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Ação de cobrança com quantia ínfima e o uso da falência como instrumento de coação

CAPÍTULO 4 – A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPESA COMO INSTRUMENTO DE

4.3 Comentários aos julgados atinentes ao tema

4.3.1 Ação de cobrança com quantia ínfima e o uso da falência como instrumento de coação

Nestes termos:

COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE FALÊNCIA.

DECRETO-LEI Nº 7.661/45. VALOR ÍNFIMO. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. INDEFERIMENTO.7.661I. O Superior Tribunal de Justiça rechaça o pedido de falência como substitutivo de ação de cobrança de quantia ínfima, devendo-se prestigiar a continuidade das atividades comerciais, uma vez não caracterizada situação de insolvência, diante do princípio da preservação da empresa.II. Recurso especial conhecido, mas desprovido (BRASIL, 2011b).

De forma simples e objetiva o Ministro desenvolveu o porque do convencimento do magistrado de primeira instancia ser o correto e delineou quais são as observações intrínsecas a ser ponderadas no pedido de falência:

Constata-se dos autos, que todos os requisitos necessários à propositura da lide foram observados, conforme muito bem asseverou o ilustre Magistrado, uma vez que os títulos são hábeis a instruir o pedido falimentar, pois, líquidos, certos e exigíveis, tendo sido realizado seus protestos, bem como, comprovada a efetiva entrega e recebimento das mercadorias a fls. 16/17-TJ.

Ademais, não se pode olvidar que o protesto regular dos referidos títulos, devidamente comprovado nos autos, configura a impontualidade da apelada, conforme determina o art. 11 do Decreto-lei supracitado, in verbis:

'Art. 11. Para requerer a falência do devedor com fundamento no art.

1º, as pessoas mencionadas no art. 9º devem instruir o pedido com a prova da sua qualidade e com a certidão do protesto que caracteriza a impontualidade do devedor.'

Todavia, a impontualidade do devedor não constitui por si só o seu estado de insolvência, este necessário para que seja decretada a falência. Destaco ao demais, que o devedor deve ter direito a ampla defesa no sentido de demonstrar que não é insolvente, tendo-se admitido em determinadas situações consideradas relevantes, certa flexibilização da exigência do depósito elisivo, nas quais não será declarada a falência.

Verifica-se da contestação apresentada pela apelada, que esta alegou a inexigibilidade das duplicatas, diante da inexistência de documento hábil que comprove a entrega das mercadorias, em conseqüência da falsidade das assinaturas nos canhotos das notas fiscais, e requereu a extinção da obrigação, circunstância prevista no inciso VIII do artigo 4º do Decreto-lei retro mencionado, que autoriza a não realização do referido depósito.

Por outro prisma, ainda que comprovado o preenchimento de tais requisitos, não se afigura caso viável de decretação do provimento da quebra da empresa apelada, tendo o Juiz se pronunciado corretamente na sentença e de acordo com o que leciona a jurisprudência pátria.

É cediço que existe um juízo de finalidade antes da tomada de decisão, sobretudo diante de um assunto tão importante quanto a falência. O impacto da decretação da falência muitas vezes é prejudicial, principalmente quando se trata de uma grande empresa que emprega muitas pessoas e movimenta deforma positiva a economia do país.

É nessa razão que se sustenta o cuidado com a tomada de decisão, a observação dos princípios e da cláusula geral da função social e da boa fé permitem que o magistrado tenha instrumentos para separar quais são aquelas empresas que ainda podem continuar dando bons frutos à sociedade com o desenvolver da sua atividade, portanto, conforme a decisão citada, não se justifica que uma débito de quantia ínfima causa todo esse dano em vista da probabilidade de um reajuste da situação empresa através de um bom plano de recuperação.

Corroborando para esta proposição, no mesmo sentido:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FALÊNCIA AJUIZADA SOB AÉGIDE DO DECRETO-LEI 7.661/1945.

IMPONTUALIDADE. DÉBITO DE VALORÍNFIMO. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.7.6611. O princípio da preservação da empresa cumpre preceito da norma maior, refletindo, por conseguinte, a vontade do poder constituinte originário, de modo que refoge à noção de razoabilidade a possibilidade de valores inexpressivos provocarem a quebra da sociedade comercial, em detrimento da satisfação de dívida que não ostenta valor compatível com a repercussão socioeconômica da decretação da quebra.2. A decretação da falência, ainda que o pedido tenha sido formulado sob a sistemática do Decreto-Lei 7.661/45, deve observar o valor mínimo exigido pelo art. 94 da Lei 11.101/2005, privilegiando-se o princípio da preservação da empresa. Precedentes.7.6619411.1013. Recurso especial não provido (BRASIL, 2012a).

Conforme se observa, os magistrados tem passado por cima de algumas normas e de alguns parâmetros antes estabelecidos a fim de dar cumprimento ao princípio da preservação da empresa e função social da empresa. A consideração de não permitir que valores ínfimos, relativos, é claro, ao contexto analisado, não sejam suficientes para dar base ao pedido de falência ilustra muito bem uma das novidades trazidas pela lei de falência e recuperação pautada no princípio da preservação da empresa. Após o advento da lei e do uso dos princípios e diretrizes atinentes a função social, restou pacífico que não há mais lugar para permitir o encerramento da atividade empresarial sem que isso seja estritamente necessário, a jurisprudência vem se desenvolvendo no sentido de preservação e construção, sempre tendo em vista as consequências inerentes a não observação do espírito pressuposto lei de falência e recuperação.

O reconhecimento da impossibilidade de valores ínfimos não serem suficientes e, guardado as devidas proporções, até valores superiores a quarenta salários mínimos, dado que, é necessário analisar a pretensão do credor, isto é, se ele pretender apenas receber o seu crédito e está utilizando o pedido de falência como instrumento de coação ou se a empresa que ora ele busca a falência realmente reúne as características de um empreendimento onde será mais possível extrair benesse, nem para os empregados, nem para os credores e nem para os sócios.

Nesse sentido, já se decidia levando em consideração a pretensão do credor desde a incidência da antiga lei de falência, conforme:

Falência. Cobrança. Incompatibilidade. O processo de falência não deve ser desvirtuado para servir de instrumento de coação para a cobrança de dívidas.

Considerando os graves resultados que decorrem da quebra da empresa, ou o seu requerimento merece ser examinado com rigor formal, e afastado sempre que a pretensão do credor seja tão somente a satisfação do seu crédito.

Propósito que se caracterizou pelo requerimento de envio dos autos à Contadoria, para apurar o valor do débito, pelo posterior recebimento daquela quantia, acompanhado do pedido de desistência da ação. Recurso conhecido e provido (BRASIL, 1999).

Ainda, quanto a pretensão do credor:

FALÊNCIA. INSTRUMENTO DE COAÇÃO PARA COBRANÇA DE DÍVIDAS. INCOMPATIBILIDADE.

Não havendo real fundamento para o requerimento da falência, que, de procedimento indispensável à liquidação de patrimônio de empresa insolvente, transmuda-se em instrumento de coação para a cobrança de dívidas, a quitação do débito, descaracterizando o estado de insolvência, mormente quando comunicado ao juízo o desinteresse do credor único no prosseguimento do processo falimentar, impõe a extinção do processo.

Recurso especial conhecido e provido (BRASIL, 2002).

Já sob a incidência da lei de falência:

RECURSO DE AGRAVO. DECISÃO TERMINATIVA EM RECURSO DE APELAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE JULGOU IMPROCEDENTE PEDIDO DE FALÊNCIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL.

INSTRUMENTO DE COAÇÃO PARA COBRANÇA DE DÍVIDAS.

IMPOSSIBILIDADE.1. Não havendo real fundamento para o pedido de falência, mas, instrumento de coação para cobrança de dívidas, impõe-se a improcedência do pedido.2. Embora a decisão terminativa mencione que execução e falência são inconciliáveis, a arguição não foi relevante para a decisão. O relevante é, sem dúvida, o fato de que em razão de impontualidade, não justifica a quebra da empresa devedora, isso em virtude

de suas consequências. RECURSO DE AGRAVO CONHECIDO E IMPROVIDO (PERNANBUCO, 2009).

Além dos valores mínimos para o pedido de falência, é de suma importância que o magistrado analise a pretensão do pedido do credor e caso seja outro que não o de falência em virtude daquela atividade empresarial estar causando um mal à coletividade, como por exemplo, somente um pedido feito com a intenção de coação, este deverá ser desconsiderado.

As decisões supramencionadas compartilham da mesma pressuposição argumentativa, denotam uma percepção que vai além do que a mera interpretação literal dispõe ao interprete da lei, contudo, mais uma vez é possível verificar elementos inseridos no direito provado que foram transformados ante a necessidade de observar não somente a necessidade de atender ao interesse coletivo antes do interesse particular, mas também considerar elementos do futuro, isto é, quais são as consequências fáticas que o fechamento das portas da empresa trarão àquele que dela usufruem para seu sustento, não se tratando somente dos donos mas daqueles que nela trabalham.

Assim sendo, a falência não pode ser usada como um instrumento de coação para cobrança de dívidas, o Direito brasileiro está para muito além daquele Direito que apenas enxerga aquilo que está posto de forma estática, as expressões utilizadas pelos desembargadores, “pretensão”, “desvirtuar o propósito” denotam uma linha de pensamento que não mais considera somente a literalidade do texto de lei, mas que considera elementos sociais, econômicos e circunstancias para tomar suas decisões, isso vem sendo elemento de vanguarda dentro do Direito e a intensão do legislador quanto a lei de falência e recuperação reflete exatamente isto.