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A Implementação do Projeto de Gestão Flexível do Currículo

CAPÍTULO 1- A EVOLUÇÃO RECENTE DA POLÍTICA CURRICULAR

1.1.3. O Projeto de Gestão Flexível do Currículo

1.1.3.2. A Implementação do Projeto de Gestão Flexível do Currículo

O currículo para todos foi durante longos anos constituído por um conjunto mais ou menos desarticulado dos saberes das várias disciplinas distribuídos ano a ano do percur- so escolar do aluno, organizados em programas com caráter prescritivo a que professo- res e alunos estavam oficialmente vinculados. Professores e alunos tinham que cumprir o programa (Peralta, s/d.,p.14)

A escola de hoje integra alunos que refletem um mundo de diferenças, que têm a ver com: ” a origem socioeconómica, o não domínio da linguagem de comunica- ção da escola, a proximidade ou afastamento da cultura inscrita no currículo esco- lar, as perceções do papel da escola no futuro dos indivíduos, as expectativas em relação à escola e ao futuro social, a pertença a etnias e /ou culturas minoritárias, as deficiências de vário tipo e grau, as diferenças de rendimento escolar e a singu- laridade de cada indivíduo. (Diogo 2006, p.206)

É pois da necessidade de responder àquela heterogeneidade, sem exclusões, que devemos também valorizar a cultura dos alunos, de forma a reduzir os índices de abandono e insucesso escolar, contribuindo em simultâneo para induzir o res- peito pela “diferença“ e o desenvolvimento de uma sociedade tolerante e democrá- tica.

A análise da heterogeneidade das nossas escolas, como ponto de partida para uma decisão de como ensinar e o que ensinar (Roldão, 1999), na perspetiva de atingir “metas comuns de aprendizagem”, levar-nos-á a aplicar “diferentes propos- tas curriculares” e a utilizar formas de aprendizagens que sejam significativas para os alunos, bem como a implementar um projeto de escola de acordo com o contex- to da mesma.

Como diz Galvão (2002, p.102), “ é urgente modificar aquela que tem sido a função dominante dos professores – lecionar uma longa lista de conteúdos, planifi- cados de forma sequencial e rígida desde o início do ano letivo, ainda antes de conhecer os alunos e os seus interesses”. Para tal desiderato, a atitude do profes- sor passa a ser, também, a de gestor e construtor de currículo51.

51 “Estabelecidas as metas educativas e as finalidades a alcançar pelo currículo nacional, designadamente no que diz respeito às aprendizagens consideradas fundamentais nas diversas áreas do currículo, há então de procurar vários caminhos

Deste modo, a flexibilização e gestão curricular, torna-se no dizer de Lopes (2003), “uma prioridade do atual sistema educativo” (p,17).

Em Portugal, a primeira iniciativa para dar resposta a esta problemática acon- teceu no ano letivo de 1996/1997, com o processo de reflexão participada sobre currículo do ensino básico. Como escrevi acima, o objetivo era o de provocar uma reflexão sobre a escola, desenvolver hábitos de colaboração entre os professores de modo a convocar o debate52 sobre as formas de gerir o currículo a fim de res- ponder de maneira eficaz aos alunos naquele contexto escolar (Roldão, 1999a).

Antes do arranque do ano letivo de 1997/98, o Ministério da Educação, procu- rando dar impulso à autonomia das escolas para que pudessem encontrar soluções para os seus problemas e encontrar novas formas de gerir o currículo, com o des- pacho nº 4848/9753, de 30 de julho, lança um convite às escolas para que apresen- tem projetos de “Gestão Flexível do Currículo”.54

Os objetivos deste despacho visaram: i – O enquadramento do projeto de ges- tão curricular no âmbito de um projeto educativo da escola; ii – A articulação disci- plinar horizontal e vertical, tendo em conta as finalidades e programas em vigor; iii – A definição das aprendizagens consideradas nucleares, tendo por base os docu- mentos do DEB; iv – O envolvimento dos professores e dos pais, bem como da comunidade envolvente no processo educativo; v - A prática de avaliação de proje- tos.

para atingi-las, de modo a que o maior número possível de alunos tenha a possibilidade de realizar aprendizagens realmente significativas” Galvão C.& Lopes, A. M., Os Projetos Curriculares de Turma no Contexto da Gestão Flexível do Currículo p.101).

52 “Expressar o que consideram essencial no currículo, prevendo modalidades de diferenciação, e a não serem apenas executores de novos normativos”, bem como definir, com base nos programas em vigor, “o que deverá constituir-se como núcleo de aprendizagens nucleares a nível nacional” ” (Roldão e all, op. c., p.14).

53 Um dos objetivos deste despacho era o de a partir do processo de reflexão participada sobre os currículos, desenvol- ver a dinâmica criada “ no sentido de apoiar as escolas na construção da sua autonomia” criando “condições para a realiza- ção de uma gestão flexível do currículo nacional, em função dos contextos em que aquelas se encontram inseridas” (despa- cho 4848/97).

54 “As escolas participantes – em número de dez, no primeiro ano – obrigavam-se a vincular o projeto de gestão flexível ao seu projeto educativo, a respeitar os programas em vigor, a identificar possibilidades de trabalho interdisciplinar e a inven- tariar processos conducentes à definição do núcleo de aprendizagens essenciais por ano, disciplina ou área curricular.” (Diogo, op. c., p.75).

Em dois anos responderam 34 escolas, e o Departamento de Educação Básica sentiu a necessidade de proceder à “reformulação” e “melhoria” do citado despa- cho.

O Despacho nº 9590/9955, de 14 de maio, vem assim dar continuidade ao des- pacho anterior, sugerindo aquilo que se veio a generalizar com o Decreto-. Lei 6/2001. Este documento visava de uma forma mais concreta, desenvolver a gestão flexível do currículo56, pretendendo que a escola se envolvesse numa prática menos disciplinar e mais integrada do currículo, que definisse aquilo que conside- rava ser o núcleo fundamental de conhecimentos e saberes, adequando o currículo e as suas práticas à realidade local, sem desrespeitar os programas em vigor. Visava também o desenvolvimento profissional dos professores no sentido de uma maior capacidade de gerir o currículo e a prática do trabalho cooperativo entre estes. Por outras palavras, mudar as práticas da escola e dos professores, fazendo com que estes trabalhassem mais em conjunto em torno de um projeto comum de forma a implicar toda a comunidade educativa “ no desenvolvimento conjunto de projetos educativos e culturais que visem uma maior qualidade e pertinência das aprendizagens” (Despacho 9590/99, Anexo, ponto 2, alínea d)).

O Projeto de Gestão Flexível do Currículo pretendeu assim dar resposta local aos problemas sentidos por cada escola de modo a aumentar a qualidade de ensi- no (diminuição do insucesso e abandono escolar), fomentando competências à escola para a tomada de decisões curriculares mais convenientes. (Costa, 2002).

55 Neste despacho já se introduz nos 2º e 3º ciclos do ensino básico um novo desenho curricular que inclui as áreas cur- riculares não disciplinares de Estudo Acompanhado, Projeto Interdisciplinar e Educação para a Cidadania, bem como a introdução de uma segunda Língua Estrangeira e uma área de Educação Artística e Tecnológica (Educação Visual, Educa- ção Tecnológica e Educação Musical).

56 O citado despacho definia gestão flexível do currículo:“1. Por gestão flexível do currículo entende-se a possibilidade de cada escola organizar e gerir autonomamente o processo de ensino/aprendizagem, tomando como referência os saberes e as competências nucleares a desenvolver pelos alunos no final de cada ciclo e no final da escolaridade básica, adequando- o às necessidades diferenciadas de cada contexto escolar e podendo contemplar a introdução no currículo de componentes locais e regionais. 2. O projeto de gestão flexível do currículo pretende promover: a. Uma mudança gradual na organização, orientação e gestão das escolas do ensino básico, visando a construção de uma escola mais humana, criativa e inteligente, com vista ao desenvolvimento integral dos seus alunos; b. A criação de condições para que os alunos realizem mais e melhores aprendizagens, numa perspetiva de desenvolvimento de competências à saída do ensino básico; c. O desenvolvi- mento profissional dos docentes e da sua capacidade de tomada de decisões em áreas chave do currículo, adotando sempre que possível estruturas de trabalho colegial entre professores; d. Uma maior implicação da comunidade educativa no desen- volvimento conjunto de projetos educativos e culturais que vise uma maior qualidade e pertinência das aprendizagens.”

Para Alonso (2001, p.75), este projeto veio permitir que o currículo se apresen- tasse como uma questão central, ao proporcionar uma “reflexão crítica57 e de ques-

tionamento” sobre a forma de o gerir e aplicar, num “processo lento, complexo”, do qual irá resultar um conjunto de soluções diferenciadas de escola para escola, fruto de uma mediação corporizada pelos professores, no seu novo papel de gestores autónomos (mas não independentes), do currículo.

Com este projeto pretendeu-se alterar as práticas da escola, tornando-a mais ativa na promoção do sucesso dos alunos, com a construção de projetos que tives- sem em conta a realidade local e o conjunto de alunos da escola, tendo em vista a realização de aprendizagens significativas dos alunos capazes de gerar as compe- tências fundamentais a atingir por todos, no final do ensino básico. Tudo isto a par- tir do desenvolvimento profissional de professores capazes de assumir a gestão curricular como coisa sua, recorrendo a processos de trabalho colegial e colabora- tivo entre os pares.

Após as ações de “Reflexão participada sobre os Currículos do Ensino Básico” e da experiência de “Gestão Flexível do Currículo”, considerou-se estar aberto o caminho a todas as escola do Ensino Básico, para o desenvolvimento da sua auto- nomia, a partir de um modelo em que cada escola definiria um projeto educativo próprio, como resposta “ às dificuldades que os sistemas centralizados, como o da educação, têm revelado para gerir eficazmente a complexidade e a heterogeneida- de resultantes da expansão da rede e da massificação escolar…” (Costa, 2002, p.65), com a publicação do Decreto-Lei 6/2001.

57 De acordo com Whitaker, P. (Gerir a mudança nas escolas, p.68), esta expressão significa “processo em que subme- temos a exame incidentes e acontecimentos do nosso passado para compreendê-los e integrá-los no nosso sistema de valores e ideias profissionais”. O que parece encaixar justamente na expressão utilizada pela autora.

1.2 A Reorganização Curricular do Ensino Básico – O Decre-