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A AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

3 PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – INVESTIGAÇÃO

4 ASPECTOS PROCESSUAIS E PROCEDIMENTAIS DA AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

4.1 A AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Tema recorrente e controvertido na doutrina que estuda a ação civil por improbidade administrativa é o que diz com sua natureza, e sua relação ou eventual identidade com a ação civil pública.

Há uma tendência que parece majoritária, inclusive na

248 BUENO, Cássio Scarpinella. O procedimento especial da ação de improbidade administrativa

(Medida Provisória 2.088). In BUENO, Cassio Scarpinella et al. (org.) Improbidade administrativa (questões polêmicas e atuais. 2.ª ed. São Paulo:Malheiros Editores. 2003. p. 172.

jurisprudência249, no sentido de se admitir a propositura de ação civil

249 Neste sentido, v.g.: PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. COMPATIBILIDADE DAS AÇÕES. ART. 6º DA LEI N. 8.906/1994. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211 DO STJ.

1 É cabível a propositura de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, tendo em vista a natureza difusa do interesse tutelado. Mostra-se lícita, também, a cumulação de pedidos de natureza condenatória, declaratória e constitutiva pelo Parquet por meio dessa ação.

2. Recurso especial improvido.

(REsp 507142/MA, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15.12.2005, DJ 13.03.2006 p. 253)

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. LESÃO À MORALIDADE PÚBLICA.

1. O Ministério público, por força do art. 129, III, da CF⁄88, é legitimado a promover qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não atua na condição de autor, deve intervir como custos legis (LACP, art. 5º, § 1º; CDC, art. 92; ECA, art. 202 e LAP, art. 9º).

2. A carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um micro sistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.

3. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade). 4. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.

5. A lógica jurídica sugere que legitimar-se o Ministério Público como o mais perfeito órgão intermediário entre o Estado e a sociedade para todas as demandas transindividuais e interditar-lhe a iniciativa da Ação Popular, revela contraditio in terminis.

6. Interpretação histórica justifica a posição do MP como legitimado subsidiário do autor na Ação Popular quando desistente o cidadão, porquanto à época de sua edição, valorizava-se o Parquet como guardião da lei, entrevendo-se conflitante a posição de parte e de custos legis.

7. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança coletivo.

8. Os interesses mencionados na LACP acaso se encontrem sob iminência de lesão por ato abusivo da autoridade podem ser tutelados pelo mandamus coletivo.

9. No mesmo sentido, se a lesividade ou a ilegalidade do ato administrativo atingem o interesse difuso, passível é a propositura da Ação Civil Pública fazendo as vezes de uma Ação Popular multi- legitimária.

10. As modernas leis de tutela dos interesses difusos completam a definição dos interesses que protegem. Assim é que a LAP define o patrimônio e a LACP dilargou-o, abarcando áreas antes deixadas ao desabrigo, como o patrimônio histórico, estético, moral etc.

11. A moralidade administrativa e seus desvios, com conseqüências patrimoniais para o erário público enquadram-se na categoria dos interesses difusos, habilitando o Ministério Público a demandar em juízo acerca dos mesmos.

12. Recurso especial desprovido" (REsp 173.414⁄MG, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, DJ 26.4.2004);

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 1. A probidade administrativa é consectário da moralidade administrativa, anseio popular e, a fortiori, difuso.

2. A característica da ação civil pública está, exatamente, no seu objeto difuso, que viabiliza mutifária legitimação, dentre outras, a do Ministério Público como o mais adequado órgão de tutela, intermediário entre o Estado e o cidadão.

3. A Lei de Improbidade Administrativa, em essência, não é lei de ritos senão substancial, ao enumerar condutas contra legem, sua exegese e sanções correspondentes.

pública conforme regulada na Lei 7.347/85 para tutelar a probidade administrativa, ainda que pleiteando a aplicação das sanções previstas na Lei 8.429/92.

Alguns, como W ander Carvalho Dompieri Garcia, incluem a ação prevista na Lei 8.429/92 no chamado “regime das ações coletivas”, ao qual se aplicaria subsidiariamente o Código de Processo Civil250, entendendo que, uma vez demonstrado o caráter difuso do direito à probidade administrativa, daí a incidência dos preceitos relativos à ação civil pública, instrumento destinado precipuamente à defesa dos interesses difusos e coletivos (artigo 1.º, inciso IV, da Lei 4. Considerando o cânone de que a todo direito corresponde um ação que o assegura, é lícito que o interesse difuso à probidade administrativa seja veiculado por meio da ação civil pública máxime porque a conduta do Prefeito interessa à toda a comunidade local mercê de a eficácia erga omnes da decisão aproveitar aos demais munícipes, poupando-lhes de noveis demandas.

5. As conseqüências da ação civil pública quanto ao provimento jurisdicional não inibem a eficácia da sentença que pode obedecer à classificação quinária ou trinária das sentenças.

6. A fortiori, a ação civil pública pode gerar comando condenatório, declaratório, constitutivo, auto- executável ou mandamental.

7. Axiologicamente, é a causa petendi que caracteriza a ação difusa e não o pedido formulado, muito embora o objeto mediato daquele também influa na categorização da demanda.

8. A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõe um micro sistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se.

9. A doutrina do tema referenda o entendimento de que 'A ação civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio por ato de improbidade quanto à aplicação das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular.

(...)

Torna-se, pois, indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções previstas para ato de improbidade à ação civil pública, que se constitui nada mais do que uma mera denominação de ações coletivas, às quais por igual tendem à defesa de interesses meta-individuais.

Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata da via processual adequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração pública e para a repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão do art. 12 da Lei n. 8.429⁄92 (de acordo com o art. 37, § 4º, da Constituição Federal e art. 3º da Lei n. 7.347⁄85)' (Alexandre de Moraes in "Direito Constitucional", 9ª ed , p. 333-334).

10. Recurso especial desprovido" (REsp n. 510.150⁄MA, relator Ministro Luiz Fux, DJ de 29.3.2004).

250 Legitimidade ativa e passiva na ação de responsabilidade por improbidade administrativa.

Dissertação apresentada à banca examinadora da PUC-SP, para obtenção do título de mestre em direito. 2003. p. 83.

7.347/85).251

Esse mesmo autor, concluindo serem três as demandas que podem ser veiculadas na ação civil por improbidade administrativa252

ações civis públicas, entende possível que se veicule qualquer tipo de pedido e rito na demanda correspondente, decorrente do fato de que a Lei 7.347/85, que faz remissão ao Título III do Código de Defesa do Consumidor, abarca disposição com tal sentido prevista no artigo 83 deste Código, ressalvando, todavia, o regime jurídico processual particular da lei de improbidade253.

Mas, reconhece, em seguida que permanece no que não for conflitante as disposições gerais para as ações coletivas trazidas no regime jurídico da ação civil pública, que trazem uma série de princípios aplicáveis à espécie, os quais tem prevalência sobre as disposições voltadas a direitos meramente individuais, típicas do processo civil tradicional previsto no Código de Processo Civil.254

Há, ainda, os que entendem ser a ação civil por improbidade administrativa espécie do gênero ação civil pública, vislumbrando um verdadeiro sistema processual dos direitos difusos e coletivos, onde se entrelaçariam os procedimentos previstos nas leis específicas, em

251 Op. cit. p. 78.

252 Demanda buscando a aplicação das sanções típicas de improbidade; demanda objetivando o

ressarcimento do erário; e, outra pleiteando a invalidade de atos ou negócios jurídicos decorrentes de ato ímprobo, ou dos efeitos irradiados por tais atos. Op. cit., p. 77.

253 Op. cit. p. 78. 254 Op. cit. p. 79.

busca da tutela jurisdicional da probidade.

Neste sentido, W aldo Fazzio Júnior:

O pedido na ação civil pública de improbidade administrativa pode ser meramente declaratório, constitutivo (positivo ou negativo) e/ou condenatório, ante o que consta do art. 3.º da Lei n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), modificado pelo artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor, porque para a defesa dos direitos e interesses difusos são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Por exemplo, ação declaratória de nulidade de contrato administrativo cumulada com a condenação ao prefeito ao ressarcimento do dano 255.

Wallace Paiva Martins Júnior entende pela compatibilidade e possibilidade de cumulação da ação civil pública e da ação civil por improbidade administrativa:

A ação de responsabilidade por ato de improbidade administrativa segue o procedimento ordinário, conforme expressa seu art. 17. E a ação civil pública, diz Hely Lopes Meirelles que, quanto ao processo dessa ação, é o ordinário comum, do Código de Processo Civil, com a peculiaridade de admitir medida liminar suspensiva da atividade do réu’. Fábio Medina Osório mostra com muita lucidez que a adoção do rito ordinário (art. 17) não afasta os mecanismos processuais previstos na Lei Federal n. 7.347/85, que se destina também, e por vocação constitucional, à defesa do patrimônio público em sentido

amplo, aí incluída a probidade administrativa. Logo, não há incompatibilidade de ritos, o que torna possível a cumulação das duas ações256.

Sandra Lengruber da Silva, conclui pela possibilidade de identidade parcial ou até mesmo total entre a ação civil pública e a

255 Op. cit. pp. 279-280. 256 Op. cit. p. 303.

ação civil por improbidade administrativa:

Destarte, conclui-se que entre tais ações pode haver identidade total, e assim litispendência, sendo, no entanto, muito mais provável que se configure a conexão ante a identidade parcial dos seus elementos.

Por fim, considerando o que foi analisado neste item e no 5.2.2, resta nítida uma certa ligação entre a ação civil pública, a ação popular e a ação de improbidade administrativa, uma vez que se pode defender o patrimônio público através de todas elas.

Face algumas especificidades de cada ação, seria improvável, mas não impossível a ocorrência de identidade total, e assim de litispendência.

Por outro lado, facilmente verificar-se-iam hipóteses de conexão, o que poderia levar à reunião das mesmas257.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro também comunga entendimento no sentido da possibilidade de tutela da probidade administrativa por meio da ação civil pública:

Vem se firmando o entendimento de que a ação judicial cabível para apurar e punir os atos de improbidade tem a natureza de ação civil pública, sendo-lhe cabível, no que não contrariar disposições específicas da lei de improbidade, a Lei n.º 7.347, de 24-7-95. É sob essa forma que o Ministério Público tem proposto as ações de improbidade administrativa, com aceitação pela jurisprudência (cf. Alexandre de Moraes, 2000:330-331, especialmente jurisprudência citada na nota n.º 2, p. 330).

Essa conclusão encontra fundamento no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, que ampliou os objetivos da ação civil pública, em relação à redação original da Lei 7.347, que somente a previa em caso de dano a meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. O dispositivo constitucional fala em ação civil pública ‘para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos’. Em conseqüência, o artigo 1.º da Lei n.º 7.347/85 foi acrescido de um inciso, para abranger as ações de responsabilidade por danos causados ‘a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

257 SILVA, Sandra Lengruber da. Elementos das ações coletivas. São Paulo: Editora Método, 2004. p.

Aplicam-se, portanto, as normas da Lei 7.347, no que não contrariarem dispositivos expressos da lei de improbidade258.

Sérgio Ferraz, por sua vez afirma sequer enxergar ação especial, entendendo que a lei 8.429/92 limita-se a trazer disposições especiais de direito material, não de direito processual:

Em suma, ao contrário do que pregam alguns preclaros intérpretes dos textos aqui examinados, não chegamos a divisar no art. 17 uma nova ação especial, de espectro mais amplo do que as que já existam, de proteção do patrimônio público. A especificidade da Lei 8.429, de 1992, em nosso ver, repousa não no direito processual, a saber, na configuração dos ilícitos, na tipificação de seus agentes e na ampliação no campo das sanções aplicáveis.

Assim, por exemplo, não nos parece acertado dizer que a “ação de improbidade” tenha objeto mais amplo do que o da ação civil pública. Quando a lei 7.347, de 1985 (Lei da Ação Civil Pública) proclama, em seu art. 3.º, que a iniciativa judicial ‘poderá’ ter por objeto ‘a condenação em dinheiro ou cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer’, impor-se-á a leitura do preceptivo em conjugação com o art. 1.º do mesmo diploma. E, por conseqüência, a ação civil pública, cujo fim último é a responsabilização pela prática de danos morais e materiais ao patrimônio público (em acepção ampla), poderá objetivas sim – por que não? -, a aplicação de uma, várias ou todas as sanções estipuladas no art. 12 da lei 8.429, de 1992. Enfim, não nos agradam leituras estanques. Para nós, a ‘ação principal’ (vá lá!) é qualquer ação de rito ordinário que, identificando os ilícitos da Lei 8.429 e sua autoria, promova seu desfazimento, previna as recidivas e ampliações, sancione os agentes. E, é claro que a escolha da ação, qualquer que seja ela, jamais poderá conduzir a um pronunciamento judicial incompleto, parcial: a recuperação do patrimônio público e o sancionamento dos agentes ímprobos nunca poderão ser afastados. Já que a moralidade da administração pública e a integridade do patrimônio público configuram princípios constitucionais básicos e dados indisponíveis. Ainda que, por exemplo, opte o autor da ‘ação principal’ por uma ação dita de anulação de ato administrativo ímprobo, ou mesmo por uma declaratória de nulidade do ato administrativo marcado de improbidade, a reparação ao patrimônio público e o apenamento do agente serão inafastáveis, na forma dos arts. 12 e 18 da lei 8.429, de

1992. Mas isso - repita-se – não por especificidade ou especialidade processual criada na lei em questão, mas por sua especificidade material, substantiva. Cumpre não esquecer que a Constituição, em seu art. 129, além de recepcionar e elevar o escalão da ação civil pública, determinou-a voltada à proteção do patrimônio público e social (inciso III) – expressão de indisputada largueza de horizontes. Depois disso, soa indefensável, com vênias profundas, sustentar que o objeto da inominada ‘ação civil de improbidade administrativa’ seja mais largo que o da ação civil pública. Ou que se trate de realidades categoricamente diversas259.

No que se refere à ação civil por improbidade administrativa, com toda a vênia devida às ilustres opiniões contrárias, não parece ser o entendimento mais adequado o que a coloca no mesmo “sistema” das demais ações ditas “coletivas”, aceitando, inclusive, a propositura indiscriminada de ações civis públicas ou ações populares para tutelar a probidade administrativa, e requerer a aplicação das sanções previstas na lei especial.

Inicialmente, cumpre lembrar a lição de Ricardo de Barros Leonel, que esclarece que o processo coletivo não é um novo processo civil, dissociado do regramento destinado à composição dos litígios individuais. É simplesmente um conjunto sistemático de normas, com peculiaridades, destinadas a fazer frentes às adversidades inerentes à

defesa dos interesses transindividuais em juízo, valendo-se

complementar e subsidiariamente dos institutos legais e regras do processo civil clássico260.

Porém, a interpretação das normas jurídicas não pode ser

259 Apud. BUENO, Cassio Scarpinella et al. op. cit., pp. 412-413.

feita sem a observação de determinados critérios, que impõem um mínimo de rigor na exegese da lei, sob pena de se criar um sistema confuso e desordenado, que acaba por resultar numa certa “promiscuidade”, inadmissível na aplicação do ordenamento jurídico.

Por isso parece, com toda vênia, incorreta a doutrina acima referida, por não atentar para alguns preceitos que devem ser levados em conta, para a melhor interpretação e aplicação das regras especiais trazidas na Lei de Improbidade Administrativa.

Com efeito, a Lei 8.429/92, também chamada de Lei de Improbidade Administrativa, traz norma substantiva de natureza especial, que regula tema específico, qual seja: as sanções aplicáveis

aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.

Em seu bojo, traz o procedimento judicial que, como visto acima, também é especial, adequado à tutela da probidade administrativa e à aplicação das sanções previstas na lei.

Impende inicialmente fazer uma breve referência ao que dispõe o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 4.657, de 04 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil), que trata da vigência temporal das normas jurídicas:

Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei

terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando

expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou

especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se

restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

Em comentário a este artigo, Maria Helena Diniz leciona que a revogação é:

a) expressa, se a norma revogadora declarar qual a lei que está extinta em todos os seus dispositivos ou apontar os artigos que pretende retirar. (...)

b) tácita, quando houver incompatibilidade entre a lei nova e a antiga, pelo fato de que a nova passa a regular parcial ou inteiramente a matéria tratada pela anterior, mesmo que nela não conste a expressão “revogam-se as disposições em contrário”, por ser supérflua e por estar proibida legalmente, nem se mencione expressamente a norma revogada261.

O critério para revogação de uma norma pela outra pode ser hierárquico (lex superior derogat legi inferiori), quando norma de hierarquia superior revoga norma inferior. Pode ainda ser cronológico (lex posterior derogat legi priori) ou ainda pela especialidade (lex

specialis derogat legi generali).

Mantendo o foco na análise da questão processual, parece ser possível afirmar que a ação civil por improbidade administrativa não se enquadra no chamado “sistema das ações coletivas” (especialmente no

261 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada. 9.ª ed. São Paulo:

que diz respeito à Lei da Ação Civil Pública – que vige em “simbiose” com as disposições processuais do Código de Defesa do Consumidor, por força do disposto no artigo 21 da Lei 7.347/85, introduzido pelo artigo 117 da Lei 8.078/90).

Essa afirmação vem baseada inicialmente, no citado artigo 2.º da Lei de Introdução ao Código Civil, haja vista ser possível afirmar que, com a entrada em vigência da Lei 8.429/92, e, mais precisamente, das alterações nela operadas pelas Medidas Provisórias 2.180-35/2001 e 2225-45/2001, não mais se aplicam às ações que tem por objeto a tutela da probidade administrativa, o disposto na Lei da Ação Civil Pública.

De fato, tanto pelo critério da cronologia, quanto pelo da especialidade, a Lei de Improbidade Administrativa afastou a aplicação do disposto na Lei da Ação Civil Pública aos processos que visam a imposição das sanções previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa.

Quanto ao critério da cronologia, Maria Helena Diniz ensina que: O critério lex posterior derotag legi priori significa que, de duas normas do mesmo nível ou escalão, a última prevalece sobre a anterior262.

Uma vez promulgada norma posterior que disciplina um procedimento próprio para a tutela do direito material que disciplina, afastados ficam os outros meios anteriormente aptos à tutela