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A molhabilidade é uma propriedade fundamental para caracterizações superficiais que permeia diferentes áreas de aplicação, desde a eletroquímica até os

biomateriais. Ela indica a capacidade de duas fases imiscíveis, tais como um sólido e um líquido manterem contato entre si, tomando como base forças intermoleculares de coesão e adesão. Medidas de ângulo de contato (AC) podem ser obtidas através do método da gota séssil, o qual se baseia na análise de gotas líquidas depositadas em superfícies sólidas, planares e horizontais. Por definição, AC é o ângulo (θ) entre um plano tangente à gota séssil de um líquido e um plano contendo a superfície sobre a qual o líquido se encontra depositado. Esse ângulo depende da relação entre as forças de adesão, que promovem o espalhamento da gota na superfície sólida e as forças de coesão, que querem contrair a gota a uma geometria esférica com superfície mínima, uma vez que a esfera é a forma geométrica que possui menor relação área/volume.

Caso a superfície sobre a qual a gota se acomoda seja considerada como ideal, ou seja, com irregularidades topográficas praticamente negligenciáveis e quimicamente homogênea, o ângulo θ formado na linha de contato trifásico corresponde ao equilíbrio entre as fases sólida, líquida e vapor [46]. A equação de Young (1) descreve a situação de equilíbrio.

𝛾𝑠𝑣 = 𝛾𝑠𝑙+ 𝛾𝑙𝑣𝑐𝑜𝑠𝜃 (1)

Onde θ é o ângulo de contato, γsl é a energia livre interfacial sólido/líquido, γsv é

a energia livre de superfície sólido/vapor e γlv é a energia livre de superfície

líquido/vapor. Como resultado, tem-se uma medida quantitativa do processo de molhabilidade totalmente dependente do equilíbrio termodinâmico estabelecido no sistema trifásico apresentado, conforme observado na Figura 14.

Figura 14. Representação do ângulo de contato formado após a deposição da gota líquida na superfície sólida.

Levando em consideração que superfícies teoricamente ideais estão relacionadas à equação de Young, a qual considera o ângulo de contato tomando como base o

equilíbrio na intersecção trifásica, a rugosidade dessas superfícies deve ser avaliada. Isso porque, no mundo real, as superfícies apresentam irregularidades topográficas que fazem com que as medidas de AC possam ser questionáveis, devido à presença de ar entre os vales do substrato avaliado devido a sua rugosidade, por exemplo. Nesse contexto, podem ser citadas medidas de AC estáticas e dinâmicas. A principal diferença entre ambas é o fato de que, no primeiro caso, considera-se como o ângulo de contato estático aquele que a área de contato entre líquido e sólido não é modificada durante a medida. Em contrapartida, o ângulo de contato dinâmico é produzido pelo molhamento, ou ângulo de contato de avanço (θavanço) e o de-molhamento, ou ângulo de contato de

recesso (θrecesso).

Com sólidos, líquidos e condições ambientais reais, o ângulo de contato pode apresentar variações em função do tempo e localização no substrato analisado. Heterogeneidades topográficas ou químicas e mudanças de molhamento com o tempo podem, portanto, ser detectadas através de medidas de ângulo de contato estáticas. Entretanto, caso seja desejado reduzir os efeitos de localização e tempo, o ângulo de avanço pode ser medido. Em particular, o θavanço é utilizado na investigação de

superfícies sólidas considerando molhamentos repetitivos em diferentes regiões, porém todas muito próximas umas das outras, o que minimiza efeitos do tempo, como evaporação do líquido e as heterogeneidades topográficas e químicas. Por outro lado, o θrecesso ocorre no de-molhamento das superfícies e, geralmente, é menor do que o ângulo

de avanço.

As heterogeneidades químicas e topográficas (tais como a rugosidade das superfícies sólidas) podem ser inferidas através de tais medidas. A técnica consiste em depositar uma gota líquida com volume predeterminado de 10L e, imediatamente, tomar medidas do θavanço Em seguida, deve-se remover de metade do volume da gota

(5L) e, novamente, tomar as medidas do θrecesso. A diferença entre ambos os ângulos

(equação 2) fornece um valor de histerese (Δθ) que, caso seja inferior a 10°, fornece indícios de que as superfícies avaliadas possam ser consideradas ideais, com a rugosidade desprezível e quimicamente homogênea.

Histerese (Δθ) = θavanço - θrecesso (2)

Para o caso de medidas dinâmicas, a velocidade selecionada deve ser controlada e não muito alta para evitar falsas medidas pela introdução de energia mecânica no

sistema. Contudo, também não deve ser muito baixa de modo que exclua os efeitos de tempo descritos acima. Outro critério usado para definir a utilização entre ângulo de contato estático ou dinâmico é o processo de molhabilidade observado. Para revestimentos, processos dinâmicos são mais confiáveis, pois permitem uma modelagem mais realista, enquanto que processos estáticos são empregados para avaliação de sistemas quase estáticos, como na construção de tecnologias de semicondutores [47, 48].

Modificações superficiais permitem aumentar ou diminuir o ângulo de contato das superfícies, ou seja, elas promovem variações na molhabilidade dos materiais. Em geral, os materiais não possuem ângulos de contato fixos, pois tendem a apresentar alterações em suas estruturas químicas com o decorrer do tempo. Isso pode ocorrer quando, por exemplo, um material hidrofóbico fica exposto à água e esta passa a ser adsorvida fisicamente sobre a sua superfície ou quando moléculas da superfície sólida se dissolvem na gota do líquido, resultando em alterações no ângulo de contato [49].

Usualmente, o equipamento utilizado para aferir valores de ângulo de contato é um goniômetro. O resultado é fornecido por gota séssil, formando uma imagem do perfil da gota depositada sobre a superfície sólida que foi capturada por uma câmera acoplada ao equipamento. Esse ângulo de equilíbrio pode apresentar dois extremos: 0 e 180°. No primeiro caso, ocorre molhabilidade completa do sólido por um líquido. Contudo, quando um ângulo de 180° é formado, significa que a gota esférica toca a superfície sólida apenas em um ponto e a molhabilidade é praticamente inexistente. Em geral, as gotas são classificadas conforme a Figura 15.

Figura 15. Classificação da molhabilidade das superfícies sólidas de acordo com o ângulo de contato com a água. (a) Superfície totalmente molhável e hidrofílica. (b) Superfície com molhabilidade parcial e hidrofílica. (c) Superfície hidrofóbica. (d) Superfície totalmnete não molhável, super-hidrofóbica.

Em geral, superfícies hidrofóbicas apresentam baixa energia livre de superfície e produzem ângulo de contato com valores superiores a 90°. Superfícies hidrofílicas, em contrapartida, apresentam valores superiores de energia livre de superfície e produzem ângulos menores que 90°. Para valores superiores a 150° e com histerese inferior a 10°, as superfícies são classificadas como super-hidrofóbicas. Assim, quando um líquido se espalha totalmente sobre uma superfície sólida, ela é perfeitamente molhante e hidrofílica [50].