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Capitulo 2. Da trajetória de um sujeito (jogador e pesquisador) à história da dramaturgia nos video

2.12 O último suspiro dos cartuchos

Enquanto todos os video games de quinta geração citados até aqui investem na tecnologia do CD, a Nintendo lança, na contramão, ainda em 1996 (nos Estados Unidos e no Japão), um novo console baseado em cartucho com um processador de 64-bits, o Nintendo 64 (ARANHA, 2004; NESTERIUK, 2007; WOLF, 2008; UOL..., 2010). O aparelho foi bem recebido, mas poucos jogos foram produzidos para ele no primeiro momento, o que impactou negativamente as suas vendas. Diferente do Playstation, voltado para o público mais tradicional dos video games, jovens do sexo masculino, ávidos por alta tecnologia e qualidade gráfica, o Nintendo 64, mantém a lógica da sua empresa desenvolvedora: atingir um público mais abrangente. A menor capacidade de armazenamento dos cartuchos não permitem tantos investimentos em cut scenes pré-renderizadas e restringem tanto o número de polígonos na modelagem de personagens (o que implicam na sensação mais ou menos ilusionista de imitação ou reinvenção da realidade) quanto a quantidade e tamanho dos arquivos de áudio – o que faz com que a maior parte dos diálogos sejam escritos e não com vozes gravadas como nos jogos produzidos para os outros consoles. Apesar de tantas limitações no que diz respeito aos recursos de animação e som em relação aos seus concorrentes o Nintendo 64 também apresenta jogos fortemente narrativos como as duas sequências da série The legend of Zelda, cujo primeiro jogo foi lançado para NES em 1986. The legend of Zelda: Ocarina of Time, primeiro jogo da série a adotar gráficos tridimensionais, teve excelente aceitação de público e crítica, vendendo 5 milhões de cópias nos primeiros 5 meses e tornando o primeiro jogo a atingir pontuação máxima segundo os critérios da revista japonesa Famitsu, conhecida pelo seu rigor de avaliação (UOL..., 2010).

Figura 22: Legend of Zelda: Ocarina of time para N64.

O Nintendo 64 tinha também um grande potencial para jogos que exigem maior velocidade de resposta aos inputs do jogador. Essa característica favoreceu o desenvolvimento de uma série de jogos de luta, de corrida e FPS (First person shooter). Alguns desses jogos recontextualizavam personagens de um ou mais universos ficcionais pré-estabelecidos por jogos anteriores ou produtos de outras mídias. Aproveitando o carisma de personagens já conhecidos do público surgem grandes sucessos como Diddy Kong Racing, Super Smash Bros. e Pokémon. O Playstation também utiliza estratégia semelhante para jogos como Space Jam, em que Pernalonga e seus amigos com ajuda de Michael Jordan enfrentam extraterrestres em uma partida de Basquete.

Entre os FPS inspirado em outras mídias destacam-se 007 Goldeneye (1997) – adaptação de filme homônimo – e Turok (1997) – adaptação dos quadrinhos. Na trilha das adaptações, o N64 utiliza estratégias de simplificação da narrativa similares às das gerações anteriores, ao menos no sentido de enxugar aspectos da construção da caracterização psicológica dos personagens e da construção de suas relações intersubjetivas. Obviamente isso é feito com recursos audiovisuais e de interatividade muito superiores e há um maior amadurecimento da indústria do entretenimento em relação ao tipo de experiência com que um video game poderia contribuir na construção de um universo narrativo.

Na adaptação de 007 Goldeneye para Nintendo 64, a trama do filme de James Bond é simplificada, a partir da visualização de documentos que comunicam ao jogador suas missões e um gameplay centrado na experiência de atravessar um espaço labiríntico evitando a morte do personagem/avatar e matando seus inimigos para cumprir os objetivos estipulados no início da fase. A conclusão de cada missão é seguida por um relatório que apresenta estatísticas sobre a

ação do jogador. 007 Goldeneye chegou a ser considerado como o melhor do gênero FPS (First Person Shooter). Entretanto, os desenvolvedores fornecem ao jogador experiências impossíveis no cinema e desenvolvem momentos da narrativa suprimidos pelo filme.

O agente secreto 007 já chega ao Nintendo 64 com pinta de campeão. Com uma jogabilidade animal e muita ação, GoldenEye veio para surpreender todo mundo com o melhor jogo do gênero. No modo para um jogador, você vai encarnar James Bond em primeira pessoa e combater terroristas em 18 missões ultra- secretas, como no filme. De cara você já vai ficar espantado com a violência e os detalhes do game. Nada foi esquecido, desde os furos de bala nas paredes, que nunca desaparecem, até o sangue que escorre dos cadáveres. Os níveis de dificuldade proporcionam diferentes tipos de missões, que variam do resgate de reféns até colocar um rastreador num helicóptero inimigo. (SUPER..., 1997i, p. 20, grifo do autor)

Já o Playstation estabelece uma nova forma de dialogar com o cinema. Tomorrow never dies (1999), desenvolvido na sequência do sucesso de 007 Goldeneye para N64, pôde optar por uma aproximação maior com o gênero dramático dada a maior capacidade de armazenamento de dados oferecida pelo CD. As instruções (no modo mais fácil, pois estas não existem no outro mais difícil) são comunicadas ao jogador através do comunicador de Bond, que apresenta cada mensagem através de imagens em movimento e informações sonoras, o gameplay é o de um jogo de ação e tiro em terceira pessoa que inclui momentos em que o herói deve matar criminosos (evitando matar inocentes), investigar locais, tirar fotos do arsenal inimigo, indicar coordenadas para ataques aéreos, localizar outros personagens no cenário, percorrer trajetórias usando meios de transporte tais como esquis ou automóveis em fuga ou perseguição. Para completar a experiência dramática relacionada ao jogo, existem ainda cut scenes extraídos do filme homônimo, além dos cinematics. A versão de Playstation mantém inclusive o padrão dos filmes do agente 007 em que a ação começa antes da vinheta de abertura. A vinheta do filme Tomorrow never dies está incluída no jogo com a diferença de que os créditos apresentados são os do próprio game.

Figura 23: 007 Goldeneye para N64; à direita 007 Tomorrow never dies para Playstation.

Embora tenham sido desenvolvidos para N64 jogos como Mortal Kombat 4 (1998), 007 Goldeneye (1997) e Resident Evil 2 (1999), que investiam na criação de gráficos mais realistas, ainda que não pudessem apresentar cut scenes como as do Playstation, é interessante notar que os recursos do Nintendo 64, gráficos tridimensionais com menos polígonos que os dos aparelhos que utilizavam CD, maior velocidade de processamento e baixa capacidade de armazenamento de som, estimularam a produção de uma grande variedade de jogos cartunescos. É evidente que não se deve desconsiderar a política da Nintendo em relação a um público mais abrangente ao se refletir sobre esse aspecto. O N64 não era tão propício ao desenvolvimento de jogos como os que se viam nas outras plataformas, mas era o mais adequados aos moldes da sua empresa desenvolvedora. Os gráficos inspirados nos cartuns favoreceram, por sua vez, o desenvolvimento não só de jogos destinados ao público infantil como jogos cômicos adultos como Conker‟s Bad Fury Day.