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Motivação de fato e de direito

CAPÍTULO IV – A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

4.3 A Estrutura da Motivação

4.3.1 Motivação de fato e de direito

Num Estado democrático de direito, caracterizado pela submissão do poder à legalidade, poder-se-ia dizer que a motivação tem por fim demonstrar que a decisão está embasada em normas do ordenamento jurídico e não provém de mera arbitrariedade.

Considerando-se o juiz como mero aplicador do direito e o ordenamento jurídico como sendo completo, capaz de prever todas as situações possíveis, dando a solução correta a cada caso concreto, a simples menção à regra aplicada já seria suficiente como motivação de direito. Mas a aplicação judicial do direito não é assim tão simples. Não basta enunciar a lei a ser aplicada, é preciso dar concretude a esta.

“[...] A motivação, para dar validade à sentença, deve ser completa, adequada e sem contradições.[...] A sentença, ainda que formalmente motivada, será tida como ineficaz, se

357 Idem, pp. 41-42.

desprovida de motivação adequada, com erro e com a invocação de provas desamparadas por lei e por esta proscritas.” 358

A justificação das decisões quanto ao direito não se limita à mera indicação do dispositivo legal a ser aplicado. Não se trata de simples subsunção. Primeiramente, há que ressaltar que o ordenamento jurídico não consegue fornecer todas as soluções para os casos que se apresentam, principalmente se considerando a complexidade que permeia as sociedades contemporâneas. As normas são editadas como se fossem solução para todos os males, principalmente em sede de direito penal e processual penal, que precisam dar conta do aumento da criminalidade. Assim, existem inúmeras leis especiais, códigos, às vezes ambíguos e contraditórios, dificultando sua aplicação. Ademais, na atual perspectiva do direito, há que se atentar para as disposições constitucionais, fonte maior de direitos e obrigações, que impõem um novo olhar para o direito. Assim, a escolha da regra a ser aplicada e sua respectiva interpretação devem ser realizadas dentro de um contexto prático.

Certamente, a interpretação do direito é a que traz maiores problemas, principalmente considerando-se que esta é manipulada ideologicamente. O juiz pode dar interpretação conservadora ou modificadora dependendo da situação, se esta se refere a algo que ele aprove ou reprove. Brum ressalta que “a atividade jurídica, entendida essa expressão no seu mais amplo sentido, é uma das práticas onde mais se faz sentir a influência das ideologias, podendo dizer-se que toda a atividade jurídica é uma prática ideológica”. 359

A forma de interpretar decorre dos vários métodos existentes ao longo da história, todos a serviço do intérprete, contribuindo para a decisão final em cada processo. Como

358 MARQUES, José Frederico. Pareceres. Sentença penal condenatória. São Paulo: AASP, 1993, p.

104.

359 BRUM, op. cit., p. 11.

afirma Brum, “em matéria de interpretação jurídica, haverá tantas verdades quantos forem os métodos existentes”. 360 Isto é a comprovação de que o discurso sobre métodos beira o non sense, por razões primárias.

Não obstante reconhecer “que os métodos e escolas de interpretação são tantos quantas são as concepções ideológicas dos homens que se dispuseram a pensar a sociedade, o estado, o direito, a função do jurista e a atividade judicial”; Brum identifica duas tendências predominantes: as concepções formalistas e as realistas, voltadas ou para a segurança ou para a eqüidade. 361

Os formalistas se prendem à lei como fonte de direito, dela extraindo todas as soluções, como se o ordenamento jurídico fosse um todo coerente, numa mera atividade silogística demonstrativa, buscando a segurança jurídica e para tanto se valem de um juiz neutro e imparcial. Já os realistas se afastam das propostas legislativas e buscam soluções alternativas, permitindo ao juiz criar o direito, demonstrando seu raciocínio através de silogismos retóricos, exaltando a eqüidade.

Alexandre Morais da Rosa afirma que “a postura prevalente, acolhida pelo senso comum teórico, acredita, pois, que os métodos de interpretação são capazes de tal desate rumo à verdade primeva (...)”, entretanto “reconhece-se, entretanto, que não há salvação transcendente, inexiste um método absoluto, universal, capaz de dar o conforto antes prometido. A decisão judicial não confere a verdade anunciada, (...).” 362

360BRUM, Nilo Bairros de. Requisitos..., p. 15. Ressaltando que Brum traz uma significativa abordagem sobre os métodos interpretativos (pp. 15-38).

361 Idem, p. 43.

362 ROSA, Alexandre Morais da. Decisão no Processo Penal como Bricolage de significantes. Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito, da Universidade Federal do Paraná, 2004, p. 374.

Argumenta o autor, que é ilusório se pretender alcançar uma decisão penal meramente lógica, diante da singularidade de cada caso concreto, havendo sempre “a atividade cognitiva e hermenêutica”. Contudo, as decisões somente serão produzidas com a devida observância dos preceitos constitucionais, e aqui se inclui a fundamentação dos atos decisórios. “Somente assim, os significantes se mostram democraticamente produzidos.” 363

No que se refere ao exame dos fatos, estes são ainda mais negligenciados. O juiz entende que sua função se limita a aplicar o direito, considerando que os fatos cabem às partes e assim, decidem sem uma minuciosa análise das provas. E o exame das provas é uma atividade complexa364, em decorrência da pluralidade de fatos a serem apurados, sendo atribuído a elas diferentes graus de importância. Se a motivação se destina a justificar racionalmente a decisão, fazendo-se um exame crítico das provas, não basta a simples menção a documentos, testemunhas ouvidas, numa mera enunciação dos meios de prova, útil somente para a verificação da utilização ou não de provas ilícitas. Não é simples a tarefa de analisar a prova, principalmente pela real possibilidade de se incorrer em equívocos, já que esta não é uma atividade isenta. As provas mais relevantes geralmente são produzidas durante o inquérito policial, sem possibilidade de contraditório; também as provas periciais, em sua maioria, não podem ser posteriormente repetidas; ademais, na instrução criminal, as provas são geralmente testemunhais.

Porém, uma coisa é certa, o juiz pode facilmente manipular os fatos segundo seu interesse, suas convicções pessoais, mesmo que inconscientemente. Assim, a garantia que se coloca é justamente a exigência de motivação.

363 Idem, pp. 307-308.

364 Brum, a partir de Hernando Devis Echandia, enumera uma lista com vinte e quatro princípios gerais (rol não taxativo) capaz de fornecer critérios seguros de avaliação da prova. V. BRUM, op. cit., p. 59 e ss.

Alexandre Morais da Rosa entende que nas decisões todos os significantes devem ser levados em consideração (sejam eles da defesa ou da acusação), desde que recolhidos

“conforme as regras do jogo”, e o juiz deve acolher ou rejeitar seu valor “de maneira fundamentada somente no ato decisório”. Há que se construir a decisão, a partir do que lhe foi trazido à mão, “sem o pretendido controle racional total”. E continua: “A perspectiva de onde o um-julgador analisará o ‘mar de significantes’ é fundamental num Estado Democrático de Direito, (...).” 365