• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO 4 – DADOS RELACIONADOS ÀS RELAÇÕES DE PODER (RE) CONSTRUIDAS NO

4.4. Ética e poder

A ética, para Foucault, é a possibilidade de apontar o sujeito que constitui a si próprio como sujeito das práticas sociais. Ele assevera que a compreensão da ética surge enquanto procedimentos e técnicas de subjetivação e de tecnologias de si. A subjetivação é a dimensão propriamente ética da moral; diz respeito à constituição de um ethos em que o indivíduo se transforma em sujeito de uma conduta moral, conforme expressa esta fala:

Os alunos estão mais rebeldes, não escutam ninguém, só fazem o que pensam. (GF-8)

Na escola, ética e poder fazem parte das relações sociais e, por isso, mesclam-se cotidianamente na experiência vivida pelos alunos que, ao passar para o exercício pleno do poder, constroem seus códigos, nem sempre úteis, mas que fazem parte da própria

convivência social, como sugerem os relatos abaixo:

Um aluno jogou uma bomba bem forte no Colégio, que chamou à atenção de todos; esse foi um ato de vandalismo. (GF-2)

Era a aula de História quando soltaram duas bombas no pátio. As bombas não são para machucar, só pra assustar. ( GF-12)

Os alunos dominam e soltam bombas na escola e ninguém faz nada. Muitos saem rindo, achando aquilo muito legal, algo que talvez acabe com a rotina da escola. (GF-12)

Na escola, o conjunto dos indivíduos no exercício do poder age de acordo com os princípios da ética, que estão no circuito da sociedade, chegam a justificar esse exercício com razões adequados aos valores do neoliberalismo. Sobre esse aspecto, professores ressaltam que, na escola, os códigos de conduta surgem pelo fato de os alunos se sentirem no direito de pensar e agir a seu modo, como relata a professora:

Hoje, na escola, existe uma ética entre os alunos de muitos direitos e poucos deveres. Cada um tem o dever de pensar antes de tudo em si mesmo. (GF-?)

Deste modo, as éticas, constituídas na escola, cederam espaço a uma ética definida em torno de cada indivíduo, o que prescreve limites de ideias justas, de atos equilibrados e de comportamentos responsáveis. Por isso, regulamentar a ética em um código não é um processo sem contradições. Isso porque o modo de atuação ético na escola instiga não a obediência a um conjunto de regras e valores prescritos, mas, sobretudo, modos de vida, maneiras de existir.

Para ser ético e agir eticamente, o homem precisa tomar conhecimento de si próprio, já que não há uma ética baseada em lições morais, mas voltada para a consciência do que é, o que possibilita problematizar a natureza das relações que constituem o tecido atual das nossas sociedades e o modo como são reproduzidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tentamos, ao longo deste estudo, proceder a uma discussão em torno das relações de poder, ligadas ao contexto da Escola Pública, tendo como pano de fundo para as nossas reflexões práticas vivenciadas pelos professores, alunos e demais profissionais do ensino médio, em Salvador, no Estado da Bahia. Nesse sentido, nossa contribuição se destinou a identificar relações de poder diretamente ligadas à escola, que tem seu cotidiano marcado dentro de tais práticas.

As conclusões sobre as relações de poder analisadas neste estudo não podem ser generalizadas, mas guardadas as limitações e possibilidades científicas de um estudo que pode servir de auxílio à compreensão da realidade das escolas públicas de Ensino Médio.

Do ponto de vista teórico, procuramos, inicialmente, demonstrar que o poder é algo inerente às relações sociais, e não, um bem materializado. Funciona na rede de relações, podendo ser exercido de modo diferenciado em cada relação ou contexto. Assim, esta pesquisa nos conduz a adotar concepções mais complexas sobre o poder e as contradições inerentes à forma como é exercido.

Verificamos, ao longo deste estudo, que as relações de poder se manifestam em atos objetivos (dominação-sujeição), determinados por mecanismos (técnicas) adaptativos, voltados para a dimensão subjetiva (interioridade).

Constatamos, ainda, que existem circunstâncias particulares que envolvem cada escola. Entretanto, encontramos referências comuns relativas às relações de poder que não decorrem de uma forma linear, variando de uma prática a outra; o desenvolvimento dessas relações, na escola, depende, sobremaneira, das circunstâncias que a rodeiam; as relações de poder são marcadas por muitas flutuações de pequenos acontecimentos, que revelam as outras facetas do dia-a-dia, especialmente da vida escolar.

De uma forma geral, os resultados obtidos na pesquisa (pelo menos, nesta pesquisada) indicam que o cotidiano da escola é permeado pelas relações de poder, numa escala de dominação-sujeição que, severamente, constrange a ação dos indivíduos, cerceando, sobretudo, a sua capacidade de redefinir os limites sociais em que estão inseridos. Entre um extremo e outro, há uma enorme variedade de práticas que permitem perceber esses dois fenômenos.

A característica da dominação-sujeição não confere exatamente estabilidade, e a permanência no bojo das relações de poder é mais episódica, pois descreve relações de imposição e de conflito, em consonância com mecanismos que podem constranger e/ou viabilizar sua ação.

Isso nos faz também pensar em relações de poder portadoras de atributos absolutamente contraditórios. De um lado, há as que promovem a dominação e sujeição, e outras que permitem aos diferentes agentes escolares participarem do processo de elaboração das regras a que se submeterão.

Por fim, cabe comentar a maneira pela qual "dominação" e "sujeição" aparecem sob os signos da ideologia, da violência e da disciplina. Isso faz pensar que as relações de poder na escola, em geral, continuam produzindo e reproduzindo dominações e sujeições, contribuindo, portanto, mesmo que de forma contraditória, para reações e resistências que ajudam a reverter ou mesmo a subverter muitas das situações concretas, vivenciadas no dia-a- dia escolar.

Essa perspectiva permite se pensar a dominação de forma complexa e não mais estabelecida unilateralmente, e refletir sobre como os agentes escolares se enfrentam e se aliam no espaço escolar e podem alterar o curso das relações.

No conjunto de percepções sobre relações de poder, foram encontradas formas de como o poder é exercido e são geralmente personalizadas através das relações interpessoais hierárquicas, em que o diretor é o seu principal interlocutor. São relações mais impositivas e centralizadas, controlando por ordens diretas as ações e os modos de ser e de agir dos profissionais.

Existe, também, aquela personalização advinda pela frequência com que o poder é exercido por determinadas pessoas. Mas, juntamente com essa personalização, há momentos em que o poder é despersonalizado - não se sabe, na relação, quem poderá exercê-lo.

Quanto à hipótese formulada, verificou-se que a possibilidade de que, na escola pública, as relações de poder explicitam uma dupla relação de dominação e sujeição, que não se baseia em regras delimitadas e fixas, mas podem ser alteradas, confirmam-se neste estudo, porquanto constatamos, empiricamente, diferentes formas de relações de poder, tendo em vista que a dominação-sujeição é obtida por meio dos instrumentos da violência e da ideologia, ambas funcionando através de sutis mecanismos. Pelo postulado de Foucault, um

poder não opera pela ideologia, o que é refutado neste estudo, nos resultados obtidos nas análises.

Por outro lado, verificamos outra manifestação "notável" de resistências "diretas", reagindo, sobretudo, contra as regras que são feitas para todos. Essas resistências operam estruturalmente as relações de poder, aglutinam-se, em geral, sob duas formas - a individual e a coletiva – e se externam com absoluta dissimulação de atos, formas e objetivos dinâmicos, em que se relacionam componentes de relações de forças.

Limitações deste estudo e recomendações para futuros estudos

Uma das limitações deste estudo encontra-se na sua reduzida amostra: cinco escolas. Por essa razão, as conclusões a que chegamos se aplicam apenas a elas, tratando-se por isso de um estudo exploratório. Por outro lado, a amostra deste trabalho engloba apenas professores e alunos de ensino médio de cinco escolas da rede estadual. Assim sendo, não podemos estender os resultados obtidos a outras escolas. Acresce, ainda, que este trabalho abarcou duas dimensões das relações de poder - a objetiva e a subjetiva - faltando, por isso, uma análise mais aprofundada e pormenorizada da última dimensão. Apesar disso, tal dimensão pôde evidenciar traços importantes das relações de poder, trazendo contribuições para o entendimento que temos sobre o funcionamento dessas mesmas relações, através de um rol de estratégia; tática; linguagens carregadas de valores e julgamentos; regras do diálogo e vínculos sociais e afetivos em que emergem posicionamentos extremados e explosões emocionais intensas e agressivas.

Tratando-se das limitações deste estudo, pensamos que componentes comportamentais, afetivo e cognoscitivo são dimensões que se devem considerar em trabalhos futuros. Também seria importante que estudos próximos procurassem abranger uma maior diversidade de profissionais das instituições escolares. Além disso, seria também pertinente que futuros trabalhos acompanhassem as relações de poder, o que contribuiria para o aprofundamento do tema em análise.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa: Presença, 1974. BARICHELLO, E. M. M. R.(org.) Universidade e Comunicação. Santa Maria: Imprensa Universitária, 1998.

BARLOW, M. Avaliação escolar; mitos e realidade. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed: 2006.

BESKOW, D. J. A sujeição contemporânea na escola - Implicações ao desenvolvimento

regional em tempos de dominação neoliberal. São Paulo - SP: Scortecci Editora, 2006.

BOURDIEU, P. e PASSERON, J. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema

de ensino, Lisboa, 1976.

BARROS, M.E.B. MYNAYO-GOMEZ. C. Sáude, trabalho e processo de subjetivação nas escolas . Psicologia. Reflexão Critica. V.15 n.3 Porto Alegre. 2002.

CASTELLS, M. A Sociedade em Rede na Era da Informação: Economia, Sociedade e

Cultura – volume 1, São Paulo, Paz e Terra, p. 397, 1997.

CASTRO, M. Relações de poder na escola pública de ensino fundamental: uma radiografia à luz de Weber e Bourdieu. São Paulo, Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, 325p. 1994.

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano:Artes de fazer.Petrópolis: Vozes, 4a ed. 1994. CHEVITARESE, L. A questão da ‘liberdade’ na sociedade de controle, por uma alegoria de Kafka em O Processo. In: Análogos. Anais da IV SAF-PUC. Vol. III, PUC - Rio, 2004. CÔRTES. A. S. B. O Panóptico de Yone: astúcias e táticas contra o poder disciplinar nos

espaços de controle da escola. Universidade Federal Fluminense. 2004.

DEBUS M. Manual para excelência em la investigacion mediante grupos focales. Washington: Academy for Educational Development. 1997.

DELEUZE, G. O ato de criação. In: Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 29 de junho.1999. ______. Foucault. Trad. Cláudia Sant’Anna Martins. São Paulo: Brasiliense, 1998.

______. Post-scriptum: sobre as sociedades de controle. In: DELEUZE, G.:Conversações. RJ: Ed. 34. 1992.

ESTEBAN, M. T. (Org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

FOUCAULT, M. In: MOTTA, M. B. (org.) Michel Foucault: Ética, sexualidade e política. Ditos & Escritos. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

______. A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In: Ditos e escritos V: ética, sexualidade, política. Org. Manoel Barros da Mota. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004b.

______. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

______. O sujeito e o poder. In: DREYFUS H. L. ; RABINOW, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica – para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1995a.

______. Un Dialogo sobre el Poder. Madrid: Alianza Materiales, 1995b. ______.Vigiar e punir: nascimento da prisão. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 1977

______. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987

______. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária ,2ª edição. 1986. ______. Microfísica do poder; organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

FORNAZIER. M. L. As reterritorializacoes do espaco e seus atravessamentos no universo do ambiente e do trabalho. Dissertação(mestrado). Rio de Janeiro; 2002.

GALEGO, C. GOMES, A. A. Emancipação, ruptura e inovação: o focus group como instrumento de investigação. Revista Lusófona de Educação, v. 5, p. 173-184, 2005.

GOMES, C. M. BARROS, M. E. B.. Saúde, trabalho e processos de subjetivação nas escolas

Psicologia Reflexão critica. v.15 n.3 Porto Alegre 2002.

GONDIM, S.M.G. Grupos Focais como Técnica de Investigação Qualitativa: Desafios Metodológicos. Revista Paidéia. Cadernos de Psicologia e Educação. v.12, n.24, pp.149-161, 2002.

GRACIANI, M. S. S. Anotações sobre a identidade dos grupos organizados: "As Gangues".

Revista do CREIA (Centro de Referência de Estudos da Infância e adolescência), Corumbá-

MT, 1995.

GUATTARI, F. O divã do pobre. In Psicanálise e cinema. Lisboa, Portugal: Relógio d’ Água. 1984.

______. DELEUZE, G. O que é a Filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 3ª reimpressão 2004. GUSMÃO, N. M. M. de. Projetos e pesquisa: caminhos, procedimentos, armadilhas... In: LANG, A.B. da S. G. (Org.). Desafios da pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: CERU, v. 8, p. 73-87, 2001.

HARDT. M. Qual é a maior contribuição de Deleuze ao pensamento? Matéria publicada na

Folha de S. Paulo em 2 de junho de 1996.

HARDT, M., NEGRI, A. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001.

HORKHEIMER, M e ADORNO, T. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

MAGALHÃES JUNIOR, A. G. Punição, Vigilância e Transgressão: história de moças em

escolas católicas na década de 1960. In: Maria Juraci Maia Cavalcante; José Arimateia Barros

Bezerra. (Org.). Biografias, Instituições, Idéias, Experiências e Políticas Educacionais. Fortaleza: Editora UFC, 2004.

MOREIRA NETO, M. O poder em Foucault e o poder nas mulheres. Par'a'iwa, Joâo Pessoa, 2001.

MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. O Método: a natureza da natureza. V.1. Porto Alegre: Sulina, 2002.

NEUBERN, M. Três Obstáculos Epistemológicos Para o Reconhecimento da Subjetividade na Psicologia Clínica Psicol. Reflexão. Critica. vol.14 no.1 Porto Alegre 2001.

OLIVEIRA, J. D. Sim, para a vida. Salvador, Coleções de escritos. 1987.

PACHECO, D. C. O poder disciplinar e sala de aula pátio recreio. In: II Seminário Internacional As redes de conhecimentos e a tecnologia: imagem e cidadania, 2003, Rio de Janeiro. Anais do II Seminário Internacional As redes de conhecimentos e a tecnologia:

imagem e cidadania. Rio de Janeiro, 2003.

PASSETTI, E. Punição e sociedade de controle. Com Ciência, v. 98, p. 98, 2008. ______. Rebeldias e invenções na anarquia. Verve, São Paulo, v. 3, p. 178-188, 2003.

______. Universidade, saberes e cidadania midiática. Revista PUV-Viva, São Paulo, v. 4, p. 18-20, 1999.

PRATA, M. R. Foucault e os modos de subjetivação. Cadernos do Espaço Brasileiro de

Estudos Psicanalíticos, v. 1, nº 1, p. 37-40. 2001.

PRATA, M. R. S. A produção da subjetividade e as relações de poder na escola: uma reflexão sobre a sociedade disciplinar na configuração social da atualidade. Revista Brasileira de

Educação, v. 28, p. 108-115, 2005.

PRETTO, N. L. O futuro da escola. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil(Entrevista)., 1999.

SANTOS, B. S. (Org.). Democratizar a Democracia: Os Caminhos da Democracia

Participativa. Volume 1. Record: 2002.

________. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência (Volume I). São Paulo: Cortez, 2000.

SIQUEIRA, T. C. B. MESQUITA, M. C. D. CARNEIRO, M. E. ; BRITO, W. A. . Corpo, Poder e Educação. In: IV Simpósio Trabalho e Educação, 2007, Belo Horizonte. Revista

Educação e Trabalho. Belo Horizonte : Publicação da Faculdade de Educação da UFMG,

2007.

TRAGTENBERG. M. Relações de Poder na Escola. Educação & Sociedade – Revista

Quadrimestral de Ciências da Educação – Ano VII – Nº 20 – Jan/Abril de 1985.

VARELA, J. Categorias espaço-temporais e socialização escolar: Do individualismo ao narcisismo. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.) Escola Básica na virada do século: Cultura, Política e Currículo. São Paulo: Cortez, 1996.

______. O estatuto do saber pedagógico. In: SILVA, Tomaz (org.). O sujeito da educação:

estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1996.

VEIGA-NETO,A. Foucault e Educação: outros estudos foucaultianos. In: SILVA,T.T.(org) O

sujeito da Educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994.

______. Foucault e Educação. 2ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

______. Incluir para saber. Saber para excluir. Pro-posições, Campinas (SP), v. 12, n. 3 (36), p. 22-31, 2001.

WEBER, M. Conceitos básicos de Sociologia. São Paulo: Editora Moraes, 1987.

Documentos relacionados