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2.3 TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA

2.3.2 A racionalidade comunicativa

A filosofia centrada no “eu” perpassou séculos de influência na cultura ocidental. Nada mais explicável, ao considerar-se o pano de fundo histórico que antecedeu o advento do Iluminismo67.

Para o Iluminismo, o indivíduo era o centro do conhecimento, sujeito unificado e dotado das capacidades de razão, consciência e de ação, atributos que o perseguiam em todo o caminhar de sua existência. (HALL, 2001, p. 10-11)

Esta nova visão da realidade das idéias, e das idéias com o mundo, possibilitou o culto do homem como única realidade a partir da qual brotava o conhecimento. Ressalte-se que a influência das idéias iluministas68 encontra-se ainda presente nas concepções filosóficas atuais, tendo sido transportadas dos séculos XVII e XVIII até os nossos dias.

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No original: “on peut distinguer les normes susceptibles d’une justification des normes qui stabilisent des rapports de force. Dans la mesure où les normes expriment des intérêts universalisables, elles reposent sur un consensus rationnel (ou elles trouveraient un tel consensus si une discussion pratique pouvait avoir lieu). Dans la mesure où les normes règlent des intérêts non universalisables, elles reposent sur la force”. (HABERMAS, 1978, p. 153-154)

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O Iluminismo, movimento filosófico, político e social advindo do início do séc. XVIII, promovia um culto da razão sobre a obscuridade religiosa, o antropocentrismo em detrimento do teocentrismo, bem como o combate às idéias absolutistas que sustentavam os regimes monárquico-despóticos. Teve como grandes expoentes Voltaire, John Locke, David Hume, Adam Smith, dentre outros.

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Note-se que Gadamer não é o único a tecer críticas ao pensamento Iluminista. Segundo explicita Stein, Hans-Georg Gadamer, numa crítica ao racionalismo da ilustração, afirma que o pensamento iluminista é cego para a inevitabilidade de preconceitos no processo do compreender, referindo-se à inevitabilidade das pré-concepções do intérprete em qualquer processo interpretativo. (STEIN, 1987, p. 111-112)

Apenas para ilustrar este apego à visão racionalista tendo o homem como centro irradiador do conhecimento, Schopenhauer (2005, p. 41-42) afirmava que apenas os pensamentos próprios eram verdadeiros e tinham vida, já que somente eles poderiam ser entendidos de forma autêntica e completa. Nesta lógica, os pensamentos alheios seriam como “obras da refeição de outra pessoa” ou “roupas deixadas por um hóspede na casa”, numa relação como a que existe “entre o fóssil de uma planta pré-histórica” e as “plantas que florescem na primavera”.

Uma filosofia baseada nos moldes de uma ação instrumental com fulcro na relação sujeito-objeto acaba por ignorar o caráter da influência coletiva sobre o pensamento humano. Conforme salienta Rouh (1937, p. 189)69, o pensamento não apenas é expresso, mas se completa, confirmando-se por suas próprias repetições pelas verificações indefinidas dos indivíduos, sendo que a cada dia uma linha se acrescenta a uma certeza primitiva.

A dinâmica da vida moderna, calcada na interação cada vez maior entre os sujeitos, em um mundo cujas fronteiras entre povos e nações se esvaecem, em que a revolução tecnológica da informação coopta o indivíduo à comunicação voluntária ou mesmo forçada com seus semelhantes, torna o homem cada vez mais integrado à coletividade. Nesta realidade de estágio civilizatório, a perspectiva de uma filosofia nos moldes de uma racionalidade instrumental não se mostra capaz de obter todas as respostas para os problemas que afligem a humanidade. Uma filosofia nos moldes de uma racionalidade comunicativa, como proposta por Habermas, revela a oportunização e abertura de novas perspectivas no estudo dos conflitos e das contradições internas da sociedade moderna.

Assim, fundamentar a apreensão da verdade pautada exclusivamente na sua verificação pelo sujeito é olvidar o plexo de verdades que se estabelecem e se revelam nas relações entre os sujeitos no convívio social. Ditas verdades não podem ser ignoradas. Parodi (1937, p. 64)70, a propósito, lembra que somente a sociedade

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No original: “La pensée ne s’exprime pas, seulement, elle se complète, se confirme par ses propres répétitions, par les vérifications indéfinies des hommes. Ainsi chaque jour une ligne de plus s’ajoute à la certitude primitive”.

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No original: “La société, et la société seule, serait créatrice de valeurs proprement dites, c’est-à-dire douées d’une sorte d’existence objective: car elle impose à l’individu, par l’éducation, par l’opinion, par l’exemple, au besoin par la contrainte matérielle, et, plus subtilement encore, par la fusion de sa conscience avec la conscience collective, des jugement tout faits, distincts et très souvent antagonistes et rédacteurs de ses préférences propres; jugements qui lui sont antérieurs et lui survivront, qui le débordent de toutes façons, comme le milieu social qu’ils expriment, et le dominent

seria criadora dos chamados “valores propriamente ditos”, já que dotados de alguma experiência objetiva, imposta aos indivíduos pela educação, opinião, exemplo, constrangimento material ou, ainda, pela fusão da sua consciência com a consciência coletiva, pelo julgamento que ela confere aos fatos, traçando os contornos no meio social em que se exprimem.

Na construção do mundo social da criança ocorre uma progressiva apropriação cognitivo-social e moral da estrutura vigente de papéis nos quais se estruturam as relações interpessoais. Assim, o sujeito desenvolve a sua identidade como membro de um grupo social por meio de uma reestruturação simbólica de suas orientações de ação e de suas disponibilidades de ação frente a expectativas particulares de comportamento. (HABERMAS, 1987, p. 33)

Habermas (1987, p. 63) revela a harmonização do comportamento dos diversos participantes da interação, ligados entre si pela comunicação lingüística, promovendo, além do entendimento, a coordenação da ação e a socialização dos atores. Assim, os atos comunicativos atuam na transmissão do saber culturalmente acumulado, reproduzindo-se a tradição cultural por meio da ação orientada ao

entendimento e promovendo-se, ainda, o cumprimento das normas, a integração

social, a instauração de controles internos de comportamento e a formação de estruturas da personalidade.

Observe-se que Habermas (1984b, p. 99)71 define, precisamente, as condições de validade das ações voltadas ao entendimento (ações comunicativas):

Um ator que se orienta ao entendimento precisa, neste sentido, sustentar pelo menos três reivindicações de validade por meio de seu proferimento, a saber:

1. Que o enunciado formulado seja verdadeiro (ou que as pressuposições existenciais do conteúdo proposicional mencionado sejam factualmente satisfeitas);

2. Que o ato de fala esteja correto no que se refere ao contexto normativo existente (ou que o contexto normativo que deve ser satisfeito seja legítimo ele próprio);

3. Que a intenção manifesta do locutor queira significar aquilo que

de toute la force avec laquelle la sienne propre n’a pas de commune mesure, et de toute l’autorité prestigieuse de ce milieu même”.

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No original: “an actor who is oriented to understanding in this sense must raise at least three validity claims with his utterance, namely:

1. That the statement made is true (or that the existential presuppositions of the propositional content mentioned are in fact satisfied);

2. That the speech act is right with respect to the existing normative context (or that the normative context that it is supposed to satisfy is itself legitimate); and

expressa.

Essas condições representam o pressuposto de veracidade ou sinceridade. Com efeito, o primeiro item indica que o locutor reivindica a pretensão de verdade do seu enunciado; o segundo item pressupõe o cumprimento das normas de uso da linguagem (rigor técnico) e das que configuram a situação de fala ideal (rigor ético no procedimento com seus interlocutores); e o terceiro item consagra o princípio da veracidade ou sinceridade em sua forma explícita, quer dizer, a comunicação do locutor é transparente quanto a suas autênticas intenções e ele crê, em boa-fé, que seja verdadeira a pretensão de verdade que ele reivindica.

Apesar de reconhecer o papel da ação instrumental (permitindo ao homem apropriar-se da natureza, garantindo, pelo trabalho, a sua própria subsistência e autoconservação, Habermas promove uma ampliação filosófica do campo das ações humanas para além de uma mera ação pragmática em relação às coisas do mundo objetivo.

A este respeito, Habermas, contrariamente a Marx, propugna a irredutibilidade da espécie humana a uma mera ação instrumental sobre a natureza, onde a ação comunicativa, longe de ser resumida a uma mera relação de trabalho, assume feição e regras próprias no campo da interação humana. (DURÃO, 1996, p. 23).

A racionalidade tem menos a ver com o conhecimento ou com a aquisição do conhecimento do que com a forma com que os sujeitos capazes de linguagem e de ação dele fazem uso. (HABERMAS, 1984b, p. 8). Nesta ótica, o mundo72 só cobra objetividade pelo fato de ser reconhecido e considerado como um só por uma comunidade de sujeitos capazes de linguagem e de ação. Assim, o conceito abstrato de mundo é condição necessária para que os sujeitos que atuam comunicativamente possam se entender entre si sobre o que se passa no mundo ou o que se deve produzir no mundo. O mundo compartilhado intersubjetivamente é delimitado pela totalidade das interpretações pressupostas pelos participantes, devendo-se verificar as condições para que se possa alcançar, comunicativamente, o consenso entre eles. (HABERMAS, 1984b, p. 12-13)

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Habermas faz uma alusão à existência de três mundos: o mundo objetivo (compreendido como a totalidade das entidades sobre as quais são possíveis enunciados verdadeiros), o mundo social (visto como a totalidade das relações interpessoais legitimamente reguladas), e o mundo subjetivo (enunciado como a totalidade das próprias vivências nas quais cada um tem um acesso privilegiado e na qual o interlocutor pode manifestar-se diante do público). (HABERMAS, 1987, p. 120)

Sobre a incapacidade de superação das dicotomias vividas pela Filosofia com base no paradigma da consciência, Pizzi (2005, p. 48-49) diagnostica, em função dessas dificuldades, a perda de objeto pela própria Filosofia, renunciando a suas pretensões universais e criticáveis, razão pela qual esta foi levada a um rompimento dos esquemas da teoria do conhecimento e da consideração metodológica da problemática da compreensão. Este é, segundo Pizzi (2005, p. 49), o caráter singular da Teoria da Ação Comunicativa, qual seja, o de superar as reduções de uma racionalidade debilitada, rompendo com o solipsismo metodológico e modificando, com essa reviravolta, o próprio caráter tradicional da filosofia.

Habermas propõe a superação da razão instrumental (aplicação de meios racionais para a obtenção de fins) por uma razão comunicativa, levada a efeito pelos indivíduos em múltiplos processos de interação e cujas bases de comunicação, intermediadas pela linguagem, podem ser aperfeiçoadas num processo dinâmico de emancipação, tendo como atores os participantes livres que interagem no discurso. Na proposta habermasiana de racionalidade comunicativa, surge a necessidade de comunicação entre os sujeitos, na medida das exigências de fundamentação intersubjetivamente partilhadas entre eles. Assim, a necessidade prática de coordenar planos de ação engendra a expectativa de cada participante de que os destinatários tomem posição, assumindo “um perfil claro” em relação a suas pretensões de validade73. No entanto, o entendimento entre os participantes só pode ser alcançado na existência de relações simétricas entre eles, envolvendo, entre outras condições, “relações de reconhecimento mútuo”, “transposição recíproca de perspectivas” e “disposição para aprender um com o outro”. (HABERMAS, 2001, p. 162-163)

Na comunicação sobre os fatos ou nas relações com as pessoas e os objetos, os sujeitos intersubjetivamente relacionados devem poder, segundo Habermas, relacionar-se com algo no mundo objetivo (dado para nós como idêntico para todos), a fim de entenderem-se sobre algo na comunicação. Neste mister, devem partir de um pressuposto pragmático, supondo o mundo como a totalidade dos objetos existentes independentemente, e que podem ser julgados, garantindo a todos os

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De acordo com Habermas: “Estes esperam uma reação afirmativa ou negativa, que conta como resposta, porque somente o reconhecimento intersubjetivo de exigências de validez criticáveis provoca o tipo de generalidade pela qual obrigatoriedades fidedignas com conseqüências relevantes para a interação se deixam fundamentar para ambos os lados”. (HABERMAS, 2002. p. 105)

sujeitos na interação a antecipação formal de possíveis objetos de referência (mesmo mundo objetivo no qual se entendem e podem intervir). (HABERMAS, 2002, p. 39-40)

Desvelando a racionalidade comunicativa, Habermas (2000, p. 437) esclarece:

Por “racionalidade” entendemos, antes de tudo, a disposição dos sujeitos capazes de falar e de agir para adquirir e aplicar um saber falível. Enquanto os conceitos básicos da filosofia da consciência obrigarem a compreender o saber exclusivamente como um saber sobre algo no mundo objetivo, a racionalidade é medida pela maneira como o sujeito solitário se orienta pelos conteúdos de suas representações e de seus enunciados. A razão centrada no sujeito encontra sua medida nos critérios de verdade e êxito, que regulam as relações do sujeito que conhece e age segundo fins com o mundo de objetos ou estado de coisas possíveis. Em contrapartida, assim que concebemos o saber como algo mediado pela comunicação, a racionalidade encontra sua medida na capacidade de os participantes responsáveis da interação orientarem-se pelas pretensões de validade que estão assentadas no reconhecimento intersubjetivo. A razão comunicativa encontra seus critérios nos procedimentos argumentativos de desempenho diretos ou indiretos das pretensões de verdade proposicional, justeza normativa, veracidade subjetiva e adequação estética.

Assim, propõe Habermas (2000, p. 437-438) um novo modelo de racionalidade, com foco no discurso unificador do consenso entre os participantes, superando suas concepções subjetivas em favor de um consenso racionalmente motivado, contrariamente a uma racionalidade com respeito a fins, de base cognitivo- instrumental e calcada na filosofia do sujeito.

Como explicita Habermas (2004a, p. 15-16):

É evidente que a autoconsciência e a capacidade da pessoa de assumir uma posição refletida e deliberada quanto às próprias crenças, desejos, valores e princípios, mesmo quanto ao projeto de toda a sua vida, é um dos requisitos necessários para o discurso prático. Há um outro requisito, porém, tão importante quanto esse. Os participantes, no momento mesmo em que encetam uma tal prática argumentativa, têm de estar dispostos a atender à exigência de cooperar uns com os outros na busca de razões aceitáveis para os outros; e, mais ainda, têm de estar dispostos a deixar-se afetar e motivar, em suas decisões afirmativas e negativas, por essas razões e somente por elas.

Concebe Habermas (2004a, p. 15-16) um plano racional em que cada participante é livre, dotado que está de uma autoridade epistêmica para dizer “sim” ou “não”, voltando-se, não obstante, inevitavelmente para a busca de um acordo racional em que somente sejam acolhidas as soluções racionalmente aceitáveis para todos os

envolvidos. Assim, a busca de um consenso pelos participantes pressupõe a liberdade comunicativa de cada um, afirmando o vínculo social a que todos invariavelmente se sujeitam.

Malgrado a receptividade das concepções habermasianas74, presentes na teoria da Ação Comunicativa (considerado o momento histórico em que esta surgiu – segunda metade do século XX), não se pode olvidar que o processo de comunicação entre os sujeitos sempre acompanhou o ser humano, tendo sido, tão somente, intensificado na era contemporânea pelo advento de novas tecnologias.

Aguirre Oraa (1998, p. 345)75 contrapõe a visão de Habermas à de Hans-Georg Gadamer. Enquanto a visão de Gadamer teria como base a busca do sentido presente à obra, contido em toda manifestação humana e em toda comunicação lingüística, numa abertura de nosso espírito à verdade e na receptividade da razão que se oferece diante da realidade, a concepção de Habermas estaria fundada sobre uma argumentação discursiva na qual o consenso sobre a verdade das assertivas e das normas possa advir de uma reflexão crítica, capaz de criar sentido sobre uma criatividade de nosso espírito frente à realidade.

Para Freitag (2005, p. 101), Habermas propõe uma superação da filosofia da consciência pela teoria da interação, da razão reflexiva pela razão comunicativa, engendrando, numa proposta dialógica, a superação do conceito monológico da razão pura de Kant76 por uma razão comunicativa, tendo como medium a linguagem, em que a verdade deixaria de assentar-se no sujeito epistêmico, não mais sendo vista como um fim, mas como o processo em que pretensões de verdade, questionadas pelos participantes do discurso, objetivariam o consenso. Nesta

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Registre-se que a teoria da ação comunicativa, de Jürgen Habermas, apesar da grande acolhida e sucesso no meio filosófico e acadêmico, não está livre de críticas, como lembra Medina: “A abordagem de Habermas sobre a comunicação tem sido criticada por muitos como sendo demasiadamente racionalista e por demais idealista, posto que não leva em conta os aspectos não racionais (e até mesmo irracionais) da comunicação, e não presta a atenção adequada e suficiente à interação entre a comunicação e o estratégico”. (MEDINA, 2007, p. 15)

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No original: “L’une, celle de Gadamer, est plutôt axée sur la prise et la reprise continuelles du sens déjà à l’oeuvre dans toute manifestation humaine et dans toute communication langagière, sur une ouverture de notre esprit à l’advenir de la vérité, sur une réceptivité de la raison qui s’offre à l’avènement du sens et de la réalité. L’autre, celle de Habermas, se fonde surtout sur une argumentation discursive dans laquelle le consensus sur la vérité des assertions et des normes puisse affleurer, sur une réflexion critique capable de créer du sens, sur une créativité de notre esprit à l’égard de la réalité. Grosso modo, telles sont les differences”.

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No âmbito da teoria da ação comunicativa, a oposição de Habermas a Kant compreende outros pontos de divergência. Um deles, como reporta Freitas (2005, p. 102), concerne à questão da moralidade. Se para Kant o critério último da moralidade repousa no imperativo categórico, para Habermas este se condensa no processo argumentativo, desencadeado pelo discurso prático.

perspectiva, podem ser questionadas tanto a verdade dos fatos, a correção ou justeza das normas, bem como a veracidade do interlocutor.

Desloca-se, pois, o eixo da filosofia moderna de uma filosofia centrada no sujeito, em sua relação com o objeto cognoscível, para uma filosofia ancorada na intersubjetividade, centrada nas manifestações racionais do indivíduo, levadas a efeito na comunicação com seus pares, tendo como medium a linguagem, num dinâmico processo cooperativo entre os participantes.

Habermas supera a concepção weberiana de racionalidade, de base instrumental (baseada na relação meios-fins), propondo, em seu lugar, a racionalidade comunicativa. Nesta, os sujeitos comunicantes orientam as suas pretensões de verdade na busca do consenso, ou seja, o acordo racionalmente motivado, construído comunicativamente e intermediado pela linguagem. Este acordo, sempre dinâmico e mutável, condiciona o comportamento dos sujeitos na realidade social. Em outras palavras, somente uma racionalidade comunicativa pode promover a legitimação dos valores presentes numa sociedade, o que não é atingido por uma racionalidade instrumental (racionalidade meios-fins).

Consoante discorre Chamon Junior (2007, p. 121), a proposição de Habermas trazida na teoria da ação comunicativa, de uma reconstrução da racionalidade da sociedade moderna, rejeitando-se as concepções metafísicas com referências a uma racionalidade pré-estabelecida (monológica, na concepção de Kant) e partindo- se para uma realidade compartilhada pelos sujeitos no mundo da vida (mundo social), permite erigir a noção de ação comunicativa, já que o racional e o irracional só podem ser reconhecidos pelos sujeitos no plano da comunicação.

Dessa forma, é no mundo da vida que os sujeitos, através de ações orientadas ao entendimento, podem sustentar ou terem reguladas suas pretensões de validade de maneira crítica e argumentativa, tendo como pano de fundo a força do melhor argumento. É por isso que a razão que Habermas propugna, a razão comunicativa, discrepa da razão instrumental utilizada por Max Weber. Pela ação comunicativa e pela possibilidade ideal do consenso verdadeiro, os participantes da discussão revelam sua própria racionalidade. (CHAMON JUNIOR, 2007, p. 121-122)

O mundo da vida, de que fala Habermas (1987, p. 135), emancipa-se da filosofia da consciência, configurada no contexto criador de horizonte nos processos de

entendimento, promovendo-se, na perspectiva de uma racionalidade comunicativa, uma reconstrução do saber dos sujeitos envolvidos77.

A racionalidade comunicativa garante a participação no processo de interação entre os sujeitos no plano das regras explicitadas a partir do Lebenswelt. No agir comunicativo, o sujeito “presume o domínio lingüístico das relações com o mundo e a cooperação mútua, com o fim de entender-se com os demais”, tendo, como meio, a linguagem e, como fim, o entendimento mútuo. (PIZZI, 2005, p. 55)

A razão comunicativa não tem o fim de sepultar os avanços do movimento racionalista (razão centrada no sujeito), mas de permitir um avanço nos seus postulados, preservando o seu potencial crítico. A propósito, reconhecem-se os avanços feitos pelo racionalismo, permitindo uma emancipação do pensamento crítico das amarras da doutrina teocrática da Igreja e a expansão do Iluminismo,