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2 O CIPP COMO CATALISADOR DE TRANSFORMAÇÕES

2.4 Os agentes envolvidos nas transformações territoriais e socioeconômicas

2.4.1 A ação dos agentes imobiliários

Para identificar quem são os agentes imobiliários em toda a sua diversidade de papéis, foi importante a compreensão de como se dá o processo de incorporação junto aos representantes de incorporadoras atuantes na área (Figura 18). Inicialmente, há um estudo de

viabilidade e de mercado para verificar em qual área o investimento será lucrativo. Em alguns casos, o próprio dono do terreno oferece à empresa suas glebas, fazendo com que a prospecção seja feita já com um terreno em vista. Confirmada a “vocação” da terra, o projeto urbanístico, arquitetônico e de marketing são elaborados concomitantemente, direcionando o produto para determinado público alvo. A aprovação do loteamento e dos projetos de infraestrutura é realizada pelos órgãos municipais, e quando preciso, estaduais e federais, sendo esta uma das fases mais demoradas, dependendo de sua complexidade, havendo casos de duração de até 6 anos30. Outras instituições estaduais se envolvem no processo de aprovação de projetos, como as relacionadas à infraestrutura de abastecimento de água e saneamento (CAGECE) e a de transportes (DNIT). Finalmente, os lotes ou unidades imobiliárias são postas à venda antes mesmo do início das obras. Após a entrega do empreendimento, a incorporadora e seus clientes ainda partilharão de uma íntima relação, já que o financiamento comumente é gerido pela própria empresa e pode ser dividido por mais de 10 anos, dependendo da renda do cliente e da procura pelos lotes.

A partir desse esquema, o primeiro agente identificado é a incorporadora. No entorno do CIPP, elas são de longa tradição no mercado e de portfólio extenso, atuando na RMF e no Ceará como um todo. Inclusive, é comum que uma única empresa esteja por trás de todo ou pelo menos grande parte do processo de incorporação descrito acima.

Questiona-se, então, o porquê de pequenas empresas não terem expressão no entorno do CIPP. A representante da Flat Shop Imobiliária31, empresa tradicionalmente atuante no Cumbuco, mas que também facilita a venda de lotes em SGA, explica que isso se dá principalmente pela resiliência necessária, impossível a pequenos grupos frente aos desafios de um mercado altamente competitivo e atualmente em decadência. De fato, é de se esperar que as incorporadoras atuantes na região tenham um certo grau de solidez, tendo em vista que o investimento para a construção de projetos de grande porte é muito alto, além de ser muito longo o tempo necessário para que comece a dar retorno, já que o financiamento geralmente é responsabilidade também das incorporadoras.

30 No caso do loteamento Cidade Cauype, de acordo com representante da Luciano Cavalcante, Leonardo, em entrevista realizada dia 19/09/18.

Figura 18 – O Processo de Incorporação

Fonte: Esquema elaborado pela a autora.

O perfil do mercado imobiliário fortalezense também é composto principalmente por empresas locais e cearenses, constatado por Rufino (2016), pois elas têm mais força no mercado local e conhecem melhor os procedimentos burocráticos e legais envolvidos no processo.

A dificuldade que as incorporadoras estrangeiras têm de investir em Fortaleza, de acordo com Luciano Cavalcante, em entrevista para o Laboratório de Estudos da Habitação (LEHAB)32, se dá pela alta burocratização dos órgãos públicos, a baixa disponibilidade de crédito do brasileiro e a alta resistência do mercado local, pois “aqui [...] é difícil, que nem caranguejo, um puxando o outro para baixo”, ocasionando na perda de dinheiro e desilusão para muitos, que nem conseguiram sequer aprovar seus projetos. Rufino (2016) destaca que

alguns investidores do Sudeste do país conseguiram se firmar graças a parcerias com agentes locais, contudo não foi algo comum, visto que os termos eram desfavoráveis aos cearenses.

Esse padrão se repete no entorno do CIPP, apesar de que naturalmente há exceções, como grupos originários de São Paulo e Goiás. Se destacam também os casos de investimento internacional, três deles são empreendimentos turísticos ou voltados para o veraneio: o Taíba Beach Resort, de origem norueguesa localizado na praia da Taíba em SGA; o Resort Vila Galé, português, implantado na praia do Cumbuco; e o condomínio Wai Wai Cumbuco Residence, realizado a partir de capital hispânico. O Smart City Laguna se encaixa na categoria loteamento residencial33, cujo grupo responsável, PLANET, é ítalo-britânico e tradicionalmente trabalha com projetos sustentáveis e de cunho social. Após ver uma matéria na revista The Economist sobre os principais lugares para se investir no mundo, escolheu SGA como sede de seu experimento de Smart City, ou cidade inteligente, unicamente por causa da perspectiva de crescimento do CIPP, o que indica que a propaganda do Governo do Ceará está alcançando a mídia internacional no contexto atual globalizado.

Outro agente fundamental, que sem sua existência inviabilizaria todo o processo de incorporação, é o dono da terra. De acordo com a corretora imobiliária entrevistada34, as terras nos dois municípios têm de 100 a 150 anos e pertencem a ricas famílias que as passaram de geração em geração, como é o caso dos Prata e Crisóstomo em SGA e dos Viana em Caucaia, altamente envolvidos no cenário político local. Grandes empresários e proprietários de terra fortalezenses também possuem glebas no entorno do CIPP, como por exemplo o grupo J. Macêdo35 que repassou para a Luciano Cavalcante o sítio que hoje corresponde ao loteamento Cidade Cauype30.

O terceiro agente a ser aprofundado é o público alvo dessa nova produção imobiliária, que a priori se dá principalmente por trabalhadores do CIPP. Muitos deles, entretanto, compraram o lote e até construíram suas casas, mas abandonaram-nas por causa da instabilidade de seus empregos, a ser discutida posteriormente. Além desse perfil, há a figura do investidor que também já está pondo lotes à venda, pois percebeu a expectativa em cima do crescimento econômico. Não é à toa que já se encontram anúncios de muitos desses lotes em sites como a OLX e o ProTerras.

33 Também foram encontrados indícios de que outros grandes empreendimentos residenciais tivessem origem de capital estrangeiro (Ecopark Bonneville e Gold Pecém parecem ter participação de agentes italianos), porém não foi possível confirmar a informação.

34 Fátima. Entrevista realizada no dia 28/08/18.

A praia do Cumbuco foi o local nas proximidades do complexo que desde o início dos anos 2000 já era alvo de interesse maior por parte de investidores de outros estados e países. Segundo a representante da Flat Shop Imobiliária31, o perfil do investidor brasileiro, especificamente no Cumbuco, é a pessoa que vem de um lugar mais frio, que busca maior qualidade de vida por meio do contato com o sol, mar, prática de esportes e o contato com um povo acolhedor, como é o cearense. Já os estrangeiros tinham como motivação única, a financeira, pois os preços dos imóveis são mais acessíveis do que em seus países e porque Fortaleza e seu entorno estava como um todo se valorizando a partir da melhoria gradual de suas conexões na escala global. Recentemente, houve um estacionamento dessas práticas devido ao contexto econômico e político do país.