• Nenhum resultado encontrado

Ações positivas dos professores formadores desveladas na memória dos professores

Capítulo IV Do fio da memória ao tecido na ação: configurando significados e

4.1 O que revelam os professores discentes em suas narrativas?

4.1.1 Ações positivas dos professores formadores desveladas na memória dos professores

Ao analisarmos a primeira subcategoria: Ações e postura dos professores formadores

observadas pelos professores discentes, destacamos as seguintes falas:

(A) "me entusiasmava a forma como esta professora lecionava ciências para

nós”;

(B) "sua marca registrada era a organização e o empenho dela para que

nós, alunas, participássemos de todas as atividades: jogos, canto, cuidados com os alunos menores; pelo seu conhecimento e domínio da matéria, seu carisma e sua doçura e firmeza ao pontuar aspectos importantes da teoria em nossas vidas”;

(C) “Ela marcou pela perseverança e pelos amplos conhecimentos e

segurança na transmissão de dados”;

(E) “Estudava numa escola pública e foi ela que me fez conhecer o teatro e

as peças clássicas, inclusive nos incentivou a montar uma peça escrita por nós que apresentamos no fim do ano”;

(F) A professora da pré-escola que prestava atenção a cada aluninho seu e

percebeu – naquela época, ano de 1954! uma aluna que poderia acompanhar a turma da 1ª série [...] Ela também foi me visitar em casa

quando tive catapora e levou uma caixa de lápis de cor [...] A freira - professora no curso Normal (ainda não se chamava “Magistério”) que conversava “de verdade” com as alunas [...] A Madre Valentina, professora do curso de especialização no Sistema Montessori, que por meio de suas atitudes nos ensinava a dar aulas, respeitando o aluno e ao mesmo tempo, ajudando-o a crescer (com broncas ou elogios e muita conversa) e se transformar”;

(G) “Na verdade, suas aulas poderiam ser consideradas bem tradicionais,

usava a lousa, aplicava provas e as aulas eram predominantemente expositivas. Era professora de literatura. Existia nela algo que transcendia recursos, era conhecimento;

(H) “O professor de ciências do ginásio, pois com ele realizamos

experiências reais e pude ver o valor da ciência”.

As falas referentes às ações e à postura que os professores formadores desenvolviam em sala de aula, foram positivas para o professor discente, devido à maneira como o empenhar, participar, incentivar, desafiar, conversar, realizar, lecionar eram vivenciados por aqueles professores, sempre revelando um movimento de "para que nós", "por nós", "a cada um de nós" e, principalmente, emergindo o sentido "com ele"; essa percepção parece colaborar para que o aluno se identifique, fazendo parte do processo ensino-aprendizagem desenvolvido pelo professor.

A busca pelo compartilhar denota a preocupação com o trabalho integrado e cooperativo e a valorização dos aspectos sócio-afetivo-cognitivos da relação professor-aluno, evidenciando a presença da dimensão humano-interacional; a contextualização e a percepção do papel social do professor e do aluno revelam a dimensão política permeando a sua ação, além da dimensão técnico-científica, por meio do conhecimento e domínio da matéria.

Na segunda subcategoria: Ações dos professores formadores que geram ações no

professor discente, destacamos as seguintes falas:

(E) “Estudava numa escola pública e foi ela que me fez conhecer o teatro e

as peças clássicas, inclusive nos incentivou a montar uma peça escrita por nós que apresentamos no fim do ano.[...] Até hoje quando vou ao teatro lembro que da primeira vez que assisti uma peça, tinha 16 anos e foi ela quem nos levou”;

(F) “O professor de matemática do ginásio, que dava desafios para as

alunas fazerem em casa e esses desafios matemáticos envolviam toda a família como um jogo no qual todos aprendiam. A correção em classe era feita colocando todas as respostas encontradas e que eram debatidas pelas alunas;

(H) “O professor de ciências do ginásio, pois com ele realizamos

experiências reais e pude ver o valor da ciência, por causa dele eu desenhava o sistema digestivo e adorava a parte da biologia”.

As falas indicaram que as ações dos professores formadores que geram ações no professor discente foram positivas, devido à maneira como o professor formador buscou acompanhar, debater, jogar, apoiar e envolver os professores discentes, por meio de atividades inseridas no cotidiano ou extraclasse, obtendo, assim, os resultados desejados, tais como: despertar o interesse pela arte, pelas ciências e pela matemática.

O debate, o envolvimento, o apoio denotam que o professor valoriza o pensamento do aluno, coloca-o frente aos desafios cognitivos, sociais e humanos, evidenciando que a presença de cada um é importante no desenvolvimento do grupo. Desse modo, a dimensão

humano-interacional, a dimensão política e a dimensão técnico-científica estão imbricadas nas atividades do cotidiano ou extraclasse.

Na terceira subcategoria: Ações do professor formador que parecem ter provocado

mudança pessoal no professor discente, destacamos as falas:

(A) “Quando abri o pacote... minha surpresa: uma caixa de lápis de

cor Faber Castel, de trinta e seis cores; algo caríssimo para nós naquele momento. Uma dedicatória esperançosa escrita na própria caixa. Silenciosamente, ela marcou toda a minha trajetória acadêmica e docente desde então. Sem nenhum argumento racional, me disse em seu silêncio sorridente: 'não é apenas com a ciência... você também necessita expressar alguma coisa!'”;

(E) “Até hoje quando vou ao teatro lembro que da primeira vez que

assisti uma peça, tinha 16 anos e foi ela quem nos levou [...] Já no cursinho foi a professora de história: Nadine Hebert, que me influenciou e de tal forma que resolvi ser historiadora. Ela conseguia em suas aulas passar o amor que sentia pela matéria que lecionava e pela profissão que tinha”;

(F) “A freira - professora no curso Normal [...] ouviu minhas dúvidas

de adolescente daquele tempo: a escolha entre casar ou continuar a estudar. Foi ela que me falou sobre o curso de Formação de Professores no Sistema Montessori – uma proposta em que os professores não eram tão rígidos e autoritários (como na escola tradicional) e a aula era 'movimentada' - isto é ninguém precisava ficar sentado o tempo todo”;

(H) “O professor de ciências do ginásio [...] pude ver o valor da

ciência, por causa dele, eu desenhava o sistema digestivo e adorava a parte da biologia. Tanto é que no colégio fiz biológicas na FITO.

As falas indicaram que as ações que provocaram mudança pessoal no professor discente foram positivas, devido à maneira como o professor acreditou, dedicou, expressou e pontuou aspectos importantes na vida desses e, principalmente, pela crença que este depositava nas possibilidades individuais de superação, ascensão e conquistas dos professores discentes.

O acreditar, expressar, e pontuar, presentes nas falas dos professores discentes denotam a preocupação do professor com a trajetória de cada aluno e a esperança que estes se realizem pessoal e profissionalmente. Os significados e sentidos atribuídos ao conhecimento, identificados pelo sorriso, pelo amor, pelo ouvir, pelo compromisso, pela valorização do outro e da própria disciplina evidenciam que a presença da dimensão humano-interacional, política e técnico-científica são também perceptíveis. Essas ações dos professores formadores eram intencionais, o que significa consciência da sincronicidade.

Na quarta subcategoria: Ações do professor formador que parecem ter contribuído na

formação profissional do professor discente, destacamos as falas:

(A) “O fato, que insisto em compartilhar em minhas palestras e cursos, foi o

seguinte: me entusiasmava a forma como esta professora lecionava ciências para nós [...] Por isso, o diálogo entre Arte & Ciência se faz tão presente em meu percurso até a Livre Docência. Desta forma, procuro ser fiel à sua herança através de uma postura mais coerente na orientação de meus mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos, bem como na graduação. Não há como esquecer”;

(D) “A escola promovia a competição, premiando os alunos que

supostamente seriam os melhores. A perversidade dos professores refletia na perversidade dos próprios alunos. Escola espaço de repressão! Ainda? Escola espaço do condicionamento! Escola espaço do medo!”;

(E) ”Na faculdade posso citar entre outros a professora Maria Lígia Prado,

foi com ela que aprendi o que significa ética e responsabilidade e a importância de se saber usar com critério o 'poder do saber' que todos professores têm em suas mãos”;

(F) “A Madre Valentina, professora do curso de especialização no Sistema

Montessori, que, por meio de suas atitudes, nos ensinava a dar aulas, respeitando o aluno e ao mesmo tempo, ajudando-o a crescer (com broncas ou elogios e muita conversa) e se transformar. Ela acreditou que eu poderia me tornar uma boa professora e me ofereceu boas oportunidades profissionais”.

As ações que parecem ter contribuído na formação profissional do professor foram positivas, devido à maneira como o professor teve uma postura coerente, ética e responsável e se posicionou, acreditando no processo de crescimento profissional. Mesmo na fala do professor (D), embora aponte que a escola é um espaço de repressão, de condicionamento e medo, e que os professores estimulavam as competições para premiar os supostos melhores alunos, ele expressa, por meio da escolha de ser professor, que a escola pode ser um espaço de recomeço e transformação pessoal e profissional.

O entusiasmo, o aprender, o acreditar e o transformar evidenciam a presença marcante dos professores formadores na vida dos professores discentes. Ao vivenciarem a paixão pelo saber que os seus professores formadores lhes transmitiam, e o quanto significou esse saber no ser de cada um, os professores discentes incorporam o valor do "ser professor" e acreditam

que eles também farão a diferença na vida dos seus alunos e, portanto, escolhem a profissão docente.

4.1.2 Ações negativas dos professores formadores reveladas na memória dos professores discentes

Na primeira subcategoria: Ações e postura dos professores formadores observadas pelos

professores discentes, encontramos as seguintes falas:

(A) Vou generalizar, mas, os professores que marcaram negativamente,

foram aqueles professores arrogantes, que em sala de aula explicavam pouco e usavam muito pouco da experiência”;

(D) “O grau de neurose e falta de conhecimento de si mesmos revelaram

sua incompetência do 1º grau à Pós-graduação. Alguns destituídos de personalidade, submissos, perversos, outros revelaram um ego inflado. Sobre o humano? Duvido que detinham algum conhecimento”;

(E) “A professora que me marcou mais negativamente foi uma de

matemática no ginásio. Ele era repressora, autoritária e inacessível”;

(F) “Apenas me lembro da professora da 4ª série que gritava muito”; (G) “Foi uma professora de história do ginásio. Pedia que fizéssemos

cópia do livro didático, inclusive das ilustrações. Depois, passava um questionário e dele retirava questões para a prova. Enquanto fazíamos o que pedia, lia jornal ou retocava a maquiagem”;

(H) ”Não me recordo de nenhum professor que me tenha marcado muito

negativamente. Alguns dos professores que percebia que não eram tão presentes e exigentes, me pareciam relaxados”.

As ações e postura parecem indicar que foram negativas devido à maneira como o corrigir, explicar, punir e o castigar eram vivenciados pelos professores discentes, sempre revelando um movimento de distanciamento do professor formador com os seus alunos e, principalmente, emergindo o sentido de ausência de um envolvimento individualizado. Essa percepção parece colaborar para que o aluno não se identifique, fazendo parte do processo ensino-aprendizagem desenvolvido pelo professor.

Desse modo, as dimensões humano-interacionais, técnico-científicas e políticas são percebidas pelo descompromisso, pela negação e distanciamento da ação do professor com um trabalho integrado, cooperativo e reflexivo. A fala do professor discente revela que nas ações dos seus professores formadores, a consciência da sincronicidade não estava presente.

Na segunda subcategoria: Ações dos professores formadores que geram ações no

professor discente, destacamos as seguintes falas:

(E) “Punia os alunos com notas zero e fazia de sua matéria algo

insuportável de se aprender por causa do medo que ela espalhava”;

(F) “[...] costumava chamar a minha atenção porque eu conversava em sala

(às vezes me punha de castigo). Também me lembro da única nota baixa que tirei em toda minha vida escolar – em desenho, porque eu não conseguia desenhar modelos com perspectiva. Foi a primeira e única vez que fiquei de exame e foi um sufoco [...] Até hoje não me 'dou bem' com desenho”.

A falas parecem indicar que as ações foram negativas pela maneira como o professor policiava, percebia, discutia, conversava e acompanhava os professores discentes, por meio de atividades que impediam a liberdade de expressão, da troca e de um aprender baseado no

diálogo; a ação destes formadores parece estar mais baseada na coerção e punição, com resultados negativos para este aprender, do que no despertar o interesse pelo conhecimento.

Na terceira subcategoria: Ações do professor formador que parecem ter provocado

mudança pessoal no professor discente destacamos as falas:

(B)“Aqueles que não corrigiam as tarefas e tampouco ousavam a pontuar

aspectos que, na vida profissional, poderiam prejudicar o meu desempenho”;

(E) “Conclusão: odeio matemática e não me lembro de nada que aprendi

com ela durante os 4 anos que ela foi minha professora. O que ficou foi apenas a lembrança do medo e do pavor de suas aulas. Usando os exemplos de cima, ela com certeza não gostava do que ensinava nem de sua profissão, o que fez com que nós alunos também odiássemos a sua disciplina e ela própria.”;

(F) “Até hoje não me 'dou bem' com desenho, pinturas e outras

representações bidimensionais”;

(G) “Ainda hoje, quando a figura dela me vem à mente, não sei exatamente

qual é o sentimento que aflora em mim”.

A ações dos professores formadores que parecem ter provocado mudança pessoal no professor discente foram negativas, devido à maneira como o professor deixou de exercer o seu poder de expressar e pontuar aspectos importantes na vida desses e, principalmente, pela descrença nas possibilidades individuais de superação, pois emerge das falas esse sentimento de incapacidade provocado pela maneira como o professor se posicionava diante das dificuldades enfrentadas pelos professores discentes.

As ações negativas dos professores formadores parecem ter sido assim percebidas pelos professores discentes, devido ao não-reconhecimento da dimensão humano-interacional e política, por não acreditar no fazer do trabalho individual e coletivo. Os professores não tinham a preocupação com a vida dos professores discentes e não acreditavam nas suas possibilidades de superação frente às dificuldades encontradas durante o processo de aprendizagem.

Na quarta subcategoria: Ações do professor formador que parecem ter contribuído na

formação profissional do professor discente de uma maneira negativa, destacamos as falas:

(E) “Usando os exemplos de cima, ela com certeza não gostava do que

ensinava nem de sua profissão, o que fez com que nós alunos também odiássemos a sua disciplina e ela própria. Visto assim de longe, penso hoje que ela deveria ser uma pessoa frustrada em sua vida pessoal e profissional”;

(G) “Ainda hoje, quando a figura dela me vem à mente, não sei exatamente

qual é o sentimento que aflora em mim”.

Embora as ações dos professores formadores fossem negativas, parecem ter contribuído na formação profissional do professor como exemplo do profissional que ele não deve ser, pois, na memória dos professores discentes, ficaram as marcas de um profissional que não gosta do que faz e nem da sua profissão e, portanto, ser professor é uma opção que envolve não só a realização profissional como também a pessoal.

Ao analisarmos as falas dos professores discentes sob o olhar das diferentes dimensões que compõem a sincronicidade, observamos que as ações positivas dos seus professores formadores foram vivenciadas pela interação das dimensões técnico-científica, política e

humano-interacional, lembrando, como apontadas nas páginas 17 e 18, que elas incluem as demais dimensões propostas por Placco (2002, 2004).

Essas análises nos direcionaram para um novo olhar sobre as concepções que estavam implícitas na segunda subcategoria: Ações dos professores formadores que geram ações nos

professores discentes. Observamos que a interação dos professores era percebida pelos professores discentes como um estar-com, no sentido de construir ativamente, de acreditar no fazer do trabalho individual e coletivo (montar uma peça escrita por nós; apresentamos no

fim do ano; um jogo no qual todos aprendiam; respostas encontradas e que eram debatidas pelas alunas; ouviu minhas dúvidas; ninguém precisava ficar sentado o tempo todo).

Essa observação parece explicitada ainda na terceira subcategoria, em que os professores discentes sinalizam que os professores tinham a preocupação e a crença em suas vidas (dedicatória esperançosa; você necessita expressar; pontuar aspectos importantes em

nossas vidas; fez conhecer; ela quem nos levou; com ela que aprendi o que significa ética e responsabilidade; a escolha para continuar; ela acreditou que eu poderia).

Assim, ao fazermos um paralelo entre as ações positivas e negativas, observamos que as ações positivas parecem ser aquelas que são vividas, permeadas por uma cumplicidade, por um estar-com, nas quais os professores formadores revelam as dimensões da sincronicidade e sua intencionalidade, pois o professor discente sente-se partícipe do processo educativo e, sentindo-se assim, corresponde de maneira ativa no processo ensino-aprendizagem.

Observamos, no entanto, que as ações negativas são sentidas pelo professor discente como uma recusa da dimensão humano-interacional e política, na perspectiva de um afastamento, de um não-estar-com, pois o professor, ao não relacionar o afetivo com o cognitivo, parece criar uma barreira no processo ensino-aprendizagem e, colocando-se assim, ele parece demonstrar para os professores discentes que não gosta, não ama e não acredita no que faz.

Na realidade, identificamos que está subjacente na ação do professor formador, uma concepção de educação, de ensino, de aprendizagem, gerindo as diferentes dimensões e tendendo, por isso, ao relevo excessivo e persistente de uma dimensão, em geral a técnico- científica.

Até aqui, observamos o que estamos chamando de ações positivas e negativas dos professores, por acreditar que, no espaço escolar, elas ocorrem e atuam na constituição do sujeito e, portanto, não podem ser negligenciadas e excluídas desse contexto.

Cabe aqui retomar as observações sobre as ações positivas e negativas que permearam as falas dos dirigentes e professores da Escola Normal, no século XIX.

4.2 O que revelam os atores da escola no passado, por meio dos textos