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Há mais a se ensinar do que aquilo que o professor é capaz de apresentar e reproduzir em quadros, esquemas, slides e lousas e há mais a se aprender do que aquilo que os alunos registram em suas memórias, em seus cadernos e reconhecem como dúvidas no instante em que tomam contato com o novo tema (SASSERON, 2018, p. 1062).

Com a evolução e o desenvolvimento humano, as sociedades organizaram seus modos de vida visando o aperfeiçoamento e a criação de novas tecnologias que as ajudassem a produzir novos produtos e facilitar serviços, integrando, para isso, os conhecimentos oriundos da Ciência.

Todo esse desenvolvimento científico e tecnológico resultou também em desequilíbrios ambientais e sociais. Esse impacto ambiental e social é evidenciado, por exemplo, por meio dos produtos químicos descartados de maneira irregular, aumento dos desmatamentos, produção de lixo, poluição atmosférica, êxodo rural mais evidente, dentre tantos outros.

Os conhecimentos que norteiam e compõem a Educação Básica no Brasil têm um conjunto de aprendizagens previstas e consideradas essenciais ao desenvolvimento de todos os alunos, e encontram-se no documento legal denominado “Base Nacional Comum Curricular” (BNCC), que segue orientações do Plano Nacional de Educação (PNE). A BNCC apresenta um importante impacto na Educação, uma vez que é a principal referência na formulação dos respectivos currículos nas redes escolares (BRASIL, 2018).

Buscando meios para debater e direcionar posicionamentos sobre temas importantes da sociedade na escola, a BNCC trata, na educação formal, da necessidade da área das Ciências da Natureza no ensino, visando o compromisso da referida área com a formação integral dos alunos e sua responsabilidade com o conhecimento científico.

Leite e Ritter (2017), ao analisarem o texto da BNCC, em primeira versão e disponibilizado para consulta pública, destacaram a importância de um documento tão relevante apresentar ideias simplistas a respeito da Ciência e sua inserção no mundo, o que demonstra estar aquém das pesquisas atuais.

Ressaltam ainda a necessidade de superação de uma Ciência limitada, conteudista e que dispensa, e não considera, características marcantes desse ensino, havendo necessidade de um amadurecimento teórico sobre o assunto.

Auler e Delizoicov (2001), em sua discussão, partem da premissa de uma sociedade inserida numa dinâmica vinculada a avanços científicos e tecnológicos, em que democratizar os conhecimentos científicos se faz fundamental. Porém,

[...] o rótulo Alfabetização Científica e Tecnológica abarca um espectro bastante amplo de significados traduzidos através de expressões como popularização da ciência, divulgação científica, entendimento público da ciência e democratização da ciência. Os objetivos balizadores são diversos e difusos. Vão desde a busca de uma autêntica participação da sociedade em problemáticas vinculadas à CT, até aqueles que colocam a ACT na perspectiva de referendar e buscar o apoio da sociedade para a atual dinâmica do desenvolvimento científico-tecnológico. Em outros termos, há, por um lado, encaminhamentos mais próximos de uma perspectiva democrática e, por outro, encaminhamentos que direta ou indiretamente respaldam postulações tecnocráticas (AULER; DELIZOICOV, 2001, p. 123).

Os autores evidenciam diferentes possibilidades de compreensão da Ciência e de apropriação da sociedade, e organizam a Alfabetização Científica e Tecnológica em duas perspectivas: a) reducionista; b) ampliada.

O sentido “reducionista” se limita ao entendimento de conceitos numa dimensão puramente técnica, enquanto o “ampliado” apresenta relação com um trabalho pedagógico que busca o desenvolvimento de senso crítico da realidade:

Nessa perspectiva reducionista, espera-se que os “conteúdos operem por si mesmos” ou como um fim em si. Na ampliada, os conteúdos são considerados como meios para a compreensão de temas socialmente relevantes (AULER; DELIZOICOV, 2001, p. 127).

Assim como os diferentes contextos das esferas histórico-político-sociais se alteram, o modo como a Ciência é compreendida e, consequentemente seu ensino, também se modifica.

Na versão final da BNCC, em relação às ciências no ensino fundamental, encontra- se a orientação de que haja compromisso com o letramento científico. Desse modo, espera-se “a capacidade de compreender e interpretar o mundo (natural, social e tecnológico), mas também de transformá-lo com base nos aportes teóricos e processuais das ciências” (BRASIL, 2018, p. 321).

Por meio do letramento científico, almeja-se a formação crítica dos estudantes, de modo que se formem aptos a debater e se posicionar em assuntos relacionados, por exemplo: a alimentos; medicamentos; combustíveis; transportes; comunicações; contracepção; saneamento e manutenção da vida na Terra; bem como a conhecimentos éticos, políticos e culturais, além dos científicos (BRASIL, 2018).

Vale ressaltar que não somente a referida área é a responsável pela inserção do letramento científico, proporcionando capacidade de compreensão e interpretação do mundo em suas esferas natural, social e tecnológica. As demais áreas do conhecimento são igualmente corresponsáveis pela formação do sujeito, capacitando-o ao desenvolvimento de pensamentos e ações que permitam sua real integração para debater, propor, questionar, criar e transformar-se a si e ao meio.

A aprendizagem em Ciências não tem como única finalidade o letramento científico (BRASIL, 2018), mas também o desenvolvimento da capacidade de inserção do

sujeito no mundo, o que, novamente, não seria responsabilidade de uma única área de ensino. As aprendizagens de conteúdos em Ciências não dão garantia de que o indivíduo terá oportunidade de compreender, explicar e intervir no mundo. A esperada “tomada de consciência” se dá por meio de um processo contínuo, que é próprio dos sujeitos, mediante as situações de vivência no mundo que conhece e com o qual se relaciona.

Segundo o mesmo documento, as crianças, desde os anos iniciais, já são capazes de desenvolver noções acerca dos materiais e suas características, o que se amplia no decorrer dos anos finais, mediante a ampliação das relações que os jovens estabelecem com o meio (BRASIL, 2018).

O caráter investigativo da formação científica é parte central das ciências no ensino fundamental e de toda a Educação Básica, e, portanto, precisa estar atrelado didaticamente durante todo o processo de ensino, possibilitando aos alunos a reflexão acerca dos processos estudados. Na BNCC, o processo investigativo se divide em algumas categorias: definição de problemas; levantamento, análise e representação; comunicação; intervenção, que visam garantir aos alunos o desenvolvimento de competências específicas (BRASIL, 2018).

Entende-se que o letramento científico na BNCC comporta uma formação que não se finda na aquisição de conhecimentos da Ciência. Sua utilização na interpretação da realidade e a importância desse conhecimento para o convívio social e do reconhecimento do próprio sujeito enquanto ser capaz de modificar a si e ao meio, se mostram presentes na apresentação da área de conhecimento, no documento:

Espera-se, desse modo, possibilitar que esses alunos tenham um novo olhar sobre o mundo que os cerca, como também façam escolhas e intervenções conscientes e pautadas nos princípios da sustentabilidade e do bem comum (BRASIL, 2018, p. 321).

É destacado no trecho acima proposto, a possibilidade de os alunos desenvolverem novas perspectivas e reflexões, fazendo escolhas e posicionando-se criticamente, o que na visão de Sasseron (2018) é um processo contraditório àquilo que é o próprio método investigativo:

Importante destacar que a definição de processo investigativo faz menção ao desenvolvimento contínuo e que este seria o fundamento para o surgimento de reflexões. Preocupamo-nos a ideia que subjaz a esta proposta de que seja o estudante o responsável pelo desenvolvimento da reflexão. A esperança do aparecimento espontâneo da visão crítica e reflexiva é contraditória à própria investigação, como aqui a defendemos, na qual a crítica e a reflexão são elementos fundantes do processo (SASSERON, 2018, p. 1070).

Para atingir a proposta de letramento científico, a BNCC apresenta os componentes curriculares em três eixos, nomeados de “unidades temáticas”: 1) Matéria e energia; 2) Vida e evolução; 3) Terra e Universo. Com isso, pretende-se aguçar a curiosidade e a exploração de fenômenos naturais, utilizando-se de experiências cotidianas na construção do conhecimento científico. Nos anos finais do ensino fundamental, entende-se que os estudantes devem ter o conhecimento espacial ampliado e uma formação que possibilite uma visão mais sistêmica do planeta, baseada em princípios socioambientais sustentáveis (BRASIL, 2018).

A Tecnologia e sua inserção no contexto educacional são evidenciadas, pois é “impossível pensar em uma educação científica contemporânea sem reconhecer os múltiplos papéis da tecnologia no desenvolvimento da sociedade humana” (BRASIL, 2018, p. 329).

Em resumo, a apresentação das Ciências da Natureza na BNCC evidencia a relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade. O ambiente também se faz presente no texto e, assim como outros assuntos (corpo humano, saúde, energia), deve ser relacionado ao conhecimento científico que busca uma “formação integral” dos alunos.

Segundo o mesmo documento, nos anos iniciais do letramento científico os alunos devem ser capazes de relacionar suas experiências cotidianas, o mundo a seu redor, ao conhecimento científico. Nos anos finais e, em continuidade na próxima etapa do Ensino Médio, as contextualizações de familiarizações servirão de base para melhor compreenderem a Ciência e sua aplicação cotidiana.

A perspectiva da prática social amparada pela aprendizagem científica é reforçada por Sasseron (2018, p. 1081) ao analisar a BNCC e enfatizar:

[...] a necessidade de atenção ao desenvolvimento das práticas científicas e epistêmicas, bem como das modalidades de ação investigativas, como forma de garantir que o ensino de Ciências da Natureza aborde mais do que apenas fatos das ciências, contribuindo para a ampliação do conhecimento dos estudantes sobre a área, suas atividades e as relações que as mesmas têm com a sociedade, além de poder promover o desenvolvimento de autonomia intelectual dos alunos.

Há um consenso quanto a uma Ciência que não se limite a aspectos conceituais desvinculados da realidade cotidiana. Essa perspectiva exclui uma possibilidade de compreensão da Ciência como campo de conhecimento que deve ser ensinado por meio de um ensino conteudista e acrítico (KRASILCHIK; MARANDINO, 2007; CHASSOT, 2018).

E apesar da discussão sobre o aspecto investigativo das ciências ser um elemento estruturante dessa área no ensino fundamental, há pouca ênfase no assunto. Dessa forma a expectativa é de que os cursos de formação de professores sejam capazes de atender a demanda e contribuam com análises e produção de material didático que envolva investigação científica e práticas de ensino em ciências (SASSERON, 2018).

A Tecnologia circunda o cotidiano dos alunos e a Ciência possibilita o desenvolvimento e o avanço tecnológico. Assim, ao que tudo indica, além de necessário, se fazem úteis ao aprendizado a inserção da Tecnologia e sua relação com as ciências, seja por meio de contextualizações, desenvolvimento de práticas experimentais ou aulas de campo, por exemplo.

Dessa forma, além da aprendizagem conceitual, tanto o professor quanto os alunos devem compartilhar de experiências que melhor demonstrem ou possibilitem compreender a aplicação e presença da Ciência e da Tecnologia no cotidiano.

Considerando que a BNCC orienta o foco de aprendizagem e se relaciona com os respectivos currículos de acordo com o nível da Educação Básica em escalas Municipais, Estaduais ou Federais (e no Distrito Federal), é importante que a Educação Científica esteja bem delimitada para o professor regente de classe, de modo que este esteja apto a adaptar e desenvolver o ensino de Ciências conforme orientações e representações do que vem a ser a Educação Científica.

2.4 A IMPORTÂNCIA DA EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE

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