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A principal categoria de análise desse estudo são as águas doces. E refletir sobre o seu

caráter subjetivo, sem perder de vista a sua materialidade no plano do real, que lhe confere a

condição de ser percebida e compreendida simbólica e culturalmente, só se tornou um problema

quando questionada a condição da água de não ser um elemento da natureza e, sim, uma

substância, apenas.

51

Este posicionamento disciplinar permitiu o desenvolvimento de reflexões sobre o caráter

complexo e transversal que a temática implica: seja como possibilidade de aprofundamento teórico

quanto à opção de considerar, neste estudo, a água como um elemento da natureza, simbólico e

cultural; seja como possibilidade de demonstrar como algumas disciplinas a assimilam

conceitualmente e, com isto, são capazes de performar a realidade social, mediante suas

formulações teóricas que, embora se imponham hegemônicas no campo disciplinar, a exemplo da

economia, acabam por resultar em reducionismos quando, ao se insularem, ignoram a diversidade

e a complexidade da realidade, sobretudo, daqueles que se relacionam fenomenológica e

culturalmente com as dimensões não econômicas das águas. (FORTES, 2006)

Dito isto, neste estudo, a água é considerada um elemento da natureza, cultural e

simbólico. Contudo, buscamos não perder de vista que o caráter transversal que a temática

contém, a torna, também, objeto de interesse dos agentes econômicos. Assim, e de acordo com

Fortes (2006, p. 16), reconhecemos que

A água é sabidamente um dos elementos mais necessários para a vida do

homem e determina grande parte de seus hábitos, influindo em aspectos de

sua vida individual e coletiva. A busca por água e a tentativa de dominá-la e

colocá-la à disposição dos homens levam ao desencadeamento de processos

políticos, sociais, tecnológicos e culturais.

O reconhecimento da condição de elemento da natureza conferido à água, não é recente.

Entre os filósofos pré-socráticos, essa condição teria sido capaz de contribuir no processo de

revolução da racionalidade, ao se sobrepor à visão mítica do mundo, então predominante

52

.

(SOUZA, 1996, p. 18)

51 Esse questionamento foi feito por um parecerista do evento VI CIETA que, após avaliar nosso artigo, asseverou que a água não era elemento da natureza, mas uma substância. (PORCIUNCULA; ALENCAR, 2014). (Artigo submetido e aceito no VI Congresso Iberoamericano de Estudios Territoriales y Ambientales, realizado na cidade de São Paulo, de 8 a 12 de setembro de 2014, no Instituto de Geografia, campus da Universidade de São Paulo).

52 De acordo com Souza (1996, p. 18), “[...] A acelerada dinâmica social das cidades-Estados jônicas corrói as antigas instituições e os valores arcaicos, fazendo emergir uma nova mentalidade, fruto da valorização das individualidades que se afirmam nas circunstâncias e iniciativas presentes. Durante o século VII A.C, as novas condições de vida das colônias gregas da Ásia Menor acentuam-se devido à revolução econômica representada pela adoção do regime monetário. A moeda, facilitando as trocas, vem fortalecer econômica e socialmente aqueles que vivem do comércio, da navegação e do artesanato, marcando definitivamente a decadência da organização social baseada na aristocracia de sangue. A partir de então e sobretudo no decorrer do século VII a.C., a expansão das técnicas – já desvinculadas da primitiva concepção que lhes atribuía origem divina – passa a oferecer ao homem imagens explicativas dotadas de alta dose de racionalidade, conduzindo à progressiva rejeição e à substituição da visão mítica da realidade.”

No período entre os séculos VII e VI A.C., a busca pelo entendimento das coisas do

Universo levou filósofos como Tales de Mileto, Anaxágoras de Clazômena, Pitágoras de

Samos, Xenófanes de Colofão, Demócrito de Abdera, a acreditarem ter descoberto “[...] as

regras segundo as quais são governados pela natureza das coisas e o modo pelo qual vêm a

existir”. (SOUZA, 1996, p. 299)

Dentre os filósofos citados, Tales de Mileto foi aquele que mais se dedicou a refletir

sobre as águas e, dessa forma, centrou algumas de suas mais importantes reflexões filosóficas

nesse elemento. Esse filósofo foi considerado um dos Sete Sábios da Grécia Arcaica e como

nada deixou escrito teve sua vida e obra difundida por Aristóteles, Teofrasto e Simplício.

(CHAUÍ, 2002, p. 54)

Dentre as inúmeras ocupações atribuídas a Tales de Mileto, a que mais se destacou foi

a busca pelo entendimento da importância que a água desempenhava na dinâmica do Universo

e na vida dos próprios homens. Não era um interesse vão aquele que nutria pela água ou o

úmido e as justificativas a seguir cuidam de demonstrar isto.

A água apresenta-se sob as mais variadas formas e em todos os estados em

que vemos os corpos da natureza: líquido, sólido e gasoso. Vemos a água

passar de um estado a outro, de uma forma a outra, num processo contínuo no

qual mantém a identidade consigo mesma. O fenômeno da evaporação faz

pensar que a água é a causa do céu e do que nele existe; o fenômeno da chuva,

que a água é a causa da terra e do que nela existe; a água está diretamente

vinculada à vida: as sementes, o sêmen animal e humano, são úmidos (o

cadáver em putrefação é uma umidade que vai se ressecando). ‘As coisas

mortas secam, e as sementes são úmidas, o alimento é suculento’, escreve

Simplício, explicando a escolha de Tales; Tales viajou pelo Egito e certamente

se assombrou com as cheias do Nilo: a terra seca e desértica, antes da cheia,

tornava-se fértil, verdejante, cheia de flores e frutos depois dela. Tales teria

concluído que a água é a causa das plantas; a existência de fósseis de animais

marinhos, descobertos nas montanhas e em grandes altitudes, teria levado

Tales a considerar que, no início, tudo era água e que a vida fora causada pela

água; a mitologia grega falava no rio Oceano que circundava toda a terra e que

teria engendrado nosso mundo. Não seria descabido, portanto, supor que Tales

houvesse dado uma explicação racional para a narrativa mítica. (CHAUÍ,

2002, p. 56)

Aristóteles considerou que em Tales de Mileto a água representava o todo. Neste sentido era

[...] Aquilo de que todos os seres são constituídos e de que primeiro são

gerados e em que se dissolvem, tal é para eles o elemento, o princípio dos

seres; e por isso julgam que nada se cria nem se destrói, como se tal natureza

substituísse para sempre...Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser a água o

princípio e por isso também declarou que a terra está sobre a água (Aristóteles,

Metafisica). (CHAUÍ, 2002, p. 56)

A água ou o úmido orientam as formulações filosóficas de Tales, a ponto de ele ter sido

consagrado por Aristóteles “[...] como fundador da filosofia cosmológica, tendo sido o primeiro

a tratar de modo sistemático e racional o problema da origem, transformação e conservação do

mundo. Para Tales, a phýsis

53

é a água, ou melhor, a qualidade da água, o úmido.” (CHAUÍ,

2002, p. 55)

Tales de Mileto também atribuía à água a condição de ser o elemento principal da

natureza e essa condição de principalidade elevava a sua importância em relação aos demais

corpos naturais que os filósofos antigos consideravam partes constituintes do Universo. A água

se sobrepunha em importância devido a sua vitalidade, imprescindível à existência de qualquer

organismo conhecido, destacando-se diante dos demais elementos: terra, fogo e ar. Essa

vitalidade levaria

Tales a considerar que todas as coisas são viventes ou animadas e por isso se

conservam e se transformam. A água é o ‘deus inteligente’, que faz todas as

coisas e é a matéria e a alma de todas elas. Eis porque se atribui a Tales a

afirmação: ‘Todas as coisas estão cheias de deuses’. (CHAUÍ, 2002, p. 57)

A compreensão desenvolvida por Tales de Mileto sobre a água estava longe de

comprometer o caráter racional contidas nas suas reflexões, segundo Souza (1996). Embora tais

reflexões pudessem sugerir um retorno à concepção mística do mundo, para Souza seria

justamente o contrário, pois revelavam “[...] simplesmente a ideia de que o universo é dotado

de animação, de que a matéria é viva (hilozoísmo).” (SOUZA, 1996, p. 19)

Esse tipo de reflexão revelava uma nova compreensão filosófica e inovadora diante da

contribuição de Tales de Mileto para a cosmologia, inaugurando dessa forma uma “[...] maneira

que é nova e propriamente filosófica”. (CHAUÍ, 2002, p. 57). Por fim, Tales de Mileto inovou

ao conferir à água o status de elemento principal da natureza.

A água está repleta de significados diferentes para os sujeitos e grupos sociais que dela

se apropriam e sua presença pode ser verificada em muitas religiões, com significados diversos

e carregados de simbolismo. Ao discutir a relação da água e o espírito, Fortes (2006, p. 18-19)

identificou a presença da água em importantes documentos da cosmogonia de várias

civilizações, como, por exemplo, no Alcorão, na Bíblia, na Enuma Ělis.

No Alcorão, está escrito: "E Alá criou da água todos os animais e entre eles

os répteis, os bípedes e os quadrúpedes. Alá cria o que lhe apraz, porque Alá

é onipotente."(Sura 24, vers. 45). No trecho inicial do gênesis, na Bíblia, está

escrito que "o espírito de Deus flutuava sobre as águas". [...]. Na cosmogonia

53 Souza (1996) explica que phýsis “[...] no vocabulário da época, abrangia tanto a acepção de ‘fonte originária’ quanto a de ‘processo de surgimento e de desenvolvimento’, correspondendo perfeitamente a ‘gênese’’.

babilônica Enuma Ělis também está escrito que no início havia apenas água,

ainda não separada em água salgada e doce; posteriormente surgiram o Deus

Apsu, que seria a água salgada, e a Deusa Tiamat, a água doce [...]

Analisando a presença da água no texto bíblico, Fortes chamará a atenção para o fato de

não estar revelado diretamente que Deus tenha criado a água, mas que ela já estava lá, como

algo que precede, assim, o sentido de principalidade atribuído à água, é também aqui

identificado:

Note-se que ‘No princípio criou Deus os céus e a terra’, e só depois a luz, o

sol, as estrelas, plantas, animais e finalmente o homem [...] Já no segundo

versículo é dito que "o espírito de Deus flutuava sobre a água". A água, então,

seria algo já pré-existente e original, sobre a qual o espírito de Deus flutuava.

Pode-se considerar, então, que talvez a água, fosse uma parte do próprio Deus,

e este estaria intimamente ligado a ela. (FORTES, 2006, p. 18)

Na definição teológica, a água é considerada uma dádiva divina, com o propósito de

abençoar, purificar e nutrir. A perspectiva teológica também considera que a água é fonte de

vida e de energia capaz de renovar e revigorar o sujeito, quando a esse elemento ele recorre em

busca de refazimento espiritual. (FERNANDEZ, 2002)

Culturalmente, a água é vida. Para os cristãos, a água é simbólica: nela Jesus Cristo

foi batizado e até hoje se faz presente nos rituais de batismo. Contudo, salientará o autor, nem

sempre as águas foram consideradas elementos apenas de vida e de criação, sendo também

historicamente relatada como um elemento de destruição, de transformação e transmutação em

sua simbologia. (FORTES, 2006, p. 20)

Do dilúvio, ao batismo, ao sacramento, à transmutação em vinho, ao seu poder

transformador assimilado pela alquimia, como representação na arte, entre tantos outros relatos,

a água estará presente como um elemento cujo poder simbólico foi largamente representado.

(FORTES, 2006)

Fortes (2006, p. 21-22) buscou compreender também, quais as diversas formas como a

água foi historicamente utilizada em rituais, como elemento de purificação. Com isto, o autor

identificou os lugares e objetos nos quais o contato com a água era ritualisticamente

estabelecido, como altares, pias batismais, banheiras, rios e mares para a realização de

cerimonias. Como exemplo, o autor mencionará o batismo, tanto o católico quanto o

protestante, que ainda segue sendo realizado em pias batismais ou nas águas de rios, lagos e

mares, bem como destacará a presença da água benta, disponibilizada aos fiéis nas igrejas

católicas. (FORTES, 2006)

A água também estará presente nos templos espiritualistas, espíritas, candomblecistas e

umbandistas, com propósitos que vão desde a cura à equilibração energética; também a água

fluidificada estará nos centros espíritas, para limpeza espiritual, descarrego energético, entre outras

funções.

[...].No espiritismo, a água atua como um veículo de propriedades curativas

que contribuem para o processo de higienização física, como explica o

psicólogo e praticante da doutrina, Adenauer Novaes. ‘Utilizamos a água com

as propriedades curativas energizadas pelos espíritos, através dos médiuns.

Essa é a água fluidificada que é bebida pela pessoa que está em tratamento

espiritual.’ Ele recomenda que, durante as orações, haja sempre por perto um

copo de água que deve ser bebido depois. Novaes acredita que a degradação

do meio ambiente e dos recursos hídricos não são apenas resultados de ações

físicas do homem, como a poluição e a devastação na natureza. ‘Nós também

agredimos a natureza com a qualidade dos pensamentos que emitimos’, afirma

o espírita [...]. (NOVAES, 2007a, p. 5)

Para os candomblecistas e indígenas, a água também é simbólica e assume uma

expressão material, pois nela deidades são personificadas, como Iara, Oxum, Iemanjá, Oxum

Opará e outras. (PORCIUNCULA, 2011, p. 56-57) Quantos aos diversos usos dados às águas

pelo candomblé, religião de matriz africana, o fragmento que segue, retirado de uma matéria

do jornal A Tarde (2007, p. 5), favorece a apreensão da importância desse elemento da

natureza, amplamente utilizado na rotina espiritual do povo de santo:

No candomblé, culto intimamente ligado aos elementos da natureza, a água

tem usos diversos. Conhecida como D. Detinha, a filha-de-santo e Akowe da

Casa de Xangô, do Ilê Axé Opô Ofonjá, diz que a água é fundamental em

todos rituais da sua crença. No período de iniciação é usada para purificar. O

primeiro passo é o banho de folhas. A água também é utilizada para molhar o

chão do terreiro e saudar os orixás. ‘Outro uso importante da água ocorre

depois das cerimônias fúnebres, no que chamamos 'despachar a porta'. Quando

voltamos da cerimônia, usamos a água para limpar o corpo e deixar para trás

todas as energias que possam ter nos acompanhado. São energias que podem

vir tanto dos mortos como dos vivos, pois em ambientes fúnebres existem

todos os tipos de energia’, explica D. Detinha. Para quem gosta de rituais de

purificação, ela dá uma dica: existem banhos de folhas que são específicos de

cada santo, mas há também os que podem ser utilizados por qualquer pessoa.

‘Nesses banhos devem ser usadas as folhas leves, como a folha-da-costa, a

folha a alevante, que é bem perfumada, e o irirím’.

As propriedades energéticas atribuídas à água e à condição de ela “responder” a

estímulos externos foram objeto do interesse do fotógrafo e pesquisador japonês Masaru

Emoto (2004). No estudo intitulado As mensagens das águas de 2004, o pesquisador

conseguiu perceber, por meio de fotografias, as diferentes reações estruturais que estímulos

exteriores – como diferenças ambientais, vibrações musicais, energéticas (como orações),

pensamentos e palavras boas e ruins – são capazes de provocar nas moléculas de água.

Eu sempre me perguntei se existiam métodos para se expressar a diferença da

natureza da água. [...] se eu congelasse a água e tirasse uma foto dos cristais, eu

poderia obter informações sobre a água esta era a ideia completa atrás do

experimento que eu estava para iniciar. (EMOTO, 2004, p. 15).

Para o autor, a água, ao modificar sua estrutura molecular diante de diferentes tipos

de estímulos, estaria na verdade transmitindo mensagens às pessoas. Essas mensagens

poderiam ser “lidas” nas imagens da água cristalizada, capturadas através de técnicas de

fotografia, onde se percebe o quanto as moléculas das águas são sensíveis e, de acordo com

o tipo de estímulo, são capazes de refletir visualmente a condição energética do ambiente. As

figuras a seguir ilustram imagens dos cristais de água submetidos a estímulos positivos e

negativos, contidos nas palavras escritas e orações:

Figura 4 - “Faça”. Figura 5 - “Vamos fazer”.

Figura 6 - ‘Seu idiota’ em japonês.

Fonte: EMOTO (2004, p. 123).

Figura 7 - ‘Seu idiota’ em inglês.

Fonte: EMOTO (2004, p. 123).

Figura 8 - “Você me enche o saco. Eu mato”.

Fonte: EMOTO (2004, p. 123).

Figura 9 - “Amor/consideração”.

Com isso, o autor concluiu existirem energias sutis relacionadas à consciência,

capazes de provocar as “respostas” que as águas analisadas ofereceram. Nesse sentido, é

possível considerar que tais “respostas” revelam que estamos diante de um elemento da

natureza que é vivo.

Segundo Emoto (2004, p. 30), ao explicar como se deu todo o seu experimento, mesmo

nas imagens de cristais considerados “feios”, dada à desarmonia e irregularidade de suas

formas, reflexo das péssimas condições energéticas ou físicas em que a água se encontrava

(poluída, p.ex.), foi possível notar a tentativa de transmutação de sua estrutura para algo mais

harmônico; assim, a forma em que a água se apresentava não era estática. E, com influência

energética positiva, a sua estrutura poderia ir, aos poucos, sendo modificada. Isso levou o

autor a concluir que: “[...] a água está, basicamente, tentando com esforço e bravura ser ‘Água

limpa! Quero ser água limpa!’. Sentíamos que tal declaração vinha dos cristais de água.”

(EMOTO, 2004, p. 30)

Verdadeiramente se trata de uma experiência que pode desafiar a lógica do

pensamento cartesiano, sobretudo se confrontado às modernas análises científicas da água;

contudo, trata-se de um método de avaliação que “[...] parte de um ângulo completamente

diferente”, dirá Emoto (2004, p. 30) Trata-se de um novo método de avaliação da “qualidade”

da água que é perfeitamente válido

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, sendo capaz de ampliar o entendimento e a sensibilidade

para mais uma nova dimensão que a água tem, que é inteiramente capaz de responder a

estímulos físicos e energéticos exteriores.

O contato fenomenológico com a água não está restrito apenas àqueles que

desenvolveram diferentes interesses por esse elemento ou por alguma de suas dimensões. Pelo

sentido de purificação atribuído às águas, por exemplo, tanto por céticos, espiritualistas e

religiosos, já é possível perceber que tal sentido não é mais exclusivo dos rituais culturais,

vez que claramente superou tais limites. (FORTES, 2006, p. 23)

Segundo Fortes (2006, p. 23), o sentido de purificação da água pode ser identificado

“[...] no próprio contato fenomenológico com a água e as projeções do ideal de pureza

existentes no homem”, pois, continuará refletindo o autor

[...] A imaginação material da pureza da água, localiza-se em sua própria

essência e, segundo Bachelard, independe da transmissão de "formas"

culturais, mas nasce da vivência direta do homem com a matéria. As diferentes

54 O autor desenvolveu o seu experimento de forma criteriosa e toda a metodologia foi amplamente explicada em seu livro. (EMOTO, 2004, p. 24-30).

manifestações culturais nas quais a pureza da água é referida são o resultado

de uma concretização social e coletiva da experiência fenomenológica

individual do homem com a água. (FORTES, 2006, p. 23)

Essa compreensão amplia o entendimento e as discussões sobre a importância cultural

da água, comumente tratada em associação aos rituais religiosos e espiritualistas. Assim, para

os sujeitos que construíram seu modo de vida em relação direta com as águas, independente

da temporalidade com que tal relação foi estabelecida, mas que foram capazes de lhe atribuir

significados muito próprios – identificando-a, por exemplo, como um elemento de integração,

de contemplação ou de solidariedade, entre outros – é possível dizer que também eles

possuem uma relação fenomenológica e cultural com as águas.

Sobre o potencial da relação que os sujeitos desenvolvem com as águas, Furtado (2014),

em estudo sobre as águas urbanas do século XVIII, em Minas Gerais, reconhecerá que ela sempre

esteve “na ordem do dia” o que revelava “[...] uma cultura material da água que se constrói na

cotidianidade”. E, mais ainda, revela a autora que essa cultura estava “[...] permeada por interações,

mas também por atritos, pois as tentativas de controle do homem sobre a natureza não se fazem

sem contradições e conflitos”. (FURTADO,2014 apud TEDESCHI, 2014, p. 16)

Um exemplo da expressão da identidade territorial, construída em relação direta com

a água, é possível ser reconhecida entre os sujeitos que vivem no município de Dias

D’Ávila-BA, uma relação tão fortemente estabelecida que eles se referem a Dias d’Ávila como a

Cidade das Águas. (PORCIUNCULA, 2011)

Contudo, o que é válido e amplamente aceito para entender o que é a água é a forma como

algumas ciências a conceituam. Identificamos, contemporaneamente, com caráter mais técnico

que filosófico, uma única definição científica que considera “[...] a água como elemento do

meio-ambiente.” (SILVA; PRUSKI, 2005, p. 157) O meio ambiente é relativo à Natureza (lat. natura,

de natos, particípio passado de nasci: nascer), o mundo físico, como conjunto dos reinos mineral,

vegetal e animal, considerado como um todo submetido a leis, as "leis naturais" (em oposição às

leis morais e às leis políticas). (PROBLEMATA, 2012, p. 101-126)

Na perspectiva disciplinar das Ciências Econômicas, a água deixa de ser “água”, pois

quando apropriada e destinada ao processo produtivo, ganha valor econômico e se transforma

em recurso hídrico ou mineral. Numa abordagem que se propõe ampla, sob a ótica da economia,

Fernandez considera que “[...] a água é um recurso natural renovável, porém limitado e escasso,

de grande valor econômico, pelo menos em termos de valor de uso.” (FERNANDEZ, 2002, p.

21) Será esse o sentido principal atribuído à água na Lei 9.433/1997, para a qual a água é um