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2.2 TIPOLOGIA DAS AÇÕES EM HABERMAS

2.2.5 Ação estratégica (teleológico-estratégica)

Finalizando a tipologia habermasiana de ação, passa-se à denominada ação

estratégica. Segundo Habermas, a ação teleológica converte-se em ação estratégica

quando no cálculo que o agente faz de seu êxito intervém a expectativa de decisões de ao menos outro agente que também atua visando à realização de seus próprios

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Entende Habermas como situação de fala ideal o espaço equitativamente oportunizado de fala a todos os atores num discurso, ausente em seu contexto qualquer forma de coação ou pressão interna ou externa, tendo, como única regra racionalmente válida, a força do melhor argumento.

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“Por meio das evidências culturalmente adquiridas, das solidariedades de grupo intuitivamente presentes e das competências dos indivíduos socializados, consideradas como know how, a razão que se manifesta na ação comunicativa se mediatiza com as tradições, com as práticas sociais e os complexos de experiências ligadas ao corpo, que sempre se fundem em uma totalidade particular.” (HABERMAS, 2000, p. 452)

propósitos. (HABERMAS, 1984b, p. 85)50

Note-se que Habermas (1984b, p. 87) faz clara distinção entre a ação teleológica e a ação estratégica. Enquanto a primeira pressupõe a existência de um só mundo (o mundo objetivo), a ação estratégica pressupõe a existência de ao menos dois sujeitos que atuam com vistas à obtenção de um fim, e que realizam os seus propósitos orientando-se e influindo sobre as decisões de outros atores51.

No modelo estratégico de ação, a linguagem é utilizada como um medium através do qual os interlocutores, orientando-se em direção ao seu próprio êxito, podem influir uns sobre os outros com o fim de induzir o oponente a formar opiniões ou de realizar as intenções que lhes convêm, em direção a seus próprios fins52.

Traçando precisa diferenciação entre a ação teleológica, comunicativa e estratégica, Araújo (2004, p. 249) discorre que na primeira o falante se comporta de forma racional em relação aos estados de coisa existentes (sem a interveniência de outros atores). Na segunda, prevalece o caráter argumentativo e consensual da linguagem, promovendo-se entendimento e acordo. Já na última modalidade citada, prevalece a influência de cada ator sobre os demais53.

Certos comportamentos racionais, utilizando como meios de controle o dinheiro e o poder, estabelecem relações estratégicas sobre as decisões de outros participantes,

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No original: “The teleological model of action is expanded to a strategic model when there can enter into the agent’s calculation of success the anticipation of decisions on the part of at least one additional goal-directed actor. This model is often interpreted in utilitarian terms; the actor is supposed to choose and calculate means and ends from the standpoint of maximizing utility or expectations of utility”.

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Ainda sobre a diferenciação entre o agir instrumental e o agir estratégico, Pizzi explica que: “A expressão ação estratégica limita-se a “designar o tipo de agir que é, ao mesmo tempo, social e orientado em função de meios-fins”. Logo, se o agir instrumental organiza os meios para a manipulação de objetos, a ação estratégica tem como ponto de referência o êxito do falante diante de um oponente racional. Nas “interações estratégicas”, os meios comunicativos utilizam a linguagem, sem, todavia, preocupar-se com a interação entre os diferentes planos dos participantes. Assim, o êxito da ação depende do “grau de eficácia colhido na tentativa de influenciar as decisões de um oponente racional”. (PIZZI, 2005, p. 82)

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No original: “The teleological model of action takes language as one of several media through which speakers oriented to their own success can influence one another in order to bring opponents to form or to grasp beliefs and intentions that are in the speakers’ own interest”. (HABERMAS, 1984b, p. 95)

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A mesma diferenciação estabelece Habermas (1984b, p. 285) em seu quadro explicativo entre a ação teleológica (espécie de ação não-social, também denominada de instrumental), e as ações comunicativa e estratégica (espécies de ação social):

induzindo a processos de formação lingüística de consenso (HABERMAS, 1987, p. 280). Este, entretanto, não é o consenso verdadeiro, porque alcançado por meios outros que não a livre aceitação de argumentos substanciais.

Deve-se ponderar, com Habermas (1993, p. 98), que, apesar de quaisquer de nós podermos manipular outros sujeitos, nem todos se portam sempre dessa forma, pois, se tal ocorresse, a própria “categoria da mentira perderia o seu sentido”, com reflexos profundos na própria tradição de socialização entre os seres humanos. Na ação estratégica, o falante pode incitar o ouvinte a tomar decisões cujas conseqüências são favoráveis só para si mesmo, nesse caso influenciando o opositor a aceitar que o alcance de seus fins “é conveniente para todos, ou seja, que tais fins representam não apenas o seu próprio êxito, mas também a satisfação dos interesses de todos os participantes”. (PIZZI, 2005, p. 83)

Pizzi (2005, p. 83-84) lembra que a influência de um ator sobre um outro pode ensejar, inclusive, a utilização de ameaças, julgamentos ou promessas de gratificação, fato que identifica a ação estratégica como o êxito a ser alcançado, afastando-a das características de liberdade próprias à ação comunicativa.

A concepção de ação estratégica em Habermas é ampla, e compreende tanto uma ação estratégica ostensiva (em que o receptor tem consciência da intenção do emissor de agir conforme seus propósitos particulares), quanto de forma disfarçada, neste caso promovendo uma dissimulação consciente (manipulação) ou inconsciente (comunicação sistematicamente distorcida) sobre o receptor. Em qualquer das hipóteses, visa invariavelmente o êxito de sua ação, conformando as atitudes e pensamentos do receptor à esfera de suas expectativas54.

No modelo habermasiano, portanto, a ação estratégica visa à consecução de um

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A estrutura da ação estratégica é sintetizada por Habermas (1984b, p. 333) no quadro abaixo:

objetivo, elegendo o ator os meios que considera mais adequados, na situação dada, para alcançar o êxito, isto é, para efetivar no mundo o estado de coisas por ele desejado (HABERMAS, 1984b, p. 285)55. Assim, Habermas chama de

estratégica a ação orientada ao êxito, considerando-se o aspecto de atendimento

das regras de escolha racional e avaliando-se sua eficácia pela capacidade de influir sobre as decisões de um oponente igualmente racional. (HABERMAS, 1984b, p. 285)56

Em outras palavras, a ação estratégica fundamenta o direcionamento da ação na racionalidade teleológica das metas individuais dos atores sociais envolvidos, que, egocentricamente, e utilizando como medium a linguagem, buscam influenciar o(s) outro(s) para o atingimento de suas metas particulares, ainda que em detrimento dos demais sujeitos (sejam eles parceiros ou oponentes), invariavelmente utilizados como meios para a consecução de seus fins.