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CAPITULO 4 – DADOS RELACIONADOS ÀS RELAÇÕES DE PODER (RE) CONSTRUIDAS NO

4.1 Disciplina: instrumento de dominação e controle

4.1.1. As técnicas disciplinares

A disciplina, como ressalta Foucault, não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho. Ela é um tipo de poder, “uma modalidade para exercê-lo que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma "física" ou uma "anatomia" do poder, uma tecnologia” (1977, p. 177), para disciplinar os movimentos dos agentes escolares em suas atividades.

Nos depoimentos dos entrevistados, observamos, atentamente, as minúcias das normas da escola, funcionando também como um poderoso dispositivo subjetivante que envolve um universo de códigos, que são internalizados, como expressa esta fala:

Nós, professores, temos que cumprir horário, temos que mostrar que o aluno está aprendendo, temos que fazer o registro de notas na caderneta e controlar as faltas dos alunos. Na escola, tem regra para tudo, reforçando assim a sua função reguladora das nossas ações. (GF-12)

Essas são normas e regras formais que têm um caráter impositivo, estruturadas e codificadas, inscritas geralmente em suportes oficiais. Tais normas e regras, formalmente produzidas na escola como normas éticas ou de conduta, são originárias não apenas de leis, decretos e sistematizações advindas da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, mas

também da própria formulação dos agentes escolares. Esse aspecto é ressaltado neste discurso:

No seu funcionamento, cada escola estabelece normas gerais. Nesta escola, o aluno que danificar o patrimônio escolar será obrigado à indenização e serão aplicados os procedimentos das normas. (GF-12)

Dessa forma, as normas e regras estabelecidas para os alunos são também para os professores, através dos métodos e das técnicas entendidos como um conjunto de regras éticas que circulam nas relações. Isso pode ser observado no depoimento da professora sobre alguns dos regulamentos internos da escola:

A escola a direção instituíram, como regras internas de funcionamento, em que o critério para entrada de alunos atrasados será estabelecida pelo professor, o uso de uniformes como obrigação para todas as séries em qualquer atividade no cotidiano escolar, o aluno deve aguardar na sala de

aula a chegada do professor e não danificar o mobiliário ou efetuar pichações em qualquer bem da escola. (GF-12)

Esse depoimento aponta para as regras elaboradas pela escola com os mais

diversos procedimentos, que tornam explícitas proibições integradas no regimento da escola.

São inúmeros os exemplos reveladores de convivência na comunidade escolar, através de determinadas regras: só sair da sala de aula com autorização do professor; não utilizar ou portar material potencialmente perturbador da ordem ou dos trabalhos escolares; não sair das dependências da escola sem autorização; não promover jogos e rifas sem prévia autorização da direção da escola; não manifestar ações ostensivas de namoro ou que demonstrem intimidade física; não usar o telefone celular e aparelhos eletrônicos, durante as aulas; não promover algazarras ou distúrbios nos corredores e pátios; não levar para a escola livros, impressos, gravuras ou escritos considerados imorais.

Essas são regras estipuladas no regimento escolar, um documento que disciplina as relações de todos os envolvidos no processo escolar, que traz, também, as sanções e os recursos cabíveis para os que infringirem regras formais de convívio. Essas regras são fortemente moduladas pelo contexto cultural e passam a ser aplicadas, verbalmente, na sala de aula, como comenta o aluno:

O aluno ficará perplexo se noutra aula for ser advertido, subitamente, pelo professor por ter usado o boné na sala de aula. Nesta escola, é proibido usar boné, touca ou gorro, em sala de aula, laboratório e em outros espaços físicos. (GF-1).

Essas são normas avulsas, postas em prática, nos diferentes âmbitos da escola, mesmo sem estarem integradas ao regimento da escola, passando a compor um conjunto de regulamentos escolares, refletidos para controlar ou corrigir as operações do corpo. Foucault (1977, p.118 ) aponta e que “o corpo é objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes: em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações.” O autor esclarece também que são novas essas técnicas. Para ele, “não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável, mas de trabalhá-lo detalhadamente: de exercer sobre ele uma

coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica – movimentos, gestos, atitudes” (ibid.1977, p.118).

A norma, como entende Foucault, circula na sociedade como um dispositivo de caráter regulamentador, visando sempre a uma ordem disciplinar, impondo valores ao corpo e aos acontecimentos da sociedade. Ele refere que se pode considerar que as normas “estão no próprio fundamento da sociedade e de seu equilíbrio, enquanto são uma série de mecanismos para desequilibrar definitivamente e em toda parte as relações de poder; daí o fato de nos obstinarmos a fazê-las passar pela forma humilde, mas concreta de qualquer moral, enquanto elas são um feixe de técnicas físico-políticas” (FOUCAULT, 1977, p.184). As normas, dentre outros dispositivos, passam a ser instituídas dentro de um cunho moral, pontuando extremos em termos de adestramento dos corpos, para neutralizar possíveis conflitos, que circulam numa rede de relações.

Na escola, essas são práticas que dão sustentação ao “poder disciplinar” explícito ou implícito no tecido social, instaurando, mediante processos constantes, a disciplinarização dos corpos dos indivíduos, tentando sempre, na medida do possível, garantir a obediência e a docilidade, na submissão mais eficiente possível, sustentada, como nos fez ver Foucault (ibid, p. 177), “por mecanismos miúdos, cotidianos e físicos, por todos esses sistemas de micropoder essencialmente assimétricos, que constituem as disciplinas”, que comportam todo um conjunto de instrumentos, de técnicas de procedimentos, ou seja, uma tecnologia que passa pelo que parece minúsculo - as pequenas relações do cotidiano.

Assim, as normas criam, ao mesmo tempo, o conceito de proibição, que articula a escola às convenções. São, em torno das convenções, represálias interpretadas como castigo e punição.

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