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A EMBARCAÇÃO COMPLETA: ENSAIOS, CENÁRIO, FIGURINO,

CAPÍTULO 2 – O MAR INVADE A CENA

2.3 A EMBARCAÇÃO COMPLETA: ENSAIOS, CENÁRIO, FIGURINO,

Apesar de já ter relatado anteriormente sobre alguns procedimentos de ensaio quando tratei do processo de criação das personagens, acho importante contextualizar como se deu o ambiente de trabalho e a configuração dos ensaios de um modo geral. Isso faz parte da minha reflexão sobre desenvolver um processo com mais autonomia, sem um diretor e dramaturgo presentes.

Por se tratar de uma montagem solo e independente, entendi que o trabalho só aconteceria se eu me dedicasse ao máximo.

Em o Manual do Ator, Stanislavski escreveu que:

Para alcançar um verdadeiro estado criador em todos os momentos em que este lhe for necessário, um ator deve estar constantemente praticando, esteja representando, ensaiando ou trabalhando em casa (STANISLAVSKI, 1997, p.78).

Isso aconteceu comigo. Sempre que eu conseguia um horário vago, em casa ou em outro ambiente, eu me dedicava aos ensaios do espetáculo. Às vezes era

uma passagem de texto, tocar um instrumento, ensaiar as músicas, preparar os objetos de cena, o estudo do texto e dependendo do lugar, até passagens de algumas ações corpóreas e vocais. Assim a cada dia eu dava um passo a mais e avançava no processo.

Em alguns destes ensaios tive a presença da professora Melissa Lopes, que, ao assistir as propostas, comentava suas impressões e dava algumas indicações.

Com relação à Encenação descrevo adiante como se deu a elaboração do cenário, iluminação e figurino.

Trata-se de um cenário simples, o espaço vai sendo montado na frente do espectador. Os objetos de cena servem unicamente para compor algumas ações das personagens e, ao mesmo tempo, expressar de forma simples o que vem a ser um rancho de pescador. Nas palavras do encenador russo, a composição do cenário: “trata-se de coisas que só têm valor na medida em que ajudem a promover a expressividade da ação dramática” (STANISLAVSKI, 1997, p.16).

Nesse caso, eu divido o cenário em duas partes:

Ao lado esquerdo encontra-se o que chamo de “Cantinho do Pescador”. Nele vemos os materiais de pesca, uma garrafa de café, um lampião, cestas de palha, um rapa-coco, uma quenga de coco, um barco de madeira, uma jarra d’água e alguns copos de barro. Já ao lado direito encontramos o “cantinho do ator”, que é onde ficam os instrumentos musicais que serão utilizados na cena como o violão, o acordeom, o banquinho e um lampião.

Figura 07: Registro do cenário no ensaio aberto do espetáculo em Macau/RN, em 27 ago. 2018. Foto: Robson Dantas.

Figura 08: Registro do cenário no ensaio aberto do espetáculo em Macau/RN, em 27 ago. 2018. Foto: Robson Dantas.

Estes materiais cenográficos ocupam a parte do fundo do palco. A ideia é que as cenas e a contação das histórias sejam realizadas apenas do meio para frente do palco.

Figura 09: Registro do ensaio aberto do espetáculo em Macau/RN, em 27 ago. 2018. Foto: Robson Dantas.

A ideia do figurino foi elaborada juntamente com a atriz e aluna do curso de Licenciatura em Teatro, Samara Batista. Como eu sabia da habilidade dela em confeccionar figurinos a convidei para elaborar a proposta de figurino junto comigo.

Semelhante ao cenário, optamos por algo bem simples. Não queríamos que o figurino tivesse ornamento ou cores chamativas. As roupas deveriam ter tons pastéis e tecido de algodão. Não quis reproduzir as vestimentas das pessoas que entrevistei porque as roupas que estas pessoas estavam vestidas levariam as cenas para outros caminhos e ainda fugiria de nossa paleta de cores.

O desafio maior com relação ao figurino foi pensar como ele poderia ser modificado de um ato a outro sem perder a padronização e sem precisar sair de cena para que essa troca acontecesse. Fiz questão que cada personagem interpretado tivesse algo que diferenciasse o figurino de um para o outro. Gosto da ideia de caracterizar uma personagem com algum elemento externo que ajude a direcionar o olhar da plateia.

Assim, de forma simples e mais neutra possível, definimos o figurino de cada ato da seguinte forma:

ATO 01 e início do ATO 02:

Este figurino traz uma camisa de botão feita de algodãozinho e uma calça marrom. Um figurino não tão característico sendo o mais neutro em relação aos outros. Com este figurino represento o Max Criança, Max Adulto no Ato 01 e o Pescador 01 no início do Ato 02.

Figura 10: Registro do ensaio aberto do espetáculo em Macau/RN, em 28 ago. 2018.

Foto: Adriano Oliveira.

ATO 02:

Este figurino é trocado em cena na transição do Pescador 01 para a Marisqueira. A camisa usada até o momento vira a saia da Marisqueira, o avesso da camisa de algodãozinho é o tecido da saia que passa a cobrir a calça. Uma nova camisa aparece, ela já estava por dentro da camisa anterior tendo as mangas dobradas e escondidas.

Figura 11: Registro do ensaio aberto do espetáculo em Macau/RN, em 28 ago. 2018.

ATO 03 e 04:

Da Marisqueira para o Pescador 02, apenas a saia é eliminada restando agora a camisa que surgiu com a Marisqueira e a calça das cenas iniciais que estava escondida pela saia. A retirada da saia acontece rapidamente durante o blackout entre o Ato 02 e 03.

Figura 12: Registro do ensaio aberto do espetáculo em Macau/RN, em 27 ago. 2018.

Foto: Jailton Silva.

A proposta de iluminação do espetáculo foi pensada por mim e pelo meu colega de turma do Curso de Teatro, o ator e musicista Rafael Alves. O objetivo principal era pensar a luz com poucos recursos para que o espetáculo possa ser apresentado em qualquer espaço.

Essa linha de pensamento vem do Teatro Pobre do encenador polonês Jerzy Grotowski9. Sua estética e pedagogia enfatiza a importância do trabalho do ator. Para ele, o ator deveria estar em primeiro plano e os demais recursos técnicos e estéticos deveriam estar em segundo plano ou até mesmo ser excluído, caso estes não estivessem sob o domínio e manipulação dos atores.

Por esta razão, embora a luz contribua com o espetáculo, o objetivo foi trabalhar uma luz que ao apresentar a peça em ambientes que não possuam a estrutura adequada, o espetáculo não tenha a sua qualidade comprometida.

A luz foi trabalhada em quatro ambientes de narrativa que descrevo a seguir:

AMBIENTE 01: Luz a pino central

9

Jerzy Grotowski: “Teórico, crítico e diretor teatral polonês (1933-1999). Um dos maiores nomes do teatro experimental. Estuda arte dramática na URSS e na Polônia e, com apenas 23 anos, torna-se professor da Escola Superior de Teatro da Cracóvia. De 1965 a 1984 dirige o Teatro-Laboratório de Wróclaw, no qual propõe a criação de um teatro pobre, sem acessórios, baseado apenas na relação ator/espectador. Insiste no desenvolvimento da expressão corporal dos atores e dos recursos de voz e modifica o espaço cênico, contribuindo para a renovação da arte cênica contemporânea.” (ALGO SOBRE, 2018, n.p.).

Esta luz se resume a um foco branco no centro do palco. Ela é pensada para a cena inicial da criança construindo os barquinhos de papel e para as cenas em que estou tocando violão.

Figura 13: Registro do ensaio aberto do espetáculo em Macau/RN, em 28 ago. 2018. Foto: Robson Dantas.

a) AMBIENTE 02: Luz geral

Esta ambientação busca iluminar o palco como um todo. É usada principalmente nas cenas que brinco como criança e apresento Macau, e também nas narrações das histórias. Para isso, utilizamos luz de frente com quatro refletores e contra luz com mais quatro. Na contra luz, utilizamos gelatina azul em dois refletores centrais com 50% na intensidade para que a cena ganhe um tom remetendo ao mar em uma determinada hora da narração do Pescador 01.

Figura 14: Registro do ensaio aberto do espetáculo em Macau/RN, em 28 ago. 2018. Foto: Adriano Oliveira.

b) AMBIENTE 03 – Luz do lampião

Esta luz é trabalhada especificamente no início da cena 03. Trata-se da encenação de uma situação em alto mar. A cena se passa na madrugada quando um pescador está de vigia na proa do barco. À noite em alto mar é praticamente um ambiente totalmente sem luz. Queríamos passar essa escuridão para a plateia dando a sensação de imensidão ao redor do barco e, ao mesmo tempo, iluminar o pescador em cena para criar o efeito do balanço do barco. Para isso utilizamos apenas um lampião. Este lampião é manipulado pelo próprio ator/pescador que faz o efeito do balanço do barco e ainda ilumina seu rosto durante as falas.

Figura 15: Registro do ensaio aberto do espetáculo em Macau/RN, em 28 ago. 2018. Foto: Adriano Oliveira.

c) AMBIENTE 04: Foco de frente

Por último, vem à luz pensada para o fim do espetáculo. Esta luz é utilizada somente na cena final quando canto na frente do palco com a plateia, e quando finalizo a peça acenando para o horizonte. Esta luz é feita por um foco vindo de frente iluminando o centro do proscênio. Também é utilizada a contra luz com pouca intensidade para que a atuação final não fique com uma luz chapada.

Figura 16: Registro do ensaio aberto do espetáculo em Macau/RN, em 28 ago. 2018. Foto: Adriano Oliveira.

Esta é a proposta de iluminação que levantamos para o espetáculo. Uma iluminação cênica que se resume em luz de frente, contra luz e luz a pino.

A sonoplastia do espetáculo é composta por algumas músicas reproduzidas durante a encenação e outras cantadas ao vivo com instrumentos em cena. As músicas reproduzidas trata-se da canção “Macau” de Edinho Queirós e Sérgio Natureza, e de “Carrossel do Destino” de Antônio Nóbrega. Estas duas músicas surgem introduzindo a grande viagem ao mar que o espetáculo traz. A letra da música “Macau” traz a minha volta à cidade e a do “Carrossel do Destino” tratará da minha viagem ao mar do teatro. As músicas cantadas ao vivo foram encaixadas para complementar algumas cenas no roteiro. A primeira é a música “Pescador” de Clebinho Rodrigues e Otávio Arcanjo, Na cena ela é interpretada com voz e violão. Essa música fala sobre a labuta diária do pescador que deixa sua família em terra e parte para enfrentar o perigo e trazer “o pão” para casa; é a música que introduz as cenas das contações de histórias. A próxima música trata-se das estrofes iniciais do “Romance da Nau Catarineta” (letra de autor desconhecido), interpretada na peça por voz e acordeom no momento final das narrações das histórias. Por fim, a última música cantada ao vivo trata-se da cantiga popular “Marinheiro Só”, envolvendo a plateia a cantar junto, fazendo o encerramento da peça.

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