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4 A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO PELO MERCADO IMOBILIÁRIO

4.3 A produção imobiliária no entorno do CIPP a partir dos grandes

A principal justificativa apresentada pelos entrevistados para explicar a necessidade de uma nova forma de produzir espaço no entorno do CIPP foi a futura demanda por habitação pelos novos trabalhadores das indústrias e do porto, devido a criação de vagas de emprego garantidas pelo Governo do Ceará. Assim que o complexo começou a ser construído, desde os trabalhadores braçais até os CEOs teriam as seguintes opções de moradia, caso fizessem questão de residir próximo ao trabalho (Figuras 30 e 31): a primeira seria composta pela apropriação de infraestruturas turísticas pré-existentes, pertencentes a uma outra lógica independente da atividade portuária e industrial, como foi visto no item anterior. Essa alternativa consiste na compra de casas de veraneio que permaneceram na

paisagem após a decadência do veraneio no litoral de SGA, ou no aluguel de unidades nos modernos hotéis, pousadas, resorts ou flats de aluguel por temporada do Cumbuco. A segunda seria a produção voltada especificamente para esse público, geralmente apartamentos em edifícios de até 3 pavimentos nas aglomerações urbanas ou grandes empreendimentos residenciais a partir de 1ha de lotes vazios, espalhados pelo território. Esses últimos estão em maioria, justamente porque esta é a forma mais fácil, rápida e barata para os incorporadores agirem88, já que praticamente seu único dever é servir a gleba parcelada de infraestrutura, sem necessariamente se preocupar com os pormenores da construção de uma unidade habitacional. Sob outra perspectiva, a construção em grande escala garante sua viabilidade econômica, tendo em vista a necessidade de atrair um número expressivo de moradores para justificar investimentos em infraestrutura (REIS FILHO, 2006). Eles variam entre loteamentos abertos e condomínios fechados voltados para diferentes faixas de renda. Alguns condomínios de edificações se encaixam num meio termo entre essas duas categorias, pois ao mesmo tempo que são voltados para a atividade turística, oferecem a opção ao comprador de morar em uma unidade a ser adquirida através da venda.

No geral, é essa produção de grandes empreendimentos pelo mercado que se destaca no entorno do CIPP, apesar dos lotes vazios abrirem espaço para outras formas de produção, como a doméstica e a de encomenda. Desconsiderando a legislação urbana existente, a distribuição desses grandes empreendimentos ditou os verdadeiros limites urbanos dos municípios, além de fixar por meio dos lotes pequenos a tipologia da casa unifamiliar distribuída em uma lógica de baixa densidade. Uma exceção é o conjunto do PMCMV Cidade de Deus, construído na sede de SGA. Ele viria a se encaixar na categoria habitacional da faixa de renda 1 e por mais que de fato pertença à produção de mercado, segue lógicas bem diferentes dos outros grandes empreendimentos, inerentes ao programa federal. Entretanto, ele não foi construindo visando esse público e sim os cidadãos que sofreram desapropriação de suas casas pela vinda da termelétrica e da refinaria, de acordo com integrante do SITRAMONTI entrevistado89.

88 Informação adquirida em entrevista com a corretora imobiliária Fátima em 28/08/18. 89 Entrevista com Evandro realizada em 24/08/2018.

Figura 30 – Esquema de empreendimentos imobiliários no entorno do CIPP abordados por esta pesquisa

Fonte: Diagrama produzido pela a autora com base em observação de campo.

Reduziu-se o universo de alternativas de moradia disponíveis apenas àquelas mais relevantes (ou seja, de grande porte, a partir de 1ha), construídas entre 1995 a agosto de 2018, excluindo as que permitem apenas o aluguel ou estadia temporária, em que 29 loteamentos e condomínios se sobressaem (Figura 31), 17 deles com obras totalmente concluídas90. Haveria ainda cerca de 50 empreendimentos previstos para a área que poderiam se encaixar nesse recorte91, entretanto pelo abandono e consequente falta de informações disponíveis de muitos, não foi possível recolher os dados básicos necessários para realizar as análises.

90 Até agosto de 2018.

Figura 31 – Alternativas da habitação para trabalhadores do CIPP – Reforma de casas de veraneio; apartamentos de até 3 pavimentos; loteamento aberto; condomínio de edifícios turístico; condomínio fechado, respectivamente

Fonte: Casa de veraneio à venda e edifícios de 3 pavimentos, acervo da autora; Loteamento Brisa das Flores, disponível em: https://www.imoveisce.com.br/loteamento/a-venda/centro-de-sao-goncalo-do-amarante/brisa- das-flores/LT0016#i-slider-2; Wai Wai Cumbuco Residence disponível em: http://magis.com.br/imovel/wai-wai- cumbuco-eco-residence/; Ecopark Bonneville disponível em: https://www.imovelweb.com.br/propriedades/eco- park-boneville-2921546917.html. Acesso em 14 out. 2018.

É importante reforçar que nesta contagem se inserem estruturas que claramente pertencem à dinâmica turística. No entanto, como foram apropriadas pelos trabalhadores do

CIPP92, foram considerados apenas aqueles que permitiam a compra de unidades para moradia, além da locação por temporada93.

Assim, a hipótese de que os marcos importantes relacionados à consolidação do CIPP correspondem aos momentos de pico na produção imobiliária na área já foi parcialmente descartada quando se percebeu a independência das dinâmicas turísticas do Cumbuco no item anterior. Para continuar verificando essa questão, os empreendimentos levantados foram distribuídos numa linha do tempo de acordo com o ano de início de suas construções94 e sobrepostos aos principais momentos históricos relacionados ao complexo e ao desenvolvimento de uma legislação urbanística nos municípios de SGA e Caucaia (figura 32).

A fase entre 1995 a 2005 foi de planejamento para o porto e para as indústrias, com o início das obras e da inauguração do porto em 2002, com recursos dos Programas Brasil em Ação e Avança Brasil. Nesse período, poucos investidores foram atraídos com o intuito específico de lucrar com o futuro desenvolvimento econômico que viria. Os empreendimentos Garrote Village (1997), Village das Palmeiras e Banana Residencial Club (2005) foram construídos em Caucaia ainda se apoiando no veranismo que se expandia no Cumbuco. Por isso, são todos condomínios fechados, voltados para a apreciação da tranquilidade, das praias e da beleza natural do município. Mesmo depois de vinte anos, esses condomínios pioneiros não tiveram suas vendas concluídas e ainda possuem grandes porcentagens de lotes não vendidos, o que pode ser explicado em parte pela alta concorrência com outros empreendimentos mais sofisticados e infraestruturados que viriam a se instalar posteriormente nas suas proximidades.

A baixa correlação desses empreendimentos com o advento do complexo é mais uma vez confirmada pelo representante da Luciano Cavalcante Imóveis em entrevista95, ao afirmar que a imobiliária e incorporadora nessa mesma época havia adquirido uma gleba de 430ha, que viria a ser futuramente o bairro planejado Cidade Cauype, mas na qual, inicialmente, foi considerada apenas a construção de hotéis fazenda, já que a consolidação do porto era uma projeção muito distante.

92 Como informado pela representante da Flat Shop Imobiliária em entrevista em 09/10/2018. 93 O hotel do Vila Galé, por exemplo, não se encaixou nessa exigência.

94 Esse parâmetro foi usado tendo em vista que alguns loteamentos não foram concluídos. 95 Leonardo, realizada em 19/09/2018.

Figura 32 – Linha do tempo do início das construções dos empreendimentos levantados

Em 2007, o CIPP começa a se consolidar com os recursos federais vindos do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), que viabilizam a expansão do terminal portuário e ampliação das rodovias circundantes, além de fortalecer projetos que estão diretamente ligados à logística do complexo, como a Transnordestina e a transposição do Rio São Francisco (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO CEARÁ; CONSELHO DE ALTOS ESTUDOS E ASSUNTOS ESTRATÉGICOS; SANTANA, 2013). Em 2010, o primeiro loteamento em SGA surge com o nome “Vila do Porto”, deixando claro suas intenções de público alvo, oito anos após a inauguração do Terminal Portuário. Sua aprovação foi feita junto a SEMACE, por estar numa APA.

Com a consolidação das atividades portuárias, a criação da ZPE e o início da construção da siderúrgica e da termelétrica, os incorporadores passaram a se sentir mais confiantes em investir na área96. O principal boom imobiliário desenrola-se entre 2014 a 2017, pós PDP-SGA. Foram construídos 15 loteamentos e condomínios fechados em apenas quatro anos, dentre eles os maiores da região: Smart City Laguna e Cidade Cauype, com respectivamente 330 e 437ha.

A expansão deste tipo de empreendimento encontra-se diretamente vinculada às atividades produtivas implementadas no CIPP, assim como ao ritmo com que se concretizam. Em 2017 foi anunciado pelo governador Camilo Santana que a Petrobrás e o Governo Federal “deram um calote” no Ceará, pois a Refinaria Premium prometida não iria se realizar. No mesmo momento, ele revelou que negociações com a China estariam sendo feitas para a vinda da refinaria por meio de investimento privado (O POVO ONLINE, 2017), porém sem data definida para sua consolidação. De acordo com o representante da TLT Empreendimentos97, quando o “sonho da refinaria” acabou, ou pelo menos se manteve em sobreaviso, houve uma queda das vendas. O fim das obras da CSP também é apontado como um motivo de grande esvaziamento da área, com a partida de uma grande massa de trabalhadores que não tiveram seus empregos renovados. Por isso, a quantidade de lançamento de empreendimentos caiu drasticamente em 2018, se compararmos com os anos anteriores.

O próximo item se encarrega de aprofundar as análises sobre as características desses 29 empreendimentos, levantadas em visitas de campo, entrevistas com agentes imobiliários e em materiais publicitários, a fim de identificar os padrões em seus projetos,

96 Constatado na análise da linha do tempo e em entrevista com os diversos agentes imobiliários entrevistados. 97 Luís Henrique, representante da TLT Empreendimentos, responsável pelo loteamento Cidade Nova (SGA). Entrevista realizada em 03/10/2018.

seus diferentes tipos urbanísticos e arquitetônicos, assim como as estratégias de marketing adotadas.