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CAPÍTULO 1- A EVOLUÇÃO RECENTE DA POLÍTICA CURRICULAR

1.2 A Reorganização Curricular do Ensino Básico – O Decreto-Lei nº

1.2.2. As Novas Áreas Curriculares

1.2.2.3. A Área de Formação Cívica

Para compreender a época em que vivemos, não basta olhar à nossa volta (local), é sempre necessário atender ao que se passa no mundo (global), tendo em conta a cada vez maior dependência, entre o global e o local (Perrenoud, 2002)81,

a que Azevedo (2007), apelida de “glocal”. Assim, no tempo de hoje, na sociedade da informação e do conhecimento, a informação em tempo real, as catadupas de informação, exigem um cada vez maior discernimento das pessoas, de modo a saberem distinguir o essencial do acessório, a transformar informação em conhe-

81 “Pertencemos todos ao mesmo planeta mas, contrariamente às esperanças ingénuas, os particularismos reforçaram- se, o racismo não desapareceu e as guerras de religião reapareceram. Os jovens terão de cultivar uma 'dupla cidadania': aprender a conceber-se e a agir como cidadãos da Terra, sem cessarem de pertencer a comunidades mais restritas, e tendo em conta as múltiplas interdependências entre o local e o global” (p. 122).

cimento que permita tomar decisões. Os indivíduos para exercerem a sua cidada- nia, isto é, o conjunto de direitos e deveres para com a sociedade, para se torna- rem participativos, solidários e ativos, numa sociedade cada vez mais multicultural e étnica, necessitam de desenvolver as dimensões de uma cidadania democrática, de uma cidadania social, uma cidadania paritária, uma cidadania intercultural e uma cidadania ambiental. (Carneiro, 2003)82.

Que funções atribuir à escola de hoje? Terá a escola apenas um mandato para transmitir conhecimentos e desenvolver competências? Ou, para além deste man- dato, também fica responsável pela educação moral e social dos alunos?

A resposta parece-nos óbvia. É vertido na Lei de Bases do Sistema Educativo, que a escola deve “responder às necessidades da realidade social, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários” (LBSE, art.º 2, ponto 4), bem como formar cidadãos respeitadores das liberdades dos outros, de espírito democrático e pluralista, capazes de intervir com espírito crítico e respon- sável no meio social onde se inserem (ibidem, art.º 2, ponto 5) e ainda “ assegurar a formação cívica e moral dos jovens” (ibidem, art.º 3, alínea c).

Pelo que se infere, cabe à escola proporcionar aos jovens as vivências e expe- riências necessárias que lhes permitam desenvolver a capacidade de entender o outro como ser diferente, nas suas capacidades, nas suas opiniões e na sua cultu- ra. Os processos de imigração a que os estados europeus estão sujeitos, nomea- damente em Portugal, trouxeram à escola novos públicos de origens e culturas diferentes, com que temos de aprender a viver e conviver. É também neste sentido que se inscreve a educação cívica, preconizada na reorganização curricular na lei 6/2001 de 18 de dezembro 83.

82 O autor refere-se às cinco dimensões do seguinte modo: “cidadania democrática recolhe no pluralismo o oxigénio indispensável para florescer”(p.265); cidadania social – “ Não há nova cidadania plena sem forte apropriação dos direitos e deveres sociais de cada cidadão” (p.265); cidadania paritária – a igualdade de direitos e deveres sem descriminação sexual; cidadania intercultural – “ A cidadania intercultural elege o diálogo entre culturas como o ativo mais importante na gestão da diferença e na valorização da diversidade”(p.267); cidadania ambiental – “ … investe na qualidade total do ecossistema e na sua preservação …. Uma cidadania que em valores comportamentais e éticas de relacionamento dos homens entre si e com a natureza viva ou inanimada, cuja diversidade é seu mister e obrigação acarinhar” (pp. 267-268)

83 No seu artigo 5º, ponto: ” Formação cívica, espaço privilegiado para o desenvolvimento da Educação para a cidadania, visando o desenvolvimento da consciência cívica dos alunos, como elemento fundamental no processo de formação de cidadãos responsáveis, críticos, ativos e intervenientes, com recurso, nomeadamente, ao intercâmbio de experiencias vividas

Abrantes (2001) refere a este propósito que a educação para a cidadania tem um caráter transversal e, portanto, é da responsabilidade de todos os professores da turma, com o objetivo de “contribuir para a construção da identidade e o desen- volvimento da consciência cívica dos alunos” (p.54). No entanto, o autor salienta que o espaço privilegiado é o da área curricular não disciplinar (ACND) de forma- ção cívica, espaço que deve contribuir para a reflexão sobre situações vividas pelos alunos, constituindo “ um espaço de diálogo …e preocupações sentidas pelos alunos e sobre questões relativas a sua participação individual e coletiva na vida da turma, da escola e da comunidade” (p.55). Isto não é mais do que o que preconiza o documento Dellors (2005)84, “aprender a viver juntos”, uma das compe- tências essenciais no mundo globalizado de hoje.

A educação para a cidadania desenvolve-se também, de acordo com o espírito da lei, em articulação com as áreas curriculares não disciplinares, através da exe- cução de projetos elencados no âmbito do projeto curricular de turma.

Em síntese, a educação para a cidadania visa a transformação dos alunos em cidadãos responsáveis, inclusivos, intervenientes, críticos, solidários, tolerantes, e capazes de se mover num mundo globalizado e conduzir através da sociedade do conhecimento.

1.2.2.3.2. A Formação Cívica como Área de Curricular

No enquadramento jurídico português relativo à educação,85bem como na sociedade global e do conhecimento em que vivemos, faz todo o sentido propor- cionar aos jovens um espaço “de diálogo e reflexão”86 capaz de desenvolver as competências de” aprender a viver juntos e aprender a ser”, referidas como dois

84 Os autores identificam os quatro pilares da educação do futuro: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser.

85 Referimo-nos, nomeadamente à Constituição da República, concretamente no artigo 73º que refere a importância da educação para a cidadania. Bem como à Lei de Bases do sistema educativo, nomeadamente no seu artigo 7º alínea n) :” Proporcionar, em liberdade de consciência, a aquisição de noções de educação cívica e moral”

86 De acordo com o Decreto-lei 6/2001 de 18 de janeiro, a área curricular de Formação Cívica define-se: “Como um espaço privilegiado para o desenvolvimento da educação para a cidadania, visando o desenvolvimento da consciência cívica dos alunos como elemento fundamental no processo de formação de cidadãos responsáveis, críticos, ativos e intervenientes com recurso, nomeadamente ao intercâmbio de experiências vividas pelos alunos e à sua participação, individual e coletiva, na vida da turma, da escola e da comunidade”.

dos quatro pilares da educação no século XXI, definidos pela Comissão Internacio- nal para a Educação (Carneiro, 2003).

Assim, a reorganização curricular que temos vindo a descrever, ao criar a área curricular de formação cívica, tem como objetivos o desenvolvimento de cidadãos “ responsáveis, críticos, ativos e intervenientes”, conhecedores dos seus direitos e deveres para com a sociedade em geral, de forma a construir uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva. Esta área curricular a que é dedicado um tempo de 45 minutos, deve ser orientada pelo Diretor de Turma, a partir de um plano conce- bido em Conselho de Turma e vertido no respetivo Projeto Curricular.

É precisamente na convicção da necessidade de uma nova cidadania87 de que nos fala Carneiro (2003, pp.265-267), assente em cinco dimensões a descrever: i- A cidadania democrática - com base na declaração universal dos direitos do

homem, todos são aceites, os valores como a igualdade, fraternidade e a paz, estão sempre presentes e fazem parte da formação consciente e refle- xiva de todos os membros da comunidade. “A cidadania democrática recolhe no pluralismo o oxigénio indispensável para florescer” (ibidem, p.265). Assim, tanto a formação para descodificar a informação que nos chega a partir da comunicação social, mas também a capacidade de defesa pessoal contra campanhas publicitárias agressivas, devem constar dos planos das competências a adquirir pelos alunos;

ii- A cidadania social – a consciência dos cidadãos acerca do mundo que os

rodeia, deve ser formada no espírito da solidariedade e da justiça. O cidadão não pode ficar indiferente aos vários formatos da exclusão social, nem da justiça que “ pressupõe um agir dirigido à defesa dos mais fracos e caren- ciados, pela congregação de meios de discriminação positiva mobilizados a seu favor” (ibidem, p.266). A participação ativa na sociedade, exercendo o voluntariado social, é um valor a fomentar no sentido de desenvolver “ com- petências críticas que propiciem a capacidade de viver em harmonia com os outros” (ibidem,p.266).

87 “ A cidadania emerge sempre que se torna possível a um indivíduo construir um vínculo (o qual transcende o ponto de vista legal) com um determinado espaço público comunitário, gerando um compromisso social e afetivo que se traduz tanto na exigência de direitos como em assunção de responsabilidades” ( Figueiredo C., Horizontes da Educação para a Cidadania na Educação Básica, p.52).

iii- Uma cidadania paritária – o princípio de que os cidadãos gozam dos mes-

mos direitos e deveres, independentemente da cor de pele, da religião da língua e do sexo, deve ser para aprofundar e interiorizar por todos os cida- dãos. A paridade entre homens e mulheres é um conceito inalienável e “rigo- rosamente indispensável para o progresso humano, social e democrático”; (ibidem), assim “a libertação de preconceito faz parte integrante da nova cidadania” numa sociedade que deve “ convocar para cada tarefa, para cada posto, para cada combate cívico o melhor de entre os cidadãos” (ibidem); iv- Uma cidadania intercultural – Num tempo em que os cidadãos se movimen-

tam com muita facilidade; estamos confrontados com o multiculturalismo, fru- to de migrações das pessoas em procura de melhores condições de vida. “A cidadania intercultural elege o diálogo entre culturas como o ativo mais importante na gestão da diferença e na valorização da diversidade” (ibidem, p.267). Nos jovens devem ser desenvolvidas competências “relacionais e comunicacionais” capazes de estabelecer a ponte entre as diversas culturas e promover assim um diálogo intercultural frutuoso para todos;

v- Uma cidadania ambiental – O desenvolvimento sustentável é hoje um impe-

rativo mundial; o homem não pode continuar a permanente agressão ao sis- tema ecológico, pondo em risco o futuro da humanidade. Aos cidadãos impõe-se uma “ nova ética de relação com a natureza … a qual existe para benefício de sucessivas gerações humanas e não apenas para fruição das gerações atuais”. Assim a defesa do ambiente e a sensibilização para a sua racional utilização, devem fazer parte integrante da formação cívica de cada aluno, “assente em valores comportamentais e éticas de relacionamento dos homens entre si e com a natureza viva e inanimada” (Carneiro, 2003, p.268). A Formação Cívica como refere Figueiredo (2002, p.64), deve ser um espaço desenvolvido a partir das experiências dos alunos no seu convívio com os outros no seio de uma turma, onde cada um aprende a “funcionar de forma democrática” a competir e a colaborar, “bem como analisar e debater aspetos tais como responsa- bilidade, poder, liderança, estilo de liderança, conflito e resolução positiva do mes- mo “.

O papel do professor responsável por esta área que, em regra, é o Diretor de Turma, será o de dinamizar o debate e a reflexão sobre “aspetos da vida social e cívica” e o de proporcionar “o contacto com iniciativas sociais, com instituições e análises de histórias de vida” (ibidem, p.65), a partir de recursos tais como “ guiões documentos, legislação importante para a área” bem como de iniciativas dos alu- nos.

A área curricular não disciplinar de Formação Cívica é, assim, um dos pilares em que assenta a formação pessoal e social dos alunos, que deve ser transversal a todas as áreas curriculares disciplinares e não disciplinares, e desenvolvida no âmbito do Projeto Educativo de Escola (onde estão plasmadas as condições e características do meio onde se insere a Escola e as metas a atingir no desenvol- vimento da cidadania da população escolar). A educação para a cidadania, é assim, da responsabilidade de todos os professores da turma88, aquela pode ser desenvolvida a partir dos currículos de cada disciplina.

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