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6. Enquadramento da proposta de regulamento relativa a um DECCV

6.7. Âmbito de aplicação

6.7.1. Âmbitos (limitados) da proposta

O âmbito de aplicação do DECCV foi cuidadosamente demarcado e é muito restrito. Limita-se aos contratos de compra e venda de bens ou de fornecimento de conteúdos digitais e serviços conexos, os contratos transfronteiriços, excluindo os contratos mistos e as vendas a prestações e restringindo a sua aplicação a contratos celebrados entre profissionais e consumidores ou entre empresas mas somente quando uma delas seja uma PME.

51 De acordo com a definição conferida pela Recomendação 2003/361 da Comissão, relativa às micro,

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O âmbito da proposta é limitado “aos aspetos que suscitam problemas concretos nas transações transfronteiriças”. Não abrange elementos que possam “ser regulados mais adequadamente pelas legislações nacionais”.

O âmbito de aplicação territorial da proposta é expressamente previsto (art. 4º), cingindo-se aos contratos transfronteiriços, bem como o âmbito de aplicação material (art. 5º), delimitado pelos contratos de compra e venda de bens ou de fornecimento de conteúdos digitais e serviços conexos (como a instalação e a reparação). O âmbito de aplicação pessoal (art. 7º52) é limitado aos contratos entre empresas e consumidores e a contratos entre empresas quando uma delas seja uma PME.

A proposta não abrange os contratos celebrados entre particulares, nem os contratos entre profissionais em que nenhuma das partes é uma PMEpor não se ter entendido necessário.

Adicionalmente, o regulamento permite que os EM’s decidam “tornar o direito europeu comum da compra e venda disponível para aplicação pelas partes a um nível inteiramente nacional” e “torná-lo disponível para os contratos em que as partes sejam profissionais, mas nenhuma delas seja uma PME”.

A proposta de regulamento relativo a um DECCV revelou-se a medida cuja adoção tornaria possível atenuar as dificuldades do comércio transfronteiriço e também a mais proporcional quando comparada com as restantes alternativas sugeridas. Isto essencialmente porque o DECCV seria, nos moldes da proposta, facultativo e voluntário, querendo isto dizer que para que seja aplicado é necessário acordo entre as partes, o que, em princípio, só acontecerá se ambas considerarem que a aplicação do DECCV trará benefícios a uma concreta transação transfronteiriça com a qual estejam a lidar. Um DECCV cuja aplicação se limita ao comércio transfronteiriço e é voluntária e facultativa, “pode ajudar a reduzir os obstáculos ao comércio transfronteiriço, não interferindo com os sistemas e tradições jurídicas nacionais bem enraizadas”. Este constituiria um segundo regime, “que acresce às disposições dos

52 Artigos constantes do Regulamento – Documento COM (2011) 635 final, de outubro de 2010, da

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direitos contratuais nacionais preexistentes, não as substituindo.” Por conseguinte, o seu trabalho limitar-se-á àquilo que seja “estritamente necessário para criar novas oportunidades”53

no mercado único, quer para profissionais quer para consumidores.

O meio eleito para a prossecução dos propósitos de harmonização e uniformização do direito contratual europeu de consumo foi, portanto, um regulamento relativo a um DECCV, de carácter opcional.

No entanto, a opção por conferir a este regime um carácter facultativo não se adequa à natureza imperativa do ato que o pretende aprovar (a proposta de regulamento)54.

Se a opção legislativa da Comissão e do Parlamento fosse uma recomendação dirigida aos EM’s ou um outro instrumento não vinculativo “para o legislador da UE”, não seria alcançado o “objetivo de melhorar o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno”55.

A alternativa seria uma medida vinculativa, (que foi) considerada exagerada para o propósito em vista, uma vez que, implicaria um regime que se substituísse às legislações nacionais como um direito contratual europeu com carácter vinculativo. Esta via obrigaria, como já vimos anteriormente, a que todos os profissionais suportassem novos custos que não são compensados com redução de encargos, verificada apenas nas transações transfronteiriças, mesmo aqueles profissionais que não tivessem interesse em operar além-fronteiras. Uma diretiva que estabelecesse normas mínimas de um direito europeu dos contratos com carácter vinculativo não seria adequada por não “permitir alcançar o nível de segurança jurídica nem o grau necessário de uniformidade para reduzir os custos de transação”56

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Citações constantes do Documento COM (2011) 635 final, de outubro de 2010, da Comissão - “Elementos jurídicos da proposta”, p. 11.

54 Contratos I, Carlos Ferreira de Almeida – 2013, 5ª edição, Almedina, pg. 59 ss. 55

Citações constantes do Documento COM (2011) 635 final, de outubro de 2010, da Comissão – “Elementos jurídicos da proposta”, p. 11.

56 Citações constantes do Documento COM (2011) 635 final, de outubro de 2010, da Comissão

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Como adiante veremos, o PE e o CESE apoiavam uma solução que articulasse uma “caixa de ferramentas” capaz de garantir a coerência e a qualidade legislativa europeia com um regulamento que estabelecesse um direito contratual europeu de natureza opcional para as partes.

O âmbito de aplicação do instrumento proposto pela Comissão apresenta uma elevada complexidade, é impreciso e não foi fundamentado adequadamente. Afinal, resulta quase integralmente do que fora apresentado como resultado do estudo de viabilidade que o antecedeu57.

6.8. Aplicação do DECCV

Se for escolhido pelas partes aplicar-se o DECCV ao contrato, só ele é aplicado às eventuais questões suscitadas cuja previsão conste do DECCV. As disposições deste devem interpretar-se de forma autónoma e conforme aos princípios de interpretação da legislação europeia pré-estabelecidos claramente.

As questões não resolvidas de forma expressa pelo DECCV que recaiam no seu âmbito de aplicação devem ser resolvidas por recurso à interpretação do DECCV (sem recurso a qualquer outra norma). Esta interpretação deve alicerçar-se nos princípios e objetivos que lhe estão subjacentes e na totalidade das suas disposições.

Princípios subjacentes ao DECCV

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Documento da Comissão Europeia intitulado A European contract law for consumers and businesses:

publication of the results of the feasibility study carried out by Expert Group on European contract law for stakeholders’ and legal practitioners’ feedback.”, que continha (como anexo IV) o estudo de

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Não obstante o DEECV assumir como seu princípio diretor a liberdade contratual, a “autonomia das partes deve” limitar-se às “situações indispensáveis” e, na medida do necessário, para “proteção do consumidor” 58.

O comportamento dos contraentes deve nortear-se pela boa-fé contratual. No entanto, sobre o princípio geral da boa-fé contratual, devem predominar as manifestações específicas do princípio geral da boa-fé contratual constantes de normas do regulamento que propõe o DECCV. Deste modo, não devemos instrumentalizar o recurso ao princípio geral da boa-fé para alterar os direitos e as obrigações próprias das partes, previstas em normas específicas do DECCV, porque essas normas específicas constituem limites ao princípio geral da boa-fé contratual.

O princípio geral da boa-fé contratual impõe determinados requisitos, de acordo com o conhecimento técnico de cada uma das partes. Deste modo, esses requisitos observarão variações consoante estejam em causa transações entre empresas e consumidores ou somente entre empresas. Nas transações entre profissionais serão factor relevante as boas práticas comerciais, enquanto nas transações entre profissionais e consumidores o nível mais alto de exigência e imposição de obrigações recairá no profissional, para proteção do consumidor.

O DEECV deve favorecer a manutenção da validade do contrato quando, tendo em conta os legítimos interesses das partes, tal seja “possível e adequado”. Da mesma forma, deve trazer soluções razoáveis e justas, que tenham em conta os interesses das partes ao estabelecerem e exercerem os meios de defesa ao seu dispor em caso de incumprimento. Quando se tratem de relações de consumo (entre empresas e consumidores) recai sobre o profissional a obrigação e responsabilidade pela inconformidade do bem, conteúdo digital ou serviço, pelo que tal deve ser tido em conta pelos meios de defesa disponíveis.

A UE tem a faculdade de, com base no princípio da subsidiariedade (art. 5º TUE), adotar medidas com o intuito de tornar real o funcionamento do e a própria realização do mercado interno. Atendendo também àquele princípio (proporcionalidade), o regulamento proposto respeita o critério da necessidade, não o excedendo, quanto ao alcance daquele objetivo (o de realização do mercado interno).

58 Todas as citações constam do Documento COM (2011) 635 final, de outubro de 2010, da Comissão

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O regulamento proposto quanto ao DECCV “respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos” nos artigos 16º, 38º e 47º da CDFUE59

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