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Ações Pontuais da UNESCO para a Educação Não-Formal

CAPÍTULO 1 – CAMINHOS PARA UMA REGULAÇÃO TRANSNACIONAL

1.5 A Política de Educação Não-Formal da UNESCO

1.5.2 Ações Pontuais da UNESCO para a Educação Não-Formal

Inicialmente, a proposição da UNESCO para os programas de educação não-formal estava voltada para ações emergenciais em países em situações de crise, com conflitos armados ou desastres naturais, que impediriam o correto funcionamento dos serviços básicos de atenção humana como educação e saúde.

Non-Formal education may also be a critical supplement for student enrolled in formal school. In emergency situation, formal school curricula often cover core subjects only or certain topics critical to survival in their new environment (UNESCO, 2006, p. 3)18.

Nessa perspectiva, observa-se uma tendência de intervenção imediata da organização como forma de suprir deficiências reais e latentes, em países com sistemas econômicos e educacionais com graves problemas. Essa visão não traduz o modelo definido por Gohn (2006), que coloca a educação não-formal como um processo de construção coletiva, em espaços de cidadania, via processos de compartilhamento.

Ao definir a importância desse modelo educacional em ambientes críticos, a UNESCO posiciona-o como um real fator de complementação ao modelo formal (e em crise) de ensino.

As reformas econômicas e educacionais propostas pelos organismos internacionais nas décadas de 1980 e 1990 aos países em desenvolvimento provaram ser um grande laboratório experimental para aplicação de programas “acessórios” em vários campos, dentre eles o educacional. Assim, a educação não-formal apresentou-se como uma próspera área de auxílio

18 A educação não-formal também pode ser um complemento importante para o aluno matriculado na escola

formal. Em situação de emergência, os currículos escolares formais muitas vezes cobrem temas centrais ou apenas determinados temas críticos para a sobrevivência em seu novo ambiente.

e complementação direta para que os sistemas formais de ensino alcançassem os índices e metas educacionais propostos, conforme relata Silva (2011).

De acordo com Reymond (2003, p. 2 apud SPOSITO, 2008, p.84), a reflexão sobre a educação não-formal é também, por definição, uma reflexão sobre a educação formal. Todas as medidas e políticas concernentes à educação não-formal afetarão, em longo prazo, a educação formal, ou seja, as duas modalidades de oferta educativa de algum modo estão em processo de interação, mesmo que ações muitas vezes privilegiem apenas um dos pólos.

Nesse contexto, nos remetemos novamente ao conceito de Coombs (1976) que acreditava que a educação não-formal poderia ser considerada como um espantoso conjunto de atividades de ensino e treinamento que constitui, ou deveria constituir, um importante complemento para o ensino formal de qualquer país. Esse modelo educacional de complementação ao tradicional modelo formal é caracterizado pela UNESCO como um modelo “para-formal” aos sistemas oficiais. De acordo com Hoopers (2006): “Para-Formal activities are often sponsored by the educational authorities and run parallel to the education system19”.

Para o autor, a UNESCO classifica as ações nos campos da educação não-formal dentro de parâmetros e objetivos específicos, que são enquadrados em programas distintos, definidos pelo conceito de suas “atividades”, caracterizados como:

ƒ Para-Formal Education (Educação para-formal): modelo alinhado ao processo formal de ensino, modelo complementar e auxiliar;

ƒ Popular Education (Educação popular): baseado no modelo de treinamento profissional. Aprimoramento para o mercado de trabalho;

ƒ Personal Development (Desenvolvimento pessoal): modelo especialmente propagado nos países do Hemisfério Norte, faz menção a uma nova educação de adultos e aborda as questões culturais e de lazer;

ƒ Professional and vocational training (Formação profissional e vocacional): diferentemente dos outros modelos educacionais não formais, este se baseia nas habilidades pessoais que não necessitam de diplomas e certificados. Está voltado para a flexibilização da força de trabalho e recolocação profissional;

ƒ Literacy with skills development (Alfabetização com o desenvolvimento de competências): modelo a ser aplicado pelos governos e organizações não

19 Atividades Para-Formais são muitas vezes oferecidas por autoridades educacionais paralelamente ao sistema

governamentais quando se detecta altos índices de jovens fora da escola. Foco na aprendizagem e orientação para a vida;

ƒ Supplementary Non-Formal Education programmes (Programas suplementares de Educação Não Formal): modelo criado para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social. Suporte nutricional e médico, proteção e desenvolvimento de atividades paralelas ao ambiente escolar formal;

ƒ Early childhood care and education (Educação e cuidados na primeira infância): aplicado em vários países do Hemisfério Sul, este modelo atua, principalmente, em áreas urbanas e com crianças em idade pré-escolar. É uma mescla do modelo “Paraformal” com uma proposta de cuidados domiciliares específicos.

Tais modelos de educação não-formal estão enquadrados nas propostas oficiais da UNESCO para aplicação, principalmente, em países em desenvolvimento e tendo o Banco Mundial (BM) como um dos maiores financiadores de tais programas:

O papel da UNESCO enquanto instância internacional na área de educação manteve sua atenção e suas ações nos países mais pobres com programas de alfabetização, muitos desses programas financiados pelo próprio Banco Mundial, tendo agora, atenção especial a programas mais abrangentes, em especial os relacionados à educação não-formal (BENDRATH; GOMES, 2010, p.161).

Na mesma linha de raciocínio, Gohn (1998) afirma que, além das mudanças na economia, a ONU e a UNESCO podem ser consideradas como grandes contribuintes do avanço da configuração dos modelos não formais nas políticas educacionais. Já Silva (2011, p.104) relata que, de acordo com a UNESCO, a discussão da educação não-formal deve ser relacionada com a educação ao longo de toda a vida e ser inserida na educação básica.

Hoopers (2006) ainda argumenta que um sistema educacional complexo é capaz de lidar com modelos educacionais diversos, adaptando-se às especificidades de cada um a partir dos anseios e necessidades educacionais prementes em cada localidade, sendo portanto, não apenas possível a atuação concomitante entre ambos, mas favoravelmente recomendável. O autor ainda faz uma explanação sobre como o modelo de educação não-formal se caracteriza na sociedade sendo influenciador e influenciado em tomadas de decisões em âmbitos variados do processo educativo, consubstanciado por diversas ações e campos de atuação específica do ambiente não-formal, bem como a capacidade de ingerência das agências internacionais e do papel do Estado nas tomadas de decisões gerais.

Essa configuração apresentada por Hoopers (2006) traduz a modelagem defendida pela UNESCO para as suas políticas de implantação e gerenciamento das ações no campo da educação não-formal, muitas vezes amparada pelas necessidades emergentes de reestruturação social em países afetados por crises naturais, armadas ou econômicas. Tais ações estão postas como meios efetivos e práticos de se obter, em curto espaço de tempo, respostas pontuais para problemas urgentes como desemprego e falta de qualificação para postos de trabalho (programas com base no modelo Professional and vocational training), ambientes hostis e promoção de uma cultura de paz (programas com base no modelo Para- Formal Education), e desenvolvimento e crescimento humano (programas com base no modelo Supplementary Non-Formal Education programmes).

A figura 1 apresenta um esquema proposto por Hoopers (2006) e demonstra como se inter-relacionam os diferentes campos de educação, o Estado e a sociedade civil.

Figura 1 - Representação da diversificação no campo da educação

De acordo com o esquema proposto por Hoopers (Figura 1), as pressões exercidas por diferentes atores durante o processo tendem a ser maiores ou menores a partir de cada modelo educacional não-formal proposto. Tomando como referência o Estado e a sociedade civil como atores presentes na construção política da sociedade, Hoopers (2006, p.37) argumenta que as pressões exercidas por ambos os atores a partir de ações no campo para-formal (Para- Formal Education) são muito importantes para que a sociedade remodele os conceitos sobre o sistema formal empregado pelo Estado atualmente; no entanto, o autor ainda aponta que os países pobres, especialmente os do hemisfério sul, ainda não possuem atividades efetivas da sociedade civil que sejam suficientemente fortes para exercer pressões no Estado, o que resultaria em uma maior efetividade de ações e intervenções nesses campos sendo originárias de agências internacionais sem laços de dependência e subordinação aos Estados e governos locais.

No entanto, a UNESCO configura todo seu planejamento no campo da educação não- formal tomando como referência o seguinte modelo:

Atividades de Educação Não-Formal + Fornecedores de Educação Não-Formal + Tipos de grupo alvo + Faixa etária alvo

Para a organização, não basta ter definido apenas quais atividades serão desenvolvidas dentro de cada comunidade/localidade/país, se não adequada aos demais pressupostos na definição de sua política macro-educacional. Atividades caracterizadas como “Para-formal”, “Popular Education”, “Personal Development”, “Professional and vocational training”, “Literacy with skills development”, “Supplementary Non-Formal Education programmes”, e “Early childhood care and education”, devem fundamentar-se em uma organização administrativa que envolva além dos aspectos didático-pedagógico-metodológicos, as bases de origem financeira de recursos (Fornecedores) e público e idade alvo a serem captados.

Para a UNESCO (2005), podem ser caracterizadas como fornecedores da educação não-formal os seguintes atores e suas respectivas denominações:

Governo – Nível 1: Agência ou departamento administrado diretamente pelo governo

em nível central.

Governo – Nível 2: Agência ou departamento administrado diretamente pelo governo

em sub-nível (Estados ou províncias)

Governo – Nível 3: Agência ou departamento administrado diretamente pelo governo

Cooperativas: Agências ou sociedades criadas para a produção ou a distribuição de

bens, em que os lucros são compartilhados pelos membros contribuintes.

Empresas Públicas: Empresas públicas nas áreas de indústria, agricultura ou serviços.

Empresas Privadas: Empresas privadas nas áreas de indústria, agricultura ou serviços.

Instituições de ensino e formação: Instituições de ensino público ou privadas que

atuem na área de educação e formação humana.

Associações profissionais e sindicais: Associações autônomas criadas por

determinados grupos profissionais.

Órgãos religiosos: Agências organizadas e administradas por entidades religiosas.

Organizações Não-Governamentais de nível internacional: Filial ou área

administrada por um escritório internacional de ONGs.

Organizações Não-Governamentais de nível nacional: Filial ou área administrada

por um escritório nacional de ONGs.

Organizações Não-Governamentais de nível local: ONG com apenas um escritório

em nível local.

Organizações comunitárias: Organização ou associação constituída a nível da

comunidade.

Indivíduos/Entidades privadas: Indivíduos isolados ou grupos de indivíduos que

realizam atividades de educação não-formal.

Organismos Internacionais: Agências multilaterais, por exemplo, UNESCO,

UNICEF, PNUD, Banco Mundial, FMI.

As classificações acima expostas denominam a amplitude de agentes que podem ser responsáveis pelo fornecimento de insumos financeiros e humanos na construção de programas e projetos de educação não-formal segundo a UNESCO. Essa variedade de atores presentes no documento da organização reflete seu pensamento político de expansão e diluição das responsabilidades educacionais, sendo possível que diversos atores da sociedade assumam a incumbência de gerenciamento e controle dessas ações, o que nos remete aos conceitos centrais defendidos por Giddens para uma sociedade democrática pautada na cooperação entre entidades públicas, privadas e sociedade civil, tal qual o modelo da terceira via propõe.

Os grupos considerados “alvos” para a aplicação de estruturas educacionais não- formais, dentro de um contexto de política pública da organização, devem estar alinhados ao

tipo de atividade a ser oferecido bem como à estrutura administrativa de oferta. São caracterizados segundo a UNESCO (2005) em:

Analfabetos: Indivíduos que não se enquadram nos critérios nacionais definidos para

os alfabetizados. Comumente referido a pessoas que não sabem ler e escrever.

Alfabetizados (nível básico): Indivíduos de qualquer faixa etária que tenham adquirido

o nível básico de alfabetização segundo parâmetros nacionais.

Alfabetizados (nível avançado): Indivíduos de qualquer idade que tenham adquirido

um nível avançado de alfabetização de acordo com critérios nacionais.

Abandono escolar e crianças fora da escola: Crianças em idade escolar formal que

não têm acesso ou que abandonaram a escolaridade formal.

Adolescentes e jovens marginalizados: Jovens, incluindo adolescentes, que não têm

acesso ou que abandonaram a educação formal, e/ou que estão vivendo em condições de dificuldade que incluiria a exclusão social, deficiência física, marginalização e discriminação, bem como exclusão econômica e outras circunstâncias que os tornam mais vulneráveis.

Mulheres e meninas: Este grupo alvo pode sobrepor-se com um ou vários das outras

categorias, mas é aqui o reconhecimento da educação em iniciativas de desenvolvimento que visam especificamente o sexo feminino, abordando as desigualdades de gênero, e realizando intervenções que são especificamente relevantes para as mulheres e meninas, como a educação em saúde materna.

Pobres no Campo: Refere-se aos indivíduos que vivem abaixo da linha de pobreza

nacional em áreas rurais.

Pobres Urbanos: Refere-se aos indivíduos que vivem abaixo da linha da pobreza

nacional em cidades, e todos os outros locais que satisfaçam os critérios nacionais para a definição de “urbano”.

Grupos Étnicos minoritários: Este grupo-alvo pode se sobrepor a uma ou várias das

outras categorias, mas é aqui o reconhecimento de iniciativas de desenvolvimento educacional voltados especificamente para esses grupos. Ele inclui grupos tribais, grupos indígenas, minorias lingüísticas, nômades, etc.

Grupos que vivem em circunstâncias especiais: Este grupo alvo pode sobrepor-se

com um ou vários das outras categorias, mas é o reconhecimento da educação para iniciativas de desenvolvimento que visam especificamente esses grupos. Ele inclui os trabalhadores migrantes, refugiados, combatentes desmobilizados.

Os grupos indicados pela UNESCO como potenciais alvos para suas ações de educação não-formal, mostram de forma clara, que as intenções de desenvolvimento de iniciativas na área possuem conotação recuperativa emergencial, não havendo uma estrutura que torne o modelo de educação não-formal uma política efetiva a longo prazo em ações de emancipação humana ao longo da vida.

O documento da organização ainda faz a referência às faixas etárias a serem contempladas, dividindo-as de acordo com categorias e sub-categorias conforme sugestão do quadro abaixo:

Categoria Subcategorias

Crianças Pequenas 0 a 4 anos

Crianças 5 e 6 anos 7 a 13 anos Jovens 14 a 17 anos 18 e 19 anos Adultos 20 a 24 anos 25 a 54 anos Idosos + de 55 anos

Quadro 2 – Categorias e subcategorias de faixa etárias

Fonte: UNESCO, 2005

As ações pontuais da UNESCO para os campos da educação não-formal estão definidas a partir das prerrogativas indicadas acima pela organização e são consideradas fundamentais para a boa condução das atividades e consequentemente resultados efetivamente práticos das suas políticas. Um panorama macroeconômico com vistas a uma política pautada nos pressupostos teóricos da terceira via facilitam a implantação de tais modelos educacionais que subentendem uma adequação maior em relação às ideologias de formação do capital social e do capital humano.

A implantação de modelos não-formais enfáticos e com maior direcionamento técnico de ações favorece o construto de aproximação das comunidades, contribuindo para o aprimoramento pessoal individual, compartilhamento de ações comunitárias e suas relações decisórias em nível local, o que amplia de forma direta o capital social nas comunidades em que tais programas acabam sendo inseridos.

No mesmo sentido tais medidas contribuem efetivamente para o desenvolvimento humano em seus aspectos cognitivos e técnico-laboral o que amplia a bagagem do capital humano que fica à disposição do sistema produtivo local, gerando forças de trabalho mais aptas a superar os desafios impostos pelas mudanças econômicas e tecnológicas no novo milênio.

1.5.3 Modelos da UNESCO para gestão e avaliação da Educação Não-Formal: as