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11. Enquadramento do direito nacional do consumo

11.3. Contratos celebrados fora do estabelecimento

A diretiva 2011/83/UE relativa aos direitos dos consumidores foi transposta para o ordenamento jurídico interno português por intermédio do DL 24/2014 – de 14 de Fevereiro, sobre contratos celebrados à distância e contratos celebrados fora do estabelecimento comercial – e pela Lei 47/2014 – de 28 de Julho, que altera pela quarta vez a Lei de defesa do consumidor.

Propósitos

A diretiva sobre os direitos dos consumidores surge com o intuito de assegurar a todos os consumidores europeus um elevado nível de proteção. A uniformização das regras aplicáveis, no plano europeu, aos contratos de consumo, acredita-se que contribua para o bom funcionamento do mercado único, daí que se procure, através de instrumentos como esta diretiva que, no espaço europeu, a regulação seja semelhante. Os consumidores beneficiam de direitos e proteção análoga tendo como base legal a mesma diretiva, posteriormente transposta para o direito interno nacional, de cada EM.

Âmbito

A diretiva debruça-se sobre os contratos de compra e venda de bens e de prestação de serviços, aplicando-se particularmente aos contratos celebrados à distância ou fora do estabelecimento – embora contenha algumas normas com âmbito mais alargado, também aplicáveis aos contratos celebrados nos estabelecimentos comerciais.

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Tratando-se de uma diretiva que regula as relações de consumo, o seu âmbito é limitado aos contratos celebrados entre consumidores e profissionais.

O DL 24/2014 dedica-se em particular aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial (abrangendo os contratos celebrados em locais indicados pelo profissional).

Direito-dever de informação

O direito dos consumidores à informação pré-contratual (e consequente dever dos profissionais) é reforçado pelo DL 24/2014100, recaindo sobre o profissional a obrigação de informar o consumidor, previamente à celebração do contrato, quanto aos aspetos considerados relevantes daquele. Mais concretamente, o consumidor deve ser informado sobre as características do bem ou do serviço, o seu preço final ou o modo de cálculo do mesmo (quando não seja possível determiná-lo antes da celebração do contrato), as circunstâncias de entrega e pagamento, a existência do direito de retratação ou livre resolução, assim como o prazo e procedimento para o correto exercício do mesmo e o processo de tratamento de reclamações. Quando se verifique a existência, o profissional deve comunicar ao consumidor as condições de assistência e serviços pós-venda bem como as garantias comercias, as garantias financeiras e as condições que o consumidor deverá suportar, a aplicação de códigos de conduta, a necessidade de pagamento pela utilização, aquando do exercício do direito de resolução, quando tal dever recaia sobre o consumidor.

Quando não sejam respeitadas pelo profissional todas as exigências de informação pré-contratual ao consumidor ser-lhe-á aplicada uma coima e eventualmente uma sanção acessória – para determinação das quais é competente a ASAE. As sanções previstas incluem ainda a inexigibilidade de pagamento por parte do consumidor de despesas que não estejam expressamente identificadas e comunicadas, como encargos postais, despesas de adicionais de transporte e outros custos associados ao exercício do direito de livre resolução. Se não for informado, o consumidor não fica obrigado a pagá-las. Não comunicar ao consumidor a existência de um direito de livre resolução bem como do seu prazo e de todo o procedimento com ele relacionado

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implica para o profissional, a título de penalização, a extensão do prazo de exercício daquele direito – em vez de catorze dias, o consumidor passa a beneficiar de doze meses para o exercer.

Especificidades dos contratos celebrados através da internet

Devido à maior fragilidade da posição do consumidor nos contratos celebrados através da internet, há uma maior necessidade de proteção dos seus interesses e direitos pelo que foram estabelecidas regras especificamente aplicáveis a este género de contrato. A esse propósito o DL 24/2014 obriga à informação clara, expressa e visível de um conjunto de aspetos no caso de ser necessário o pagamento aquando da encomenda. De entre essas informações devem constar as características, o preço total ou o modo de cálculo do preço do produto, a duração mínima do contrato e das obrigações do consumidor e os moldes em que se poderá processar a denúncia do contrato. Existindo encargos adicionais de transporte, entrega ou postais também deve ser comunicado.

Não estes requisitos de informação completa, clara e bem visível antes da encomenda não forem respeitados, o consumidor não fica vinculado àquela. Da mesma maneira, se não ficar claro para o consumidor que a encomenda implica uma obrigação de pagamento, o consumidor não se considera vinculado ao contrato.

Direito de livre resolução

O DL 24/2014 reafirmou a garantia já prevista pela legislação precedente conferida ao consumidor através da consagração de um direito de livre resolução. Este direito permite ao consumidor a desvinculação do contrato durante catorze dias, sem ter de suportar qualquer encargo nem justificar a sua decisão.

O ónus da prova do exercício do direito de livre resolução dentro do prazo que lhe é conferido pela lei recai sobre o consumidor. Pode recorrer ao uso de carta, formulário próprio, devolução do bem ou contacto telefónico para resolver o contrato – além destes, outros meios poderão ser utilizados desde que permitam, como estes, a prova dos termos em que se processou exercício do direito.

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Se o contrato puder ser resolvido através da internet, o profissional tem obrigação de acusar a receção da comunicação do exercício do direito de livre resolução no prazo máximo de vinte e quatro horas após o envio ou submissão pelo consumidor.

Ao resolver o contrato nestes termos o consumidor tem direito a ser reembolso dos montantes pagos dentro do prazo de catorze dias desde a notificação da resolução e em regra processa-se pelo mesmo meio de pagamento utilizado (exceto se as partes concordarem expressamente com a utilização de outro meio de reembolso, desde que não prejudique o consumidor). Em regra, é dever do consumidor devolver o produto também no mesmo prazo de catorze dias após informação de resolução do contrato (salvo se o profissional se oferecer para recolher o bem na residência do consumidor).

Há distinção entre os custos associados à devolução e os que respeitam à resolução do contrato. O facto de não ser imputado nenhum custo ao consumidor pela resolução do contrato não é tão amplo que inclua os encargos com a devolução que, pelo contrário, são responsabilidade do consumidor, que tem de os suportar e assumir. Não obstante, o profissional pode optar por libertar o consumidor deste encargo, suportando-o ele ou, caso não tenha informado o consumidor da obrigação de assumir os custos de devolução, a obrigação inverte-se, recaindo antes sobre o profissional.

Caso as características do bem não permitam a sua devolução por correio, o profissional deverá proceder à sua recolha, custeando-a. Apesar da livre resolução ser um direito do consumidor, ele tem, como contrapeso, o dever de conservação do bem em condições de utilização para poder proceder à sua devolução.

O direito de livre resolução atribuído ao consumidor não contenda com o direito de inspeção do produto com cuidado. Se o consumidor não for cuidadoso ao inspecionar as características do produto pode ser responsabilizado pela depreciação do bem, que advenha da pouca cautela. Mas, não tendo sido informado do direito de livre resolução, o consumidor não é responsável pela depreciação do bem.

No regime anterior, o consumidor de um serviço não poderia requerer o início da prestação do mesmo e exercer o seu direito de livre resolução. Para poder exercer o seu direito de livre resolução não podia usufruir da prestação do serviço, renunciando ao exercício do direito de livre resolução quando requeresse o início da prestação dentro dos catorze dias em que poderia resolver o contrato. O DL 24/2014 permite o

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exercício do direito de livre resolução do consumidor mesmo que ele tenha requerido a prestação do serviço durante aqueles catorze dias. Cabe ao profissional requerer que o pedido do consumidor de prestação do serviço naquele período seja expresso em suporte duradouro e só depois disso deverá dar início à prestação. Com o exercício do seu direito de resolução após o início de prestação do serviço, o consumidor fica obrigado ao pagamento de um valor proporcional ao serviço prestado ao profissional – assim, o consumidor tem o dever de pagar pela utilização.

Uma vez mais, também neste aspeto, se o consumidor não for devidamente informado pelo profissional, não estará vinculado aos encargos. O consumidor não terá de pagar pela utilização ou usufruto do serviço se não tiver requerido expressamente o início da sua prestação antes de terem passado os catorze dias em que poderia exercer o seu direito de livre resolução. O profissional tem de informar o consumidor, antes da celebração do contrato, da obrigação de pagamento de um montante proporcional caso faça o pedido expresso de prestação do serviço antes de decorridos os catorze dias, caso contrário, o consumidor ficará desobrigado de tal obrigação. Da mesma forma, não está obrigado a qualquer pagamento por utilização se não tiver sido previamente informado da existência do direito de livre resolução, das circunstâncias em que deveria ser exercido, do prazo e todos os aspetos com ele relacionados.

Excetuam-se do exercício do direito de livre resolução uma série de contratos cujas características essenciais e natureza não são compatíveis com aquele benefício identificados no art. 17º DL 24/2014.