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CAPÍTULO 2 – O MAR INVADE A CENA

2.4 Ô DO MAR CONVERSAS DE PESCADOR

Para encerrar esse relato do processo de criação, julguei importante compartilhar algumas impressões dos espectadores que assistiram aos ensaios abertos que realizei em Macau. São relatos que foram gravados, durante as conversas que foram realizadas após as apresentações. Com o intuito de perceber como o espetáculo afetou as pessoas. Após a finalização do processo eu queria muito saber como os espectadores (ou tripulantes como eu gosto de pensar) vivenciaram comigo aquela experiência teatral.

Os ensaios abertos aconteceram nos dias 27 e 28 de Julho de 2018 no Teatro “Porto de Ama”, em Macau. Assim, descrevo abaixo os principais comentários e como recebi cada um deles.

O primeiro depoimento que descrevo é do Professor Tião Maia. Como relatei na introdução desta monografia, o Tião Maia tem um papel fundamental na minha trajetória teatral. Tê-lo na plateia foi motivo de muita alegria, apesar dele sempre prestigiar as apresentações da Cia Amagoa. Cada vez que ele está presente na plateia fortalece as nossas práticas teatrais. Sobre o espetáculo ele relatou o seguinte:

[...] Se eu fosse dar uma opinião técnica do ponto de vista da formação lá da academia, da universidade, eu diria que você montou o seu espetáculo com todos os elementos que você conseguiu aprender no seu curso. (Tião Maia. Depoimento gravado no dia 27 jul. 2018)

Como Tião Maia me acompanha desde muito cedo eu entendo que quando ele diz que consegui montar um espetáculo com tudo o que aprendi no curso, de fato houve um amadurecimento na minha formação teatral.

Outro depoimento foi o do fotógrafo da cidade de Afonso Bezerra/RN, que foi assistir a peça, acompanhado de um ex-prefeito de sua cidade. Como ele não se apresentou oficialmente vou manter a sua identificação como “fotógrafo”. Sobre a peça ele relatou o seguinte:

[...] Eu não sou daqui de Macau, então eu não sei quem são as pessoas que você retrata no espetáculo. Mas você conseguiu interpretar tão bem na sua linguagem corporal que você consegue levar a gente até o local que você esteve e conversar com as pessoas que você conversou. Então eu me senti aqui conversando com estas pessoas. Eu senti que eu era você e você era as pessoas com quem você estava conversando. (Fotógrafo. Depoimento gravado em 27 jul. 2018. Teatro Porto de Ama).

Este comentário foi um dos que me deixou mais feliz. Como relatei no texto sobre meu encontro com os pescadores, enquanto eu os ouvia é como se eu estivesse com eles naquele momento da história. Eu entrava nestas histórias apenas com as narrações dos pescadores e suas formas corporais de se expressar. Quando represento os pescadores, eu busco reviver todo esse momento das histórias novamente, sair do campo da explicação e fixar nas sensações que aquelas histórias me causaram. Então este retorno do fotógrafo é importante por saber que de alguma forma, estas minhas sensações estão sendo transmitidas.

Outro depoimento que me chamou a atenção foi o de Sandra Pereira, mãe de uma ex-atriz de nosso grupo, a Alanna Silva.

[...] Como você, eu cresci assim. Os gestos que você fez, as histórias que você contou, eu convivi com tudo isso porque meus primos pescavam, meu tio pescava, convivi com uma pessoa que pescava e saia de 3h da manhã e voltava de tarde. Então se as pessoas que não viveram isso, viu e sentiu (sic) através da peça, imagine quem viveu!? Então foi muito emocionante mesmo! (Sandra Pereira. Depoimento gravado em 27 jul. 2018)

Em seguida, também compartilho os depoimentos do artista plástico e poeta macauense Herbert Martins, que é casado com minha tia e acompanhou toda a minha infância na comunidade. Mora no Porto da Pescaria há mais de vinte anos e conhece de perto a realidade retratada na peça.

Quero agradecer pelo o que você fez aí, pelo que você mostrou para nós. Era você fazendo e eu só me lembrando das histórias. Tem 25 anos que moro ali no porto. Teve horas que eu segurava o choro lembrando das histórias. Muito Obrigado! (Herbert Martins. 28 jul. 2018. Teatro Porto de Ama).

Estes relatos me chamaram atenção parte pelo orgulho que eles sentiram ao assistir a peça e pela sensação de pertencimento que detectei em seus depoimentos. Da mesma forma que esta peça me toca e com a minha trajetória, estas pessoas se sentiram contempladas com a temática abordada. Os relatos me deixaram muito feliz, porque trazem consigo, a valorização desta comunidade e a relevância de suas histórias. A peça também busca tornar conhecidas estas histórias destas pessoas tão ricas. É um resgate cultural de nossa identidade.

Essa sensação de pertencimento também pode ser vista no depoimento de Micarla Oliveria, uma amiga da cidade que também participou do nosso grupo. Em seu relato ela diz que:

[...] Essa peça mexeu muito comigo porque eu não tenho na minha família ninguém que pesca, mas hoje eu vivi a pesca como se meu pai fosse pescador. (Micarla Oliveira. Depoimento gravado em 27 jul. 2018)

É interessante perceber que essa sensação de pertencimento não vem somente de quem tem pescadores na família ou de quem está envolvido nesta atividade diretamente. Apesar do ensaio aberto ter sido em Macau, acredito que essa sensação de pertencimento também possa aparecer em pessoas de outras cidades quando o espetáculo vier a circular.

Dando sequência, trago agora alguns depoimentos de um outro ensaio aberto realizado no dia 20 de Agosto de 2018, também no Teatro Porto de Ama. Nesta ocasião, tratava-se de um projeto do IFRN Campus Macau chamado “Encontro com o Artista”, no qual apresentei para os alunos do curso técnico “Recursos Pesqueiros”. Ao final, também fizemos uma roda de conversa com os alunos, em que eles puderam fazer perguntas referentes ao processo do espetáculo.

No meio das perguntas, surgiu um relato que achei bastante interessante feita pelo aluno Paulo.

[...] Eu gostei de ver um pouco do trabalho que talvez a gente possa vir a ter. Talvez alguém aqui queira seguir a carreira e trabalhar até embarcado. Então notei um pouco dessa experiência de problemas com pessoas que até conseguiram resolver, como alguns problemas com a tempestade. Então foi legal porque para quem daqui pretende seguir carreira pode até abrir os olhos para a realidade que é lá fora. (Paulo. Depoimento gravado em 20 ago. 2018)

Paulo relata algo que considero muito importante: a realidade da vida dos pescadores que ainda é desconhecida por muita gente. No capítulo 1 desta monografia eu comentei sobre um trabalho desenvolvido por alunos de Recursos Pesqueiros do IFRN, em Macau. Este trabalho visava manter um diálogo entre os alunos e a Colônia os Pescadores Z-09 em Macau, no qual os pescadores teriam contato com alguns equipamentos tecnológicos e seriam instruídos na ampliação de uma gestão mais técnica de suas atividades.

Embora os alunos que assistiram à peça neste dia não tenham sido os alunos que desenvolveram tal atividade, o espetáculo contribui nesse processo de estudos dos alunos apresentando a realidade de vida dos pescadores que, muitas vezes não é comentada em sala de aula.

Assim, de alguma forma os alunos poderão pensar em projetos que ajudem ainda mais na ampliação da gestão técnica das atividades pesqueiras, auxiliando-os a contornar esta realidade da pesca que coloca em risco a vida dos pescadores.

Finalmente, fechando estes depoimentos, descrevo abaixo o relato de Abraão Lincoln, professor de teatro do IFRN em Macau. Ele é responsável pelo projeto “Encontro com o Artista”. Ao final, antes do encerramento, ele fez questão de expressar suas reflexões sobre o espetáculo, relatando o seguinte:

[...] O momento de curso de Max finaliza com um trabalho belíssimo. Eu como espectador fiquei muito comovido com essa lição, com a forma como Max pega essa missão na sua formação como professor de teatro e monta esse espetáculo. Esse trabalho está muito consistente. Como alguém que é de Macau, que viveu essa realidade, que tem na família pescadores, como é o exemplo do seu avô. Ele consegue utilizar tudo o que ele aprendeu no teatro e transformar em encenação. Do ponto de vista estético e do ponto de vista da contação de histórias, está um trabalho completo. Eu estou muito orgulhoso e muito feliz de ter trazido os alunos para verem essa encenação. Porque mesmo que os alunos não tenham essa realidade do que é o convívio com a pescaria e o pescador, mas sendo da região, a gente consegue ver os personagens da vida real aqui transportados por meio do trabalho artístico de Max, por meio dessa conjuntura. O cenário simples consegue traduzir o mundo do pescador porque o trabalho do ator em diálogo com o violão, com o acordeom e com os demais elementos, consegue desenvolver as cenas e fazer com que o espectador consiga entrar no mundo destes pescadores que ele está mostrando. Eu estou muito feliz por estar aqui nesse momento e ver esse trabalho. (Abraão Lincoln. 20 ago. 2018. Teatro Porto de Ama).

O comentário de Abraão traz alguns pontos importantes. Ele confirma em sua fala o principal objetivo de minha encenação que é levar ao palco as histórias dos pescadores de forma simples e consistente, sem precisar de todo o aparato técnico de ornamento. É uma espetacularidade que está voltada para as histórias em si e a forma como ela é repassada através da atuação e manipulação dos poucos elementos que coloco em cena. Mesmo sendo uma encenação com poucos recursos da arquitetura teatral, não deixa de ser um espetáculo completo. Ele convida o espectador a embarcar no espetáculo se colocando dentro das histórias.

Abraão também faz uma avaliação geral sobre meu percurso dentro do curso e de como isso culmina com a criação desta encenação. De fato este espetáculo vem a ser o resultado de todo meu processo teatral até aqui. Ele traz a minha história e o meu lugar de pertencimento, ele leva ao palco o meu amor pelo teatro e pela minha terra. Não tem nada que me deixa mais feliz em ver que as pessoas conseguem enxergar isso dentro do espetáculo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O espetáculo “Ô do Mar” surgiu a partir de um desencantamento com o Curso de Teatro. Este desencantamento me levou a uma viagem de volta a minha cidade natal para visitar os pescadores e buscar histórias que me inspirassem na montagem de uma peça. Estas visitas no interior são marcadas pelo jargão popular “ô de casa!”, um termo usado para chamar alguém pra que entre de sua casa, a fim de que possa lhe receber para uma visita. Estas visitas aos pescadores realizadas numa cidade do interior me levaram a denominar o nome do espetáculo de “Ô do Mar”, um humilde convite aos pescadores para me receberem e compartilharem comigo suas histórias de vida.

Sem dúvida, esta viagem de volta contribuiu não só com as minhas demandas teatrais, como também me mostrou que mesmo quando não temos criatividade para desenvolver qualquer tipo de trabalho, a própria falta de inspiração pode resultar num grande material de pesquisa, e consequentemente num espetáculo teatral.

Nesta pesquisa, analisei as histórias dos pescadores buscando meios para transportar estas histórias, do relato para a cena. Na medida em que fui me aprofundando nesta demanda, fui me reencontrando dentro do contexto acadêmico que só contribuiu com meu fazer teatral. Aquilo que diversas vezes foi motivo de desmotivação, agora estava quase todo me ajudando a produzir o espetáculo.

Acredito que esta pesquisa seja de grande relevância para a academia por se tratar de uma reflexão que dialoga inquietações pessoais de um estudante acadêmico com sua prática teatral fora da Academia. Isto cria uma ponte entre estes dois universos dentro e fora do Campus, que fortalece não só o meu crescimento pessoal e profissional, como também eleva a importância desse diálogo entre a universidade e a comunidade.

Concluo esta monografia como quem desembarca em terra tendo a missão cumprida e vários peixes nos cestos. Parti de volta para minha terra com a problemática de como o encontro com pescadores poderia me auxiliar na construção de um espetáculo e voltei com expectativas superadas e uma vontade maior de nadar em águas mais profundas.

Assim, caro leitor, encerro este diário de bordo como um marujo que conclui sua viagem. À frente avisto uma longa terra a trilhar. Ao longe enxergo pessoas que aguardam a minha chegada para usufruir do alimento que conquistei ao longo destes quatro anos de Graduação.

Agora já sei que quando a monotonia voltar, eu devo me lançar ao mar novamente e ir em busca de novos alimentos para saciar a minha fome de teatro. Com certeza esta não será minha última viagem, existem ainda outras águas a serem navegadas e exploradas por mim. Por enquanto, lanço minha âncora em terra e aproveito para contar as minhas próprias histórias.

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