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A MÚSICA DA COMPANHIA CINEMATOGRÁFICA VERA CRUZ

É PROIBIDO BEIJAR

(vozes masculinas em uníssono): É proibido beijar

Mas ninguém está querendo explicar Qual será a razão

Desta situação

Ele diz que sim, mas a moça diz que não É proibido beijar

Mas será que ele vai agüentar Um jardim, um luar

No cenário encontrar E pode tudo mudar

Solo de voz feminina: Eu não censuro sua pressa Pois no fundo tens razão Quem ama perde a cabeça E só consulta o coração É proibido beijar

Mas no fim tudo vai se explicar Eles vão resistir

Prá depois descobrir Que poderão se beijar

É interessante notar, que este filme apresenta o mesmo formato musical e narrativo dos seriados americanos românticos. Comumente nestes seriados há muita confusão, quiproquós e um casal apaixonado que só se encontra ao final da narrativa. Quanto à música, ela pontua todas as confusões com citações instrumentais. Há também a ocorrência de um elevado número de inserções musicais para as transições

de cenas e a colocação da música para presença da figura feminina. Sobre sua participação na gravação do tema dos créditos iniciais do filme É proibido beijar, o músico Sabá, integrante do grupo musical ‘Os modernistas’, comentou:

“(Sobre a inserção das músicas no filme) Naturalmente era com

playback, depois era colocado (...) mas estivemos na abertura não teve problema. Quando nós fizemos “É proibido beijar”, apareceu nos letreiros, a música foi inteira pro ar. Essa música chegou a ter um relativo sucesso porque o cinema realmente conduz o sucesso, você vê em filmes americanos quantas músicas de sucesso se perpetuaram porque foram inseridas em filmes. No Brasil, também músicas do nordeste, Lampião, “Mulher Rendeira” e muitas que vieram através de filmes brasileiros. (Sobre o arranjo musical do

tema ) Nós fizemos o arranjo vocal, o arranjo era do conjunto, o

Gabriel Migliori ou quem ia compor o arranjo para o filme, fazia a orquestra em cima.” 43

Devemos lembrar que este procedimento ocorrido em É proibido beijar é comum na produção americana, como por exemplo no filme Matar ou morrer (1952). Neste filme também há uma canção na apresentação dos créditos iniciais, a qual também contava a história do filme, música de Dimitri Tiomkin e letra de Ned Washington. Esta canção fez muito sucesso neste período e foi “responsável pelo início

da epidemia de febre de canção do início dos anos 50.”44. Exemplo 43: É proibido beijar

Informações sobre a narrativa

Créditos iniciais.

Informações técnicas

Créditos com letras brancas sobre um fundo neutro.

Informações sobre a trilha musical

Inserção de um tema em forma de canção. Introdução reservada para o nome da COMPANHIA VERA CRUZ e para o nome da protagonista TÔNIA CARRETO. A letra da canção inicia ao aparecer o crédito de mesmo nome: É PROIBIDO BEIJAR. Canção com abertura de vozes masculinas e solo de voz feminina e ao final acorde conclusivo Maior juntamente com os vocais. Acompanhamento

43

Trecho da entrevista com músico Sebastião Oliveira da Paz, no Estúdio do Departamento do Multimeios - UNICAMP em realizada em 14/ 03/ 2003. Conferir entrevista na íntegra em anexo neste trabalho.

44

orquestral. Há solo com a melodia da canção em pizzicato no naipe das cordas no destaque ao nome do compositor ENRICO SIMONETTI.

Encontramos também nos filmes da Vera Cruz, os créditos denominados de secundários ou também chamados de legendas. Estes são apresentados logo após os créditos iniciais e são explicativos. Esses créditos fornecem dados de época, ambientação e outras informações. Os filmes da Vera Cruz que contém os créditos explicativos são: Candinho, Terra é sempre terra, O cangaceiro, Caiçara e Tico-tico

no fubá. Listamos como exemplos, os créditos secundários de Caiçara e O cangaceiro.

Em Caiçara, após os créditos iniciais, está inserida uma explicação de verbete de dicionário para a palavra “caiçara - s. m. palavra de origem tupi, corrente de norte a

sul do Brasil, com diversas significações. Em São Paulo quer dizer homem de beira- mar, praiano” - em seguida outro verbete aparece sem destaque: “caída - s.f. de cair, queda, declínio”. O crédito explicativo já nos avisa de antemão que o filme tratará de

caiçaras e a palavra ‘caída’ remete-nos que algo similar poderá acontecer com os personagens ou com a cidade, enfim algo acontecerá na narrativa referente à queda. Quanto aos créditos explicativos sobre oscaiçaras deste filme, há uma discussão entre três autores, que discordam sobre o significado dos caiçaras no filme. Segundo a autora Maria Rita Galvão, há um mundo paralelo entre os caiçaras que servem de personagens de apoio para a realização da trama: “(...) tudo quanto eles fazem,

durante o filme, é dar-se conta do que acontece com os personagens principais e

comentar.”45. A autora reconhece que os personagens Manuel e Zé Amaro não

estaleiro. Menezes46 discorda da autora no sentido de que aponta o significado real do verbete do início do filme, caiçara é o homem praiano, que vive a beira-mar, portanto encaixando-se perfeitamente para os personagens acima citados. O autor aponta que se tivermos de antemão a separação desses personagens em classes diferentes dos outros caiçaras trabalhadores, isso implicaria em um enriquecimento desses personagens e estagnação dos outros e isso poderia contribuir para uma complicação na análise do filme. Já, Cláudio da Costa, aceita a separação proposta por Maria Rita, mas dissolve a separação entre os planos e pensa nos caiçaras sob forma metafórica: “os caiçaras são os olhos, a parte do corpo que percebe o movimento e os personagens

são os membros, as pernas, a parte que produz a ação de caminhar.”47

Exemplo 44: Caiçara Informações sobre a narrativa Créditos iniciais. Informações técnicas

Créditos em letras brancas sobre imagens em movimento de um redemoinho de água.

Informações sobre a trilha musical

Apresentação de três temas. Ao aparecer o crédito VERA CRUZ, há a apresentação da introdução da música. Ao aparecer o crédito com nome dos atores, inicia o primeiro tema. Destaque para o nome de FRANCISCO MIGNONE, com suspensão da melodia e nota longa no agudo em pp no violino. Entrada do crédito com o nome do diretor ADOLFO CELI, continuando o tema em cordas até aos créditos explicativos. Temas repletos de escalas descendentes no naipe de cordas em todos os motivos melódicos propostos. Uso de escala com cinco notas diatônicas, com movimentos ascendentes e descendentes, seguidos de uma escala ascendente.

Quanto a colocação dos créditos explicativos do filme O cangaceiro, autores como Ismail Xavier, Cláudio da Costa e Maria Rita Galvão fizeram observações. No filme, os créditos explicativos inseridos nos créditos iniciais contam: “época imprecisa:

45

GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso Vera Cruz. São Paulo: Civilização Brasileira, 1981.

46

MENEZES, Paulo. Imagens no (do) Brasil – a nação Vera Cruz. Socine 2 e 3, Annablume: São Paulo, 2000.

47

quando ainda havia cangaceiro”’. Os três autores referem-se a estes créditos

explicativos traçando uma ligação com o estilo de imagem da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Para Ismail Xavier, o filme apresenta decupagem clássica e segundo o pesquisador Cláudio da Costa, quanto ao estilo de imagem, a Vera Cruz, utilizou-se do artifício do “paralelismo simétrico para compor seu pensamento

cinematográfico”48. O paralelismo que se refere, é a montagem paralela, usada pela

Companhia de maneira bastante clássica, com cenas de perseguição. A montagem paralela causa simetria entre as imagens, pois elas são intercaladas. Em sua análise:

“Existem domínios paralelos que se comunicam por força de uma ordem que sempre centraliza e organiza o movimento”. Para a historiadora Maria Rita Galvão, este

paralelismo simétrico não permitia nenhuma comunicação e sim afirmava um dualismo estagnado, cujas ordens eram a do Brasil antigo e a do Brasil moderno. O Brasil antigo era representado pelos caboclos, violões, índios, mandingas e o Brasil moderno, pelos empregados, patrões, trabalho, dinheiro. Para Costa, esses dois pólos comentados por Maria Rita, ficam submetidos a uma ordem, a uma cordialidade presumida que organiza as imagens tornando-as ideais. Nessa cordialidade apontada pelos autores, a narrativa é composta também por uma relação cordial entre os dois mundos paralelos, através da montagem paralela, que mantém uma harmonia entre si:

“A cordialidade é o procedimento simétrico que a empresa paulista encontrou para expressar e constituir a imagem da experiência brasileira entre o homem e a terra. Através da cordialidade, a Vera Cruz produziu o vínculo que possibilita a unificação adequadora entre a experiência e a imaginação (...)49”

48

COSTA, Luiz Cláudio da. Cinema brasileiro (anos 60-70) – dissimetria, oscilação e simulacro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000.

49

O Cangaceiro é um exemplo desse discurso de Costa. Existe essa ordem

simétrica: “o enraizamento das forças em um espaço determinado”: nordeste – e a

“convergência dos tempos num momento histórico” – “época em que existiam cangaceiros”, como constam nos créditos explicativos.

Examinamos nos exemplos de Caiçara e O cangaceiro, a importância dos créditos explicativos para análise e entendimento da narrativa proposta. Os créditos explicativos não são mero efeito dos créditos iniciais. Observamos que a partir de um simples verbete de dicionário várias interpretações e análises dos filmes foram possíveis. Esse tipo de procedimento é comum, contudo seu uso deve ser bem cuidado porque induz o espectador a uma condução da narrativa. Se for usado incorretamente pode destruir a narrativa e causar interpretações errôneas, diferentes da concepção do diretor. Exemplo 45: O cangaceiro Informações sobre a narrativa Créditos iniciais. Informações técnicas

Créditos compostos por letras brancas sobre fundo preto.

Informações sobre a trilha musical

Apresentação de três temas. Na aparição dos créditos: VERA CRUZ, O CANGACEIRO e ATORES PRINCIPAIS: pontuação de acordes. No restante, para os créditos dos atores secundários, inicia o tema com andamento lento no naipe de cordas. Ao aparecer o crédito de GABRIEL MIGLIORI: há o inicio da introdução de “Mulher rendeira”, reservada para o crédito do diretor LIMA BARRETO: no qual o tema é executado na região grave.

Em O cangaceiro, a música dos créditos iniciais foi composta por Gabriel Migliori

que escrevia para grandes orquestras de rádio. O trilhista se inspirou para compor a música dos créditos iniciais, no modelo musical de apresentação dos temas de filmes de tradicionais, no qual alguns leitmotivs são apresentados de acordo com os nomes

dos atores, diretores e compositores. Esse recurso foi muito utilizado por Max Steiner. O tema da canção “Mulher Rendeira” aparece instrumental orquestrado, bem como o

leitmotiv do cangaceiro Galdino. Aparecem também os leitmotivs dos personagens

principais: Olívia e Teodoro. Migliori popularizou mundialmente a canção folclórica

“Mulher Rendeira”, utilizando seus acordes básicos para compor a música que norteia o

filme O Cangaceiro e trabalhou variando este leitmotiv ao longo do filme.

Quanto ao gênero, segundo Ismail Xavier, O Cangaceiro tem afinidade com o

western e também possui um envolvimento com a temática nacional, portanto ele o

considera como um northeastern50. Para o autor, o progresso é representado pela

racionalidade burguesa e a temática nacional representada pelo sertão e cangaço. Ismail aponta o aspecto do espetáculo, em O Cangaceiro comenta que tudo parece um espetáculo, ações coordenadas, calculadas, crueldade não chocante, único foco para gerar situações dramáticas dentro do filme. Após a convocação da volante para combater o cangaço, mais uma vez o movimento coordenado, enfileirado e impecável da população é mostrado, imagens típicas do western. Essa “ordenação-coordenação” forma um dos pólos do filme, divididos em ordem e desordem. A volante, agente da ordem, serve para acentuar o lado bandido do cangaceiro, a desordem (ataque a igreja e a moça). O cangaceiro representa o lado marginal. A volante serve para dar força ao espetáculo e aos cangaceiros. A morte do cangaço é certa, como se diz no início do filme, embora a volante não seja vitoriosa nesse filme, serve para confirmar que o mundo de selvageria foi domesticado um dia, é um conjunto de valorações, é o processo civilizatório, também considerados como características do western. À

50

Companhia Vera Cruz também atribuímos a criação de um gênero que foi amplamente utilizado pelo cinema brasileiro, o cangaço. Esse gênero tem com a retomada do cinema dos anos 90, uma filmografia bem significativa, como exemplo Baile

Perfumado e Corisco e Dadá. Sobre o cangaço e a figura do cangaceiro, Xavier

comenta: “O cangaceiro é um filme de aventuras que tem matéria prima para se fazer

um imaginário nacional”51.

Quanto aos créditos finais, os filmes da Companhia Cinematográfica Vera Cruz utilizam um recurso muito comum para a composição da trilha. A música começa na última seqüência do filme ou no final desta e continua até o término dos créditos finais. Os créditos finais dos filmes da Companhia são em sua totalidade compostos pela palavra FIM. Portanto, a música inicia-se no plano anterior e permanece até a palavra FIM desaparecer em fade out. Normalmente o tema é orquestral com resolução tonal, reforça a última ação acontecida no filme e faz uso do crescendo na dinâmica, terminando em ff. Essa prática remete-nos a idéia do grand finale, outro recurso presente na ópera. Também observamos que o leitmotiv principal acompanha os créditos finais, ele é apresentado antes ou durante o surgimento da palavra FIM. Escolhemos os exemplos de Veneno e Nadando em dinheiro, nos quais os leitmotivs são inseridos e a conclusão é feita através de pontuação de acordes maiores na orquestra. Exemplo 46: Veneno Informações sobre a narrativa Créditos iniciais.

Informações técnicas

O crédito está grafado em letras brancas e aparece em fade in, terminando em corte com tela preta.

Informações sobre a trilha musical

A palavra FIM aparece na continuação da seqüência final, na qual o leitmotiv “Veneno” começa a ser entoado. Acordes soam o motivo principal do tema e neste momento aparece a palavra FIM. O término é realizado com acorde prolongado na orquestra, em violinos na melodia na região aguda.

Em Nadando em dinheiro, observamos o momento da palavra FIM com a

inserção do leitmotiv “Nadando em dinheiro”. O filme termina e durante a tela preta, a música continua até sua conclusão com acorde Maior pontuado trêsvezes somados ao toque de percussão. No caso, a música serviu de ligação entre o final do filme e a tela preta. Sem maiores complicações a música poderia ter sido cortada ou finalizada antes, a preferência pela continuação apenas serve para dar ligação aos dois planos, mesmo que o último seja uma tela preta.

Exemplo 47: Nadando em dinheiro Informações sobre

a narrativa

Créditos finais.

Informações técnicas

A palavra FIM surge no último plano do casal e sua filha.

Informações sobre a trilha musical

No momento da aparição do crédito FIM, o leitmotiv do filme inicia e só termina no próximo plano em tela preta.

Em Sai da frente, observamos outro procedimento menos comum. Na última

seqüência é apresentada novamente a canção “O Ébrio”, cantada pelos mesmos bêbados do início do filme, dando desfecho. Logo em seguida a exibição da última seqüência, aparece o crédito FIM, como continuação da seqüência. Neste instante, há inserção do tema de Isidoro/ Anastácio, na instrumentação do naipe dos instrumentos de cordas combinados com o naipe de metais. Na melodia, há apenas o aparecimento

do motivo melódico principal com 5as. ascendentes e descendentes, imitando a buzina do caminhão com os trompetes na melodia. A partir disso, há pontuação do crédito FIM com acorde prolongado. É o grand finale combinado com o motivo melódico principal do

leitmotiv.

Exemplo 48: Sai da frente Informações sobre

a narrativa

Créditos finais.

Informações técnicas

Crédito FIM após a entrega das garrafas de whisky aos bebados.

Informações sobre a trilha musical

No momento da aparição do crédito FIM, o motivo principal do leitmotiv

“Anastácio – Isidoro”, composto pelas 5as. ascendentes e descendentes é

entoado pelo naipe de cordas combinado com o naipe de metais. Durante sua execução, o crédito FIM desaparece.

Na última seqüência do filme O cangaceiro, vemos o bando de cangaceiros em seus cavalos caminhando no sentido contrário do início do filme, da esquerda para a direita. Há a presença do mesmo arranjo musical de ‘”Mulher Rendeira” do início do filme. Um procedimento não muito usual aconteceu nos créditos com títulos das músicas e compositores, nestes não houve inserção de música. Provavelmente os créditos foram inseridos após algumas exibições do filme, por problemas com direitos autorais, como veremos no próximo tópico sobre as canções.

Como vimos, este estudo demonstra que a música inserida nos créditos é uma parte importante da trilha musical dos filmes. Notamos que a música é pensada para este local e não apenas inserida para preencher o vazio sonoro. Há uma preocupação dos compositores com relação a esse tipo de inserção musical que exerce funções importantes, principalmente no início da narrativa.

CANÇÕES