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Embora 75% do planeta sejam cobertos por água, a quantidade de águas doces, ou seja,

aquelas consideradas próprias para o consumo humano correspondem a apenas 3%. Deste

percentual apenas 1/3 estão acessíveis em rios, lagos, lagoas, lençóis freáticos superficiais e na

atmosfera. Entretanto, vale ressaltar que a

[...] chamada ‘água doce’, é um recurso raro na natureza o que não significa

dizer, conforme por vezes se defende, que este recurso esteja acabando. Isto

porque o volume de água existente no planeta mantém-se basicamente o

mesmo – em média, 1.400 milhões de km³ –, já que as moléculas de água são

constantemente recicladas pelo ciclo hidrológico natural. Apesar disso, é

fundamental observar que 97,5% da água disponível no planeta é salgada,

enquanto a maior parte da água doce encontra-se em regiões de difícil acesso,

como os picos de gelo permanentes ou os aquíferos subterrâneos, restando

apenas 0,01% – ou 200 km³ – de água doce disponível para uso humano.

(RIVAS, 2016, p. 18)

Na Tabela 1, a seguir, pode-se visualizar como o volume de água doce está distribuído

no planeta e constatar a assimetria dessa distribuição, onde sua maior quantidade está disponível

nas calotas polares e geleiras, cujo acesso é difícil ao lado das águas subterrâneas; aquelas

consideradas de fácil acesso, presentes nos rios e lagos, correspondem a um volume muito

baixo. Por isso, a água doce disponível para o uso humano no planeta corresponde apenas a

0,01%, o que equivale a 200 mil km³. (RIVAS, 2016, p. 18)

Tabela 1 - Distribuição da água doce no planeta

Local Volume (km³) Percentual (%)

Calotas polares e geleiras 29.000 2,08

Água subterrânea 4.000 0,29

Água doce de lagos 125 0,009

Água misturada no solo 67 0,005

Rios 1,2 0,00009

Vapor d’água na atmosfera 14 0,0009

O Brasil é considerado um país rico em água doce, pois contém 13% do volume global

disponível no planeta, o que corresponde a 40 trilhões de m³. (REBOUÇAS, 2003; SILVA;

PRUSKI, 2005; GALLI; ABE, 2010; AGÊNCIA NACIONAL DAS ÁGUAS, 2015) Um

exemplo desse potencial pode ser constatado quando se observa que, apenas, a região

amazônica detém cerca de 70% da água doce superficial, numa área que corresponde a 44% do

território nacional, dispondo de 18 vezes a vazão de água consumida no mundo. (SILVA;

PRUSKI, 2005, p. 2)

Além disso, como assinala Rebouças (2013, p. 342), “[...] deve-se considerar a

possibilidade de utilização de 25% da contribuição dos fluxos subterrâneos que deságuam nos

rios, o que corresponde a quase 4 mil m³/hab/ano”. É válido ressaltar que este é um cenário que

não se apresenta de forma homogênea em todo o território brasileiro, como é possível ser

visualizado no Quadro 3, a seguir.

Quadro 3 - Disponibilidade hídrica de alguns estados*

Roraima 1.148.535 m³/hab/ano

Amazonas 605.606 m³/hab/ano

Amapá 411.901 m³/hab/ano

Mato Grosso 209.075 m³/hab/ano

Bahia 2.747 m³/hab/ano

São Paulo 2.486 m³/hab/ano

Ceará 2.090 m³/hab/ano

Pernambuco 1.188 m³/hab/ano

Brasil 34.000 m³/hab/ano*

Fonte: REBOUÇAS (2013, p. 345).

Legenda: * (mais de 4.000 m³/hab/ano de água subterrânea).

Isto se deve ao fato que as disparidades regionais que envolvem os aspectos

geoclimáticos ‒ expressos pela variabilidade das chuvas, de temperatura e pressão atmosférica,

vegetação, solos e outros ‒ bem como as diferenças entre regiões povoadas e populosas,

somadas à intensa urbanização com impermeabilização do solo, além das atividades agrícola e

industrial, são fatores capazes de interferir na disponibilidade hídrica. Em síntese, deve-se

sempre considerar que a água está distribuída na natureza de forma irregular, no tempo e no

espaço, e em função das condições geográficas, climáticas e meteorológicas. (SILVA;

PRUSKI, 2005, p. 128)

Apesar de o Brasil possuir 13% da água doce disponível do planeta, a

distribuição é desigual, pois 81% estão concentrados na Região Hidrográfica

Amazônica, onde está o menor contingente populacional, cerca de 5% da

população brasileira e a menor demanda. Nas regiões hidrográficas banhadas

pelo Oceano Atlântico, que concentram 45,5% da população do País, estão

disponíveis apenas 2,7% dos recursos hídricos do Brasil. (ANA, 2015, p. 27).

Este é um aspecto que não pode ser desprezado quando se analisa a disponibilidade de

água doce no Brasil, pois, se de um lado há a região amazônica com tamanho excedente hídrico,

do outro lado há a região semiárida, contrastando com um grande deficit hídrico.

A Tabela 2, a seguir, apresenta como a água se distribui de forma irregular no território

brasileiro, considerando a divisão hidrográfica nacional.

Tabela 2 – Disponibilidade, demanda hídrica e susceptibilidade à desertificação nas divisões hidrográficas do território brasileiro. Divisão Hidrográfica Nacional Disponibilidade (m3/s) Demanda (m3/s) Relação Demanda/ Disponibilidade Classificação Em área susceptível a desertificação

Amazônia 73748 47 0,06% Excelente Não

Atlântico Leste 305 68 22,30% Crítica Sim

Atlântico Nordeste

Oriental 91 170 186,81% Muito crítica Sim

Atlântico Nordeste

Ocidental 328 15 4,57% Excelente Sim

Atlântico Sudeste 1108 168 15,16% Preocupante Sim

Atlântico Sul 671 240 35,77% Crítica Não

Paraguai 785 19 2,42% Excelente Não

Paraná 5792 479 8,27% Confortável Não

Paraíba 379 19 5,01% Confortável Sim

São Francisco 1886 166 8,80% Confortável Sim

Tocantins-Araguaia 5362 55 1,03% Excelente Não

Uruguai 565 146 25,84% Crítica Não

Fonte: Adaptada da Tabela de Galli e Abe (2010, p. 166) e Agência Nacional das Águas (2017).

Soma-se ao caráter irregular da distribuição espacial das águas, o fato que, embora a

quantidade de água, como já dito, permaneça a mesma, os aspectos que se relacionam à

qualidade e à manutenção da capacidade de renovação do ciclo hidrológico podem ser

comprometidos por atividades desenvolvidas pelo homem.

Os principais problemas relacionados às águas doces em espaços metropolitanos, em

países em desenvolvimento, como o Brasil, estão diretamente relacionados ao processo de

urbanização e industrialização, associado ao aumento da população com pressões cada vez

maiores sobre os corpos hídricos. (TUCCI, 2010; TOLLE, 2006; RIVAS, 2016)

Refletindo sobre a problemática que envolve a urbanização e os recursos hídricos em

países em desenvolvimento, Tucci (2010) considera que uma série de fatores intimamente

relacionados à forma como os processos de urbanização e industrialização vêm se

desenvolvendo serão os principais responsáveis pela degradação das águas doces nesses

espaços e por comprometer a capacidade de renovação do ciclo hidrológico.

Para compreender como surgem alguns desses fatores responsáveis pela degradação das

águas doces, Tucci (2010) parte inicialmente do reconhecimento sobre como, em muitas

cidades, o urbano se expande da jusante

41

para a montante de bacias hidrográficas, num

processo de produção socioespacial contraditório, que se desenvolverá, resumidamente, da

seguinte forma:

A água é suprida de fontes existentes à montante ou em bacias vizinhas ou,

ainda, da água subterrânea (ou combinações destas). Após o uso da água pela

população, a mesma retorna para os rios sem tratamento ou pelo

extravasamento das fossas. Desta forma, o esgoto polui os rios, que não podem

ser usados como fonte de abastecimento. O abastecimento procura utilizar

água de fontes sem contaminação, jogando água poluída para jusante. Como

o desenvolvimento ocorre para montante, com o tempo, as fontes existentes

são contaminadas pelos novos desenvolvimentos, além de competir com a

agricultura pelo uso da água. Quando a cidade não tem capacidade de suprir a

população, esta procura por seus próprios meios obter água perfurando poços

ou comprando água (aumentando de forma exponencial o custo da água). A

população pobre tende a perfurar poços rasos, já contaminados pelo esgoto

enquanto que a população de maior renda perfura poços profundos, mais

seguros, mas que podem produzir rebaixamento dos níveis do terreno pelo

esgotamento da água. Em regiões costeiras, isto pode produzir intrusão salina.

(TUCCI, 2010, p. 7)

Para o autor, este é um processo que ocorrerá a despeito da existência de planejamento

e planos diretores, fruto da espontaneidade que caracteriza a urbanização em países em

desenvolvimento, como o Brasil. (TUCCI, 2010, p. 6) Creio, contudo, tratar-se de um

entendimento que desonera a responsabilidade do poder performático contido nas ações do

planejamento, que orienta o processo de urbanização, sobretudo a partir da década de 1970,

com a formação das regiões metropolitanas no país.

Logo, trata-se de uma aparente espontaneidade, embora também seja claro que o

planejamento, ao orientar o processo de produção e organização socioespacial urbano e

industrial, o fará sem conseguir dar conta da dinâmica e complexidade da vida, além de

41 Jusante e montante são escalas espaciais de referência relativa, na qual se considera um ponto fixo ao longo do curso de um rio para, a partir daí, definir a localização a montante, ou seja, mais acima do curso do rio em relação ao objeto de referência, ou a jusante, mais a baixo do curso do rio, considerando também a localização do objetivo de referência espacial (que pode ser uma cidade, um açude, uma barragem etc.).

privilegiar alguns espaços que se tornam de interesse, sobretudo, do grande capital industrial e

imobiliário, em detrimento de outros espaços, que ficam à margem de tal processo.

Na tentativa de resumir as características históricas da metrópole no capitalismo

periférico, Maricato (2012) identificou um aspecto relevante capaz de ajudar a compreender o

que aparentemente é contrastante, como já mencionado: haver planejamento e planos diretores

e, ainda assim, o espaço metropolitano e das cidades serem produzidos e reproduzidos

aparentemente de modo espontâneo

42

. Sobre isto, considerará a autora que

As leis avançadas e detalhadas e o prestígio dos Planos Urbanísticos

contrastam com a fragilidade operacional do Estado. Leis e Planos que não se

aplicam ou são aplicados para uma parte da cidade (leia-se, de acordo com as

circunstâncias) revelam a importância retórica, dos discursos e a

desimportancia da realidade urbana quando se refere a determinadas classes

sociais. O poderoso aparato jurídico e burocrático do Estado no Brasil

contrasta com as frágeis esferas operacionais [...]. (MARICATO, 2012, p. 5)

Com isto, pode-se inferir a razão de Tucci (2010) ter assinalado não se tratar de um

fenômeno próprio da cidade ilegal, aquela não alcançada pelo planejamento e pelos planos

diretores, desprovida da orientação e do suporte científico e tecnológico, resultante de

ocupações ilegais, sem infraestrutura básica, segundo a ordem daqueles que o produzem e,

como consequência negativa direta desse tipo de apropriação, acabam gerando degradação

ambiental ao mesmo tempo em que se expõem diretamente a toda sorte de risco e desastres

ambientais

43

.

Dirá Maricato (2012, p. 5) que a maior parte das áreas ocupadas ilegalmente são aquelas

que não interessam o mercado imobiliário, são as áreas que “sobram” e “[...] grande parte dessas

áreas é ambientalmente frágil (mangues, dunas, matas preservadas por lei, Área de Proteção de

Mananciais, Parques Nacionais e Estaduais, encostas de morros)”.

42 Sobre a ilegalidade fundiária e imobiliária que formam as periferias urbanas das grandes metrópoles do Brasil, Maricato (2012, p. 5) apresentou que, somente em Salvador, são mais de 30% do solo urbano ocupado ilegalmente.

43 Em Londe e colaboradores (2014, p. 133) identificamos que “Os desastres relacionados aos recursos hídricos geralmente estão associados ao excesso de água (inundações graduais e bruscas, rompimento de barragens) ou à sua escassez (estiagem, seca, dificuldades no abastecimento de água potável, impactos na agricultura)”. Nem sempre relacionados a eventos extremos, segundo os autores, outros tipos de desastres podem envolver os recursos hídricos “com impactos no ambiente, saúde pública, dinâmica urbana e produção agrícola”. Os autores se apropriam da noção de desastre desenvolvida pelo grupo de Redução de Desastres da Organização das Nações Unidas (EIRD/ONU) que entende se tratar de “séria interrupção do funcionamento de uma comunidade ou sociedade, que causa perdas humanas e/ou importantes impactos ou perdas materiais, econômicas ou ambientais que excedem a capacidade da comunidade ou sociedade afetada de lidar com a situação utilizando seus próprios recursos.” (UNISDR, 2009 apud LONDE et al., 2014)

Não obstante, trata-se de um processo que alcança também a cidade formal (ou do

mercado), aquela cujo planejamento e cujos planos diretores urbanos e municipais orientam o

processo de produção socioespacial, de acordo com as suas normas e padrões, muito embora

não sejam suficientes para evitar a degradação ambiental e dos mananciais inseridos nesses

espaços. (TUCCI, 2010; MARICATO, 2012, p. 5)

Os fatores responsáveis pela degradação das águas doces em ambiente urbano estão

associados à

Contaminação das fontes de água de abastecimento (rios e águas subterrâneas)

pelo desenvolvimento urbano e despejo de efluentes (esgotos) sem tratamento

nos rios que escoam para estas fontes; Falta de tratamento de esgoto: grande

parte das cidades não possui coleta ou tratamento de esgoto. O esgoto é

despejado nos rios sem tratamento, poluindo rios urbanos e destruindo o meio

ambiente; Impermeabilização de áreas pela urbanização produzindo aumento

das cheias e diminuição da infiltração para os aquíferos. Áreas impermeáveis

e canalização dos rios urbanos aumentam cerca de sete vezes as cheias, a

produção de sedimentos e a qualidade da água pluvial; Ocupação das áreas de

risco como, por exemplo, as de inundação e as de escorregamento de encostas;

Contaminação dos rios provenientes da água pluvial urbana e da agricultura;

Retirada da água subterrânea junto com a redução da infiltração produz o

rebaixamento do solo e aumenta as inundações em áreas baixas; A falta de

serviços em resíduos sólidos, que diminui a capacidade dos rios devido à sua

sedimentação, com aumento das inundações. (TUCCI, 2010, p. 8)

A união desses fatores, somada à infraestrutura de abastecimento pobre ou incompleta,

que provoca a perda de água tratada no sistema, a distribuição ineficiente da água, a suspensão

do serviço de abastecimento por horas e, em alguns casos, dias – uma realidade conhecida em

Salvador e demais municípios da sua região metropolitana (PORCIÚNCULA, 2011) – além do

aumento dos custos de tratamento da água, contribuem para o agravamento da crise hídrica no

Brasil e, porque não dizer, para o agravamento da crise socioambiental.

Dessa forma, além de ser importante considerar a complexidade imanente das fases

pelas quais a água passa ao percorrer o seu ciclo hidrológico, em condições naturais, é preciso

ter em conta todas as interferências provocadas pela ação do homem que podem comprometer

a disponibilidade hídrica, em diferentes escalas: da local, passando pela regional até a global.

Sobre as diferentes escalas, importantes apenas do ponto de vista administrativo, Rivas

(2016, p. 23-24) chama a atenção para o fato de que o ciclo hidrológico não obedece a “[...]

fronteiras artificiais criadas pelo Estado”. Logo, os problemas ambientais que comprometem

determinado corpo hídrico podem e devem ser compartilhados, tanto entre países, quanto entre

estados, municípios e bairros.

Uma mesma bacia hidrográfica ou um mesmo aquífero podem ser

compartilhados por diversos países. Atualmente, constam-se 263 bacias

transfronteiriças que percorrem 145 países, das quais 19 banham pelo menos

5 nações cada. Assim, as escolhas políticas relacionadas à utilização e a

conservação de água em determinado país acabam por afetar a disponibilidade

hídrica e o ciclo hidrológico de países vizinhos, e, em última análise,

influenciar o ciclo hidrológico global. (RIVAS, 2016, p. 23-24)

O ciclo das águas, também conhecido como ciclo hidrológico, representa o movimento

constante que a água realiza na natureza e será o responsável pela sua renovação. Nesse

movimento, a energia necessária utilizada é fornecida pelo sol, resultando da “[...] diferença entre

a radiação emitida pelo sol e refletida pela atmosfera terrestre.” (SILVA; PRUSKI, 2005)

Durante o caminho que a água percorre no seu ciclo, apenas o seu estado físico é alterado,

variando entre líquido, sólido e gasoso. Disto pode-se depreender que a água é uma só, embora

para fins analíticos seja subdivida em superficial, subterrânea, atmosférica e dos mares.

A Figura 1 a seguir, ilustra o caminho que a água percorre durante o ciclo hidrológico:

Figura 1 – O ciclo das águas ou hidrológico.

Fonte: Elaborada pelo Eng. Ricardo Ribeiro. Disponível em <www.google.com.br>.

O ciclo hidrológico terá uma dinâmica específica, considerando as características de

cada região do planeta. Dessa forma,

Em regiões tropicais, as precipitações atmosféricas ocorrem sob as três

primeiras modalidades mencionadas (chuva, nevoeiro e orvalho). Ocorrida a

precipitação sob a forma de chuva, parte da água se infiltra no solo, formando

um primeiro lençol, mais raso, denominado lençol freático, e as acumulações

subterrâneas propriamente ditas, em camadas mais profundas. As

precipitações sob forma de nevada formam as geleiras que, aquecidas pelo

calor solar, se liquefazem, alimentando regatos, lagos, rios e mares. Todas as

águas acumuladas na Terra retornam à atmosfera, fechando assim o

gigantesco percurso conhecido como ciclo hidrológico.

(CARRERA-FERNANDEZ; GARRIDO, 2002, p. 22)

Deve-se considerar, também, ao estudar o ciclo das águas, o fato de não ser possível

incorporá-lo em sua inteireza, dado o caráter aleatório que lhe é imanente. Dessa forma, como

assinala Silva e Pruski (2005, p. 128), em que pesem os esforços em entender os fenômenos

desse ciclo, é preciso sempre recorrer à estatística. Durante o caminho que a água percorre no

ciclo hidrológico, podem ocorrer alterações em sua qualidade, como já dito anteriormente, e

Isto ocorre nas condições naturais, em razão das inter-relações dos

componentes do sistema meio ambiente, quando os recursos hídricos são

influenciados devido ao uso para suprimento das demandas dos núcleos

urbanos, das indústrias, da agricultura e das alterações do solo, urbano e rural.

(SILVA; PRUSKI, 2005, p. 129)

Essas alterações podem comprometer a capacidade de renovação da água no ciclo

hidrológico. Disso resulta, como assinala Rivas (2016, p. 18), o entendimento de que a água

não deve ser considerada um recurso abundante e ilimitado. E mais, “[...] a água, embora

recurso renovável, deve, então, ser considerada recurso finito e de ocorrência aleatória”, como

já dito. (SILVA; PRUSKI, 2005, p. 128)

Embora não seja objetivo deste estudo aprofundar a discussão sobre a qualidade das

águas, é importante apresentar uma questão considerada pouco discutida, dado o consenso que

os estudiosos do tema parecem ter sobre ela (SILVA; PRUSKI, 2005, p. 128; AGÊNCIA

NACIONAL DAS ÁGUAS, 2001, p. 30): refere-se ao fato de que os aspectos qualidade e a

quantidade são tidos como indissociáveis.

Disso resulta o entendimento de que, em havendo água em quantidade, mas com a

qualidade comprometida, torna-se inexistente a sua presença em determinado sistema.

(AGÊNCIA NACIONAL DAS ÁGUAS, 2001). Trata-se de um consenso científico que pode

justificar o abandono, por parte do poder público, de grandes reservatórios

44

– sobretudo,

44 Dentre os sistemas que atualmente estão abandonados por perda da qualidade da água, embora exista ainda a presença da água do reservatório, constituindo um verdadeiro passivo ambiental, podemos citar inseridos na RMS os seguintes barramentos que outrora compunham o sistema de abastecimento de água: Barragem do

daqueles inseridos em ambientes urbanizados, deixados à mercê dos processos que promovem

a degradação de suas águas –, sem que sejam empreendidos reais esforços para recuperá-los.

Essas são questões que devem ser problematizadas de forma a superar a contradição que

Rebouças expressa quando afirmar que: “Num dos países mais ricos em água doce do planeta,

as cidades enfrentam crises de abastecimento, das quais não escapam nem mesmo as localizadas

na Região Norte, onde estão perto de 80% das descargas de água dos rios do Brasil”

(REBOUÇAS, 2003, p. 342)

Sobre a contradição que envolve a abundância, o desperdício e a escassez de água no

Brasil, Rebouças (2003) desenvolveu importantes reflexões, nas quais consegue sintetizar a

problemática que se impõe como desafio frente ao potencial hídrico existente e a forma como

vem sendo historicamente negligenciado, a despeito dos avanços na política de gestão das águas

no âmbito nacional (Lei 9.433/1997) e de toda mobilização científica internacional em busca

de construir uma melhor governança das águas (RIVAS, 2016).

Porque isto ocorre? Rebouças (2003, p. 242) dirá que existe no Brasil uma “[...] ideia

da abundância de água”

45

. Essa ideia, segundo o autor, se erige sob as bases do dado que

informa que o Brasil é também dotado de “[...] uma vasta e densa rede de drenagem que nunca

seca sobre mais de 90% do território nacional” (REBOUÇAS, 2003, p. 242)

Como verdade inequívoca, essa condição natural altamente favorável, vem sendo

historicamente apropriada para justificar equívocos que, dado os avanços políticos, científicos

e tecnológicos, já poderiam ter sido superados, como por exemplo, o “luxo” de, ainda hoje,

“tratar” esgotos para, em seguida, lançá-los nos rios. (REBOUÇAS, 2003)

Cobre, Barragem de Pituaçu, Barragem de Cachoeirinha, Barragem do Cascão, Dique do Cabrito, reservatórios do Queimado, dentre outros.

45 Em artigo jornalístico, a Folha de São Paulo, Kelman (2004) dirá que, na verdade, existiria no Brasil um “mito da abundância”. Ideia e mito, embora etimologicamente difiram em suas acepções possuem certa aproximação quando, dentro das possibilidades de uso de cada umas dessas palavras, encontram-se sentidos comum a ambas, quais sejam: o de fantasia (em ideia) e o de coisa que não existe, mas se supõe real (em mito). Logo, ambos se apropriam de palavras que atendem às suas pretensões discursivas, embora, neste estudo, tenha-se optado por utilizar a palavra ideia, por ter-se em conta o seu caráter de “percepção intelectual” que, assim, se aproxima do entendimento presente neste estudo sobre a capacidade da ciência em performar a realidade, a partir da percepção intelectual que se impõe hegemônica as demais. Idéia é uma palavra que deriva do grego idea, que se refere à “aparência, maneira de ser, estilo”. É um substantivo feminino que pode ser apreendido dessas formas: 1. Representação que se forma no espírito; 2. Percepção intelectual; 3. Pensamento; 4. Lembrança, memória; 5. Plano, intenção; 6. Fantasia; 7. Doutrina; sistema. Mito é uma palavra que deriva do latim mythos,

que se refere à fábula, do grego mûthos. Ou, palavra, discurso, coisa dita, conto, história, narrativa, ficção. É