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A MÚSICA DA COMPANHIA CINEMATOGRÁFICA VERA CRUZ

INSTRUMENTAÇÃO MUSICAL UTILIZADA E CONVENÇÕES

Dedicamos essa parte do trabalho à música instrumental inserida nos filmes da Companhia Vera Cruz, reservando outro tópico apenas para as canções. Tratando-se dos temas instrumentais, em todos os filmes da Companhia, a presença dos arranjos orquestrados é constante. Durante a pesquisa foi possível perceber a freqüência com que os naipes da orquestra foram utilizados nos dezoito filmes de ficção:

Tabela de freqüência da aparição das combinações de instrumentos:

Temas com combinação dos três naipes FREQÜÊNCIA GRANDE

Temas com combinação de madeira e cordas

FREQÜÊNCIA GRANDE

Temas somente com naipe de cordas FREQÜÊNCIA MODERADA

Temas com o naipe de madeiras e metal BAIXA FREQÜÊNCIA

Temas com naipe de madeiras BAIXA FREQÜÊNCIA

Temas com solos de instrumentos BAIXA FREQÜÊNCIA

Podemos concluir que os compositores utilizam todos os naipes da orquestra com bastante freqüência para a construção de um motivo e de um tema, porém

experimentam por inúmeras vezes a combinação dos naipes da família dos instrumentos de madeiras e cordas. Melodias compostas exclusivamente com o naipe de cordas, são utilizadas em larga escala, ficando estas reservadas para as seqüências líricas e para as transições de seqüências. Em menor número, aparecem os temas com composição exclusiva do naipe de madeiras, os solos de instrumentos e combinação do naipe de cordas e metal. O solo de instrumento monofônico24 é o que aparece mais raramente. O mais utilizado é o de fagote para situações cômicas e depois o contrabaixo e o violoncelo para momentos de angústia e solidão.

Gravação da orquestra nos estúdios da Companhia Vera Cruz em São Bernardo/SP, ao fundo tela para projeção.

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Os solos mais utilizados são os de piano. Este instrumento devido a sua grande extensão e característica polifônica, permite combinações de notas, o que contribui para a continuação do estilo orquestral. Através de alguns solos de piano, encontramos a técnica e o estilo de composição musical de cada filme. Podemos afirmar que os solos de piano imprimem a característica de cada compositor, já que todos os compositores de trilhas musicais da Vera Cruz dominavam muito bem esse instrumento - haja visto Francisco Mignone, considerado pianista de renome internacional - e freqüentemente compunham através dele.

A seguir, listamos alguns exemplos de filmes nos quais as combinações de instrumentos citadas acima são notadas:

a) Seqüências que utilizam todos os naipes da orquestra. Exemplo: Floradas na serra e É proibido beijar.

b) Seqüências que utilizam os naipes dos instrumentos de madeiras combinado com o naipe de cordas. Exemplo: Floradas na Serra e Uma pulga na balança.

c) Seqüências que utilizam somente o naipe de cordas. Exemplo: Esquina da ilusão. d) Seqüências que utilizam somente o naipe de madeira. Exemplo: É proibido beijar. e) Seqüências que utilizam solos de instrumentos. Exemplo: Appassionata, Esquina

da ilusão e Família lero-lero.

Todos os filmes da Companhia utilizaram os três naipes da orquestra em diversas situações. Notamos então, que essa era uma prática comum para a composição das trilhas dos filmes da Vera Cruz, independente do gênero do filme. Como sabemos a Vera Cruz produziu comédias, romances, dramas, épico, policial,

drama biográfico e até inaugurou o gênero do cangaço no cinema25 - por alguns autores também chamado de western brasileiro. Dentre os vários temas compostos sobre a orquestra completa, escolhemos uma seqüência do filme Floradas na Serra, classificado como gênero de drama. Esta é composta por vários temas e dentre eles encontramos o leitmotiv de “Floradas na serra”. A composição em andamento moderado, tom maior e melodia composta para o naipe de cordas, inúmeras vezes expressa o sentimento de Lucília diante da doença que a aflige. O leitmotiv de “Floradas

na serra” traduz a esperança da cura da tuberculose no tempo das floradas, no qual

tudo renasce e cresce novamente. a) Exemplo 17: Floradas na serra Informações sobre

a narrativa

Lucília e Elza saem para um passeio e encontram Olívia tomando banho na cachoeira. Lucília sente inveja da moça por esta esbanjar saúde. Elza conhece Flávio, também doente. Ao final, encontram com Dr. Celso que lhes dá uma carona até a clínica de repouso.

Informações técnicas

Cena externa. Iluminação clara.

Ambientação: mata, campo e cachoeira.

Personagens: Lucília, Elza, Flávio, Olívia, amiga de Olívia, Dr. Celso.

Tomadas de câmera parada em primeiro plano, planos médios e gerais e externas. Ao final, panorâmica da floresta.

Informações sobre a trilha musical

Inserção musical não diegética.

A seqüência apresenta vários temas, dentre eles o leitmotiv de “Floradas na

serra”, apresentado no naipe de cordas. Além de combinar todos os naipes da

orquestra ao mesmo tempo, também há utilização de solos de trompete com acompanhamento de cordas; solos do naipe de cordas; naipe de metais isolado ou combinados com as cordas.

Nesta passagem abaixo, da trilha musical de É proibido beijar, encontramos uma orquestração simples. O tema começa com pontuação do naipe de cordas, em seguida é acoplado o som do trompete com surdina e posteriormente acordes

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realizados no naipe de madeiras. A construção melódica é simples, curta e utiliza todos os naipes da orquestra.

2a) – Exemplo 18 - É proibido beijar Informações sobre

a narrativa

Harry investiga June em seu apartamento. Steve, pai de June se disfarça de porteiro do prédio. Os dois conversam e Harry vai embora. Steve tem a idéia de ligar para os bombeiros.

Informações técnicas

Cena interna.

Ambientação: portaria de um hotel. Personagens: Harry e Steve.

Plano-seqüência de 41”. A câmera acompanha os personagens, que se movimentam pouco. Iluminação para interna.

Informações sobre a trilha musical

Inserção musical não diegética

Introdução do tema em cordas. Com recurso do strectto ou seja, os outros naipes vão se acoplando ao tema.

Nos próximos exemplos notamos a combinação de instrumentos pertencentes ao naipe das madeiras, combinados com naipe de cordas. Ele está no prólogo do filme

Floradas na serra e marca a chegada da personagem principal à cidade de Campos.

Ouvimos a lembrança de algumas notas do tema, retirado da canção “Adeus Guacyra”,

em solo de oboé. O uso desta canção será ao longo do filme o leitmotiv do casal Lucília

e Bruno. A lembrança desta melodia nesta seqüência, já anuncia o envolvimento do casal ao longo da narrativa, mesmo que o espectador não saiba da existência de Bruno, o autor da trilha musical, Enrico Simonetti, já mostrou uma pista do que irá acontecer. Essa é uma prática comum em filmes, o compositor aponta certos rumos da narrativa, através da música. Utilizando-se desse estilo, o compositor além de dar as pistas, também consolida a unidade musical de acordo com os eventos do filme.

b) Exemplo 19: Floradas na serra Informações sobre

a narrativa

Informações écnicas

Cena externa diurna. Iluminação clara.

Ambientação: saguão do restaurante da cidade. Personagens: Lucília e seus amigos, garçon.

Seqüência composta por seis planos curtos, com alternância de dois planos. O primeiro de Lucília em câmera em plano médio ao centro e o segundo em tomada de câmera parada geral dos amigos, indo embora de carro.

Informações sobre a trilha musical

Inserção musical não diegética.

Combinação do naipe de madeira com cordas. Ao contraponto de cordas, ouvimos o solo de oboé.

O exemplo de Uma pulga na balança também ocorre no início do filme e marca desde então, o envolvimento de Dorival e Dorinha. A sucessiva reiteração do tema do casal, sugere a união dos dois ao longo da narrativa, embora no final o casal se separe. Nos dois exemplos, a combinação do naipe de madeiras e cordas recorreu a arranjos de andamento lento e com certa exploração da região média e aguda dos instrumentos. Sem a utilização dos instrumentos de sonoridade mais graves, a combinação permite ao espectador remeter a idéia de leveza, reservada comumente para situações mais íntimas e com poucos personagens.

2b) Exemplo 20: Uma pulga na balança Informações sobre

a narrativa

Dorival é preso e levado de camburão para a cadeia. Dora também está sendo presa. Os dois comem uma galinha, roubada por Dora e se conhecem.

Informações técnicas

Cena interna. Iluminação de baixa intensidade. Ambientação: camburão de polícia.

Personagens: Dorival e Dora.

Câmera: Planos utilizados: médio. Seqüência de 1’30” com apenas apresentação de dois planos. Como se trata do mesmo plano, este é cortado em fusão com diferença mínima de angulação.

Informações sobre a trilha musical

Inserção musical não diegética.

Tema no naipe de cordas em andamento lento com melodia nos violinos e flautas.

Em Esquina da ilusão, Luiza lembra-se do nome de Dante Rossi e de todos os momentos em que Alberto agiu estranhamente. Luiza está pensando em Alberto e se

encontra sozinha no quarto do hotel. A melodia se encontra na região média do violino, em andamento lento e o naipe de cordas, acompanha o flashback denunciado apenas pela voz off. Nos filmes da Companhia Vera Cruz, como na tradição da música para cinema, os momentos amorosos são freqüentemente acompanhados pelo naipe de cordas.

c) Exemplo 21: Esquina da ilusão Informações sobre

a narrativa

Luiza lembra-se de todos os momentos estranhos sobre o comportamento de Alberto. Liga para Zezinho e confirma suas suspeitas.

Informações técnicas

Cena interna. Iluminação clara. Ambientação: quarto de hotel. Personagem: Luiza.

Câmera: trata-se de um plano-seqüência. Planos utilizados: médio. Câmera acompanha a moça no momento em que esta levanta-se da cama e vai em direção à janela em uma breve panorâmica e novamente a câmera a acompanha no momento em que pega o telefone.

Informações sobre a trilha musical

Inserção musical não diegética.

Tema composto inteiramente com o naipe de cordas. Violinos realizam a melodia.

Sobre a utilização exclusiva do naipe de madeiras, reservamos o exemplo do filme É proibido beijar. Neste, o naipe de madeiras apenas pontua o momento de confusão, instalado pelos personagens e é utilizado para transição de uma seqüência para outra. Este tipo de utilização do naipe de instrumentos de madeiras com pontuação melódica em andamento rápido é bem comum nas trilhas dos filmes da Vera Cruz, principalmente nas transições de seqüências.

d) Exemplo 22: É proibido beijar Informações sobre

a narrativa

Harry e Steve são levados presos. Outros policiais vão até o apartamento de Eduardo denunciados por sua ex-namorada para investigar os documentos de June.

Informações técnicas

Cenas internas e externas.

Ambientação: rua e apartamento de Eduardo. Personagens: Harry e Steve.

Todos os planos realizados com câmera parada em plano médio com cortes secos e fusões.

Informações sobre a trilha musical

Inserção musical não diegética.

A música é com naipe de madeiras. Usada para transição de uma seqüência para outra.

Em Appassionata, a pianista Silvia Nogalis excursiona pela Europa. Na

seqüência, há a mostra de diversos cartazes elucidando as cidades por quais a jovem passou executando o concerto. Os solos de piano consistem em composições de Beethoven, dentre elas: “Sonata ao Luar” e “Appassionata”. À medida em que os cartazes mostram o concerto apresentado, o material temático musical é trocado acompanhando as imagens.

e) Exemplo 23: Appassionata Informações sobre

a narrativa

Silvia vai tocar na Europa. Cenas de vários lugares por onde passou.

Informações técnicas

Cenas externas e internas.

Ambientação: aeroporto e salas de concerto. Personagens: Silvia e seus amigos.

Avião é mostrado em plano de câmera geral. Em seguida, vemos tomada em primeiro plano: cartazes por onde Silvia passou, entremeados a cenas de palmas, trem andando, flores com cartões, partituras de Beethoven e Silvia agradecendo; todas tomadas com efeito de fusão entre uma e outra.

Informações sobre a trilha musical

Inserção musical não diegética.

Solo de piano com peças de Beethoven durante toda a seqüência.

Abaixo, no mesmo filme, encontramos o solo de violoncelo. Este solo, inicialmente é acompanhado pelo naipe de cordas, em dinâmica pp (pianíssimo) e quase inaudível. Ao final, o acompanhamento desaparece e o solo fica evidente. A seqüência é fechada com o solo e o crescendo das cordas para marcação do final da cena. O solo de violoncelo neste caso, simbolizou a solidão da pianista na casa de

praia. O acorde final composto para o naipe de cordas, imprime significado de incerteza com o olhar de preocupação de Silvia. Comumente, de acordo com as convenções de música para cinema, os solos de violoncelo são usados para momentos de tristeza e solidão.

2e) Exemplo 24: Appassionata Informações sobre

a narrativa

Silvia desmaia e Pedro vai levá-la até sua casa. Lá conversam sobre o reformatório, Silvia sai para buscar um cigarro para Pedro e este descobre através do jornal de quem se trata a moça.

Informações técnicas

Cenas externas e internas noturnas.

Ambientação: frente da casa de praia e seu interior. Personagens: Silvia e Pedro.

Alternância de tomadas em plano geral da sala da casa de praia e closes dos rostos de Silvia e Pedro.

Informações sobre a trilha musical

Inserção musical não diegética.

Solo de violoncelo com acompanhamento do naipe de cordas em pp. Ao final acorde no naipe de cordas.

Escolhemos duas passagens características de solo de fagote, encontradas nos filmes da Companhia Vera Cruz. O primeiro exemplo é do filme Esquina da ilusão, no

qual o empresário de cinema tenta convencer Dante a patrociná-lo. A segunda

passagem é do filme Família lero-lero, na qual Aquiles Taveira atende na repartição pública dois senhores gordos. É mais comum o uso do fagote nas músicas dos filmes da Vera Cruz, assim como nos filmes hollywoodianos, para situações cômicas ou personagens bizarros.

Exemplo 25: Esquina da Ilusão Informações sobre

a narrativa

Tipinski descobre que Zezinho o enganou e Dante Rossi não quer patrocinar seu filme.

Informações técnicas

Plano-seqüência. Cena Interna. Personagens: Zezinho e Tipinski. Cenário: quarto de hotel.

Câmera inicia com close do porta retrato na beira da cama e abre em Tipinski. Durante o diálogo câmera fixa e ao final enquadramento de Zezinho ao centro do quadro em plano médio.

Informações sobre a trilha musical

Intervenção musical não diegética.

Solo de fagote com pontuações de contrabaixo e acorde sustentado no naipe de cordas com solo final de oboé.

Exemplo 26: Família lero-lero Informações sobre

a narrativa

Taveira atende dois irmãos que precisam de uma documentação urgente para que sua empresa não vá à falência.

Informações técnicas

Cena interna.

Cenário: guichê de repartição pública. Personagens: Taveira e dois irmãos.

Câmera: utiliza planos próximos do lado de dentro e lado de fora do guichê, alternando-os. No momento em que Taveira entra dentro da repartição plano geral.

Informações sobre a trilha musical

Inserção musical não diegética. Dois temas diferentes.

Solo de fagote acompanhado de poucas pontuações de cordas.

O segundo tema faz parte de uma inserção descritiva, o andamento lento paraleliza a ação da lentidão do funcionário público.

Exemplo 27: Família lero-lero (Conclusão da seqüência anterior, uso do mesmo tema) Informações sobre

a narrativa

Taveira atende novamente os dois irmãos que precisam de uma documentação urgente para não irem à falência, devido ao horário de funcionamento que se extingue, deixa de atendê-los. Os dois irmãos morrem do coração.

Informações técnicas

Idem quadro anterior.

Informações sobre a trilha musical

Inserção musical não diegética.

Dois temas diferentes. O primeiro tema é um solo de fagote. O segundo tema também faz parte de uma inserção descritiva, como na anterior, porém o andamento agora é rápido e corresponde a rapidez do funcionário público Taveira para ir embora ao final do expediente.

Ao analisarmos a trilha musical dos filmes da Companhia Vera Cruz, no que se

o cinema adotou certas convenções. É fácil imaginar uma cena romântica em um filme, logo nos vem a lembrança de um casal beijando-se e em primeiro plano um tema musical orquestrado com violinos na melodia principal, sugerindo suavidade e delicadeza. Segundo Claudia Gorbman, nos filmes hollywoodianos existem algumas convenções de orquestrações e instrumentação. Essas convenções, também foram identificadas por Adorno e Eisler26 no capítulo intitulado “Prejudices and Bad Habits”, sobre as trilhas musicais de Hollywood. Neste, os autores criticam o uso das convenções, por limitarem o desenvolvimento de criação artística. O uso freqüente para determinadas conotações acaba gerando uma espécie de significação a priori que facilita a comunicação do espectador para um determinado conteúdo dramático, ainda que eles possam ser usados com outras significações, são os chamados clichês. Ao se pensar em orquestrações é relevante notar qual a postura dos compositores da Vera Cruz e quais as suas relações com o rádio, principal meio de entretenimento durante esse período.

A década de 40 e o início da década 50, foram marcadas musicalmente pelas grandes orquestrações no Brasil. Consolidou-se “era do rádio”, na qual os maestros e arranjadores estavam ligados ao estilo de orquestrar vindo do EUA, porém algumas inovações já eram vistas. Essas pessoas que tinham uma larga experiência com o rádio prestaram sua contribuição musical ao cinema. A exemplo disto, o maestro e compositor Radamés Gnattali já experimentava no rádio uma nova concepção de arranjo orquestral para o samba27 e conferia aos instrumentos de sopro uma função

26

ADORNO, Theodor e EISLER, Hanns. Composing for the films. New York: Delilah Books, 1982. In: GORBMAN, Claudia. Op. cit. p. 86.

27

BARBOSA, Valdinha e DEVOS, Anne Marie. Radamés Gnattali, o eterno experimentador. Rio de Janeiro: Funarte/ Instituto nacional de música, 1984.

sincopada e rítmica semelhante a percussão. Gnattali foi um dos pioneiros na substituição da instrumentação típica americana – composta por piano, baixo, bateria e guitarra - por instrumentos como violão, cavaquinho e acordeão, incluindo também instrumentos de percussão de escola de samba, como ganzá e outros. Tudo isso foi incorporado ao cinema. Observamos que Radamés foi considerado um excelente compositor de músicas para cinema, tendo musicado muitos filmes brasileiros na Vera Cruz e em outras produtoras cinematográficas. Seu potencial de inovação foi reconhecido por críticos especializados, como observamos no texto intitulado “A nova hora do Brasil” do jornalista e cineasta José Carlos Burle, sobre a nova direção do programa da Rádio Nacional, ‘A hora do Brasil’. Burle compara Radamés com Gershwin, o chamando de “Gershwin brasileiro” e também ressalta a necessidade de igualar os produtos nacionais, no caso a música brasileira, com os estrangeiros, como se esse fator indicasse qualidade.

“(...) O que mais me alegrou, sem dúvida, foi ter a oportunidade de constatar a realização de um fato, pelo qual venho me batendo nesta coluna há mais de um ano. Música popular brasileira selecionada com arranjos orquestrais modernos e bem feitos. Eis a única maneira de se levantar o nível da cultura musical do nosso povo e de se poder fazer alguma coisa de utilidade real, no assunto pelo nosso país. E foi exatamente isso que eu ouvi. Música popular brasileira escolhida e tratada orquestralmente pelo talento insofismável de Radamés Gnattali. (...) A Radamés devemos o alicerce da renovação e valorização da nossa música popular, tornando-a compátivel com a nossa cultura e colocando-a

lado a lado com a dos países mais civilizados do mundo.”28

Ressaltamos um exemplo típico e claro sobre as inovações de Gnattali na música para cinema, a trilha musical de Sai da Frente. Neste filme, o compositor

28

utilizou a orquestra com exploração da instrumentação e ritmos brasileiros. Para a construção do leitmotiv “Anastácio”, com aparecimento em dez seqüências, Gnattali combinou os instrumentos de orquestra com o acordeão. O acordeão faz contrapontos melódicos, atua como instrumento para compor a melodia do tema principal juntamente com a orquestra e como solo sob acompanhamento apenas do piano ou percussão. Vale lembrar que o acordeão não é de origem brasileira, entretanto este instrumento foi muito usado e popularizado por Luiz Gonzaga para execução do ritmo de baião. Outro instrumento muito presente é a zabumba, instrumento de percussão que acompanha o ritmo de baião. A melodia apresenta andamento moderado. Durante a execução, o compositor utiliza a instrumentação de metais para reproduzir o som da buzina do caminhão Anastácio. Radamés constrói todo o leitmotiv do caminhão a partir da