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3 OS INSTRUMENTOS NORMATIVOS COMO FERRAMENTAS DE

3.1 Planos

Antes da implantação do complexo, o litoral cearense já estava submetido a uma rede de planejamento ambiental complexa em rede nacional, tendo como resultado o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, que viria a ser transformado em lei, a no 7.661 de 1988. Para além da preocupação com a preservação ambiental, este documento também contemplava diretrizes para a ocupação do território; o desenho do sistema viário; a provisão de infraestrutura básica; a valorização do patrimônio natural e histórico; além de estimular o desenvolvimento de atividades econômicas de relevância para a zona litorânea, como o turismo e a atividade portuária (MORAES, 2007). A ideia seria que esse planejamento se desdobrasse em iniciativas estaduais e municipais, e foi o que aconteceu com a elaboração do Macrozoneamento do Litoral do Ceará e o Projeto Orla, respectivamente.

O primeiro plano diretamente relacionado ao complexo foi o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Ceará (1995-1998), responsável pela sua concretização. Ele integrava os programas federais Brasil em Ação e Avança Brasil (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ; CONSELHO DE ALTOS ESTUDOS E ASSUNTOS ESTRATÉGICOS; SANTANA, 2013), destacando que especificamente o primeiro revela uma política influenciada pelas tendências neoliberais ao estimular parcerias com agentes privados por meio de contratos de gestão, visando maior agilidade para as ações governamentais37.

O plano elaborado pelo Governo do Estado pretendia superar os graves desequilíbrios ambientais, econômicos e sociais que o Ceará apresentava após a redemocratização brasileira, se utilizando do termo "sustentabilidade" não apenas como sinônimo de proteção ao meio ambiente, mas também estipulando diretrizes de desenvolvimento urbano e rural, econômico, cultural, técnico e inovador. Isso seria possível por meio da melhoria da gestão pública, além da descentralização das atividades econômicas concentradas em Fortaleza sobre o tripé do turismo, da indústria e do agronegócio (RODRIGUES, 2009), ou seja, um reflexo do que o Governo de Mudanças defendia na época.

A princípio pode parecer estranho que o CIPP, um conjunto de indústrias de alto impacto ambiental, venha proposto sob tal título, porém ele surge no sentido de incrementar a

economia do Ceará e diminuir as desigualdades sociais dos habitantes externos à capital por meio da geração de emprego e desenvolvimento tecnológico.

Entretanto, como seria possível atrair investidores para o Estado quando nem mesmo a instituição normativa dos municípios estava consolidada ou era inexistente na década de 1990? Por isso, o PROURB (Projeto de Desenvolvimento Urbano do Estado do Ceará) foi criado com o intuito de fazer uma reforma administrativa visando a austeridade fiscal; realizar o cadastro multifinalitário38; entregar 200 unidades habitacionais que pudessem ajudar na resolução do problema da favelização; e coordenar a concepção de Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano de 44 municípios estratégicos, entre eles Caucaia e SGA, com o apoio do BID numa perspectiva de disseminação das boas práticas neoliberalistas39.

A implantação do CIPP entre os dois municípios viria a entrelaçá-los profundamente em suas dinâmicas socioeconômicas, contudo seus dois Planos Diretores foram concebidos por dois escritórios de arquitetura e urbanismo diferentes, PPAU40 em Caucaia e Fausto Nilo Arquitetura em SGA, cujas estratégicas metodológicas eram incompatíveis, para além dos conflitos pessoais entre seus arquitetos dirigentes. O primeiro, procurava criar metodologias novas que se adaptassem às particularidades dos municípios com os quais trabalhassem, enquanto o segundo se limitava a adaptar o Novo Urbanismo41 norte americano às cidades cearenses, partindo de um modelo comum a todos os planos diretores que produziu no período. Por isso, não houve diálogo em nenhum momento ao longo do processo de elaboração dos planos, finalizados entre 2000 e 2001. Posteriormente, houve um esforço conjunto por parte dos escritórios e da SEINFRA para a criação de um Plano de Estruturação Urbana e Regional da Área de Influência do CIPP. Este pretendia, além de garantir a preservação dos recursos naturais em seu torno, também melhorar as aglomerações urbanas para criar um ambiente favorável à atração de investimentos nas áreas da indústria, do turismo e do desenvolvimento do setor imobiliário (IBI TUPI, [s.d.]). O serviço chegou a ser contratado, porém, após o contato com os escritórios, não foi possível ter acesso ao documento finalizado. Após seus relatos, que afirmam que a comunicação era

38 No sentido de ajudar os municípios a criar sua própria receita por meio do recolhimento de impostos, fazendo com que eles se tornassem mais independentes da ajuda da esfera pública estadual.

39 De acordo com entrevista com Renato Pequeno, ex funcionário do PPAU, realizada em 18/06/2019. 40 Hoje, rebatizado com o nome de IBI TUPI.

41 Planejamento feito a partir da premissa de se projetar cidades caminháveis e seguras por meio da mistura de diferentes usos (ver MACEDO, 2007).

inexistente por conta de seus atritos entre si, não é possível confirmar se esse plano foi terminado, apesar do alto montante saído dos cofres públicos para realizá-lo38.

No entanto, é possível entender que o plano se insere totalmente na lógica do Planejamento Estratégico, inspirado fortemente no funcionamento de uma empresa e inserido no contexto da competitividade entre os lugares para atração de investimentos originários dos circuitos globais. Esse tipo de planejamento tem como valores básicos a eficiência, a objetividade, a racionalidade, a flexibilidade e a eficácia, considerando que o desenvolvimento social e econômico são correspondentes. As subjetividades locais, contudo, não são esquecidas, na verdade são ajustadas para manifestar novos conteúdos e atuarem como diferencial do lugar, ressignificando a cidade de acordo com valores de um grupo específico, não correspondentes à realidade do coletivo (NOVAIS, 2010).

[...] o planejamento estratégico do urbanismo de mercado propõe-se, na atualidade, a realizar um esforço de venda macroeconômico dos lugares, fazendo do consumismo de lugares um modo particular de articulação entre o rentismo imobiliário e a competição interurbana por capitais. (ACSELRAD, 2013, p. 237)

Outros planos, nesse sentido, seriam elaborados posteriormente, como veremos a seguir. Os chamados Planos Diretores do CIPP, são um exemplo, pois, apesar do nome, estão muito mais relacionados a diretrizes estratégicas para garantir sua competitividade e o funcionamento eficiente do complexo, por isso são guardados “a sete chaves” pelo Governo do Estado42.

Com o passar dos anos, precisaram ser revisadas as diretrizes tomadas nesse momento inicial de planejamento do CIPP, SGA e Caucaia. Na escala Estadual, o grupo “Pacto pelo Pecém” foi criado pela Assembleia Legislativa do Ceará, a pedido do Governo do Estado. Esse grupo faria um diagnóstico do CIPP 9 anos após a inauguração do porto para avaliar os impactos ocorridos nesse período de tempo e, ao fim, determinaria diretrizes de como melhorar a relação entre o complexo e seu entorno (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ; CONSELHO DE ALTOS ESTUDOS E ASSUNTOS ESTRATÉGICOS; SANTANA, 2013).

Esse diagnóstico culminou no lançamento, em 2014, da Agenda Estratégica para o CIPP. Com o objetivo de fortalecer o tripé governo-empresariado-sociedade43, foram apontadas diretrizes para os seguintes temas: o desenvolvimento de uma governança

42 De acordo com Marcelo, funcionário da SEPLAM em uma visita feita à secretaria em 18/04/2018. 43 Equivalente à proposta do Governo de Mudanças apresentada no item 2.2.

intermunicipal; a difusão de práticas empreendedoras entre as empresas e a população, numa lógica de aumentar a competitividade local; a capacitação de cidadãos tradicionais de SGA e Caucaia; e o desenvolvimento social da área, como políticas sociais (educação, cultura, esporte e lazer, assistência social) e infraestrutura básica (água, saneamento, energia, serviços e infraestrutura viária). Além disso, a questão ambiental foi priorizada a partir do reconhecimento dos impactos ambientais causados pelo complexo. Dentre as orientações, se destacam a implantação de um órgão de monitoramento do CIPP. Há também um discurso sobre a importância da educação ambiental, do turismo ecológico e da disseminação de pesquisa realizada na área para que a população use as áreas verdes com maior consciência. São sugeridas ações de educação ambiental para os moradores do entorno do CIPP, ainda que o grupo com maior potencial de poluir a região seja o das indústrias (DE MORAIS, 2016), e não os de moradores, especialmente os tradicionais que há séculos convivem indissociavelmente da natureza.

É importante destacar que dentre todos esses planos estudados, é raro aquele que se dedique mais do que a uma ou outra diretriz genérica em favor das comunidades tradicionais existentes no entorno do CIPP, que aprofunde verdadeiramente a questão.

No ano seguinte à finalização da Agenda Estratégica, o Laboratório de Transportes e Logística (LABTRANS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com apoio da Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP/PR), assume o objetivo audacioso de desenvolver um planejamento integrado para todos os principais portos do Brasil. Assim, foi elaborado o Plano Mestre do Terminal Portuário do Pecém, desenvolvido a partir de um diagnóstico do porto e do seu entorno, principalmente sob a ótica da logística de funcionamento. Com base em suas potencialidades e dificuldades, diretrizes técnicas são listadas sobre como deve se dar a gestão do terminal portuário, ainda visando, principalmente, a atração de investimentos.

Há indicações específicas para o desenvolvimento urbano do entorno do CIPP, reforçadas em diversos momentos. É considerada emergencial a construção ou duplicação de estradas para conectar melhor o porto ao resto da RMF, considerando que nem sempre a fluidez do tráfego pode ser garantida devido à quantidade de veículos de grande porte que circulam nas principais vias de acesso ao complexo. Como veremos no próximo capítulo, as estradas são elementos estruturantes no processo de ocupação do território, especialmente aquele que segue o padrão disperso, por isso a ampliação e melhoria da rede viária se relaciona diretamente com a forma que empreendimentos imobiliários são distribuídos (REIS FILHO, 2006). Assim como a Agenda Estratégica, o diagnóstico do plano aponta também

para a necessidade do fortalecimento da legislação ambiental e do seu cumprimento, enquanto sua revisão não ocorre, devido aos grandes impactos ambientais causados pelo porto numa área que antes era praticamente intocada pelo homem.

Após o breve resumo do que os planos levantados esboçam para o futuro do CIPP e seu entorno, percebe-se que as duas principais preocupações são manter a contínua atração de investimentos, em contraste com o risco que as áreas de interesse ambiental sofrem frente ao desenvolvimento econômico da área. Por isso, a seguir, serão identificadas as normativas que devem proteger os recursos naturais não só da atividade industrial, mas também do avanço do mercado imobiliário.