rodrigues

(organizadoras)

(6)

© Instituto de Ciências Sociais, 2017 Capa e concepção gráfica: João Segurado

Revisão: Levi Condinho

Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda. Depósito legal: 419758/16

1.ª edição: Dezembro de 2016

Instituto de Ciências Sociais — Catalogação na Publicação

Movimentos, espíritos e rituais : gestões da morte em cenários transnacionais / org. Clara Saraiva, Simone Frangela, Irene Rodrigues. -

Lisboa : Imprensa de Ciências Sociais, 2016. - ISBN 978-972-671-382-1

CDU 392

Imprensa de Ciências Sociais

Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

Av. Prof. Aníbal de Bettencourt, 9 1600-189 Lisboa – Portugal Telef. 21 780 47 00 – Fax 21 794 02 74

www.ics.ulisboa.pt/imprensa E-mail: imprensa@ics.ul.pt

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Índice

Os autores . . . 15 Prefácio . . . 23

João de Pina-Cabral

Introdução

Mobilidade e lugares da morte . . . 31

Clara Saraiva, Simone Frangella e Irene Rodrigues

Parte I

Morte: teorias em movimento

Capítulo 1

A morte e o que se lhe segue: a imobilização dos mortos

e a migração . . . 37

Maurice Bloch

Capítulo 2

A morte em movimento: uma abordagem teórica sobre a morte e suas possíveis implicações em contextos transnacionais . . . 51

Anastasios Panagiotopoulos

Capítulo 3

Corpos em falta e pertença entre os Manjaco:

ou o passado e o futuro de alguns costumes funerários

no contexto do cosmopolitismo . . . 71

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Parte II

Circulação transnacional de espíritos, corpos e rituais

Capítulo 4

«As folhas caídas regressam às raízes»: a invisibilidade da morte e a ideia de «casa» na política de enterro da migração chinesa . . . . 87

Irene Rodrigues

Capítulo 5

Os cemitérios e a diversidade. Expressões de organização

do património religioso funerário em Espanha . . . 105

Sol Tarrés e Jordi Moreras

Capítulo 6

Pessoa, morte e género entre Lisboa e Dhaka . . . 129

José Mapril

Capítulo 7

A visibilidade da morte em Portugal no quadro das migrações

transatlânticas e intraeuropeias . . . 149

Maria Beatriz Rocha-Trindade

Parte III

Morte, migração e saúde

Capítulo 8

Viver a morte em Portugal: atitudes de portugueses e diferentes grupos de imigrantes face à morte . . . 173

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Capítulo 9

A morte em várias línguas: principais causas de morte e procedimentos de transporte de cadáveres em Portugal – análise focada em imigrantes do Bangladesh, Brasil, China,

Cabo Verde e Guiné-Bissau . . . 207

Andreia Jorge Silva, Joana Ferreira Duarte, Violeta Alarcão e Clara Saraiva

Parte IV

O lugar e os lugares da morte

Capítulo 10

Encontros com a morte no Noroeste . . . 235

António Medeiros

Capítulo 11

«Não vão lá com flores»: as mortes não-evidentes na migração . . 251

Ottavia Salvador

Capítulo 12

O lugar dos mortos: geografias móveis e os monumentos

aos mártires em Timor-Leste . . . 269

Rui Graça Feijó e Susana de Matos Viegas

Posfácio . . . 291

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Índice de quadros, gráficos e figuras

Quadros

4.1 Evolução do número de óbitos de cidadãos chineses comparando com o total da população chinesa residente em Portugal,

entre 2008 e 2014 . . . 91 4.2 Comparação do número de óbitos de cidadãos chineses com outros

grupos populacionais estrangeiros em Portugal no ano de 2012 . . . . 91 8.1 Características sociodemográficas dos participantes por país

de origem . . . 180 8.2 Autoavaliação da qualidade de vida e da saúde mental por país

de origem . . . 187 8.3 Atitudes perante a morte por país de origem . . . 190 8.4 Atitudes perante a morte e processo de morte por país de origem . . 192 8.5 Caracterização da Escala de Ansiedade perante a Morte (DAS)

por país de origem . . . 196 8.6 Associação não-ajustada e ajustada entre a ansiedade perante

a morte e as características sociodemográficas, de saúde e atitudes perante a morte . . . 201

Gráficos

8.1 Distribuição por país de origem segundo o sexo (%) . . . 179 8.2 Distribuição por país de origem segundo o grupo etário (%) . . . 179 8.3 Distribuição por país de origem segundo o estado civil (%) . . . 184 8.4 Distribuição por país de origem segundo o grau de escolaridade (%) . 184 8.5 Distribuição por país de origem segundo o tempo de residência

em Portugal (média e desvio-padrão) . . . 185 8.6 Distribuição por país de origem segundo ter ou não uma religião (%) 185

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8.7 Distribuição por país de origem segundo a religião (%) . . . 186 8.8 Atitudes face à morte por país de origem: doação de órgãos,

eutanásia, suporte de vida (%) . . . 188 8.9 Em que país preferiria morrer, por país de origem (%) . . . 188 8.10 Em que circunstância preferiria morrer, por país de origem (%) . . . 189 8.11 O que desejaria que acontecesse ao corpo, por país de origem (%) . . 194 8.12 Atitudes face à morte por país de origem: cerimónia de preparação do corpo e cerimónia fúnebre (%) . . . 194 8.13 Distribuição por país de origem da Death Anxiety Scale

(média e desvio-padrão) . . . 195 9.1 População imigrante residente em Portugal por principais

nacionalidades em 2011 . . . 208 9.2 Distribuição do número total de óbitos em Portugal, por naturalidade,

grupo etário e ano do óbito no período de 2008-2013 . . . 220 9.3 Distribuição do número total de óbitos de cidadãos residentes

em Portugal ocorrido no país de naturalidade, por naturalidade,

grupo etário e ano do óbito no período de 2008-2013 . . . 221 9.4 Distribuição do número total de óbitos em Portugal por país

de nascimento e por sexo no período de 2008 a 2013 . . . 222 9.5 Distribuição das principais causas de morte em Portugal

de naturais do Brasil no período de 2009 a 2011 . . . 223 9.6 Distribuição das principais causas de morte em Portugal de naturais

da China no período de 2009 a 2011 . . . 224 9.7 Distribuição das principais causas de morte em Portugal de naturais de Cabo Verde no período de 2009 a 2011 . . . 225 9.8 Distribuição das principais causas de morte em Portugal de naturais da Guiné-Bissau no período de 2009 a 2011 . . . 226 9.9 Taxa de mortalidade da população imigrante residente em Portugal por país, em 2010 e 2011 . . . 227

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Figuras

5.1 Igreja anglicana de Saint George, antiga capela funerária . . . 116

5.2 Interior do cemitério inglês de Málaga . . . 116

5.3 Entrada do cemitério de Barcia . . . 121

5.4 Turistas visitando o interior do cemitério mouro de Barcia . . . 121

5.5 Nichos no sexto departamento . . . 126

5.6 Lápides (matzeva) de defuntos judeus . . . 126

7.1 Plano de funeral IRMAF (Rio de Janeiro, Brasil) . . . 153

7.2 Residências funerárias Alfred Dallaire (Montreal, Canadá) . . . 153

7.3 Agência funerária Amadeu Andrade & Filhos, Lda. (Castro Daire, Viseu . . . 153

7.4 Agência Funerária do Terreiro, Lda. (Penacova, Coimbra) . . . 153

7.5 Pompes Funèbres, E. F. G. (Paris, França) . . . 153

7.6 Lápide aposta em campa do cemitério de Santa Bárbara de Nexe, Faro. Leia-se: «Ganhei com a liberdade/Meu regresso a Portugal» . 154 7.7 Placa que refere os laços familiares e emocionais com um neto imigrado na Argentina. Cemitério de Santa Bárbara de Nexe, Faro . . 154

7.8 Mausoléu da família Mendes de Oliveira Castro, cemitério de Fafe, Braga . . . 156

7.9 Estátua do conde de Ferreira, cemitério de Agramonte, Porto . . . . 158

7.10 Jazigo de Adriano Costa Ramalho, cemitério de Agramonte, Porto, e detalhes das estátuas que fazem alusão ao comércio, à agricultura, à Europa e ao Brasil . . . 160

7.11 Mausoléu em estilo neoclássico, dos condes de Santiago de Lobão, cemitério de Agramonte, Porto, e detalhe da porta de entrada . . . . 161

7.12 Campas no cemitério de Queiriga, Viseu . . . 162

7.13 Estátuas do comendador Agostinho Rodrigues Valgode e de Joaquim Sobrinho, no jardim público de Santa Cruz da Trapa, São Pedro do Sul, Viseu . . . 163

7.14 Jazigo de José d’Almeida, junto à Igreja de São Cristóvão de Lafões, São Pedro do Sul, Viseu . . . 164

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7.15 Campa de Rosa Noivo, oferecida pelo seu filho residente no Brasil, cemitério de Mira de Aire, Porto de Mós, Leiria . . . 164 7.16 Campa no cemitério de Santa Bárbara de Nexe, Faro. Detalhes

da ligação a França. Leia-se: «Ses Amis», «Association CS Portugais de Caen» . . . 165 7.17 Jazigo de conde da Trindade, cemitério de Agramonte, Porto . . . . 168 7.18 Campa no cemitério de Santa Bárbara de Nexe, Faro . . . 168 7.19 Campa no cemitério de Santa Bárbara de Nexe, Faro . . . 168 7.20 Campa no cemitério de Santa Cruz da Trapa, São Pedro do Sul . . 168

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Os autores

Anastasios Panagiotopoulos fez a sua licenciatura no Departamento

de Sociologia na Universidade de Creta, Grécia, em 2003. Em seguida obteve o grau de mestrado (disciplinas) em 2004, outro grau de mestrado (Pesquisa) em 2006 e o grau de doutoramento em 2011, todos no De-partamento de Antropologia Social da Universidade de Edimburgo. A sua tese de doutoramento baseou-se em investigação etnográfica rea-lizada entre 2006 e 2007 em Havana, Cuba, sobre o papel da adivinhação nas tradições religiosas afro-cubanas. Atualmente é investigador de pós--doutoramento no CRIA-FCSH, Universidade Nova de Lisboa, e está a trabalhar sobre temas relacionados ao seu doutoramento, assim como com a relação entre religiosidade afro-cubana e política socialista cubana.

Andreia Jorge Silva é doutorada pela Universidade Católica

Portu-guesa, 2013; mestre em Saúde Pública, na especialização de Política e Administração de Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública da Univer-sidade Nova de Lisboa, 2004, e licenciada em Enfermagem, pela Escola Superior de Saúde de Portalegre do Instituto Politécnico de Portalegre, 2000. É professora adjunta da Escola Superior de Saúde de Portalegre do Instituto Politécnico de Portalegre desde 2009, diretora de Serviços de Prevenção da Doença e Promoção da Saúde, desde 2014 e investigadora do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Univer-sidade de Lisboa.

António Medeiros, doutor em Antropologia pelo ISCTE-IUL (2003),

é professor auxiliar do Departamento de Antropologia, ISCTE-IUL. Mi-nistrou cadeiras em História e Teoria Antropológica, Métodos Biográfi-cos, Estudos Mediterrâneos, Património Imaterial, Antropologia Visual, Nacionalismo e Etnicidade. Publicação recente: Two Sides of One River:

Nationalism and Ethnography in Galicia and Portugal. Nova Iorque e

Ox-ford: Berghahn Books.

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Clara Saraiva é antropóloga, investigadora auxiliar do Centro de

Es-tudos Comparatistas (CEC) da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, colaboradora do Centro em Rede de Investigação em Antropo-logia (CRIA-FCSH) e docente convidada no Departamento de Antro-pologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde leciona a cadeira de Antropologia da Religião. Foi também professora convidada na Brown University (EUA), em 2001--2001 e 2008 e na University of California-Berkeley em 2013. Especiali-zada na área de Antropologia da Religião e do Ritual, tem pesquisa sobre as conceções da morte e os rituais funerários em diversos contextos cul-turais – Estados Unidos, Portugal, Cabo Verde e Guiné-Bissau, e dirigiu o projeto FCT «A invisibilidade da morte entre as populações migrantes em Portugal». Desde 2004 trabalha sobre transnacionalismo religioso e a expansão das religiões afro-brasileiras em Portugal, com trabalho de campo em Portugal e no Brasil. Tem várias publicações em revistas na-cionais e estrangeiras sobre a temática da morte, migrações, religiões e terapias transnacionais. É presidente da Associação Portuguesa de An-tropologia (APA), vice-presidente do SIEF (International Society for Eth-nology and Folklore) e membro da Ethics Task Force of the World Coun-cil of Anthropological Associations (WCAA).

Elisa Lopes, licenciada em Psicologia, é investigadora na Unidade de

Epidemiologia do Instituto de Medicina Preventiva e Saúde Pública da Faculdade de Medicina em Lisboa desde 2008. Tem como principais fun-ções a gestão de vários projetos de investigação e a coordenação de está-gios, nomeadamente em projetos dos cuidados de saúde primários e/ou com população migrante. Encontra-se a realizar o mestrado em Epide-miologia e as suas áreas de interesse são a saúde mental e a psicologia da saúde, em ligação direta com a epidemiologia.

Eric Gable, professor de Antropologia, obteve o grau de

doutora-mento em Antropologia (1990) na Universidade da Virgínia. Realizou pesquisa de terreno na Guiné-Bissau, em Sulawesi, Indonésia, em Williams burg, e em Monticello, USA. É autor de Anthropology and

Ega-litarianism (2011) e co-autor de The New History in an Old Museum: Creating the Past at Colonial Williamsburg (1997). Tem artigos publicados em várias

revistas, incluindo American Anthropology, Journal of American History,

American Ethnologist, e Cultural Anthropology. É editor parecerista da Ame-rican Ethnologist, diretor de edição do Museum and Society, e antigo

mem-bro do conselho editorial da Cultural Anthropology. É especialista em

es-Movimentos, Espíritos e Rituais

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de recolha e tratamento dos mesmos, pela coordenação operacional de ferramentas online da unidade e também pelo apoio à gestão informática e financeira. Com formação especializada na área da psicoterapia, de-sempenha as funções de psicólogo clínico em contexto de internamento e consultório privado.

Irene Rodrigues é doutorada em Antropologia pelo Instituto de

Ciên-cias Sociais da Universidade de Lisboa (2013) com uma tese sobre mi-gração chinesa em Portugal. Tem trabalhado sobre mimi-gração chinesa, fo-cando os aspetos do género, da simbologia do dinheiro e do consumo, e mais recentemente sobre migração chinesa e a gestão transnacional da morte. Entre 1999 e 2001 estudou língua e cultura chinesas na Universi-dade de Línguas e Culturas de Pequim como bolseira do Instituto Ca-mões e do governo chinês. É coguionista do documentário sobre migra-ção chinesa em Portugal Nós, os Chineses produzido pela Livremeio para a RTP (2013). Atualmente é professora auxiliar do ISCSP-ULisboa, onde lecciona desde 2001.

Joana Ferreira Duarte, nascida a 8 de março de 1992 no Hospital

Gar-cia de Orta em Almada onde atualmente exerce funções de Enfermeira de Cuidados Gerais no Serviço de Medicina I. Licenciada em Enferma-gem pela Escola Superior de EnfermaEnferma-gem de Lisboa onde ganhou duas bolsas de mérito de segunda e primeira melhor médias referentes ao se-gundo e quarto anos do CLE. Iniciou funções num lar geriátrico em 2014 onde permaneceu cerca de três meses, tendo posteriormente de-senvolvido funções numa Unidade de Cuidados Continuados Integrados de Longa e Média Duração da Liga de Amigos do Hospital Garcia de Orta em Almada onde esteve cerca de nove meses até saída para o meio hospitalar. Colabora com o Departamento de Prevenção da Doença e Promoção da Saúde da Direção-Geral da Saúde desde 2014.

João de Pina-Cabral é professor de Antropologia Social, Escola de

Antropologia e Conservação, Universidade de Kent, Canterbury, Reino

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Unido. É investigador coordenador no ICS- ULisboa. Foi professor vi-sitante em várias universidades no Brasil, em Espanha, Moçambique, Macau e Estados Unidos da América. Foi presidente fundador da Asso-ciação Portuguesa de Antropologia e foi membro fundador, secretário (1995-1997) e presidente (2003-2005) da Associação Europeia de Antro-pólogos Sociais. Entre 1997 e 2004 foi presidente do Conselho Cientí-fico do Instituto de Ciências Sociais, tendo dirigido a transformação do ICS em Laboratório Associado. Foi Malinowski Memorial Lecturer (London School of Economics and Political Science, 1992); Distinguis-hed Speaker (Society for the Anthropology of Europe, AAA, 1992); Stir-ling Memorial Lecturer (University of Kent, UK, 2003); Oração de Sa-piência (Universidade de Lisboa 1999); Aula Ernesto Veiga de Oliveira (ISCTE 2006); e proferiu as palestras inaugurais do Programa de Pós--Graduação em Antropologia Social da UNICAMP (Brasil, 2006) e do Mestrado em Antropologia Social da Universidade de Barcelona (2007). A sua vasta obra trata em particular das relações entre o pensamento simbólico e o poder; a pessoa e o parentesco numa perspectiva compa-rativa; e a etnicidade em contextos pós-coloniais. O seu primeiro traba-lho etnográfico foi sobre a sociedade rural do Alto Minho. Em seguida, desenvolveu vários projetos de estudo sobre a família no Sul da Europa abordada de uma perspetiva comparativa. Na década de 90, prolongou o seu interesse nestas questões para abordar a relação entre família e et-nicidade entre os euro-asiáticos de Macau. Tendo escrito vários ensaios sobre a transição pós-colonial em Moçambique, decidiu na década de 2000 dedicar-se ao estudo da relação entre pessoa e nomes na Bahia; tendo realizado trabalho de campo no Baixo Sul da Bahia. É membro honorário da Associação Europeia de Antropólogos Sociais e do Royal Anthropological Institute e membro correspondente da Real Academia de Ciências Morais e Politicas de Madrid e da Academia de Ciências de Lisboa.

Jordi Moreras é professor de Antropologia Social na Faculdade de

Hu-manidades da Universidade Rovira i Virgili (Tarragona, Espanha). Os seus tópicos de pesquisa são os imãs e a autoridade religiosa e a antropologia dos muçulmanos em Espanha e na Europa. É autor de Musulmanes en

Bar-celona (1999), Imams de Catalunya (2007), Musulmans a Catalunya. Radiografia d’un islam implantat (2008) e Garantes de la tradición. Expresiones de autoridad religiosa islámica en Cataluña (2009). É coautor, com Sol Tarrés, de Guia para la gestión de la diversidad religiosa en cementerios y servicios funerarios (2013).

Movimentos, Espíritos e Rituais

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importa destacar o volume editado na Palgrave, juntamente com Ruy Blanes, Erin Wilson e Emerson Giumbelli, intitulado Secularisms in a Post

Secular Age? Religiosities and subjectivities in a comparative perspective, e que

se encontra no prelo.

Maria Beatriz Rocha-Trindade, socióloga, é doutorada pela

Universi-dade de Paris V (Sorbonne) e Agregada pela UniversiUniversi-dade Nova de Lisboa (FCSH). É professora catedrática na Universidade Aberta, onde fundou (1994) o Centro de Estudos das Migrações e das Relações Inter -culturais/CEMRI, Unidade de I&D da Fundação para a Ciência e a Tec-nologia, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. É con-sultora científica do Museu da Emigração e das Comunidades de Fafe. Introduziu em Portugal o ensino da Sociologia das Migrações (Universi-dade Católica, no Curso de Teologia, 1994; a partir de 1996, na Univer-sidade Aberta, a nível de licenciatura e de mestrado). É autora de uma vasta bibliografia sobre matérias relacionadas com as migrações e é cola-boradora habitual e parcerista de revistas científicas internacionais neste domínio. É membro de diversas organizações científicas portuguesas e estrangeiras, designadamente, da Comissão Científica da Cátedra UNESCO sobre Migrações, da Universidade de Santiago de Compostela, Galiza. Recebeu a Medalha de Mérito do Município de Fafe e foi distin-guida pelo Comité National Français en Hommage à Aristides de Sousa Mendes (Hendaye, 2012) pelo seu pioneirismo na investigação da emi-gração. Ainda, pela Obra Católica Portuguesa das Migrações/OCPM (Lis-boa, 2012) pela vida de trabalho académico sobre migrações, pelo empe-nho na causa dos migrantes e pela colaboração voluntária e generosa com a OCPM. É titular da Ordre National du Mérite, de França, com o grau de Chevalier e da Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública, de Portugal.

Maurice Bloch obteve a sua formação na London School of

Econo-mics e na Universidade de Cambridge. Realizou investigação de terreno entre os cultivadores de arroz e agricultores sazonais em Madagáscar, e

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em outras partes do mundo, incluindo o Japão. Em parte devido à sua experiência francesa, Bloch combina abordagens britânicas e francesas e foi instrumental na introdução do renascimento da teoria marxista fran-cesa para os antropólogos britânicos. Os seus interesses focaram-se na noção de ideologia, e escreveu também sobre ritual e linguagem. Atual-mente é professor emérito da LSE e trabalha na relação entre as desco-bertas da psicologia cognitiva com a antropologia. Maurice Bloch lecio-nou nos EUA, em França e na Suécia, e é membro da Academia Britânica.

Ottavia Salvador é assistente de pesquisa no Laboratório para Pesquisa

Social (Ca’ Foscari University of Venice). Nos últimos dois anos, tem es-tado envolvida no projeto de pesquisa «Reunificação familiar, género, direitos estratificados. Práticas e estratégias de género para a reconstrução da cidadania», financiado pelo Ministério da Educação, Universidade e Pesquisa Italiano (PRIN 2009).

Rui Graça Feijó (D.Phil Oxon, 1984) é investigador associado do

Cen-tro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Os seus interesses de investigação prendem-se com sistemas de governo, processos de de-mocratização e teoria democrática, tendo usado como campo empírico o caso de Timor-Leste, país que tem acompanhado de perto na última década. Publicou o livro Timor-Leste: Paisagem Tropical com Gente Dentro (Lisboa 2006), bem assim como numerosos capítulos de livros e artigos em revistas da especialidade. Salientam-se os mais recentes: «Semi-presi-dentialism and the consolidation of democracy» (eds. Michael Leach e Damien Kingsbury, The Politics of TimorLeste Ithaca, NY, Cornell South -east Asia Programme, 2013); «Semi-presidentialism, moderating power and inclusive governance» (Democratization, 2013) e «Elections, Indepen-dence, Democracy: The 2012 Timorese Electoral Cycle in Context»

(Jour-nal of Current Southeast Asian Affairs, 2013). Autor de várias entradas sobre

Timor-Leste para o Dicionário do 25 de Abril (no prelo).

Rui Simões, licenciado em Biologia e mestre em Bioestatística, tem

vindo a colaborar com a Unidade de Epidemiologia do Instituto de Me-dicina Preventiva e Saúde Pública da Universidade de Lisboa desde 2011. As suas principais funções são a análise estatística, revisão e validação de bases de dados, escrita e revisão de conteúdos relacionados com a esta-tística e o acompanhamento de alunos e estagiários. Após cerca de quatro anos a trabalhar em institutos de investigação na área da Epidemiologia

Movimentos, Espíritos e Rituais

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vestiga também as mobilidades transnacionais, os fenómenos migratórios e suas dinâmicas sociais e simbólicas, tendo como recorte empírico a mi-gração brasileira. A pesquisa mais recente debruça-se sobre as construções de territorialidades urbanas, as pertenças territoriais, as relações geracio-nais e de convivialidade. Publicou o livro Corpos Urbanos Errantes: Uma

Etnografia da Corporalidade de Moradores de Rua em São Paulo. São Paulo:

Annablume, Fapesp, 2010.

Sol Tarrés é professora de Antropologia Social na Faculdade de

Hu-manidades na Universidade de Huelva (Espanha). Os seus temas de pes-quisa são o pluralismo religioso, com especial atenção à religiosidade is-lâmica na Europa, a herança cultural das minorias religiosas em Espanha e os rituais funerários. É autora de muitos trabalhos, incluindo artigos em revistas científicas e em obras coletivas. As suas últimas contribuições são ¿Y (tú) de quién eres? Minorías religiosas en Andalucía (coautoria, 2010),

Les cimetières islamiques en Espagne: des lieux d’altérité (coautoria, 2012) e En-cuentros. Diversidad religiosa en Ceuta y en Melilla (2013).

Susana de Matos Viegas é antropóloga, investigadora no

ICS-ULis-boa. Fez o doutoramento (2003) em Antropologia na Universidade de Coimbra onde foi docente entre 1989 e 2006. É membro eleito da Dire-ção da AssociaDire-ção Internacional de Ciências Sociais e Humanas em Lín-gua Portuguesa, membro do Conselho Editorial da revista Cadernos de

Ciências Humanas (Brasil), dos Conselhos Científicos da revista Educação em Foco – Brasil (desde 2013) e da National Geographic-Portugal (desde

2001). Tem como interesses de pesquisa os estudos ameríndios (princi-palmente Tupi), pessoa, parentesco e género, experiência vivida e suas his-toricidades. Desde 1997 faz pesquisa entre os Tupinambá de Olivença no Sul da Bahia, tendo coordenado o Relatório Circunstanciado de Identificação

da Terra Indígena Tupinambá de Olivença (FUNAI 2009). Atualmente

desen-volve pesquisa também entre os Fataluku em Timor-Leste, sobre reconfi-gurações e coabitações, espaço, territorialidades e historicidades,

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se no estudo dos túmulos na região de Lautém. Entre as publicações des-taca-se o livro Terra Calada: Os Tupinambá na Mata Atlântica do Sul da Bahia 7Letras e Almedina (2007).

Violeta Alarcão, PhD em Sociologia, ORCID é socióloga e

investi-gadora da Unidade de Epidemiologia do Instituto de Medicina Preven-tiva e Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Lisboa desde 2004. Além da sua experiência em investigação clínica e epidemiológica, tem trabalhado como socióloga da saúde, tendo concluído recentemente o doutoramento em Sociologia pelo ISCTE-IUL, numa área particular-mente inovadora na interligação da sociologia com a saúde. Entre os seus interesses de investigação destacam-se, por um lado, o género e a sexualidade, e por outro, as migrações e a saúde.

Movimentos, Espíritos e Rituais

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O lugar dos mortos: geografias

móveis e os monumentos

aos mártires em Timor-Leste

Em 2012, quando iniciámos o trabalho de campo em Timor-Leste, presenciámos o início de uma expedição em busca dos restos mortais de parentes enterrados nas montanhas do Matebian. Vários homens de ca-tana na mão e uma atitude corporal de distanciamento e até belicosidade juntavam-se na povoação de Chai na região de Loré, onde habitantes de aldeias inteiras se refugiaram fora dos povoados, nas montanhas, no pe-ríodo da ocupação indonésia. A imagem desta expedição nunca mais nos deixou, marcando a tensão e a ambivalência da paz e da guerra que a presença dos mortos pode causar na vida timorense.1

O nosso primeiro assistente de campo, Abílio, que estava connosco quando passámos em Chai em 2012, comentou nessa altura que a dis-persão dos restos mortais dos parentes mortos não viabilizaria a paz entre os timorenses:

Muitos regressaram do Matebian para cá, mas os guerrilheiros ficaram lá na mesma, no mesmo sítio e abandonados em todo o Timor-Leste. Depois, alguns morreram lá, porque eles acompanharam os seus companheiros. Mor-reram. Alguns enterraram, alguns puseram nas cavernas. Depois no

mo-269

1 O presente capítulo insere-se no projeto de investigação que ambos temos

desen-volvido intitulado «Co-habitações: dinâmicas de poder em Lautém (Timor-Leste)», fi-nanciado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT PTDC/CS-ANT/118150/ 2010). O trabalho de campo beneficiou igualmente de apoios da Fundação Oriente em Díli e da Secretaria de Estado da Cultura da República Democrática de Timor-Leste. Ao longo destes anos contámos com a colaboração de Abílio do Santos Tilman (primeiro nas funções de delegado local da Secretaria de Estado da Cultura e depois como nosso assistente de campo) e, após o seu triste falecimento em 2013, de Mestre Justino Valentim e de Gil dos Santos. O nosso ensaio é dedicado à saudosa memória de Mestre Justino Valentim que faleceu tragicamente em 2014.

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mento da independência total – como na cultura de Timor não pode deixar os ossos dos parentes em todo o lado – então tiveram que procurar os seus... Os ossos da sua família. E vão enterrar lá perto da casa ou lá no cemitério [Abílio, julho 2012].

A opção entre enterrar «lá perto de casa ou lá no cemitério» envolve uma decisão sobre a fixação dos mortos que em nada é simples para os timorenses. O próprio Abílio tinha um filho que morrera no período da ocupação indonésia e fora enterrado exatamente à porta de sua casa, en-quanto outros membros da família ficaram num cemitério usado por vá-rias povoações contíguas, entre elas aquela de onde a sua família se ori-gina e onde tem proeminência política e direitos reconhecidos de ocupação e usufruto de terra. Foi nesse cemitério que a família o sepultou quando faleceu em 2013. A necessidade de fixar numa cartografia de mártires os túmulos dos que morreram e foram enterrados ou simples-mente desapareceram tem sido tida sucessivasimples-mente como mais e mais urgente para os timorenses, englobando dimensões múltiplas das suas vidas presentes e futuras.

A dispersão pelo território dos parentes falecidos, por vezes em locais inviáveis de serem determinados, foi sentida como um mal-estar a resol-ver logo após a saída dos indonésios do território. Após a independência em 2002, ao realojamento dos cerca de 150 000 timorenses vivos que se estima terem sido deslocados durante o período da ocupação indonésia, foi-se somando o «realojamento» dos mortos e o arranjo e rearranjo dos seus túmulos. De facto, os trabalhos mais consistentes sobre os processos timorenses de lidar com a situação pós-conflito têm mostrado que a re-cuperação da paz implica garantir que a relação dos que sobreviveram com os que morreram esteja apaziguada, e tal atinge-se, em primeiro lugar, encontrando o lugar certo e a forma adequada de enterrar um morto (Loch e Prueller 2011, 320).

Assim, por um lado, como disse um timorense em conversa com a an-tropóloga Janet Gunter (2016), «sem paz não se pode fazer o enterro» – assim verbalizando o sentimento de que não foi possível fazer as devidas cerimónias mortuárias durante o período da vigência da ocupação indo-nésia e menos ainda aos que haviam sido abatidos e enterrados nas mon-tanhas. Por outro lado, no entanto, poderemos parafrasear esse timorense anónimo e afirmar que, em Timor-Leste, sem um enterro digno não pode haver paz e que, portanto, os esforços para construir uma paz duradoura passam necessariamente pelo culto prestado aos que tombaram na luta, a quem deve ser dada a morada definitiva, ou tratar de novo aquelas

se-Movimentos, Espíritos e Rituais

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meiro-ministro, um programa diversificado de atendimento e homena-gem aos mártires veio a desenvolver-se. Emergiram opções de enterro dos mártires que marcaram formas de pertença não apenas a um território familiar, mas também a um território nacional, como sejam os cemitérios para os heróis nacionais. Xanana foi responsável até pelo desenho do ce-mitério nacional dos mártires chamado «Jardim dos Heróis», construído em Metinaro, junto da principal base militar das FALINTIL – Forças de Defesa de Timor-Leste, F-FDTL – local portanto associado ao espírito de unidade nacional. De seguida foi implementada uma réplica arquite-tónica desse cemitério em cada um dos distritos do país. Segundo as in-formações que obtivemos, na inauguração do cemitério nacional em Me-tinaro em 2009 sepultaram-se cerca de 400 cadáveres, maioritariamente localizados através do Programa de Recolha de Restos Mortais levado a cabo pelas F-FDTL. Inicialmente previsto para acolher a sepultura de mártires tombados pela pátria nos anos de conflito, este cemitério na-cional tem vindo a acolher igualmente os restos mortais de outros cida-dãos que participaram na resistência e morreram já depois da indepen-dência, consagrando assim uma espécie de panteão nacional.

A investigação de campo que realizámos entre 2012 e 2014 no total de oito meses na região de Lautém, entre os timorenses falantes da língua Fataluku, em parte dedicou-se à reflexão sobre a variedade de formas de conexão entre a territorialidade dos mortos e dos vivos, implicando uma historicidade que integra a experiência da luta pela independência na-cional. Integrámos como parte da observação participante múltiplos en-foques dirigidos ao tema, sendo de salientar entre o que mais se refletem no material apresentado neste artigo conversas em cemitérios sobre as pessoas identificadas em cada túmulo, entrevistas com familiares dos mártires, bem como com elementos de relevo nas estruturas clandestinas da Resistência, conversas com antigos combatentes que em alguns casos foram seguidas de visitas a monumentos que se tornaram em estudos de caso. A nossa participação em vários tipos de cerimónias fúnebres ou de comunicação com antepassados serve igualmente de pano de fundo ao

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que aqui apresentamos. Finalmente, a recolha de dados junto das estru-turas do governo que se ocupam das várias dimensões associadas as «Ve-teranos» – vivos ou mortos – foi igualmente também sistemática e da maior importância para este tema.2

Neste capítulo propomo-nos apresentar uma identificação empírica da diversidade de soluções de fixação dos mortos em locais determina-dos, revertendo a geografia móvel dos que tombaram e ficaram «aban-donados em todo o Timor-Leste» numa cartografia dos mártires. Para cada caso apontamos os dilemas e as tensões tantas vezes vividos pelos familiares dos mortos quanto à escolha do local de fixação. O nosso ob-jetivo é o de refletir sobre a diversidade de soluções e o seu papel na cons-trução de geografias de pertença e de reconhecimento que se vão defi-nindo conjunturalmente. Como veremos na secção conclusiva, comparado com outros casos como o da vizinha Indonésia, esta diversi-dade de processos de fixação e a forma como eles têm partido mais de dinâmicas interpessoais e familiares, reservando ao Estado um papel de intervenção não-autoritária, ajuda a compreender dinâmicas de cruza-mento entre várias tensões de escala e pertença, sendo, para o efeito, con-duzidos analiticamente por uma etnografia dos processos de construção pelos timorenses das suas próprias geografias dos túmulos.

Os túmulos entre os Fataluku

Entre os Fataluku os túmulos são tradicionalmente construções de pedra que no caso de alguns dos «grupos de origens» (ratu em Fataluku) chegam a atingir dois metros de altura. No conjunto do território habi-tado pelos falantes de Fataluku é notória a dispersão de túmulos pela pai-sagem. Uns estão agrupados em pequenos núcleos, outros estão isolados, outros localizados à porta de casa e outros ainda mais concentrados em áreas a que poderemos chamar propriamente «cemitérios» no sentido moderno. Quando uma conversa se trava em Fataluku e se referem a estes últimos locais usa-se a palavra portuguesa «cemitério», enquanto uma cerimónia ou um enterro que implique ir a outro dos espaços de enterro é descrita como «ir ao túmulo» (lutur mara).

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2 Entre elas, refira-se a Secretaria de Estado para os Assuntos dos Combatentes da

Li-bertação Nacional e o seu Departamento de Pensões. Em Portugal pudemos contar tam-bém com a colaboração de um antigo oficial português (Manuel Luís Real) que prestou serviço em Timor nos idos de 1974-1975, e que lidou de perto com indivíduos a que nos iremos referir.

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administrador de Baucau entre 1928 e 1934) deixaram-nos comentários ao programa de construção de aldeamentos levado a cabo pelo famoso governador Celestino da Silva (1894-1908), que ambos achavam ter sido um enorme fracasso. Os putativos benefícios materiais objetivos que de-correriam desse programa «não chegam para os fazer aceitar de bom grado tais resoluções, na medida em que implicam uma separação da po-pulação em relação às sepulturas dos seus antepassados, normalmente localizadas na vizinhança das suas casas». A intensidade desse sentimento seria tal que, «apesar do espírito de obediência que caracteriza este povo e a boa vontade dos seus chefes», o governador considerava o programa de aldeamentos como «uma operação perigosa» (Duarte 1943, 18). Já para Pinto Corrêa, essas políticas de antigos governadores não obtiveram resultados positivos porque «depararam com a oposição passiva mas in-tensa dos povos indígenas, acorrentados aos seus pedaços de terra, que procuram na proximidade dos túmulos dos seus antepassados o mesmo tipo de consolo que os europeus encontram nos seus oratórios familiares» (Corrêa 1944: 349). Hoje em dia abre-se uma exceção nos casos em que alguém tenha sido morto por bala ou catana (ula ucano) – um «tipo» de morte específica para os Fataluku e muitos outros timorenses (e. g., Sousa 2010, 80) – e não tenha sido sujeito a preceitos destinados a «fechar o corpo», situação essa em que se desenha uma vontade expressa de o en-terrar num local isolado e distante dos túmulos dos familiares. Nos restantes casos, a proximidade entre áreas de habitação e túmulos é pro -curada. Entre outros aspetos que não tem cabimento aqui desenvolver, a ligação constante entre os vivos e os mortos implica cuidar, zelar, fazer ofertas aos mortos nos seus túmulos.

Na região de Lautém, entre os Fataluku, a localização de um túmulo determina vários parâmetros de relacionamento com os vivos. Por um lado, a frequência com que se visitam os túmulos e a informalidade des-sas visitas é uma parte importante da forma como os túmulos são inte-grados nos espaços de vivência diária. Os locais com túmulos são com frequência locais de passagem de crianças, jovens, ou adultos, por

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plo nos périplos de cada entardecer, quando crianças e mulheres se diri-gem a áreas com mata para apanhar lenha para o fogo doméstico. Por outro lado, nas cerimónias realizadas em torno dos túmulos, raramente se desperdiça a ocasião para alastrar a outros túmulos a benfeitoria de uma interpelação, ainda que esta seja dirigida apenas a um dos anteces-sores por meio do seu túmulo particular. De facto, a possibilidade de um ato dirigido a um túmulo se «contagiar» a muitos outros túmulos foi por nós observada várias vezes. Numa ocasião em que se tratou da homena-gem a um homem que havia falecido havia quinze anos, a qual foi orga-nizada pela sua viúva e filhos, não só vários túmulos em seu redor foram embelezados, como se agregou ao evento uma visita ao túmulo da mãe desta viúva que se localizava noutra área, mas próxima. A identificação do local onde alguém está enterrado e a geografia dos túmulos é então entre os Fataluku parte integrante da sua territorialidade.

No caso dos mártires a fixação dos seus túmulos implica entrelaça-mentos ambivalentes. Por um lado, as memórias existentes são contro-versas e justificam esforços contemporâneos dos familiares em afirmar uma versão «oficial» dos acontecimentos históricos, que contribua para os fixar no panteão dos heróis seja a nível regional, seja a nível nacional. Optar por esta última hipótese implica enterrar em lugares novos, sepa-rados e longínquos dos espaços familiares.

A proximidade aos túmulos prende-se também com o quadro histó-rico-cultural mais vasto da vida social timorense e seu enquadramento no Sudeste Asiático. Encontramos aqui inúmeros casos em que os ante-passados fazem parte integrante do conjunto de atividades dos vivos. De facto, logo nas primeiras monografias sobre Timor-Leste, David Hicks mostrou como entre os timorenses da região de Viqueque múltiplos as-petos da vida social estavam dependentes das relações entre os vivos e o mundo dos seus antepassados, afirmando mesmo que «o ritual funerário é o mais complexo entre todos os rituais Tétum» (Hicks 2004, 132). Eli-zabeth Traube (1980 e 1986) tem o trabalho mais significativo sobre o enterro dos mortos como um processo prolongado e reiterado no tempo entre os Mambai, que nos mostra a sequência de cerimónias realizadas ao longo de anos, destinadas ao intuito final de transportar o espírito dos mortos para o mar. Também Shepard Forman (1980), que trabalhou entre os Makassae na década de 1970, e mais recentemente Andrew McWilliam (2006 e 2011), que tem desenvolvido a sua pesquisa sobre-tudo sobre os Fataluku em Lautém, ou ainda Damian Grenfell (2012), apontam para a centralidade dos rituais funerários e das relações com os antepassados na vida dos timorenses.

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o tipo de antepassados marapu na ilha de Sumba, fundados em estatuto de nobreza, e o complexo Fataluku de antepassados, a magnitude de al-guns funerais com sacrifício de búfalos com chifres de grandes dimensões destinados de forma particular a homens idosos aproxima-se em vários aspetos do tipo de dignificação de alguns mortos que encontramos des-critas pela antropologia para outros contextos do complexo das ilhas Sundas (e. g., Hoskins 1993; Geirnaert 2002, 33; Conville 2002; Viegas 2016; no prelo 2017). O que Forman não endereça e a nossa investigação tem vindo a trabalhar de forma particularmente direcionada é a forma como os túmulos integram a territorialidade dos vivos tanto na atuali-dade quanto historicamente (cf. Viegas 2016; no prelo 2017; Viegas e Feijó [no prelo]).

Entre os Fataluku, os túmulos de parentes falecidos de duas até quatro gerações ascendentes são efetivamente visitados com frequência, inte-grando o quadro ritual de conexão com os antepassados. O papel de cada um dos parentes falecidos na vida presente e futura dos seus parentes está dependente de um conjunto vasto e não-linear de circunstâncias, entre as quais tem lugar o respeito que os parentes vivos e particular-mente os de descendência patrilinear lhe atribuem. Quando se trata dos mártires, esse respeito, ou dignidade, é mais complexo. Se um homem que morre velho está em boas condições para se tornar um importante comunicador entre vivos e antepassados, o seu túmulo pode merecer logo de raiz materiais mais nobres, uma maior dimensão, e ter postes fu-nerários particularmente pujantes com grandes cabeças de búfalo. Muitos outros imponderáveis irão igualmente intervir nesse seu eventual futuro papel. O tipo de relação dos Fataluku com os seus antepassados está muito longe de se aproximar das atitudes de veneração (worship) que têm sido assinaladas por exemplo para Java, onde massas populacionais se deslocam em peregrinação religiosa para visitarem túmulos que ganham uma notoriedade fixa e de certa forma atemporal (cf. Chambert-Loir e Reid 2002, XVII). Não havendo aqui lugar para maior desenvolvimento

deste tema, importa deixar esta nota sobre o carácter mais familiar da

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lação dos falecidos com os seus antepassados entre os Fataluku. A sua presença e a sua intervenção no bem-estar dos vivos são uma marca da vida secular e portanto ela integra a própria trajetória da modernidade em Timor-Leste. Como bem notam Henri Chambert-Loir e Anthony Reid em vários contextos do Sudeste Asiático onde historicamente é cen-tral a continuidade entre vivos e antepassados, a intervenção dos ante-passados no bem-estar dos vivos é parte integrante do «enquadramento conceptual no âmbito do qual a sociedade moderna tem de ser interpre-tada» (Chambert-Loir e Reid 2002, XXVI).

Os casos que apresentamos de seguida vão tecendo etnograficamente a diversidade de soluções encontradas depois da independência para a fixação dos que morreram durante o período de ocupação indonésia. Por um lado, sublinhamos aspetos que envolvem diferentes escalas de dig-nificação dos mártires e, por outro, diferentes tipos de morte. Como ve-remos já na próxima secção, um massacre onde homens foram mortos à catana, em público, por outros timorenses sob coação – o que apren-demos através de testemunho direto –, apesar dessas circunstâncias de violência extrema as vítimas foram enterradas longe da povoação. O mo-numento que mais tarde veio a ser erigido fez-se, no entanto, no exato lugar onde ocorreu o massacre. Cada um dos casos que iremos apresentar corresponde, assim, à complexidade destes processos de relocalização que marca as tensões vividas sobre a determinação do apropriado lugar dos mortos.

Geografias imóveis: os monumentos

de Muapitine e de Caivaca

No dia 8 de dezembro de 1983, na aldeia de Pehefitu, suku Muapitine no distrito de Lautém, teve lugar um massacre de um cinismo parti -cularmente macabro e hediondo que ouvimos descrito por uma teste-munha ocular. Cinco timorenses envolvidos na Resistência tinham sido presos em finais de novembro. Os militares indonésios fizeram saber que gostariam que se organizasse uma festa com tebe-tebe para os receber de volta. A festa juntou uma grande multidão e também as mais altas auto-ridades do distrito e alguns líderes comunitários.

Horácio dos Santos tinha na altura 9 anos de idade e quis falar-nos do seu testemunho face a uma solicitação do nosso companheiro Justino Valentim. Segundo Horácio, depois de terem autorizado a confraterni-zação dos presos com os seus familiares, a quem pediram tabaco e mor-talhas para fazerem cigarros, dando inicialmente a ideia de que os vinham

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mais que tentaram foi realizar os enterros de acordo com um mínimo de preceitos costumeiros.

Em 2005, antes que a situação de desafogo financeiro derivada da ex-ploração do petróleo no mar de Timor tivesse começado a surtir efeitos, e numa altura em que Xanana Gusmão assumia a Presidência da Repú-blica, sem poderes executivos para desenvolver as ações em relação aos «Veteranos» que mais tarde viria a desenvolver, as autoridades locais mo-bilizaram-se e, com uma verba modesta – poucos milhares de dólares – recolhida com grande esforço, erigiram um monumento: uma coluna encimada por uma estrela e o mapa de Timor-Leste, tendo na base quatro faces nas quais se pode ver uma placa alusiva à sua inauguração por Xa-nana, uma pintura representando a cena do massacre, uma narração do mesmo (da qual usamos acima alguns excertos), e uma lista que engloba todos os habitantes da aldeia que integraram a Frente Armada e a Frente Clandestina da Resistência e que morreram no mato entre 1977 e 1999 – num total de 74 nomes. Monumentos deste tipo, a que Michael Leach chamou «memórias difíceis» (Leach 2009), podem ser vistos um pouco por toda a parte em Timor-Leste.3

Este monumento não contém nenhuma sepultura, mas os cinco mas-sacrados permanecem até hoje no mesmo local em que foram original-mente sepultados. No caso de um deles, Ângelo da Costa, logo que a viúva teve acesso à pensão de veterano do marido em 2011, a campa sin-gela que existia foi alvo de obras de melhoramento. Nela se pode ler: «Massacrado e tombado pelo assassinado Forças militar da Indonésia numa cerimónia oficial de massa e foi sepultado com a condição vivo [sic]» – uma alusão clara a um aspeto macabro deste massacre, repetido por todos os que falaram connosco acerca do mesmo: os golpes que

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3 No distrito de Lautém, por exemplo, existe um memorial semelhante junto à estrada

que conduz a Díli, num local sobranceiro ao mar, que recorda o massacre, já depois do Referendo de 30 de Agosto de 1999, de um grupo de madres católicas e seus acompa-nhantes, todos ligados à Caritas Diocesana de Baucau.

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cebera no pescoço e no tórax não haviam sido fatais, e mesmo nessa con-dição foi enterrado por exigência dos indonésios. O facto de terem sido as próprias famílias a fazer os enterramentos em 1983 parece explicar que em Muapitine se acredite que os mesmos foram realizados de acordo com os rituais mínimos necessários para garantir a paz aos defuntos.

Um segundo monumento evocativo de um massacre e que originou a morte de nove homens diz respeito ao memorial em Caivaca – locali-dade próxima a Lospalos. Em 21 de julho de 1985, o comandante Falu Cai e oito dos seus homens morreram num massacre nessa localidade. Na ocasião morreu também Luís Monteiro Leite, figura grada do regime. Este episódio aparece narrado nas memórias de Mário Carrascalão (2006, 256-259), amigo chegado de Monteiro Leite. Inserido numa tentativa de capturar o líder nacionalista, Monteiro Leite marcou um encontro com representantes da Resistência – esperando que nela comparecesse o pró-prio Xanana, que mantinha uma relação romântica com uma irmã sua. O que sucedeu a seguir é controverso. Os militares indonésios informa-ram o governador de que o encontro teve lugar, que os guerrilheiros abri-ram fogo e na troca de tiros que se seguiu haviam perecido vários deles, bem como Monteiro Leite e os seus assessores. Carrascalão não acredita nessa versão, e com base nos testemunhos da viúva e do motorista do seu amigo inclina-se para considerar que os indonésios traíram o seu pró-prio aliado e abriram fogo sobre a casa onde decorria o encontro, ma-tando todos os que lá se encontravam – esperando ter a cabeça de Xanana como troféu.

O insucesso da missão traduzido pela morte do grupo de guerrilheiros conduziu a ter circulado a ideia de que a iniciativa do encontro partira de Falu Cai, e nalguns casos afirmouse mesmo que o fizera em con -tradição com ordens recebidas. Na sequência da morte do marido, a Sr.ª Albina Marçal Freitas, que vivera até ali no mato onde se casou com Falu Cai, voltou a Lospalos, onde foi de imediato detida pelos indoné-sios, tendo passado quatro anos na prisão. Haveria de sofrer por esse afas-tamento que perdurou até 1996, altura em que voltou à Frente Clandes-tina, tendo a partir de então um lugar de destaque na Organização das Mulheres de Timor.

Em finais dos anos 2000 a Sr.ª Albina entendeu proceder à reabilitação da memória do marido (e dos seus homens). Para tal, meteu mãos à obra de construir, no local onde eles foram mortos e singelamente sepultados em valas comuns sem identificação, grandiosos memoriais – usando para tal os apoios financeiros que o reconhecimento oficial do estatuto de ve-terano (tanto dele como dela própria) lhe proporcionava. A sua iniciativa

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Como nos explicou a Sr.ª Albina logo na nossa primeira conversa em 2012, as decisões que tomaram sobre o local de fundação do memorial tiveram em conta a importância de o fixar no local onde se deu o en-contro fatal. «A família decidiu que não era preciso transportar [os restos mortais], transferir para outro sítio. É um local original. Então os restos mortais repousaram no mesmo sítio onde eles mataram.» A decisão de fazerem o monumento no exato local da ocorrência comporta várias consequências. Por um lado, a sua localização é periférica, situando-se numa espécie de encruzilhada entre povoações fora da vila de Lospalos. Por outro lado, fica longe dos locais aos quais os familiares de todos os mortos têm reconhecidos direitos de habitação e portanto de sepulta-mento e de ocupação da terra. Assim, por exemplo, em 2013 foi preciso dar 3000 dólares a um alegado proprietário da terra.4

Para a Sra. Albina cada edifício do memorial especifica uma fase da tragédia:

O sítio acima é o local onde eles mataram. Porque eles tinham-se sentado num local e conversavam sobre como acertar e concordar para organizar as forças dentro da vila. [...] Há o outro sítio mais abaixo, onde há três ou qua-tro mortos que estão enterrados num buraco e não podemos identificar quais são. É para representar o local de derramamento do sangue entre ambas as partes: parte inimiga e FALINTIL. E mais acima na mesma estrada, con-forme informações, contaram que aquele buraco tinha seis pessoas, mas não se sabe. Fizemos aproximações com pessoas que tinham ligação direta com os indonésios, mas não há ninguém que tenha aquela coragem de dizer: «é assim e assim... Então é difícil [Sr.ª Albina, Lospalos 2012].

Soluções como esta, que comportam um tratamento mais personifi-cado ou singularizado dos eventos, são vistas pela Sr.ª Albina e por mui-tos outros timorenses como mais bem dirigidas aos destinatários da luta armada. A dignificação dos mortos exige este tipo de trato mais

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lizado e não o tipo de massificação dos ossuários e cemitérios nacionais e distritais dos Jardins dos Heróis. Assim nos disse quando conversámos sobre o facto de o ossuário de Lospalos estar vazio:

Construíram uns monumentos que são de uma má qualidade. Os mortos não exigiram ao Secretário de Estado ou ao governo para construírem mo-numentos para eles. Antes de morrer nunca disseram isso. Mas como a lei garante e também como cidadãos que somos, vimos de uma luta armada, de uma luta sangrenta... Então temos que reconhecer os heróis, os nossos mortos. Então fizemos isso para eles, mas pelo menos uma boa condição para eles. Construíram um ossuário tão pequeno... E sem esclarecimento, sem clarificação... [Sr.ª Albina, Lospalos 2012].

O ossuário e as ambivalências da luta armada:

o caso de Afonso Sávio

Afonso Sávio, natural de Ira-ara, estudou na missão de Fuiloro e foi militar do exército português. Em 1974 emergiu como líder em Lospalos da ASDT/FRETILIN, sendo visto pelo alferes português Manuel Luís Real como um quadro dedicado, provindo de uma forma de naciona-lismo associada a Francisco Xavier do Amaral, algo distante do radica-lismo político que esta força viria a abraçar em 1975. Com a tomada de Lospalos pelos paraquedistas indonésios em Fevereiro de 1976, Sávio passa a comandar uma base na montanha Paicao, sendo então secretário da região.

Em 1977 desencadeia-se um conflito no seio da FRETILIN, que cul-mina na destituição de Xavier do Amaral. Este reclama o apoio de Afonso Sávio, que terá então sido preso e, segundo o testemunho de Konis Santana (cit. in Jolliffe 2010, 86-87), maltratado pelos seus compa-nheiros. Começava aí um percurso bem mais controvertido. O seu irmão Horácio informou-nos que, antes ainda da rutura do Matebian em finais de 1978, Xanana terá ordenado a sua libertação, permitindo que regres-sasse a Lospalos onde terá trocado mensagens com outros líderes da guer-rilha com vista a reintegrar essa força. A incapacidade da liderança em esclarecer a seu contento as razões do castigo que sofrera leva-o a recu-sar-se a regressar ao mato. Entretanto, em Lospalos, ter-se-ia aproximado do seu sogro, Tomé Cristóvão, antigo membro da Apodeti que integrava a Assembleia Distrital, e travado amizade com Cláudio Vieira, então ad-ministrador do Distrito (Bupati). Desconfiado, terá confidenciado a um irmão que os indonésios o iriam matar. A 17 de abril de 1979 foi visto

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Nacional – Grau 1», tratou de realizar um funeral condigno para o seu irmão. Essas cerimónias assumiram uma dupla face. Por um lado, proce-deu-se de acordo com a «cultura» Fataluku: organizou-se uma cerimónia para chamar o seu espírito, recolheu-se um sinal da sua presença (um ga-fanhoto que foi embrulhado no tais em que pousou) que foi guardado numa urna do tamanho de um corpo adulto. Também se celebrou um ritual fúnebre no qual foram investidos perto de $13 000 (sendo que Xa-nana mandou $ 4000, Horácio entrou com $ 3000, um outro irmão deu 10 cabeças de gado entre búfalos, porcos e cabritos). Um professor por-tuguês que foi convidado admite terem estado cerca de duas mil pessoas nessa festa que durou vários dias.

Por outro lado, Horácio Sávio tomou uma iniciativa inédita em Los-palos: solicitou autorização ao secretário de Estado para os Assuntos dos Veteranos para guardar os restos mortais do irmão no Ossuário que se encontra no ainda inacabado Jardim dos Heróis distrital. Esta decisão não terá agradado a toda a família, mas encontrou respaldo político: a FRETILIN deu grande apoio às cerimónias, e estas contaram com a pre-sença do secretário de Estado, Vítor da Costa. Havia uma justificação: «Eles é que lutaram. Quando o Estado reconhece e dá os meios, deve-se seguir o que o Estado diz.» Afonso está hoje simbolicamente depositado no Ossuário, aguardando que a sua campa definitiva seja construída. Junto a ele, uma grande fotografia, uma bandeira da FRETILIN, e um cartaz em que se enaltece a sua contribuição para a luta. Está entronizado como um verdadeiro herói.

Escalas opostas: a saga de heróis nacionais

e a volta à terra de origem

(Konis-Santana e Nualata)

Em março de 1998, o chefe do Conselho Executivo da Luta/Frente Armada, Nino Konis Santana, faleceu no seu esconderijo no suku

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tutu, distrito de Ermera. Nascido em 1957 em Tutuala (Lautém), chegara à chefia da guerrilha após a prisão de Mau Huno em 1993. Era um com-batente lendário, e a sua morte, objeto de algumas versões contraditórias, parece ter-se devido a um problema de saúde (Mattoso 2005). De qual-quer forma, o seu corpo foi encontrado no esconderijo pelo seu secretá-rio, Somotxo, que, com a ajuda da família que tinha a seu cargo a assis-tência regular ao guerrilheiro, o sepultou de forma muito discreta.

Logo após a independência, o túmulo de Konis Santana foi objeto de grandes melhoramentos, por forma a marcar que aquele era o local de repouso de um grande chefe da Resistência. No entanto, em 2012, Xa-nana entendeu que era oportuno trasladar os restos mortais de Konis para o Jardim dos Heróis em Metinaro. Na verdade, e de acordo com esta posição, sendo essa estrutura destinada a prestar a mais alta home-nagem aos principais vultos da Resistência e da construção nacional, faria pouco sentido que um dos nomes de maior relevo e já falecido não fosse contemplado com tal honraria. A sua falta contribuiria para alimentar a ideia de que o cemitério nacional não seria, afinal de contas, um lugar indiscutível, e que outras formas de homenagear os mártires poderiam dispor de uma legitimidade semelhante.

A decisão de Xanana, porém, desencadeou uma acesa discussão sobre o destino a dar aos restos mortais de Konis Santana. Somotxo diz-nos que alinhou nesse debate com aqueles que entendiam que a melhor forma de prestar homenagem consistiria em preservar a sua sepultura ori-ginal, podendo esta ser objeto de melhoramentos. Um dos nomes im-portantes que exprimiram esta mesma ideia foi Taur Matan Ruak, o homem que sucedeu a Konis na liderança da guerrilha, e atualmente Pre-sidente da República. Por seu lado, Mau Nana, um outro guerrilheiro conterrâneo de Konis em Lautém, alinhou pela posição assumida pela mãe de Konis, a Sr.ª Poko Tana, que desejava o regresso do filho à terra de origem, para poder estar mais perto dele e prestar-lhe a atenção ne-cessária.

Em finais de 2012, por decisão governamental, os restos mortais de Konis Santana foram resgatados de Mirtutu, onde permanece um me-morial erigido em sua honra. Foram transportados até Tutuala, onde a família organizou uma «cerimónia cultural», no dizer de Justino Valen-tim, membro ativo da Resistência que havia sido amigo e companheiro de escola de Konis em Fuiloro, e que nela participou. Também Xanana fez a viagem até à Ponta Leste para participar ativamente nessa «grande festa». Só depois dessa cerimónia pôde Konis rumar enfim a Metinaro, onde repousa num talhão destinado a altos quadros da Resistência, mas

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família inteira partiu para o mato para escapar aos militares indonésios que tratavam de impor a sua presença na Ponta Leste. Desta família, que usava os apelidos Gonzaga e Gonçalves, quarenta pessoas morreram entre 1979 e finais de 1986. «Estavam todos no mato. Nunca se rende-ram», diz-nos Faustino dos Santos, casado com Arminda Gonçalves, um dos poucos elementos dessa família que lograram escapar com vida, e recebe agora pensão como Veterana de 3.º Grau. Faustino também co-nheceu a vida no mato, onde terá permanecido até outubro de 1999, sendo hoje Veterano de 1.º Grau. Quadro intermédio, foi secretário da Região 1 e 2.º comandante de uma companhia. Entre 2007 e 2012 foi deputado no Parlamento Nacional (pelo partido UNDERTIM).

Logo após ter sido resolvido atribuir a esses mártires o estatuto que lhes permite receber uma pensão, a família Gonzaga e Gonçalves decidiu meter ombros à tarefa de recuperar os restos mortais dos seus familiares. Para tal, realizaram duas campanhas distintas, uma em 2008 (da qual sultou a recolha de oito ossadas) e outra no ano seguinte (tendo sido re-colhidos mais 32 «restos mortais»). Nessa ação de busca desenvolvida so-bretudo na zona do Matebian, alguns antigos guerrilheiros que tinham conhecimento dos locais onde se poderiam encontrar as ossadas foram chamados a participar ao longo de mais de um mês – mas não beneficia-ram do apoio oficial do exército ou das F-FDTL, que dispõe de um ser-viço especializado.

Apesar dos enormes esforços destas duas campanhas nem todos os membros da família puderam ser localizados. Além do conhecimento que alguns poderiam ter dos locais das sepulturas originais, também foram utilizadas práticas divinatórias para «chamar os mortos» e obter qualquer indicação que pudesse ajudar na procura. Mas «se não se en-contram os ossos, pode-se trazer um punhado de terra» – e assim sucedeu em pelo menos dez casos. A par de verdadeiras ossadas, há sepulturas que contêm elementos simbólicos que substituem a falta de restos mor-tais. Porém, todos foram tratados de igual modo: por cada membro da família fez-se o abate ritual de um certo número de animais, cuja carne

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foi consumida na «festa» que então se organizou. Para cada um deles er-gueu-se um túmulo de dimensões semelhantes, que foi depois pintado em cores garridas, exibindo bandeiras da FRETILIN, das FALINTIL e de Timor-Leste, bem como, em vários casos, as armas com que comba-teram. Os enterros foram todos realizados no mesmo dia.

Nas conversas que tivemos com estes familiares dos tombados de Nua-lata,eles mostraram-nos o seu ressentimento pelo facto de as autoridades nacionais não terem comparecido a estas cerimónias (apesar de se atribuir a Xanana a decisão de comparticipar generosamente nos custos da em-preitada). O investimento financeiro ascendeu a várias dezenas de mi-lhares de dólares. Trata-se de um impressionante cemitério aberto, ao lado da estrada, com 40 sepulturas, localizado bem junto da residência de alguns membros dessa família. Em todos estes casos, tratou-se de fazer um segundo enterro, fazendo transportar, por vezes de terras longínquas, os despojos destes mártires num processo semelhante ao que em 2012 vimos iniciar-se em Chai/Loré.

O cemitério nacional de Metinaro:

unidade da nação?

O caso que apresentámos do cemitério de Nualata na secção anterior ilustra bem o princípio da vicinalidade das sepulturas em relação ao local de residência. O exemplo da sepultura de Ângelo da Costa isolada do povoado de Muapitine onde foi massacrado, ou o do monumento de Caivaca em torno do local onde o comandante Falu Cai e os seus ho-mens tombaram, exprimem a vitória de uma outra visão, que a Sr.ª Al-bina verbalizou do seguinte modo: «Quando se faz uma sepultura, seja ela qual for, é difícil vir depois mexer nela.» Quer dizer: a ideia de um enterro secundário encontra resistência. Apesar de se considerar que as sepulturas originais não correspondem ao que «deveria ser», a opção de manter nelas os restos mortais dos heróis e as redesenhar ostensivamente e com plena liberdade criativa tem também adeptos em Timor-Leste, os quais justificam tal prática exatamente nos mesmos termos daqueles que optam pela solução contrária.

A par das restantes iniciativas, em 2009, como já referimos, inaugu-rou-se o cemitério nacional do Jardim dos Heróis em Metinaro – uma nova estrutura especificamente desenhada para acolher, em lugar rigida-mente demarcado e isolado de todo o contacto com habitações, os restos mortais dos timorenses caídos na luta. É possível olhar para o Jardim dos Heróis de âmbito nacional e ver nele sinais de rutura com elementos

im-Movimentos, Espíritos e Rituais

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na cor que ostentam – diz-se que Xanana Gusmão, indicado por muitas fontes como o autor da ideia, terá indicado explicitamente que queria replicar os cemitérios de guerra dos filmes americanos – contrapõe-se à ocupação caótica do espaço na maior parte dos cemitérios timorenses. O cemitério de Santa Cruz em Díli pode ser referido como exemplo do contraste a nível da profusão quase infinita de forma, da cor e dos mate-riais das campas, evidenciando um individualismo na abordagem deste tema que foi radicalmente substituído por uma linguagem uniforme no Jardim dos Heróis. A grande maioria dos que lá se encontram sepultados morreram durante o período da luta, sendo poucos os heróis nacionais com direito a esta honra que morreram mais tarde e puderam ser sepul-tados diretamente – como é o caso de Francisco Xavier do Amaral, o homem que fez a proclamação da independência em 28 de novembro de 1975 e foi o primeiro Presidente da República, e que faleceu em 2012. A esmagadora maioria dos que se encontram sepultados neste cemitério foram sujeitos a um segundo enterro (reburial) resultante da movimenta-ção através do território dos respetivos restos mortais.

A necessidade de proceder à remoção de ossadas do seu local original, para serem novamente sepultadas de acordo com preceitos adequados, tanto pode levar, então, a enterrar na proximidade dos túmulos em rela-ção à habitarela-ção de quem tem o dever de lhes prestar assistência perma-nente, com a opção do cemitério nacional. Este cemitério é apenas uma de entre várias formas de consagrar os mártires. O caso de Konis Santana, que passou por várias fases e acabou por responder, pelo menos parcial-mente, a uma variedade de requisitos contraditórios, exemplifica bem que tudo nestes processos é fruto de uma relação de forças que a cada momento respondem às exigências de diversas circunstâncias sociopolí-ticas e se enquadram ao mesmo tempo que transformam processos so-ciais.

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Conclusão

A reconquista da independência em 2002 foi acompanhada de uma grande abertura de Timor-Leste a modelos culturais modernistas, seja pela via da diáspora que regressou imbuída de valores das sociedades de acolhimento, seja pela presença no território de uma vasta quantidade de expats que, provenientes das quatro partidas do mundo, tinham em comum o propósito de «ajudar» Timor a emergir como uma «nação mo-derna» – o ambicioso programa que justificou a presença em Timor-Leste de uma missão das Nações Unidas ao longo de vários anos, primeiro com poderes absolutos, depois numa situação de acompanhamento e aconselhamento. Nestes modelos modernistas, assume particular relevo o discurso tecido em torno do conceito de «construção da nação». Esse processo envolve explicitamente a constituição de uma identidade nacio-nal (que em grande parte existia antes do Referendo de 1999 e contribui fortemente para explicar o seu resultado), e exige uma grande capacidade de diálogo com as formas «culturais» – o que localmente se designa por

lisan, cuja resiliência tem sido posta em evidência. Andrew McWilliam

descreve o lisan como «as diversas formas de práticas e convenções cul-turais historicamente situadas que evoluíram ao longo de gerações e que oferecem instrumentos legitimados para intervir nos assuntos da comu-nidade» (McWilliam 2008, 129). Para David Hicks, tratar-se-ia de «repre-sentações coletivas» num sentido durkheimiano, ou seja, «o corpo de ideias, noções, conceitos, valores e instituições que são tidos em comum pelos membros de uma dada sociedade» (Hicks 2013, 27). James Fox foi dos primeiros a chamar a atenção para a persistência desse tipo de práticas que permitem ao mesmo tempo resistir a desafios provindos do exterior e entreter com eles um diálogo importante (Fox 2000, 4; e 2011, 255). Entre essas práticas e convenções contam-se aquelas que se prendem com o culto dos mortos (McWilliam 2011). Por outro lado, esse processo exige um programa de ações concretas destinadas a dar forma visível aos ele-mentos estruturantes de um projeto de modernidade.

Este texto é um contributo para uma compreensão etnográfica de como esse processo está a ocorrer. Diferentemente de pensarmos em processos de construção nacional a partir de programas governamentais ou de imposição por instâncias internacionais – seguindo uma lógica de «choque de paradigmas» (Hohe 2002) – ou de postularmos a emer-gência de uma forma cristalizada que eliminasse os pontos de tensão, neste artigo seguimos uma compreensão das coexistências suscitadas pela condição inevitável de coabitação entre formas familiares e

nacio-Movimentos, Espíritos e Rituais

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-Loir e Reid o programa indonésio implicou consagrar como heróis na-cionais «um grupo coletivo de mortos cuja potência/poder foi criada pelo próprio Estado» (Chambert-Loir e Reid 2002, XXIII). O conceito de

«mortos potentes» (potent dead) que estes autores operacionalizam para conjugar o poder dos mortos como antepassados e como heróis nacio-nais é útil para a análise destes processos em Timor-Leste. Mas as abor-dagens que entretanto nos apresentam sobre a Indonésia mostram um outro tipo de nacionalismo onde os monumentos e os cemitérios aos que tombaram na luta pela independência – uma luta particularmente san-grenta – são icónicos, ao ponto de haver para cada distrito personalidades de heróis a quem consagraram monumentos e cemitérios (cf. Schreiner 2002, 184, 190). Os cemitérios foram integralmente organizados pelo go-verno central que desde 1974 tem em Jakarta o «Cemitério dos Heróis» – o maior da Indonésia que conta com espaço para 15 000 túmulos (Schrei-ner 2002, 183). A diversidade de situações em Timor-Leste que apresen-tamos neste artigo confirma que a urgência de fixar os seus mortos numa cartografia de mártires não deixou espaço ao Estado para se antecipar. Assim, se a nacionalidade se está a construir por meio do processo de criação de heróis da luta pela independência em Timor-Leste, ela está a surgir a partir de uma confluência de soluções – de uma «co-habitação» entre modos distintos de conceber o culto dos mortos – e não de um programa propriamente nacional (cf. Viegas e Feijó, no prelo, 2017).

Em Timor-Leste, como noutras partes das ilhas Sundas, os processos de realojamento ou reenterrar (reburial) implicam «o fortalecimento da posição ritual de um falecido pela transferência dos seus restos mortais para um lugar de maior e mais apropriada dignidade» (Schreiner 2002,

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5 Referimo-nos aqui a uma perspetiva teórica que propõe ver os processos de

intercul-turalidade, mesmo os que implicam forte hostilidade, como processos de inevitável coa-bitação, aproximando-nos da reflexão que tem sido desenvolvida, por exemplo, por Ju-dith Butler (2012), e que temos vindo a desenvolver para a análise de Timor (cf. Viegas e Feijó, no prelo, 2017).

Referências

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