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CAPÍTULO III – DENÚNCIA OU QUEIXA

3.1 Ação Penal e Processo

3.1.2 Ação penal

O Estado, detentor do jus puniendi no plano abstrato, a partir da prática de um ato considerado infração penal passa a detê-lo em concreto. Diante da impossibilidade de o Estado impor a sanção penal, esta será alcançada por meio do processo, acrescente-se:

justo, devido. 253

O vocábulo ação penal, no processo penal brasileiro, decorre da teoria unitária do processo, trazendo a questão da “lide penal”, bem como dos elementos subjetivos dela integrantes: pretensão, interesse e vontade.254

253 “Cometido o crime, a sanção só será executada a partir da decisão jurisdicional, presa a um pressuposto: a reconstituição de um fato pretérito, o crime, na medida de uma verdade processualmente válida e evidenciadora da culpabilidade ou da periculosidade. (...) Para expressar essa reconstituição que se efetiva no processo penal – geralmente de forma conflitual, mas não sempre –; e tem importância prática já na primeira fase da persecução penal, o ideal seria uma expressão ainda não comprometida com outros significados relevantes; caso penal, por exemplo”. COUTINHO. A lide..., op. cit., pp. 137-138.

254 SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da. A tipicidade e o juízo de admissibilidade da acusação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 32.

Em razão disso, imprescindível o entendimento de Jacinto Nelson de Miranda: “A doutrina tradicional do nosso processo civil-penal, sem muitas indagações sobre as chocantes incoerências que a transferência provoca, assim atua. Não faz mal, é verdade, mas procurando, em nome do pressuposto fundamental – a lide, à qual o processo existe como instrumento de sua composição – observar coerentemente os fenômenos processuais.

O vício, portanto, está na raiz e não propriamente nos efeitos”. 255

Tucci entende que ação penal corresponde “ao exercício do direito à jurisdição criminal, para reconhecimento ou satisfação, da prevalência, enfim, do ius puniendi estatal ou do ius libertatis do ser humano envolvido numa persecutio criminis”. 256

José Antonio Paganella Boschi admite que o poder-dever de punir, enquanto monopólio estatal, somente se efetiva através do processo, submetendo-se aos limites por ele mesmo impostos, em respeito ao devido processo legal. 257

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho entende, no sistema processual penal brasileiro,

“a ação como um direito-dever de provocar, para acertar um determinado caso penal, a atuação jurisdicional.” 258 Pode-se afirmar que a ação penal é um direito subjetivo público, autônomo, abstrato, limitado e conexo, instrumentalmente, a um caso concreto.

A classificação da ação penal no Direito brasileiro, quanto ao critério subjetivo, ou seja, considerando-se a legitimidade para sua propositura, compreende a ação penal pública (incondicionada ou condicionada), a ação penal de iniciativa privada (propriamente dita), a ação penal de iniciativa privada personalíssima e a ação penal privada subsidiária da pública.

255 COUTINHO. A lide..., op. cit., p. 146.

256 TUCCI. Teoria..., op. cit., p. 80.

257 BOSCHI, op. cit., p. 13.

258 COUTINHO. A lide..., op. cit., p. 147

A ação penal pública pode ser incondicionada (que é a regra) ou condicionada à representação do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo ou à requisição do ministro da Justiça, cabendo em ambos os casos a legitimidade de sua propositura ao Ministério Público. Importa salientar que conforme dispõe a Constituição da República, no art. 129, I, o Ministério Público detém, como função institucional, a promoção privativa da ação penal pública, impossibilitando, assim, a confusão entre julgador e acusador.

Entretanto, é sabido que no sistema acusatório isto é secundário porque caracterizado, principalmente, pela questão referente à gestão da prova. A representação e a requisição, aqui, autorizam a propositura da ação penal pelo Ministério Público, caso a entenda cabível.

É ela regida pelos princípios da oficialidade (ato próprio de um órgão do Estado); da obrigatoriedade (diante da ocorrência de um fato típico, ilícito e culpável; presentes as condições para o exercício da ação penal, deve o Ministério Público propor ação penal pública); da indivisibilidade (deve alcançar a todos que, direta ou indiretamente, foram identificados como responsáveis pela infração penal cometida) e da indisponibilidade (conforme dispõe o art. 42 do CPP, o Ministério Público não pode desistir da ação penal).

Há casos em que a iniciativa do direito de agir é conferida ao particular, caracterizando a ação penal de iniciativa privada, regida pelos princípios da oportunidade ou conveniência (o ofendido ou seu representante legal decidirá sobre a conveniência em propor ação penal de iniciativa privada), além da indivisibilidade e da intranscendência (princípio este que limita a persecutio criminis ao autor da prática da conduta ilícita, estando diretamente vinculado ao art. 5º, inciso XLV, da Constituição da República:

“Nenhuma pena passará da pessoa do condenado ...”), também aplicáveis à ação penal

pública. Para alguns, vige aqui também o princípio da disponibilidade, mas ele, por primário, diz respeito ao conteúdo do processo.

Em se tratando de ação penal de iniciativa privada personalíssima, a legitimidade para a propor cabe exclusivamente ao ofendido, não se permitindo sucessão processual.

A ação penal privada subsidiária da pública se traduz numa ação penal pública, a ser proposta pelo Ministério Público, que o não tendo feito no prazo legal, torna possível que o ofendido o faça.

Assim, concluído o inquérito policial, uma das formas de investigação criminal259, será este remetido à Justiça e em sede de ação penal pública, caso o representante do Ministério Público decida pela propositura da ação penal e uma vez presentes as condições da ação, oferecerá desde logo a denúncia, que, após recebida, dará ensejo a se iniciar o iter processual da persecutio criminis. Em sede de ação penal de iniciativa privada cabe ao ofendido, ou a quem tenha qualidade para representá-lo, a propositura da queixa-crime. A denúncia ou queixa-crime é o ato processual que permite o acesso à jurisdição, onde o juízo de admissibilidade positivo sobre a ação move o processo.

Deste modo, o processo implica intervenção do Estado-juiz, aplicando a lei ao caso penal concreto. Os princípios constitucionais do nulla poena sine judice e do nulla poena sine judicio requerem que a aplicação de pena se dê por meio de juiz e de processo. O

259 O inquérito é somente uma modalidade de investigação criminal, podendo inclusive ser dispensado, havendo elementos suficientes para possibilitar a propositura de ação penal. Entretanto, cabe aqui ressalvar que o inquérito policial mal conduzido leva, conseqüentemente, à propositura de ação penal sem o devido suporte mínimo comprobatório, caso o Ministério Público entenda que deva denunciar cegamente, em respeito ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. O Ministério Público não pode se limitar a ser mero acusador, mas deve ser, prioritariamente, garantidor do Estado Democrático de Direito. Além do mais, sem o preenchimento das chamadas condições da ação, deve o juiz rejeitar a denúncia ou a queixa, se for o caso, nos termos do art. 43, do CPP.

processo ganha relevo por sua instrumentalidade na tutela de direitos, e uma das maiores preocupações dos processualistas contemporâneos se traduz na sua efetividade como tal.

Neste sentido, Kazuo Watanabe aduz que existe a preocupação de que o processo se ajuste à realidade sociojurídica, cumprindo seu papel de instrumento a serviço de uma efetiva realização dos direitos. Mas não um instrumentalismo meramente formal, e sim substancial.260