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O FENÔMENO DAS ÁGUAS DOCES NA REGIÃO METROPOLITANA DO SALVADOR: USOS, ALTERAÇÕES E ABANDONO UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SALVADOR PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

DÉBORA CAROL LUZ DA PORCIUNCULA

O FENÔMENO DAS ÁGUAS DOCES NA REGIÃO METROPOLITANA DO SALVADOR: USOS,

ALTERAÇÕES E ABANDONO

Salvador

2017

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DÉBORA CAROL LUZ DA PORCIUNCULA

O FENÔMENO DAS ÁGUAS DOCES NA REGIÃO METROPOLITANA DO SALVADOR: USOS,

ALTERAÇÕES E ABANDONO

Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social da Universidade Católica do Salvador para obtenção do título de Doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social.

Orientadora: Profa. Dra. Cristina Maria Macêdo de Alencar

Salvador

2017

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Ficha Catalográfica. UCSAL. Sistema de Bibliotecas

P834 Porciuncula, Débora Carol Luz da O fenômeno das águas doces na Região Metropolitana do Salvador: usos

alterações e abandono/ Débora Carol Luz da Porciuncula . – Salvador, 2017.

568 f.

Tese (Doutorado) - Universidade Católica do Salvador. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. Doutorado em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social.

Orientadora: Profª Drª Cristina Maria Macêdo de Alencar

1. Natureza 2. Reificação 3. Planejamento 4. Águas 5. Ruralidade Metropolitana 6. Urbano/Industrial

7. Tensões I. Universidade Católica do Salvador. Pró-Reitoria de Pesquisa e

Pós-Graduação II. Alencar, Cristina Maria Macêdo de – Orientadora III. Título.

CDU 628.1(813.8)

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A Cristiano, Pablo Luís e Caroline

A Cirolanda e Luís Carlos

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AGRADECIMENTOS

“A minha vida é de muito obrigado”. (Camilo, um amigo)

Sinto-me tomada pelo mais puro sentimento de gratidão por tudo que a vida me ofereceu, por todas as pessoas que conheci e por todas as escolhas que fiz que me trouxeram até este momento. Sinto-me profundamente agradecida pelas experiências vivenciadas, boas e, sobretudo, as ruins por terem sido capazes de me educar moral e eticamente.

Sou grata a todos que amorosamente estiveram presentes nesta fase de minha vida quando poderiam, por uma decisão pessoal e compreensível, não estar. Mas, em estando presentes foram o meu apoio material e emocional nos momentos mais solitários, nos momentos em que tudo parecia inconsistente.

À minha gratidão e amor eternos à Cirolanda Luz da Porciuncula, minha mãe; À Cristiano e Pablo Luís Luz da Porciuncula, meus irmãos amados e verdadeiras bússolas que cuidam em me manter alerta para o valor da caminhada ser maior do que o da chegada ao destino.

Aqui reforço os meus agradecimentos, mais do que especiais, a Cristiano que extrapolou a ajuda e emprestou os ouvidos as minhas questões a respeito deste estudo e, envolvido na energia da minha tese, fez o desenho que sonhei, ilustrado nas primeiras páginas deste documento.

Aqui deixo um agradecimento especial à Everton Santana Santos, meu namorado, pelo amor, apoio moral, por acreditar e me incentivar a todo momento.

Aos amigos-irmãos do coração, Iwison Ricardo Ferreira e a Alanderson Matos, o meu geógrafo preferido, pela ajuda na confecção dos mapas e, sobretudo, pelo incentivo e presença.

A minha orientadora e amiga Profa. Dra. Cristina Maria Macêdo de Alencar, que sempre acreditou na pesquisa e que me emprestou, com alegria e dedicação, o seu conhecimento e sabedoria. Obrigada por provar que liberdade, confiança e o amor são eficientes recursos pedagógicos.

Aos membros do grupo de Pesquisa Desenvolvimento, Sociedade e Natureza (DSN), sobretudo a Michele Paiva, Manuel Vitor Porto Gonçalves e, sobretudo ao Raimundo Carvalho e a Fernanda Flores pela ajuda inestimável à minha pesquisa.

A Universidade Católica do Salvador (UCSal) por ter cedido, através da CAPES, a bolsa

do Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares (PROSUP),

que me permitiu cursar o doutorado com a tranquilidade que precisava.

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Aos meus professores do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial, sobretudo a Profa. Dra. Aparecida Netto a quem devo as minhas primeiras leituras das obras da Hanna Arendt; ao Prof. Dr. Amílcar Baiardi, a quem devo as leituras de muitos dos clássicos da filosofia ocidental, por David Hume, John Look, Montesquieu, Rousseau e tantos outros pensadores antigos e contemporâneos que tornaram as minhas horas de estudo particularmente empolgantes; ao saudoso Prof. Dr. Silvio Bandeira de Mello e Silva (in memoriam) tão gentil e competente; ao Prof. Dr. Pedro de Almeida Vasconcelos e ao querido e saudoso Prof. Dr.

Nelson Baltruses (in memoriam).

As minhas colegas/amigas Tânia Azevedo e Aline Marom Setenta, pelo apoio e presença nos momentos mais difíceis.

A Bianca Macêdo de Alencar pela sensibilidade e empatia - diante dos meus relatos sobre o barulho intenso e constante produzido pelos meus vizinhos - que a fez me presentear com dois protetores auriculares superpotentes (!) e tão importantes para que eu pudesse seguir redigindo a tese em casa, com a tranquilidade que precisava.

A Arnaldo Santos pelo entusiasmo com que acolheu todas as ideias sobre o IQTA.

Aos membros do Conselho Gestor da APA Bacia do Cobre/São Bartolomeu, especialmente a Seu Eginaldo Filho Santos e a Jucielson Iraquiano Rios. Gratidão!

Aos funcionários da UCSal.

E, por fim, a Espiritualidade que me conduz nesta vida e neste mundo. Que de tantas formas se fez presente me inspirando, me emantando das condições necessárias para encontrar a calma, a concentração e a inspiração para escrever. Por me mostrar que o trabalho que edifica é sempre aquele que se volta para o bem-estar coletivo e, por isto, eles sempre estarão lá auxiliando. Por me mostrarem que qualquer esforço abençoado por Deus é leve quando se caminha ao Seu lado e que “não há impossível que a graça de Deus não alcance.” (uma amiga).

Gratidão!

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Fonte: Cristiano Porciuncula

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PORCIUNCULA, Débora Carol Luz da. O fenômeno das águas doces na Região Metropolitana do Salvador: usos, alterações e abandono. 2017. 568f. il. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social, Universidade Católica do Salvador, Salvador.

RESUMO

O presente estudo demonstra como o processo de urbanização/industrialização da Região Metropolitana de Salvador se apropriou das águas doces dessa região, gerando tensões territoriais pelo uso da água com alterações do seu curso e seu posterior abandono. Partiu-se da hipótese central de que o modelo civilizatório atual, pautado hegemonicamente na lógica urbano/industrial, tido como inexorável ante outras formas de produção material e imaterial da vida, é responsável por comprometer a disponibilidade, a qualidade e o acesso à água na Região Metropolitana de Salvador-BA. Constatou-se que esse processo está intimamente relacionado à ação pelo Planejamento, pautado numa concepção de Natureza que orientou a apropriação das águas dessa região como recurso. Contraditoriamente, a água tem sido percebida como empecilho ao pleno desenvolvimento urbano/industrial. A metodologia adotada foi de caracterização e problematização sócio-histórica da relação da cidade do Salvador e sua região metropolitana com as águas. Aplicaram-se os Indicadores Qualitativos de Ruralidade Metropolitana na identificação de evidências empíricas que tensionam o modo de vida rural e urbano, especificamente na relação com as águas. As evidências foram sistematizadas em variadas formas de disputa expressas em três categorias de tensões: (i) na apropriação da água;

(ii) nos usos geradores de riscos ambientais; e (iii) no uso da água em atividades culturais. Os fundamentos teóricos dessa metodologia possibilitaram caracterizar a relação entre o rural e o urbano e entre essas categorias e a água, sintetizadas propositivamente como Indicadores Qualitativos de Tensões no Uso da Água.

Palavras-chave: Natureza. Reificação. Planejamento. Águas. Ruralidade Metropolitana.

Urbano/Industrial. Tensões.

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PORCIUNCULA, Débora Carol Luz da. The phenomenon of the waters of Salvador Metropolitan Area: uses, alterations and abandonment. 2017. 568 p. ill. Graduate Program in Territorial Planning and Social Development, the Catholic University of Salvador, Salvador.

ABSTRACT

This study demonstrates how the urbanization/industrialization process of Salvador-BA Metropolitan Area (SMA) appropriated the fresh waters of this territory, generating territorial tensions due to the use of water with changes in its course, and its subsequent abandonment. It was based on the central hypothesis that the current civilizational model, ruled hegemonically in the urban/industrial logic, considered inexorable before other forms of material and immaterial life production, is responsible for compromising availability, quality and access to water in Salvador-BA Metropolitan Area. It was verified that this process is closely related to Planning, based on a conception of Nature that guided the appropriation of the waters of that region as resource. In contrast, in other moments, water has been perceived by the planners as an obstacle to full urban/industrial development. The methodology adopted was the characterization and socio-historical problematization of the relationship between the city of Salvador and its metropolitan area with the waters. The Qualitative Indicators of Metropolitan Rurality were applied in the identification of empirical evidences that stress the rural and urban way of life, specifically in relation to the waters. The evidence was systematized in various forms of dispute expressed in three categories of tensions: (i) in the appropriation of water; (ii) in the uses that generate environmental risks; and (iii) the use of water in cultural activities. The theoretical foundations of this methodology made it possible to characterize the relationship between the rural and the urban, and between these categories and water, which are proposed as Qualitative Indicators of Tensions on Use of Water (IQTA).

Keywords: Nature. Reification. Planning. Waters. Metropolitan Rurality. Urban / Industrial.

Tensions.

(11)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – O ciclo das águas ou hidrológico. ... 94

Figura 2 – Inauguração do sistema de captação de água subterrânea do aquífero Tucano, na cidade de Cícero Dantas, Bahia. 2012. ... 97

Figura 3 – Inauguração do sistema de abastecimento de água em Guanambi, Bahia. 2015. .. 97

Figura 4 - “Faça”. ... 115

Figura 5 - “Vamos fazer”. ... 115

Figura 6 - ‘Seu idiota’ em japonês. ... 116

Figura 7 - ‘Seu idiota’ em inglês. ... 116

Figura 8 - “Você me enche o saco. Eu mato”. ... 116

Figura 9 - “Amor/consideração”. ... 116

Figura 10 - Vista geral da antiga Companhia de Água do Queimado, 1880. ... 130

Figura 11 - Vista geral dos fundos da antiga Companhia de Água do Queimado, 1880. ... 131

Figura 12 - Fonte no Bonfim, Colina Sagrada, foto de 1869, publicada em um postal circulado em 1901, edição Gustavo Müllen. Observar na imagem, ao fundo, um quiosque de madeira onde se pagava pela água. ... 132

Figura 13 – Chafariz instalado na Praça do Comércio ... 133

Figura 14 – Chafariz do Passeio Público ... 133

Figura 15 - Início da construção da barragem do Rio do Cobre, 1929. ... 149

Figura 16 - Vista da barragem do Rio do Cobre em construção, 1930 ... 149

Figura 17 - A barragem do rio do Cobre “sangrando” pela primeira vez, 1932. ... 149

Figura 18 - Vista do conjunto da barragem, tratamento químico e decantação, 1932. (FERNAL, 1936). ... 149

Figura 19 - Início da construção da barragem do Rio Ipitanga, em setembro de 1931. ... 151

Figura 20 - A barragem de Ipitanga, em agosto de 1932, vendo-se o represamento provisório do rio e a escavação nos encontros, 1931. ... 151

Figura 21 - Barragem do Rio Ipitanga sangrando, 1932. ... 151

(12)

Figura 22 - Barragem do Rio Ipitanga, vista do encontro direto, 1932. ... 151

Figura 23 – Comparativo de obras executadas no Rio Joannes, entre os anos de 1965 e 1966, pelo governo de Lomanto Júnior. ... 157

Figura 24 – Comparativo de obras executadas no Rio Joannes, pelos governos anteriores e o do governo de Lomanto Júnior. ... 157

Figura 25 – Mapa da evolução do limite territorial da Região Metropolitana do Salvador. . 180

Figura 26 – Mapa das Barragens inseridas na Região Metropolitana do Salvador. ... 183

Figura 27 – Representação do “lugar” das tensões no uso da água... 208

Figura 28 - Bolsista PIBIC, Fernanda Flores, UCSAL/DSN. ... 214

Figura 29 - Bolsista PIBIC, Raimundo Carvalho, UCSAL/DSN. ... 214

Figura 30 - Voluntário Pablo Luiz Luz da Porciuncula. ... 214

Figura 31 - Voluntário Everton Santana Santos. ... 214

Figura 32 - Evidências de tensões no uso da água na RMS ... 217

Figuras 33, 34, 35 e 36 - Moradores da Santa Luzia, Lobato, pegando água num carro pipa, após longo período sem o abastecimento de água pela Embasa. A presença da Polícia Militar e do Exército para conter a multidão é um elemento a mais que revela a tensão da situação. Abril de 2015. ... 218

Figura 37 - Tensões pela apropriação das águas (T-1). ... 220

Figura 38 – Tensões geradora de riscos e eventos ambientais (T-2). ... 222

Figura 39 – Tensões no uso da água em atividades culturais (T-3). ... 224

Figura 40 – Nas margens do lago da Barragem de Ipitanga membros de uma religião de matriz africana ritualizam. ... 229

Figura 41 – Lazer no lago da Barragem de Ipitanga. ... 229

Figura 42 – O lago da Barragem de Ipitanga é lugar de encontro e de contemplação para os moradores e visitantes. ... 229

Figura 43 – O lago da Barragem de Ipitanga é local amplamente visitado, sobretudo,

durante o verão. ... 229

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Periodização para o estudo conjunto do planejamento governamental e

da gestão pública no Brasil – 1889-2010. ... 82

Quadro 2 – Tipos de planos econômicos e principais características no Brasil. ... 83

Quadro 3 – Disponibilidade hídrica de alguns estados* ... 89

Quadro 4 – Usos da água... 104

Quadro 5 – Primeiras fontes da cidade do Salvador, século XVI e XVII. ... 127

Quadro 6 – Distribuição dos climas para os municípios da Região Metropolitana de Salvador, conforme as temperaturas e as precipitações médias anuais. ... 181

Quadro 7 – Determinações, variáveis independentes e dimensões predominantes em territorialização como tensão – RMS, 2005 a 2015. ... 232

Quadro 8 – Determinações, variáveis dependentes e dimensões predominantes em

territorialização como tensão – RMS, 2005 a 2015. ... 233

(14)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Distribuição da água doce no planeta ... 88 Tabela 2 – Disponibilidade, demanda hídrica e susceptibilidade à desertificação nas

divisões hidrográficas do território brasileiro. ... 90 Tabela 3 – Índice de perdas na distribuição (IPD) de água dos municípios da RMS,

em ordem decrescente... 98

(15)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABES Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental AD Análise do Discurso

ANA Agência Nacional de Águas APP Áreas de Preservação Permanente APA Área de Preservação Ambiental

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento CETREL Central de Tratamento de Efluentes Líquidos CIA Centro Industrial de Aratu

CIC Centro Industrial de Camaçari COPEC Complexo Petroquímico de Camaçari

CONDER Companhia de Desenvolvimento Urbano da Bahia DASP Departamento Administrativo do Serviço Público DSG Diretoria de Serviço Geográfico do Exército EMBASA Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A.

ETA Estação de Tratamento de Água ETE Estação de Tratamento de Efluente EQ Índice de Qualidade Ambiental

FEREM Fundo Especial de Equipamento da Região Metropolitana de Salvador IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH Índice de Desenvolvimento Humano IPD Índice de Perdas na Distribuição

INEMA Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos

INGÁ Instituto de Gestão das Águas e do Clima do Estado da Bahia IQRM Indicador Qualitativo de Ruralidade Metropolitana

IQTA Indicador Qualitativo de Tensões no Uso da Água LCF Lei Complementar Federal

NWF Federação Nacional da Vida Selvagem

(16)

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico PIC Polo Industrial de Camaçari

PLANASA Plano Nacional de Saneamento PERH Plano Estadual de Recursos Hídricos PNRH Política Nacional de Recursos Hídricos PMD Plano Metropolitano de Desenvolvimento

PMSS Projeto de Modernização do Setor de Saneamento PPA Plano Plurianual

PBA Programa Bahia Azul

RMS Região Metropolitana de Salvador

SEI Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SIAA Sistema Integrado de Abastecimento de Água

SINGREH Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos SNIS Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste UB Balanço por Bacias Hidrográficas

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

UTM Universal Transverse Mercator

(17)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 17

Capítulo I NATUREZA, REIFICAÇÃO E PLANEJAMENTO: RELIGANDO ESSAS CATEGORIAS DE ANÁLISE A PARTIR DA EPISTEMOLOGIA ... 22

1.1 A NATUREZA ... 31

1.2 A REIFICAÇÃO ... 50

1.3 O PLANEJAMENTO ... 71

Capítulo II AS ÁGUAS DOCES ... 88

2.1 OCORRÊNCIA, DEGRADAÇÃO E DESPERDÍCIO ... 88

2.2 USOS MÚLTIPLOS DA ÁGUA ... 102

2.2.1 Para além da bacia hidrográfica... 105

2.3 A ÁGUA: ELEMENTO DA NATUREZA, SIMBÓLICO E CULTURAL ... 109

Capítulo III USOS, ALTERAÇÕES E ABANDONO: A APROPRIAÇÃO DAS ÁGUAS EM SALVADOR E RMS ... 123

3.1 AS ÁGUAS DE SALVADOR ... 126

3.2 A FORMAÇÃO DA RMS NA RELAÇÃO COM AS ÁGUAS ... 159

3.2.1 Caraterização geoambiental da RMS ... 179

3.2.2 Síntese da condição ambiental dos principais rios da RMS ... 185

Capítulo IV TENSÕES TERRITORIAIS NO USO DAS ÁGUAS NA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR ... 197

4.1 BASES METODOLÓGICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DE INDICADORES QUALITATIVOS DE TENSÃO NO USO DA ÁGUA (IQTA) ... 197

4.2 O IQTA EM ESPAÇO REGIONAL METROPOLITANO ... 212

V CONSIDERAÇÕES FINAIS: E DAÍ? ... 236

REFERÊNCIAS ... 240

APÊNDICE - REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DA CRÍTICA AO CONHECIMENTO CIENTIFICO ... 258

ANEXOS ... 263

ANEXO A - QUADRO GERAL DAS TENSÕES TERRITORIAIS NO USO DA ÁGUA DA REGIÃO METROPOLITANA DO SALVADOR (RMS). ... 263

ANEXO B – METADADO: MAPA HIDROGRÁFICO COM A

LOCALIZAÇÃO DAS BARRAGENS DA RMS E MAPA

DE EVOLUÇÃO DA RMS ... 568

(18)

INTRODUÇÃO

Na atualidade, os principais problemas relacionados às águas doces em espaços metropolitanos, em países em desenvolvimento como o Brasil, estão diretamente relacionados ao modelo de desenvolvimento, cujo processo de urbanização com industrialização vem promovendo pressões cada vez maiores sobre os rios, nascentes, lagos e lagoas. (TUCCI, 2010;

TOLLE, 2006; RIVAS, 2016)

Ao refletir sobre a problemática que envolve a urbanização e os recursos hídricos em países em desenvolvimento, Tucci (2010) considera que uma série de fatores intimamente relacionados à forma como o espaço é produzido e organizado, associada a um modelo urbano/industrial que se desenvolve se apropriando e consumindo a natureza como mercadoria – a despeito da existência de planejamento – será o principal responsável pela degradação dos mananciais.

Nesse sentido, a urbanização é percebida, neste estudo, como um fenômeno que conduz a mudanças intensas no ambiente natural, com a produção de ambientes cada vez mais artificializados, onde a relação homem-natureza ocorrerá por meio de mediações que, não obstante, são responsáveis pelo distanciamento e alheamento do homem com relação ao funcionamento ecossistêmico, relativo aos elementos naturais, e pelo surgimento da falha metabólica dessa relação, possível de ser percebida através da degradação ambiental, bem como pelos riscos e eventos ambientais, nas mais diferentes escalas.

Ou seja, a presença dos elementos naturais, como os rios, está cada vez menos perceptível diante da complexidade dos objetos artificiais que compõem a paisagem urbana/industrial ou estará confinada em espaços – como as Áreas de Proteção Ambiental inseridas em espaço metropolitano

1

– cada vez mais vulneráveis ao ritmo e à intensidade com que o urbano se desenvolve, apropriando-se da natureza e, com isto, revelando os elementos de sua artificialidade percebidos nas formas antagônicas ao conteúdo sócio-histórico local e às características naturais. (PORCIUNCULA, 2011; ALENCAR, 2007)

1 Dirá Maricato (2012, p. 5) que a maior parte das áreas sujeitas às ocupações ilegais se refere justamente àquelas que não interessam ao mercado imobiliário, a despeito de sua importância ecossistêmica, são reduzidas à condição de serem áreas que “sobram”, ainda que em sua maioria sejam ambientalmente frágeis, como mangues, dunas, matas preservadas por lei, área de proteção de mananciais, Parques Nacionais e Estaduais, encostas de morros.

(19)

Contudo, o paradigma urbanístico oferecerá as bases conceituais e tecnológicas para que a artificialização da natureza aconteça cada vez mais atrelada à ideologia da modernidade, no contexto atual da sociedade capitalista, onde o processo de produção e organização socioespacial é um fenômeno marcado pela intensificação dos usos e ocupação do solo, com perda da biodiversidade, degradação das águas e comprometimento de modos de vida construídos social e historicamente como relação direta com a natureza, como cultura.

(ALENCAR, 2003; PORCIÚNCULA, 2011)

No entanto, como assinala Sobarzo (2006) sobre o urbano e o rural na obra de Henry Lefebvre (2001) e Alencar (2003), ao refletir sobre a relação rural-urbana em espaço metropolitano, a ação da urbanização não se realiza plenamente no plano da realidade vivida.

É nesse sentido que o rural é assimilado em coexistência, ainda que tensionada com o urbano, a partir dos modos de vida que caracterizam a identidade cultural que orienta a forma como os sujeitos rurais e urbanos se apropriam da natureza, ou apenas de um dos seus elementos que, neste estudo, são as águas. Do reconhecimento dessa condição, emerge a noção de ruralidade metropolitana como uma formulação teórica contra hegemônica que auxilia na captura de elementos de um novo padrão civilizatório favorável a “[...] um padrão de desenvolvimento que integre múltiplas dimensões do ser humano em condições materiais, sociais, psíquicas e culturais.” (ALENCAR, 2003, p. 167)

Diante do exposto, o presente estudo buscou compreender como o processo de urbanização/industrialização da Região Metropolitana de Salvador (RMS) se apropriou das águas doces da região, gerando alterações e abandono e, como resposta, tensões territoriais pelo uso da água. Assim, partimos da hipótese central de que o modelo civilizatório atual, pautado hegemonicamente na lógica urbano/industrial, tido como inexorável ante outras formas de produção material e imaterial da vida, é responsável por comprometer a disponibilidade, a qualidade e o acesso à água na Região Metropolitana de Salvador-BA. Esse conjunto de fatores está intimamente relacionado à ação do Planejamento.

Cabe salientar que apenas as águas doces – presentes nos rios, córregos, riachos, lagos

e lagoas – foram objeto da nossa atenção neste estudo. Dito isto, ainda que reconheçamos a

importância das águas do mar para os sujeitos dos municípios da RMS, banhados pela Baía de

Todos os Santos e pelo Oceano Atlântico, cujo modo de vida se expressa por meio da pesca, da

(20)

mariscagem, da cultura, da religiosidade, do lazer, entre outros elementos, numa explícita interação com a dinâmica costeira e o mar, essas não foram contempladas em nossa análise

2

.

Destarte, o presente estudo está dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo apresentamos e discutimos as categorias de análise Natureza, Reificação e Planejamento, com base na crítica epistemológica, de forma a construir uma compreensão teórica sobre como a apropriação das águas esteve diretamente relacionada à concepção de Natureza, de onde emerge, como potencial, a compreensão da produção e organização do espaço metropolitano, a partir da apropriação sócio-histórica dessa concepção, cujo poder performático incide sobre a realidade empírica, moldando-a.

Na sessão sobre a Reificação da Natureza, numa mesma perspectiva performática, aprofundamos um pouco mais o entendimento da relação e, também, da cisão homem-natureza pelas noções de segunda natureza, alienação, falha metabólica, trabalho, modo de vida, tempo e normose. Ao fim, discutimos o Planejamento governamental no Brasil, no tocante à sua ação reificadora da natureza, sobretudo das águas, com o propósito de atender ao Brasil que se industrializava.

No Capítulo 2, apresentamos um contexto geral das condições atuais das águas doces, nas escalas regional, nacional e global. Discutem-se os processos considerados responsáveis por sua degradação; a problemática do saneamento, notadamente no que diz respeito ao processo de substituição de mananciais por perda da potabilidade intimamente associada ao mito da abundância de água e à aparentemente insolúvel questão do esgotamento sanitário. Ao fim da sessão, apresentamos elementos que reforçam a construção e discussão sobre a concepção da água como elemento da natureza, cultural e simbólico.

No Capítulo 3, buscamos compreender como se deu a apropriação das águas em Salvador e em sua região metropolitana. Na primeira sessão deste capítulo, partimos de uma perspectiva sócio-histórica e apresentamos e discutimos os processos que envolveram os usos, a apropriação e o abandono das águas, responsáveis pelo quadro crônico de abandono que se expressa na degradação da natureza e na poluição de todos os mananciais, inclusive, de importantes represas e reservatórios construídos no início do século XX, nos limites do município de Salvador.

2 Na caracterização geoambiental da Região Metropolitana de Salvador (RMS), presente no Capítulo III, é possível visualizar, nas Figuras 22 e 23, os municípios dessa região, que são banhados pela Baía de Todos os Santos e pelo Oceano Atlântico.

(21)

Na segunda sessão, discutimos o processo de formação da RMS na relação com as águas. Iniciamos essa sessão buscando discutir a distinção semântica que diferencia água de recurso hídrico. Nesse sentido, procuramos demonstrar como a década de 1970 se iniciou marcada pela introdução da expressão ‘recursos hídricos’ nas novas estruturas do governo do estado da Bahia, revelando o alinhamento com o Planejamento Governamental, cujo projeto de desenvolvimento era o econômico e pautado na industrialização. E, assim, as águas do estado e da RMS foram transformadas em recursos hídricos.

A partir da análise dos documentos que compõem o Planejamento Metropolitano da RMS, buscamos identificar a concepção de Natureza que os orientava e, por fim, apresentamos um diagnóstico da condição ambiental dos rios existentes na RMS e, também, daqueles que, não estando inseridos na Região Metropolitana, respondem por 60% da água consumida nesta região; com isto, explicita-se o fenômeno relativo à expansão da questão metropolitana para além dos limites físicos da própria região, alcançando outros territórios e impactando diretamente os mananciais e os sujeitos que neles vivem.

No Capítulo 4, desenvolvemos uma discussão com relação ao uso de indicadores e índices ambientais, com o propósito de apresentar as bases metodológicas que orientaram a proposição de indicadores qualitativos que, por sua vez, inspiraram o desenvolvimento, neste estudo, dos Indicadores Qualitativos de Tensões no Uso da Água (IQTA). As tensões estão configuradas na disputa territorial pelo uso das águas, compreendidas na forma como os modos de vida rural e urbano se apropriam delas na ruralidade metropolitana, apreendidas num período de 11 anos, compreendidos entre os anos de 2005 a 2015.

As considerações finais foram feitas sob o título E daí?, inspirando-nos numa provocação positiva feita pelo Professor Dr. Ubiratan D’Ambrósio – ao final da apresentação dos resultados da aplicação, em uma pesquisa anterior, da metodologia dos Indicadores Qualitativos de Ruralidade Metropolitana (IQRM), na SEMOC em 2014 –, com o intuito de incentivar o desenvolvimento de proposições e encaminhamentos daquela pesquisa.

Cabe informar, também, que buscamos apresentar em cada capítulo, individualmente,

os procedimentos metodológicos adotados para desenvolvê-los. Assim, cada um deles poderá

ser lido individualmente, embora a forma como eles estão dispostos tenha sido entendida pela

autora como um crescente na organização das suas próprias ideias, onde estão apresentados os

principais referenciais teóricos que juntos auxiliaram a construir reflexões e entendimentos

capazes de auxiliar a responder a tese central deste estudo.

(22)

Contudo, de forma geral, o caminho metodológico percorrido para o desenvolvimento deste estudo abrangeu um universo complexo que requereu o uso de procedimentos e técnicas específicos de pesquisa. Para tanto, realizamos pesquisa bibliográfica, levantamento de dados secundários em relatórios, artigos científicos, monografias, dissertações e teses impressas e em meio digital. Também foram realizadas pesquisas documentais nos acervos do Arquivo Público do Estado da Bahia, na biblioteca da Secretaria de Planejamento (SEPLAN-BA), Biblioteca Central dos Barris, Biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e Biblioteca da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER). Nessa fase, realizamos a busca por documentos históricos que contivessem informações sobre as águas em Salvador e, após a instituição em 1970, da sua Região Metropolitana, como as mensagens e relatórios dos governadores do estado da Bahia e publicações sobre o abastecimento na Cidade do Salvador do início e meados do século XX.

O Indicador Qualitativo de Tensões no Uso da Água (IQTA), como será explicado no Capítulo IV, teve como base teórica e metodológica os Indicadores Qualitativos de Ruralidade Metropolitana (IQRM). A aplicação da metodologia envolveu o levantamento de eventos reveladores de tensão no uso da água, em periódicos de circulação regular, considerando: (i) Tensões pela apropriação da natureza, caracterizada pela apropriação da natureza por disputas entre o econômico e o não econômico, disputa entre os diferentes usos econômicos, disputa entre o rural e o urbano e disputa entre o urbano e a natureza; (ii) Usos geradores de riscos ambientais, onde estão presentes a produção de riscos e a produção de eventos ambientais e;

(iii) Usos da natureza em atividades culturais, caracterizados pelo uso cultural como recursos naturais e uso cultural como natureza.

Por fim, foi realizada a pesquisa iconográfica para elaboração dos mapas, com aquisição

da base cartográfica da RMS, na escala de 1:100.000, na mapoteca da CONDER. Para a base

hidrográfica, também na escala de 1:100.000, utilizamos as cartas topográficas do IBGE, da

SUDENE, do DSG, 1972-1985, digitalizadas pela SEI.

(23)

Capítulo I

NATUREZA, REIFICAÇÃO E PLANEJAMENTO: RELIGANDO ESSAS CATEGORIAS DE ANÁLISE A PARTIR DA EPISTEMOLOGIA

Neste capítulo, apresentamos uma exposição das categorias de análise Natureza, Reificação e Planejamento, considerando que nos marcos do processo de produção do conhecimento científico moderno essas categorias estão discursivamente

3

separadas entre si.

Logo, os saberes contidos em cada uma delas foram restringidos a elas próprias, perdendo-se com isso a visão do conjunto, ou seja, perdendo-se a visão integradora na qual a categoria Natureza, única capaz de transversar as demais categorias, seria capaz de estabelecer.

Com isto, buscamos apreendê-las enquanto categorias, cujo potencial performativo

4

da realidade tem implicações objetivas na vida, ou melhor, na forma como o homem reconhece a si e o seu lugar no mundo. Questiona-se a ação da ciência moderna, ela própria erigida no âmbito da política e do modo de produção capitalista (JAPIASSU, 1975), cujo agir sobre o processo de construção do conhecimento acabou por legitimar social, histórica e culturalmente uma forma (totalizante e totalizadora) de como a natureza deveria ser apropriada objetivamente

5

.

O desenvolvimento do conhecimento científico propiciou o desvelamento e a compreensão de diversos fenômenos, sendo muitos deles relacionados ao mundo natural, contribuindo, com isso, para o desenvolvimento da sociedade, de forma geral. (JAPIASSU, 1986) Contudo, trata-se de um conhecimento não isento de orientação política e ideológica e

3 Apreendemos o “discursivo” nos marcos do pensamento formal e repleto de sentidos próprios. De acordo com Japiassu e Marcondes (2001, p. 56), o discursivo se refere ao “[...] modo de conhecimento mediato, ou seja, que atinge seu objetivo através das etapas de um raciocínio ou de uma demonstração. [...] A conclusão de um raciocínio matemático só é atingida de modo discursivo, por uma sequência de proposições que se encadeiam necessariamente umas às outras.”

4 A força do caráter performativo do conhecimento científico não pode ser desprezada ao refletir sobre ele; essa força, como diz Alencar (2003, p. 25), “[...] é mediada pelas estruturas de poder econômico (inclui mercado) e político como um processo hegemônico. Na configuração do mundo contemporâneo, um dos usos basilares mais antigos e mais generalizados desse conhecimento é relativo à satisfação das necessidades imediatas da espécie humana transformando a natureza”.

5 De acordo com Bourdieu (2007), todo processo social possuiu uma objetivação e uma subjetivação. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que se produzem dimensões materiais se produzem também formas de sentir, de viver, de saber, de lidar, de se comportar, entre outras, tudo está conectado. Logo, as dimensões objetiva e subjetiva estão em interação constante e, ao mesmo tempo, numa perspectiva materialista, a dimensão objetiva está produzindo subjetividades.

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que por “[...] muitas vezes resulta(m) em teorias que por vezes buscam explicar um mesmo fenômeno a partir de entendimentos diferentes.” (NEIS; PEREIRA, 2015, p. 2)

Na dicotomização da relação homem-natureza, instituída nos marcos do cientificismo contemporâneo, a natureza foi apropriada como coisa e transformada em única fonte para a ciência, a técnica e a indústria

6

.

A modernidade é então, esse movimento em que o humano expressa, progressivamente, a megalomania de subordinar toda força natural do mundo.

O surgimento de elementos fundamentais como filosofia e ciência modernas, por exemplo, parecem depender, essencialmente, do amadurecimento e da intensificação do poder difuso e arrebatador dessa nova perspectiva. Segue-se uma tendência natural em que novas ideias acabam por direcionar-se para sua expressão concreta, incidindo na organização da realidade do “novo mundo”

humano. (BATISTELA; BONETI, 2008, p. 1101)

Reduzir a natureza à condição de coisa, subordinada aos interesses da tríade ciência- técnica-indústria, requereu a construção de um “[...] constructo ideacional moderno, que [serviu] de cosmovisão norteadora do desenvolvimento”. (BATISTELA; BONETI, 2008, p.

1101) Esse constructo é capaz de, segundo os autores, ao longo dos anos do desenvolvimento dessa cosmovisão, definir claramente dois padrões que legitimam o lugar da produção do pensamento e o lugar da sua posterior materialização no plano da realidade: o primeiro é o padrão compreensivo da realidade (científico, filosófico, ético – aqui se insere a construção da ideia de natureza); e o segundo é o padrão intervencionista (desenvolvimentista, tecnológico, onde se insere a reificação e o planejamento da natureza propriamente dita) sobre essa mesma realidade. (BATISTELA; BONETI, 2008, p. 1100)

De acordo com os autores Batistela e Boneti (2008), a intensificação de ambos os padrões, simultaneamente, seria explicativa da atual crise ambiental – que se impõe como síntese das crises da razão, do pensamento e, sobretudo, do conhecimento. E se há crise do conhecimento científico é porque

Há cientistas que se interrogam sobre a significação do seu trabalho, sobre a verdadeira significação ou função que a atividade científica deve desempenhar na sociedade, e sobre as responsabilidades que eles devem assumir diante daquilo que fazem. (JAPIASSU, 1986, p. 151)

6 Vide, no apêndice, o texto intitulado Reflexões sobre a importância da crítica ao conhecimento científico, onde buscamos aprofundar a discussão sobre a Epistemologia.

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Portanto, a crise pode ser também um fenômeno positivo, capaz de, ao ser assim acolhida, reorientar os rumos de determinados processos, a partir da tomada de consciência.

Contudo, a palavra crise também tem uma dimensão negativa que, não obstante, é a mais acionada quando do reconhecimento de um desequilíbrio, sendo, justamente, o seu aspecto negativo o mais destacado.

Etimologicamente, a palavra crise deriva do grego krisis que designa escolha, seleção, decisão. De forma geral, a crise pode designar um momento de desequilíbrio, de doença, ou pode designar também uma mudança decisiva no curso de um processo, expressar um conflito, entre outros. (JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p. 46) Em ambos os casos, a crise se expressará como um potencial capaz de conduzir à tomada de consciência do processo e a orientar escolhas e tomada de novas decisões.

A crise ambiental expressa também uma crise do conhecimento moderno, diante de uma imposição na qual a realidade empírica é posta à prova quando deslocada para “[...] fora do mundo que percebemos com os sentidos e de um saber gerado na forja do mundo da vida”.

(LEFF, 2009, p. 18) Em outras palavras, quando é a realidade que deve se adequar à razão e não o inverso, ou seja, quando o mundo só pode ser inteligível na exata medida em que as ciências permitirem que seja. E a ciência o tornará inteligível apenas através dos seus “[...]

juízos implícitos sobre o valor dos pensamentos e das descobertas científicas” e, neste processo, a função da epistemologia crítica será de explicitá-los. (JAPIASSU, 1986, p. 12)

Com isso, o potencial performático imanente ao conhecimento científico, que legitima cientificamente a apropriação da natureza, sustentará todas as transformações sucedidas no plano da realidade, inclusive aquelas que geram os riscos e os eventos ambientais. E, assim, cria-se a sociedade de riscos. (JAPIASSU, 1986; NASCIMENTO; ALENCAR, 2008) É aquela sociedade cuja crença irrestrita nas ciências permite crer que as soluções eminentemente científicas resolverão todos os problemas, os quais muitos deles criados pelas próprias ciências.

(JAPIASSU, 1986). Sobre os riscos, Nascimento e Alencar convergem numa perspectiva epistemológica crítica quando identificam a sua origem no próprio desenvolvimento científico e tecnológico que

Apesar de seus avanços positivos, adicionam a estes uma incerteza quanto ao aproveitamento humano que lhe atribuiu a atividade econômica. Nessa perspectiva é que será abordada, em sua complexidade, a existência de riscos ambientais que, por vezes, se transformam em eventos ambientais.

(NASCIMENTO; ALENCAR, 2008, p. 77)

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Uma sociedade que aceita os riscos e convive com os eventos ambientais, tratando-os como inerentes a sua forma de existir, só o fará porque delegou às ciências, à tecnologia e à indústria a função de dirimi-los, torná-los passíveis de serem “administrados”. Em outras palavras, trata-se de uma condição na qual o homem moderno não

‘Sabe’ mais aquilo que confia ao processo de que é a origem. Quer dizer: não sabe mais aquilo que pode. Portanto, não pode mais aquilo que pode. Porque não é mais ele quem pode, mas o próprio poder da ciência realizada em técnica. (JAPIASSU, 1986, p. 154)

O homem moderno, ao delegar a ação de refletir e agir no mundo ao qual pertence às ciências, à técnica e à indústria, transformou-se num alienado. A palavra alienação deriva do latim alienatio, de alienare, quer dizer transferir para outrem, alucinar, perturbar. De forma geral, o termo designa o “[...] estado do indivíduo que não mais se pertence, que não detém o controle de si mesmo ou que se vê privado de seus direitos fundamentais, passando a ser considerado uma coisa”. (JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p. 10).

Segundo Hegel (2001), a alienação é a ausência de consciência da realidade. Em Marx, a alienação, além da perda de consciência da realidade, tem um sentido de estranhamento dos seres humanos com relação à natureza. E está relacionada ao processo de perda da essência humana, na qual o homem é transformado em coisa, é reificado. Isto seria a consequência do afastamento do homem do seu trabalho e da imediata privação do produto que resulta do seu trabalho – pela propriedade privada, com a divisão do trabalho. (JAPIASSU; MARCONDES, 2001; FOSTER, 2005; BARROS, 2011)

Para Japiassu (1986, p. 154), o homem moderno se tornou um alienado quando “[...]

delegou sua ciência físico-química aos mísseis [...], seu saber aos computadores, aos programas, aos processos de automação e da cibernética social.” Para além de um fenômeno de ausência da realidade ou de estranhamento da realidade “na técnica ou pela técnica” (JAPIASSU;

MARCONDES, 2011, p. 10), a alienação também se expressa na relação do homem com o mundo. Nesse sentido, o homem “[...] não somente se perde em sua produção, mas perde seu próprio mundo. Que é ocultado, esterilizado, banalizado e desencantado pela técnica.”

(JAPIASSU; MARCONDES, 2011, p. 10)

Logo, o homem quando abandona o processo reflexivo perde a sua capacidade de se

perceber no mundo, acirrando ainda mais, no plano da realidade experimentada, a dicotomia da

relação homem-natureza. Quem comandará todo esse processo será a racionalidade científica

que “[...] transforma-se em ideologia, a partir do momento em que pretende impor-se como a

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única forma de racionalidade possível.” (JAPIASSU, 1986, p. 154) No âmbito da própria ciência, essa mesma racionalidade que inspira a neutralidade científica é também objeto de crítica, sobretudo, na relação entre o sujeito-objeto.

Ao discutir criticamente sobre o método científico, Cardoso (1971) partiu do reconhecimento das limitações contidas no caminho da neutralidade científica, quando o sujeito, aquele que conhece, deveria organizar o seu pensamento durante o processo de apreensão do objeto, de forma a não causar interferências. Garantiria, com isso, que o objeto fosse, apenas dessa forma, capturado “em toda a sua pureza.” (CARDOSO, 1971, p. 63)

Essa seria a principal limitação da neutralidade científica na relação sujeito-objeto, pois, dirá a autora, que o “[...] pensamento não existe independente de alguém que pense ao mesmo tempo [em] que só existe como coisa pensada” (CARDOSO, 1971, p. 63-64). Logo, o sujeito estará, em maior ou menor grau, influenciado e, também, comprometido por aspectos diversos que podem, inclusive, não ser reconhecidos cognitivamente por ele próprio.

Tais aspectos são resultado do que é incorporado pelo sujeito pelo convívio em sociedade, com seus costumes, cultura, religião, entre outros. Desse entendimento resulta a denominação de “sujeito portador”, desenvolvido pela autora. Admitindo-se, pois, a existência de uma constituição cognitiva previamente elaborada, por assim dizer, que é capaz de influenciar todo o processo de apreensão do objeto e que não pode ser desprezada.

Esse movimento estaria longe de poluir

7

a relação sujeito-objeto, ao contrário, seria capaz de conduzir a uma espécie de alinhamento entre aquilo que a teoria explica e aquilo que a realidade informa, conclui a autora. Logo, a experiência é acolhida como um potencial na relação sujeito-objeto. Um potencial não estático, mas permanentemente em transformação, como a própria realidade.

A realidade, para Cardoso (1971), se constitui como desafio e apreendê-la também. A ideia de controle deve, na perspectiva da autora, ser substituída pelo desenvolvimento de uma atitude aberta e crítica, por uma “[...] atenção vigilante e metódica.” (CARDOSO, 1971, p. 67)

Nesse processo, a condição de portador do sujeito empírico é deslindada, tanto ao atuar inconscientemente como “portador de uma cultura [...]; de uma linguagem que lhe estrutura o pensamento [...]” (CARDOSO, 1971, p. 67), quanto ao atuar conscientemente como “[...]

7 Adotou-se palavra “poluir” com o intuito de alinharmo-nos à compreensão da autora, quando faz a crítica à neutralidade e usa a expressão “em toda a sua pureza” (CARDOSO, 1972, p. 63) para designar a forma como a relação S-O é pretendida pelo processo cartesiano.

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portador de tudo o que já acredita saber respeito das coisas [...] constituindo as pré-noções e, através das teorias codificadas que lhe servem de apoio, fornecendo-lhe as noções a respeito do que procura (conceitos, relações, previsões)”. (CARDOSO, 1971, p. 67)

Logo, o movimento deverá ser o inverso daquele ao qual o método cartesiano ensina:

ao invés de o sujeito adequar o seu pensamento aos conceitos, teorias, subordinando-se a esses referenciais, ele deverá transformá-los em suporte, segundo as suas demandas, subordinando- os às suas necessidades de entendimento e reforço teórico.

Acolher essa condição, que resulta da experiência que caracteriza o conhecimento vulgar (mas também real) e que pode ser trazida pelo sujeito, implica na perspectiva da ciência formal num descrédito dela própria. Embora a ciência formal também se volte para essa realidade, como diz Cardoso, ela o fará apenas a partir dos seus esquemas teóricos e metodológicos específicos e “[...] em relação a realidades específicas”, buscando também resultados específicos a partir de métodos e técnicas que “não se servem” da ciência, mas, servem-na. (CARDOSO, 1971, p. 92)

O processo de elaboração do conhecimento capaz de conduzir a uma apreensão do objeto, não pura, mas humanizada, por acolher também a experiência do sujeito e, dessa forma, relacional, será reforçado a partir da contribuição da autora quando considera que

No fundo, é a realidade que importa, mas não é ela que comanda o processo de sua própria inteligibilidade. [...]. Ela é capaz de nos sensibilizar, ela fornece elementos que os sentidos podem captar. Eles serão percebidos, apreendidos, interpretados [...] estas formulações estão presentes em todo o processo. Elas orientam a percepção (não resta nenhuma dúvida quanto à seletividade perceptiva). Elas guiam a apreensão e a interpretação. Elas fornecem os critérios, apenas em parte conscientes, segundo os quais alguns aspectos ganham relevância, enquanto outros são esquecidos. Com elas se formulam as questões para as quais se buscam respostas no real.

(CARDOSO, 1971, p. 65, grifo nosso).

Nesse sentido, o interesse do sujeito por um determinado objeto de estudo não nasce ao acaso, podendo o objeto ser determinado a partir de conteúdos subjetivos trazidos pelo sujeito (portador), ainda que este não os reconheça. Nesse ponto, para avançar a discussão sobre a relação sujeito-objeto, a autora problematiza considerando que “[...] a realidade ela mesma só se torna objeto como termo de relação, como coisa pensada. Se a explicação é diversa, a própria realidade que ela agora explica diferentemente aparecerá diversa.” (CARDOSO, 1971, p. 65)

O aspecto relacional é identificado, valorizado e sua importância reconhecida,

especialmente quando a autora, alinhando sua elaboração às bases teóricas de Bachelard,

(29)

apreende a compreensão desse autor sobre a importância da experiência

8

e da reflexão, considerando que:

[...] a reflexão que nos leva a analisar o pensamento que conhece traz indicações de que o importante aqui é a relação entre a teoria explicadora e aquilo que ela explica, relação que se apresenta no objeto do conhecimento:

fato científico construído. [...] A verdade do resultado teórico deste trabalho diz da sua adequação à realidade, ou seja, a capacidade explicativa diante do próprio objeto que ele se propõe, o que exige que se recorra à experiência.

(BACHELARD, 1968 apud CARDOSO, 1971, p. 65-66)

É no caminho de reflexões críticas de caráter epistemológico e metodológico que se reconhece “[...] a necessidade de considerar o outro, científico ou não.” (ALENCAR, 2005, p.

268), no processo de produção do conhecimento científico. Disto resulta a responsabilidade de não comprometer e/ou fragmentar realidades, durante a produção científica. Morin

9

discute sobre a responsabilidade científica, considerando que se trata de uma “[...] noção humanística ética que só tem sentido para o sujeito consciente” (MORIN, 2010, p. 117)

Essa condição de consciência do sujeito estará presente na discussão sobre a ética e sua aplicação na ciência moderna, de onde se reconhece que está em Sócrates e em suas reflexões a

“[...] origem [do] sujeito ético e moral, aquele que, ao praticar uma ação, está consciente do seu significado, da sua finalidade e das suas convicções.” (BAIARDI, 2013, p. 35)

A conduta consciente do sujeito socrático pode ser considerada inteiramente responsável, pois é inteiramente consciente dos efeitos de suas ações na realidade.

Contraditoriamente, para a ciência moderna, a noção de responsabilidade não tem sentido, pois nela a ação do sujeito não é refletida, estando protegida pela neutralidade científica. Nessa perspectiva, diz Morin (2010, p. 217), que a “[...] responsabilidade é, portanto, não sentido e não ciência. O pesquisador é irresponsável por princípio e profissão.”

Responsabilidade, dessa forma, se perde no racionalismo e na neutralidade, ambos de caráter positivista e que não consideram o poder performático da ciência na sociedade e, consequentemente, os danos que podem causar objetivamente à vida das pessoas. Nessa perspectiva, os sentidos humanísticos e éticos estarão seriamente comprometidos.

8 Por experiência, a autora cuida de dizer que se refere “[...] muito mais certamente ao controle experimental, entendendo-o da forma mais aberta possível, embora precisa e específica em cada caso particular. Esse controle e essa abertura é que constituem a pedra toque do trabalho propriamente científico. (CARDOSO, 1971, p. 66)

9 No capítulo intitulado A responsabilidade do pesquisador perante a sociedade e o homem, Edgar Morin informa que discutiu esse tema durante um simpósio consagrado ao método. (MORIN, 2010, p. 117)

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Em assim sendo, a responsabilidade se transforma numa palavra destituída desses sentidos e passível de ser usada para justificar graves erros: “[...] a questão da responsabilidade do investigador perante a sociedade é, portanto, uma tragédia histórica e seu terrível atraso em relação à urgência torna-a ainda mais urgente.” (MORIN, 2010, p. 220)

Einstein, por exemplo, se sentia “[...] profundamente responsável perante a humanidade, quando primeiro lutou contra todos os preparativos militares”, mas depois interveio “[...]

insistentemente para a construção da bomba atômica”. (MORIN, 2010, p. 117) Ou, como é observado por Arendt, com um sentido outro que não apenas o da responsabilidade, mas ao refletir sobre a perda do poder do discurso, quando considerou, ironicamente, a postura dos cientistas frente à criação e ativação da bomba atômica, diante da

[...] falta de ‘caráter’ – que não tenham se recusado a desenvolver armas atômicas –, nem sua ingenuidade – que não tenham compreendido que, uma vez desenvolvidas tais armas, eles seriam os últimos a ser consultados quanto ao seu emprego. (ARENDT, 2014, p. 4)

Tais posturas, segundo Morin (2013), são resultantes de duas ilusões: A primeira, na qual se presume a existência de “[...] consciência política de base científica que possa guiar o pesquisador: toda teoria política que se pretende científica tende a monopolizar a qualidade da ciência, revelando, assim, sua anticientificidade”; e a segunda ilusão presume que a existência de uma “[...] consciência moral é suficiente para que a ação que desencadeia tome sentido de seu objetivo”. (MORIN, 2013, p. 121)

Desconstruir essas ilusões implica, necessariamente, na tomada de consciência do sujeito (portador) sobre as limitações do fazer científico e as implicações deste com a realidade, com reflexos diretos e, muitas vezes, danosos à vida das pessoas. Implica considerar a dinâmica complexa e diversa da realidade social, com suas contradições, frente ao isolamento positivista disciplinar. (MORIN, 2013, p. 121)

Em síntese, “[...] é preciso que o meio científico possa pôr em crise aquilo que lhe parece evidente” e que construa a necessidade de “[...] elaborar uma ciência da ciência”, ou seja, é preciso criar uma condição na qual o conhecimento científico seja constantemente refletido, questionado, posto para fora das zonas de conforto criadas pelos cientistas, durante e após a conclusão de uma pesquisa, um estudo, entre outros. (MORIN, 2013, p. 121)

Logo, não haverá solução imediata para resolver esse problema que não perpasse

anteriormente por uma recondução crítica epistemológica. Nesse sentido, a complexidade se

(31)

apresenta como um potencial a ser explorado, dado seu caráter recursivo e integrador, especialmente por se desenvolver e se estruturar apoiada em princípios próprios da dialética

10

.

E tal qual a dialética “[...] opõe-se necessariamente ao dogmatismo ao reducionismo, portanto é sempre aberta, inacabada, superando-se constantemente” (GADOTTI, 1988, p. 38), a complexidade o fará, considerando a ciência formal como uma ciência simplificadora, porque

“[...] separa o que está ligado (disjunção), ou unifica o que é diverso (redução)”. (MORIN, 2010, p. 59) Logo, a relação interativa sujeito-objeto, a mudança permanente, a contradição e o qualitativo são perceptíveis e se constituem para a complexidade uma orientação contra hegemônica de fazer científico, mais humanizada.

Ao nos propormos religar as categorias Natureza, Reificação e Planejamento, discursivamente, a partir da epistemologia crítica, compreendemos tratar-se de uma tarefa possível apenas diante do suporte reflexivo que ela oferece. Religar é uma palavra que deriva do latim religo e se refere ao ato de tornar a ligar, contudo, aqui estamos cientes que apenas pela categoria Natureza é possível promover tal coisa. Religar, na perspectiva discursiva que nos orienta, também se refere ao exercício de tomada de consciência por meio da diversidade de concepções de Natureza e de como cada uma delas

11

contém em si possibilidades de compreender o mundo e as relações e interações que nele são estabelecidas.

Nos marcos de uma orientação epistemológica crítica, diversa, complexa e, por tudo isso, dialética, tivemos nosso caminho sustentado mediante a contribuição de diversos autores, que se debruçaram em reflexões sobre cada uma das categorias mencionadas.

Com isso foi possível reconhecer que uma concepção de Natureza foi apropriada para conduzir, por meio do planejamento, o processo de produção socioespacial metropolitano.

Disto resulta que, pela ação performática do conhecimento científico – operacionalizado pela tecnologia e pela indústria, refletindo interesses econômicos e políticos –, verificado durante o processo de produção e organização do espaço metropolitano de Salvador, a apropriação da natureza também conduzirá a um processo de reificação com a degradação das águas, onde as consequentes tensões pelo seu uso emergiram e se intensificaram a despeito da existência do planejamento em si.

10 Princípios da dialética: 1º Tudo se relaciona (princípio da totalidade), 2º Tudo se transforma (princípio do movimento), 3º Mudança qualitativa (princípio da mudança qualitativa) e, 4º Unidade e luta de contrários (princípio da contradição). (GADOTTI, 1988, p. 26).

11 Cada uma das concepções de Natureza que foram apropriadas neste estudo.

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1.1 A NATUREZA

Dentre as grandes questões humanas, a Natureza

12

ocupa lugar de destaque, cujo caminho de reflexões foi trilhado por muitos estudiosos, em diferentes momentos da história do pensamento ocidental.

Desde os pré-socráticos conhecidos como “filósofos da natureza”, em 600 a.C., as questões filosóficas a respeito da Natureza figuram como objeto de grande interesse e, muitos pensadores buscaram perscrutá-la e apreendê-la em suas múltiplas dimensões. Assim, “[...] lo sforzo di spiegare che cosa sia la natura e quale la logica del suo comportamento, ancora prima di essere un tema capitale della ricerca filosofica, è perseguito già dal mito nella Grecia arcaica”

13

. (VIDALE; BONIOLO, 2013, p. 3).

Quanto mais o homem se interessava pela natureza, mais deslindava os seus “mistérios”

e, dessa forma, avançava em compreensão de forma como passou da estranheza ao deslumbre, do mito à magia, do espírito à razão e, por fim, à sua desnaturalização com o fenômeno da reificação.

Construiu-se, ao longo da história do pensamento ocidental, um caminho de diversidade acerca das possibilidades de entendimento e de como assimilar conceitualmente a Natureza, para o qual as questões orientadas pelo caráter ontológico (o que é realidade?), a priori, conduziram e legitimaram as de caráter epistemológico (o que é o conhecimento?).

(LENOBLE, 1969; ENGELES, 1979; WHITEHEAD, 1993; MERLEAU-PONTY, 2006; UTZ;

SOARES, 2010 entre outros)

Contudo, vale ressaltar que a busca para alcançar o entendimento acerca do conceito de Natureza, neste estudo, teve início com as reflexões e discussões empreendidas por dois pensadores, em especial: Robert Lenoble (1969) e Maurice Merleau-Ponty (2006)

14

. As reflexões

12 Neste estudo, buscou-se estabelecer uma diferença entre Natureza e natureza. Quando nos referirmos à Natureza, estaremos situando nossa reflexão nos domínios do conhecimento, apenas. O contrário se verificará quando nos referimos à natureza. Ao fazê-lo situaremos nossa reflexão à sua existência empírica. Outra distinção foi estabelecida quando nos referimos ao conceito ou ideia de Natureza e à noção de Natureza. Cabe informar que conceito e ideia são tratados neste estudo como sinônimos e, em grande medida, situados nos domínios do idealismo. Ao contrário de noção, que está sendo utilizada segundo as especificidades e singularidades da realidade socioespacial que se estuda, mais próxima, dessa forma, do método materialista.

13 O esforço de explicar o que é Natureza e qual a lógica do seu comportamento, mesmo antes de ser um tema capital da pesquisa filosófica, é perseguido desde o mito na Grécia Antiga. (tradução nossa)

14 A escolha desses autores, em especial, se deve ao fato de, respectivamente, terem sido os primeiros autores com os quais iniciamos nossa trajetória em busca do entendimento sobre Natureza. Salientamos que a narrativa dessa construção seguirá o fluxo do acesso às referências bibliográficas e não a periodização do conhecimento publicado

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sobre a Natureza, presentes na contribuição inicial desses pensadores, nos permitiram ampliar a pesquisa sobre o tema, inserindo a contribuição de outros autores, tais como: Pascal, [1670];

Engels, 1979; Whitehead, 1993; Souza, 1996; Marx e Engels, 2001; Hegel, 2001; Gomes, 2004;

Batistela e Boneti, 2008; Valladares, 2008; Martins, 2009; Utz e Soares, 2010; Zebina, 2013;

Belan, 2013; Nobrega, 2014, e outros.

Robert Lenoble (1969) e Maurice Merleau-Ponty (2006) se dedicaram à discussão sobre a Natureza, utilizando diferentes abordagens: em Lenoble (1969), encontra-se o histórico da mudança da ideia de Natureza, no contexto da cultura ocidental, onde o autor demonstra que, nesse processo, a observação da Natureza pelo homem esteve intimamente relacionada ao movimento dinâmico de cada tempo histórico. Em Merleau-Ponty (2006), a discussão filosófica sobre a Natureza está apoiada na história da evolução do pensamento científico, onde ele demonstra como a noção de Natureza foi apropriada por vários filósofos da modernidade

15

.

Para Lenoble, a história da Natureza é também a história do homem. Pois, tudo indica que o homem sempre se ocupou de observar e conhecer a natureza, de esmiúça-la, atividade tão antiga quanto sua própria história. (LENOBLE, 1969) Foi compreendendo a Natureza que o homem pôde falar de si próprio, de sua capacidade de superação, de aprendizagem e de adaptação.

Na natureza, os primitivos procuram compreender a vontade dos deuses do mar, dos vulcões e dos rios; Aristóteles, uma hierarquia de formas organizadas; Descartes e os Modernos, as alavancas de uma máquina em que

“tudo se passa por número e movimento”; [...] Basta apontar estes poucos exemplos para compreender que, se o mundo permanece idêntico a ele mesmo, pode tomar para o homem rostos completamente diferentes. [...]

Numa palavra, sempre se observou a Natureza, só que não era a mesma.

(LENOBLE, 1969, p. 28)

E não poderia ser a mesma Natureza ao longo dos tempos históricos, pois quem a observava também não era o mesmo sujeito. Ou seja, os homens e seus sistemas de valores e crenças também mudaram e essas mudanças são as responsáveis por haver, circunscrita em cada época da história do homem, uma concepção ou ideia diferente de Natureza.

pelos autores consultados. Os autores guardam certas particularidades: a primeira, é que ambos não escreveram propriamente as obras em destaque. Suas obras são resultado do esforço de terceiros em compilar textos, resumos, notas e apontamentos de aula feitos por alunos, no caso de Merleau-Ponty. A segunda diz respeito à presença em suas obras de explicações cujo universo da experiência e percepção é comumente requisitado.

15 De acordo com Nóbrega (2014, p. 1177), ao estudar a noção de Natureza em Merleau-Ponty, é preciso estar atento ao fato de que esse pensador não a desenvolveu tendo como base as alternativas clássicas da ciência e da filosofia.

Essa postura do Merleau-Ponty esteve fortemente influenciada do pensador Alfred North Whitehead.

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A importância em perscrutar a natureza jamais será questionada, ao contrário, todo esforço em conhecê-la e dela se ocupar encontrará amparo nas inúmeras possibilidades que dela emergem e que passaram a ser reconhecidas como fundamentais ao pleno desenvolvimento da sociedade. Joseph Beaude (1964) assevera que a ideia de Natureza esmiuçada por Lenoble

[...] é inteiramente a história dos esforços que a consciência faz para se libertar dos seus medos e de suas angústias secretas: e uma libertação da alma corresponde uma idéia mais justa das coisas. [...].

A história da idéia da Natureza não visa senão delinear o devir desta unidade fundamental, é uma história da percepção [...]. Creio que só uma psicologia completa da percepção desvendaria o segredo das variações do homem nas suas relações com a Natureza. (BEAUDE, 1964 apud LENOBLE, 1969, p. 21-24) Seria, na perspectiva desse autor, a diversidade de percepções e de consciências individuais e coletivas que orientam a apropriação subjetiva da Natureza, estando de acordo com os sistemas de valores e ideologias vigentes. Serão também “[...] as racionalizações científicas, das teorias estéticas e das doutrinas morais” que condicionam a existência da diversidade de ideias de Natureza (LENOBLE, 1969, p. 24), pois também condicionam a forma como se deve pensar a Natureza.

Desse entendimento do autor emerge a dimensão interdisciplinar contida no processo de apreensão da ideia de Natureza, uma vez que, como reconhece Lenoble, ela fala ao campo do sábio, do artista, do filósofo, do homem em geral. E, embora a racionalidade dominante imponha uma única concepção de Natureza, não se deve esquecer que, ainda assim, a Natureza se manifestará como experiência – individual e/ou coletiva –, de formas variadas, num mesmo tempo/espaço e simultaneamente. (LENOBLE, 1969)

Mas, o que é Natureza, afinal?

Etimologicamente, Natureza é uma palavra cuja polissemia pode conduzir ao risco de esvaziamento dos seus significados mais profundos e primordiais. Lenoble (1969, p. 183) alertará que “[...] como todas as palavras que designam uma ideia muito geral, a palavra Natureza parece clara quando a empregamos mas, quando sobre ela refletimos, parece-nos complexa e talvez mesmo obscura.”

Sobre a imprecisão da palavra Natureza, Lenoble indica haver pelo menos 29 sentidos,

no famoso dicionário Le Littré, que se subdividem em diversas acepções. (LENOBLE, 1969,

p. 184) Para ilustrar em língua portuguesa os sentidos da palavra Natureza, encontramos seis

acepções diferentes indicadas no Dicionário básico de filosofia (JAPIASSU; MARCONDES,

2001), que variam desde o sentido primordial, ao classificatório e ao lexical, como

demonstrado a seguir:

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