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Violência que se impõe através das técnicas punitivas e disciplinares

CAPITULO 4 – DADOS RELACIONADOS ÀS RELAÇÕES DE PODER (RE) CONSTRUIDAS NO

4.1 Disciplina: instrumento de dominação e controle

4.1.2 Violência que se impõe através das técnicas punitivas e disciplinares

Analisamos a violência, de acordo com as proposições teóricas de Michel Foucault, a qual mantém um vínculo estreito com a temática do poder. Ele propõe que ela seja analisada como “um domínio de relações entre indivíduos ou grupos – relações que podem recorrer a técnicas e procedimentos diversos de coerção”. (1995, p. 243)

A violência está associada ao modo de punir e se volta para os mecanismos disciplinares próprios das sociedades modernas, delimitados em seus efeitos positivos, como tática de dominação orientada pelo investimento do corpo, por relações de poder.

A violência, como concebe Foucault, “[...] age sobre um corpo, sobre as coisas; ela força, ela submete, ela quebra, ela destrói; ela fecha todas as possibilidades” (1995, p. 243). Isso não significa que o exercício do poder prescinda da violência, mas que essa é uma atividade final, um efeito que pode ser percebido nas situações cotidianas da escola, por vias distintas: estrutural/institucional e comportamental/relacionais.

Na escola, a dimensão da violência no exercício do poder se dá por meio de tecnologias políticas do corpo, quando ele é atravessado por um poder regulador, um discurso ou um conhecimento que o ajusta, impondo limitações, autorizações e obrigações. O corpo, na escola, é perpassado por vários discursos e por alguns mecanismos e técnicas de controle. É através das mais variadas táticas e técnicas, ou seja, das "tecnologias políticas do corpo", que se inculcam os padrões de comportamento ao corpo, em todas as suas relações.

Em Foucault (1977, p. 25), o corpo é investido por relações de poder e de dominação; sua constituição como força de trabalho só é possível se preso a um sistema de sujeição para que se torne força útil e, ao mesmo tempo, corpo produtivo e corpo submisso. Percebe-se, assim, que a escola é um lugar também apropriado para a difusão das tecnologias políticas do corpo.

Na escola, há uma série de técnicas que se fazem mostrar como elementos operadores e como legitimadores do controle do corpo.Várias dessas técnicas estão relacionadas à utilização do corpo, para obtenção de disciplina, à cisão corpo/mente, à imobilização do corpo, no ambiente escolar, e à seleção e exclusão dos corpos no confronto com os diferentes e com as diferenças no ambiente escolar.

Em Salvador, nas Escolas de Ensino Médio, local de nossa pesquisa, observou-se, através das informações coletadas, que as condições de ser corpo dos alunos foi, por vezes, utilizada e manipulada, a fim de se obter disciplina, por meio de sistemas punitivos que, embora não recorram a castigos violentos, utilizam métodos de trancar ou corrigir:

Os portões sempre ficam trancados. Os funcionários da escola ficam circulando e, à porta, sempre há uma concentração de alunos, na calçada da escola, próximo ao portão, que foram impedidos de sair. (GF-6).

Foucault permitiu-nos diagnosticar contornos dessa violência, na difusão das tecnologias políticas do corpo, inscritas numa mecânica que não “trata de cuidar do corpo em massa, [...] mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica” (FOUCAULT,1977, p.118), em que o corpo está preso no interior de poderes que não apenas lhe impõe limitações, proibições e obrigações, mas também punições e novas técnicas de violência, como relatado a seguir:

Nesta escola, ainda hoje, ocorrem punições ilegais, como suspensões e expulsões. (GF-10)

Esse depoimento retrata a disciplinarização, através do poder disciplinar, em que a punição apresenta um efeito de positividade do poder na eficácia e eficiência do seu uso, nos vários domínios de sua aplicação, através de mecanismos de punição, como sugere o depoimento abaixo:

Havia, nesta escola, diferentes regras de punição a serem cumpridas. Se você tivesse uma falta grave, você era castigado. Agora temos punições leves como: advertência oral e escrita, suspensão das aulas e cancelamento de matrícula, quando o caso assim o exige. (GF-12)

Na escola, usam-se essas formas de punição porque não se podem tolerar certos atos tidos como antissociais, e às pessoas que nele se empenham seria negada a oportunidade de o fazerem uma segunda ou terceira vez. Apesar dos efeitos temporários, a punição é comumente empregada no controle do comportamento, com o objetivo de eliminar atitudes indesejáveis.

Na sala de aula, ainda hoje, alguns professores utilizam punições como forma de controle para o exercício da autoridade. (GF-10)

Embora, em algumas escolas, os professores usem a punição, como, por exemplo, medidas corporais, atualizam ou realizam outros procedimentos de punição, através de ameaças, repreensões, abuso de autoridade, investidas de rigidez, através de sanções que favorecem formas de controle. Entretanto, temos que considerar que, na escola, continua-se a punir por razões bastante diversas, como retratam os depoimentos abaixo:

O professor recorre à punição quando se sente criticado, ridicularizado, e agredido na sala de aula. (GF-2)

Aqui, existem situações em que os alunos vão à desforra com professores que os puniram com uma expulsão da sala de aula ou, mesmo, lhe deram uma nota baixa. (GF-2)

Nota-se que, na escola, uma variabilidade e complexidade de situações punitivas chama a atenção, e a pessoa que foi punida nem por isso se encontra menos inclinada a proceder de determinado modo e evitar a punição, que é humilhante para quem sofre.

Esses processos punitivos, que estão em funcionamento nas escolas, ainda nos dias atuais, sugerem que devemos partir de sua estrutura institucional, mas, de modo algum, limitarmo-nos, mas, ir a fundo nas práticas sociais, cada vez mais, disseminadas, entre os agentes da escola, como se observa no depoimento:

Na escola, a punição termina sendo usada por qualquer pessoa, mesmo existindo uma decisão sobre quem deveria usá-la. (GF-5)

Podemos, assim, enfatizar os sentimentos morais que sustentam muitas práticas da punição geradora de agressividade, que são destrutivas, invertem o modo de perceber essas práticas, apenas em torno das regras referidas ao ato transgressivo e ao ato desviante, mas, para a própria comunidade escolar, no modo como cada pessoa reage a certas condutas. Para Foucault, trata-se de localizar numa série de situações:

Técnicas sempre minuciosas, muitas vezes íntimas, mas que têm sua importância: porque definem um certo modo de investimento político e detalhado do corpo, uma nova "microfísica" do poder. (...) Pequenas astúcias dotadas de um grande poder de difusão, arranjos sutis, de aparência inocente, mas. profundamente suspeitos, dispositivos que obedecem a economias inconfessáveis, ou que procuram coerções sem grandeza, são eles entretanto que levaram à mutação do regime punitivo, no limiar da época contemporânea. (FOUCAULT,1977, p. 120)

Nesse modelo foucaultiano, a punição tem vários elementos culturais, interpretados como instrumentos de dominação, controle, subjetivação e técnicas de poder. Todos esses elementos são importantes para o entendimento atual do que há de cultural na práticas e nos mecanismos punitivos que se traduzem em violência. Portanto, a violência que ocorre no âmbito institucional abriga uma série heterogênea e complexa de práticas, como de ameaças verbais, que operam com códigos que são lidos para advertir, assustar, intimidar e amedrontar, nas mais diversas situações do dia-a-dia escolar, como apontam estes relatos:

Alguns alunos tiveram a má experiência de sofrer ameaças de alunos mais velhos, dentro da escola. Sabemos que são casos isolados, que acontecem muito raramente; mas acontecem. (GF-11).

Presenciamos, na escola, agressões mútuas, entre alunos, insultos, empurrões

e ameaças (GF-11).

Essas são situações de ameaça ou de intimidação, dirigidas por alunos contra alunos, que ocorrem em vários espaços da escola, onde a punição ocorre com frequência e favorece a agressividade, como um modo aceitável de resolução de conflitos. As ameaças verbais, identificadas nos dados empíricos, referem-se aos empurrões, aos insultos com palavras ou gestos, que não deixam de ser também uma forma de violência.

O cotidiano da escola permite que se sinta, de perto, a violência que, para Foucault, está diretamente ligada ao corpo que resvala o comportamento agressivo, como recurso para resolver um conflito, como expressam os relatos seguintes:

Pelo fato de o professor ter corrigido a prova, com dois décimos a menos, o aluno agrediu o professor, que entrou em coma devido às pancadas que levou com uma cadeira, e a escola ficou toda suja de sangue. (GF-10)

Um dos fatos conhecidos e que acontece também nesta escola é que alunos agridem professores por causa de décimos e por causa de outras coisas. (GF- 10)

As estratégias são mobilizadas para resolver os conflitos na escola, por meio do comportamento agressivo, que infringe dano físico ou psicológico ao outro. Entretanto, é importante considerar que, na maioria das vezes, os agentes escolares escolhem estratégias não violentas para resolver os conflitos interpessoais

.

Aluno bate com força na cara do Professor por causa de uma discussão na sala de aula (GF-11).

Essas formas de violência física dizem respeito a um conjunto de práticas que invadem a privacidade do indivíduo atingindo-o e, em última instância, o seu próprio corpo. Na relação social, esse tipo de violência é o excesso de poder que impede o reconhecimento do outro mediante o uso da força, da coerção e da ameaça, provocando algum tipo de dano em

graus variáveis. Não se trata só de atitudes agressivas, mas de uma circunstância que intimida, gradualmente, às vezes pelo medo. A violência nas escolas também assume a forma de brigas, frequentemente, associadas à intimidação verbal:

Fui tirar algumas dúvidas com a coordenadora pedagógica sobre o estágio e ela mim (sic) atendeu de forma muito grosseira, gritando comigo. (GF-6) O diretor, por conta do seu constante mau humor, trata os alunos e até mesmo os professores de forma grosseira (GF- 6).

Um colega foi perguntar para um professor por que ele estava faltando tanto, o professor deu uma resposta grosseira. (GF-10).

Esses são atos que contradizem as regras de boa convivência: ameaças, empurrões, grosserias, palavras ofensivas, atos de excesso, agressão contra o professor, como bater-lhe na cara, que se verificam no exercício de cada relação de poder presente nas relações estabelecidas na escola.

Na complexidade das relações sociais, que estão presentes no espaço social da escola, existem também as práticas de violência contra o patrimônio, sendo mais frequentes, nas escolas pesquisadas, os atos de depredação de muros, janelas, paredes e salas de aula, e de destruição de bens, em particular, as cadeiras, como sugerem os depoimentos:

Os alunos começam a depredar a escola, criando um clima de insegurança para a comunidade escolar, manifestando, de alguma forma, o seu descontentamento e a sua revolta (GF-11).

Um aluno do Centro Educacional Edgar Santos jogou uma carteira do segundo andar do colégio. (Estudantes, GF-11).

Esses atos de depredação da escola com a dilapidação do próprio espaço escolar, embora em reduzido número, têm sido associados à violência de gangues juvenis, formadas por jovens e adolescentes que foram, ou se sentem, excluídos da instituição escolar, mas que, por vias transversas, querem ser incluídos no espaço escolar. Segundo Graciani, há “um desencontro entre a instituição escolar e as particularidades culturais das populações pobres, desencontro que precisa ser substituído por um relacionamento denso entre a escola e a coletividade local na qual está inserida”. (1995, p. 145)

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