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2. APROPRIAÇÕES TECNOLÓGICAS NOS PROCESSOS DE ENSINO E

2.2 ÉTICA HACKER: PAIXÃO, COMPARTILHAMENTO E COLABORAÇÃO

Pretto (2012) argumenta que a educação e os movimentos de software livre, arquivos e acessos abertos, padrões livres e recursos educacionais abertos são por natureza, pertencentes à uma mesma esfera conceitual e filosófica, inspirada em uma Ética Hacker. Himanen (2001) afirma que os hackers trabalham coletivamente e compartilham os seus conhecimentos e os resultados de sua criatividade livremente, permitindo a qualquer um utilizar, distribuir e contribuir com as suas soluções. Segundo a Ética dos Hackers, o compartilhamento de informações é positivo e necessário, não apenas como um dever moral, mas também como uma poderosa estratégia de desenvolvimento técnico colaborativo.

O software livre é um bom exemplo desse tipo de compartilhamento, em especial o sistema operacional GNU/Linux, que teve Linus Torvalds como responsável pelo desenvolvimento do seu Kernel e que seguiu as bases técnicas e filosóficas do Projeto GNU e da FSF(Free Software Foundation), que têm como fundador e principal representante Richard Stallman. Para garantir a liberdade das soluções desenvolvidas pelas comunidades de software livre, Stallman desenvolveu a ideia de Copyleft em contraposição a ideia de Copyright, que define a proteção do Direito Autoral (ou restrição de acesso) na maioria dos países. Segundo Himanen (2001), essa atitude se aproxima muito da Ética da Acadêmica que se baseava na ideia de

“ações de comum acordo em que o conhecimento era livremente compartilhado” (HIMANEN, 2001, p. 53).

No mesmo momento em que o capital se fortaleceu como valor principal na Sociedade em Rede, os Hackers passaram a distribuir livremente as suas invenções. Isso se justifica por uma questão moral, e por uma questão técnica, mas também se justifica pelo reconhecimento individual e social obtido pelo hacker que resolve um problema, desenvolve uma solução e a compartilha com a comunidade. Entretanto, esse reconhecimento não deve ser um fim em si, mas deve resultar da paixão da criação de algo importante para a comunidade. Para Himanen (2001), essa união entre a paixão pelo trabalho e o seu caráter social torna o modelo hacker poderoso.

Himanen (2001) afirma que Richard Stallman defende este “modelo aberto” dos hackers, não só como sendo o mais ético, mas também como sendo a melhor estratégia de desenvolvimento tecnológico, por permitir um dinâmico e constante processo de evolução das soluções. No “modelo aberto” a produção e o aprendizado ocorrem simultaneamente de maneira coletiva, por meio do compartilhamento dos conhecimentos(processos) e das soluções(produtos). Isso configura um potencial de desenvolvimento técnico eficiente, que permite aos sujeitos aprenderem com o seu próprio trabalho, de maneira lúdica e seguindo o seu ritmo individual. Esse foi o modelo que tornou possível o desenvolvimento do GNU/Linux e a expansão da rede de computadores, a internet. O Modelo de aprendizagem dos hackers se assemelha ao seu modelo de desenvolvimento, se configura como uma atividade permanentemente desafiadora, feita com paixão e diversão. “Aprender cada vez mais sobre determinado assunto torna-se uma obsessão para o hacker” (HIMANEN, 2001). Na Academia da Rede descrita por Himanen (2001), os sujeitos são motivados pelo reconhecimento social, as leituras seriam críticas e construtivas, a pesquisa é constante e o aprendizado ocorre de forma coletiva.

Para Himanen (2001), graças a sua estrutura descentralizada e pelo fato do indivíduo deixar de ser apenas receptor para se tornar também emissor, os hackers vêm a rede como um contra ponto aos meios de comunicação de massa, no qual é muito mais difícil promover o controle e a censura. A rede potencializa a capacidade de produção e distribuição de informações. Ao mesmo tempo que destaca as

oportunidades da rede, Himanen (2001, p. 93) alerta para as suas ameaças: “A rede talvez seja um meio de liberdade de expressão mas também pode ser transformada num meio de vigilância”. A privacidade das pessoas na rede cada vez mais vem sendo ameaçada pelas empresas e pelos governos. O registro crescente das ações dos indivíduos na rede, permite a realização de um mapeamento quase completo de qualquer um e a identificação de padrões de vida na sociedade. Diante disso, grupos de hackers defendem que as tecnologias de codificação e criptografia devem ser utilizadas para garantir a privacidade. Eles trabalham para desenvolver soluções que garantam o respeito aos direitos individuais e coletivos na rede.

Himanen (2001) sistematiza em sete os valores que constituem a Ética Hacker: paixão, liberdade, ética do dinheiro, valor social, abertura(compartilhamento e trabalho coletivo), ética da rede(liberdade expressão, privacidade e inclusão) e criatividade. O hacker que vive de acordo com esses valores ganha respeito da comunidade e torna-se um verdadeiro herói quando alcança com louvor o sétimo e último nível, a criatividade. Na Ética do hacker a criatividade é um valor intrínseco, o indivíduo cria livremente e compartilha sua criação sem nenhuma formalidade para que outras pessoas possam contribuir e se beneficiar com a criação.

Pretto (2012) defende que foi a possibilidade de troca entre as pessoas, a permuta de conhecimentos e informações (o modelo aberto e compartilhado dos hackers), que possibilitou as grandes transformações sociais, culturais e tecnológicas da nossa época. Para ele, assim deveria ser a internet, a escola e os processos educacionais, constituindo-se em espaços permanentes de compartilhamentos, cocriações e recriações.

O que se propõe com os processos colaborativos em rede é que se possa produzir a partir do já produzido, sempre tendo como horizonte a filosofia hacker (HIMANEN, 2001), e como base o compartilhamento para a busca das melhores soluções, no coletivo, disponibilizando tudo imediatamente na rede e possibilitando, com isso, que outras pessoas, em outros lugares e em outros tempos, possam se apropriar dessas pequenas e grandes produções. (PRETTO, 2012, p. 105)

Desta forma, Pretto (2012) vislumbra uma dinâmica de produção permanente entre estudantes e professores, um circulo virtuoso de produção e difusão de culturas e de conhecimentos em rede, um intenso movimento de criação, circulação e recriação de bens culturais e científicos. Bens fortemente vinculados as culturas

locais, ao mesmo tempo, em permanente interação com as culturas globais. Os valores que permeiam a Ética dos hackers, trazem a luz novos paradigmas de trabalho e aprendizado, colaborativos e abertos, que inspiram as apropriações tecnológicas pretendidas pela Rede Anísio Teixeira.