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Conceito de devido processo legal

CAPÍTULO II - DEVIDO PROCESSO LEGAL – DEVIDO PROCESSO PENAL

2.2 Devido Processo Legal Processual e Substantivo

2.2.1 Conceito de devido processo legal

Antes de adentrar no estudo do princípio, em suas dimensões processual e substantiva, necessário se faz mencionar que a tradução conferida à locução due process of law não é uníssona, divergindo os juristas quanto à utilização da expressão “devido processo legal”, entendendo alguns “mais adequando utilizar processo penal justo”, outros somente devido processo ou processo devido, ou ainda processo razoavelmente estruturado.

Quer seja o “due” entendido como “devido”, ou ainda como “justo”, o certo é que ele pretende que o processo seja conduzido em conformidade com os direitos e garantias previstos pela Constituição da República.

Gilson Bonato, citando Vigoriti, evidencia a dificuldade em se traduzir a expressão

“due”:

A tradução italiana da expressão due process of law apresenta alguma dificuldade. O termo ´due´, no qual é guardada toda a força da expressão, é um apelo seguro à consciência do homem, para uma justiça superior edificada conforme a natureza e a razão. Por isso não pode ser traduzida com adjetivos como ´regular´ou ´correta´ que exprimem somente uma exigência da legalidade que não exaure o conteúdo da garantia, mas deverá ser traduzida com o termo ´justo´, o único que pode atribuir com eficácia o conteúdo ético do termo ´due´. A incerteza da escolha e a dificuldade de uma tradução adequada, aconselham, todavia, a usar a expressão o quanto possível na língua original, sem querer forçar a todo custo um significado numa fórmula que nos seja familiar. 163

163 VIGORITI, Vitorio. Garanzie Costituzionali del Processo Civile. Milão: Giuffrè, 1973, p. 30, nota n. 12 apud BONATO, op. cit., p. 29. – “La traduzione italiana dell’espressione due process of law presenta alcune difficoltà. Il termine ‘due’, in cui à racchiusa tutta la forza dell’espressione, è um appello fiducioso allá coscienza dell’uomo, ad una giustizia superiore fondata sulla natura e sulla ragione. Per queto

O devido processo, em sua origem, foi vislumbrado como uma garantia meramente processual, capaz de assegurar a regularidade do processo a ser observado nas várias instâncias judiciais. Nos Estados Unidos, o devido processo legal ganhou aplicação diversa, visando a analisar a produção legislativa, quanto a ser esta opressiva ou não-razoável, isto é, arbitrária.

Cooley entende como devido o processo que “(...) andou com a correção e ordem devidas, porque nele se observaram todas as garantias dos direitos individuais, que são aplicáveis ao caso especial de que se trata. Neste sentido é sinônimo de ‘lei da terra’, (...)”.164

Mas, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos verifica-se a preocupação em aplicar tal princípio, sem que isto implique necessidade de conceituá-lo. Talvez o propósito fosse justamente o de não o restringir, permitindo sua interpretação conforme o caso concreto, tornando-o imune às mudanças históricas.

A Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em suas decisões, acaba por relacionar o princípio do devido processo legal às garantias presentes na Magna Carta (contra a opressão e o arbítrio dos reis), como forma de limitação dos Poderes do Estado, prezando por um processo que se adapte ao que pode ser chamado de “devido processo legal” (considerado justo, correto, imparcial), sem se contentar com um processo que se

non può tradursi con aggetivi comme ‘regolare’o ‘correto’ che esprimono solo un’esigenza di legalità che non esaurisce il contenuto della garanzia, ma verrà tradotto col termine ‘due’ l’único che possa rendere com efficacia il contenuto ético del termine ‘due’. L’incertezza della scelta, la difficuoltà di una traduzione adequatta, consigliano comunque di usare l’espressione per quanto possibile nella língua originale, senza volerne forzare a tutti i costi il significato in una formula a noi familiare”.

164 COOLEY, op. cit., p. 217.

desenvolva de qualquer forma, somente para se justificar que houve. Nesta direção, tem-se a decisão proferida no caso Solesbee v. Balkcon, em 1950. 165

Henry Campbell Black assevera que “um ato do Legislativo pode ser processo de lei, mas ele não será ‘devido processo’ a menos que esteja em conformidade com os preceitos constitucionais e com os princípios postos de direito e justiça”. Acrescenta ele, que o

“devido processo legal exige um procedimento ordenado, adaptado à natureza do caso, no qual o cidadão tenha oportunidade de ser ouvido, defendendo, cumprindo e protegendo seus direitos.” 166

Também Ada Grinover entende que os conceitos de justiça, devido processo legal e irrepreensibilidade são conceitos históricos e relativos, variando o seu conteúdo de acordo com a evolução da consciência jurídica e política de uma nação. 167

É de todo compreensível a dificuldade em se conceituar o due process of law em razão de ele trazer consigo valores tais como justiça e igualdade, não podendo ser definido tecnicamente. É certo que, em razão disso, é passível de sofrer influências, sejam elas decorrentes do lugar ou do momento histórico em que se situam, o que acaba por dificultar que se possa chegar a um rol explícito de tudo o que pode ser considerado como inserido neste vago conceito de devido processo legal.

No Direito brasileiro, na tentativa de se trazer uma definição precisa e definitiva para devido processo legal, são proferidas afirmações, que de tão vagas acabam por não dizer

165 SILVEIRA, op. cit., pp. 239-240.

166 COKE, Henry Campbell. Handbook of American Constitucional Law. 3. ed., St. Paul, Minn.:

West Publishing Co., 1910, pp.572-573. Tradução livre: “An act of the legislature may be process of law, but it is not ‘due process’ unless it conforms to the requirements of the constitution and to the settled principles of right and justice.” Acrescentando: “Due process of law requires an orderly proceeding, adapted to the nature of the case, in which the citizen has an opportunity to be heard, and to defend, enforce, and protect his rights.”

167 GRINOVER. As garantias constitucionais do direito de ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 34.

nada. O fato de trazer consigo a abstração própria dos princípios e referir-se a valores, em si já não permite um conceito definido.

Mas este princípio, de difícil definição, impreciso e dinâmico por acompanhar os valores culturais, apresenta-se sob dois aspectos: o processual, representando o processo devido, capaz de garantir a inviolabilidade da defesa em juízo, a igualdade entre as partes e o material, visto como o direito a que a lei seja razoável, justa e contida nos limites da Constituição.

Segundo Tucci e Tucci, os elementos constitutivos do devido processo legal são: a) elaboração regular e correta da lei, bem como de sua razoabilidade, senso de justiça e enquadramento nas preceituações constitucionais (substantive due process of law, segundo o desdobramento da concepção norte-americana); b) aplicação judicial da lei através de instrumento hábil à sua interpretação e realização, que é o processo (judicial process); e c) assecuração, neste, da paridade de armas entre as partes, visando à igualdade substancial.168

Osmar Medeiros aduz que não somente na atuação jurisdicional, mas também na criação legislativa, o devido processo ganha importância fundamental na história dos direitos fundamentais através dos seus sentidos processual e material, este último, de influência americana.169

No ordenamento brasileiro, o princípio foi mais facilmente visualizado em seu aspecto processual, ou seja, através dos vários princípios que dele decorrem, aplicáveis ao devido processo legal processual.170

168 TUCCI, Rogério Lauria e CRUZ E TUCCI, José Rogério. Constituição e processo: regramentos e garantias constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva, 1989, pp. 15-16.

169 MEDEIROS, op. cit., p. 122.

170 PAMPLONA, op. cit., p. 67.

Mas isso não afasta a utilidade do devido processo legal material no ordenamento pátrio, oponível à Administração Pública, referente ao princípio da moralidade na prática dos atos a ele pertinentes.

Paulo Silveira, citando a liminar concedida na ADIn nº 1.511-7-DF, do Supremo Tribunal Federal, ressalta a diferença entre as dimensões, conforme apontada pelo eminente ministro Carlos Velloso:

Due process of law, com conteúdo substantivo – substantive due process – constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual – procedural due process – garante às pessoas um procedimento judicial justo, com direito de defesa. 171