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A ênfase nas condições gnosiológicas da prática educativa

5 EDUCAÇÃO POPULAR E HISTÓRIA LOCAL: CRUZANDO CONCEITOS

5.2 História local e Educação Popular: concepções comuns

5.2.1 A ênfase nas condições gnosiológicas da prática educativa

A Educação Popular, entre outras preocupações, se ocupa e reflete acerca do conhecimento, da sua natureza, do seu valor e de seus limites, caracterizando uma prática gnosiológica, pois não se restringe ao estudo sistemático do saber científico. Mas,

compreende que o conhecimento é vivido e construído nos mais diversos espaços sociais e temporais; na feira livre, no chão da escola, nas igrejas, nos movimentos de cultura e em outros grupos sociais; ontem, hoje e amanhã, nunca da mesma forma, mas sempre com elementos comuns. Espaços sociais, esses, considerados e valorizados pela História Local como lugares de construção histórica dos alunos; o que se caracteriza como um ponto comum entre Educação Popular e História Local.

Essa prática gnosiológica foi apontada por Freire (2011), como uma ação da educação libertadora, contrária ao ato de “depositar” conhecimentos no aluno, como se este fosse uma tábula rasa, mas como um sujeito mediatizado pelo mundo. É uma ampliação do conceito que se tinha acerca de educação que agora precisa ser pensada como elemento essencial para toda a vida dos alunos, conforme nos esclarece Brandão (2002, p. 191):

Uma educação centrada no fornecimento instrumental de conhecimentos e habilidades para uma suposta “formação para o futuro” tem sido cada vez mais pensada agora como uma contínua, uma permanente atividade de

educar-se e estar se educando para a capacidade de tornar mais fecunda e

mais consciência a vivência pessoal e interativa de pessoas. Para viver cada momento disto, tal como isso pode e deve ser integralmente experimentado em cada ciclo de cada existência humana. E eu quero aqui “socializar” a própria face interior da ideia de ciclo da vida. Pois ele envolve o presente absoluto e também o processo de transformações de uma pessoa em sua irreversível individualidade, o que em nada tem a ver com o seu “individualismo”. Envolve o mesmo, na referência a grupos interativos de pessoas, de que um bom exemplo é uma “turma de alunos de uma sala de aulas”. Envolve, finalmente, o âmbito ampliado da vida coletiva de círculos mais estendidos de pessoas na construção sempre inacabada da própria vida social.

A Educação Popular se preocupa com a validade do conhecimento em função do sujeito cognoscente, daquele que busca conhecer o objeto de estudo, assim o que se ensina na escola só tem sentido a partir da relação que o aluno faz com os conteúdos, da relação que mantém com os mesmos.

Essa mesma característica permeia a História Local, uma vez que, a partir dela, os sujeitos investigam sua própria história, mantendo uma relação estreita com os conteúdos, com o conhecimento que eles estão investigando. É uma prática educativa articulada com a vida juntamente com a transformação social, e que busca ultrapassar os muros da escola, pois se pretende humanizadora, conforme nos coloca Pereira (2010, p. 118):

Sua Proposta vai mais além, pois se situa a partir de uma análise da natureza humana, da sociedade humana construída enquanto processo histórico, do conhecimento enquanto conteúdo cultural fundamental ao processo de

libertação e da educação enquanto instrumento ou recurso necessário e importante para a vida social e para a humanização.

Para exemplificarmos o que estamos refletindo, buscamos nas falas de nossos sujeitos uma aproximação entre a teoria aqui discutida e a realidade vivenciada por eles em suas vivências educativas. Nesse sentido, quando questionamos aos alunos que experienciaram uma educação pautada na História Local, a partir da produção do livro da História de Cruz das Armas, se os mesmos se identificaram com a história construída no livro resultado do Projeto e como eles perceberam essa relação, obtivemos as respostas estruturadas no quadro que se segue:

Quadro 24: Identificação dos alunos com a prática pedagógica da História Local

Aluno 1 Aluno 2 Aluno 3

Sim. Porque está falando do bairro onde eu nasci e cresci e todos os lugares situados eu já estive, então em todos os momentos eu me identifiquei com esse livro.

Sim, na parte " Lugares de Memórias", assim cito o exemplo da Escola Papa Paulo VI, pela sua história, pelas suas reformas, pelo o nome que a escola tinha inauguração em abril de 1958 que teve o nome de Escola Estadual de João Pessoa, e hoje tem o nome de Papa Paulo VI, hoje a escola, está maravilhosa, professores ótimos etc...

Sim. Por que a historia também se faz no nosso bairro.

Aluno 4 Aluno 5 Aluno 6

Sim, devido ao meu catolicismo frequentando sempre a Igreja de São José.

Acho que todos que leram está obra se identificaram nem que seja com uma linha, como não se identificar com a mostra do que passei a vida escutando os meus pais e avós e tios relatarem. Festas locais que eles se divertiam e nos hoje não temos a oportunidade de vivenciar.

Não sei ao certo se identificar- me seria a palavra correta, mas, diria que ele me fez relembrar conhecimentos que mesmo conhecendo-os, já não lembrava. Como por exemplo: O Ronco da Abelha, o Quebra- Quilo, e etc.

Aluno 7 Aluno 8 Aluno 9

Sim, Na entrevista do aluno João e Maria, em que a moradora disse que muita coisa mudou, pois sempre ouvi o mesmo de meus parentes mais velhos.

Sim, pois ela fala do lugar atual onde moro, estudo e a igreja na qual frequento.

Achei interessante ver a historia do campo da graça, me identifiquei com o assunto abordado sobre o campo.

Aluno 10 Aluno 11 Aluno 12

Me identifiquei com a história da Dona Maria de Fátima, que diz: " Enquanto os bandidos estão na rua, nós cidadãos de

Sim. Na parte que dona Maria De Fatima fala em termo da melhorar no bairro.

Sim. Na parte das entrevistas. Não tenho a idade das pessoas entrevistadas porém mantenho as mesmas opiniões.

bem, estamos trancados dentro de nossas casas, por medo de sair na rua".

Aluno 13 Aluno 14 Aluno 15

Sim, na parte dos moradores parece muito com a historia dos meus pais.

Sim, no Teatro Juteca, pois acompanhei a luta dos moradores para sua reforma.

Por ser um bairro onde quase todos os dias tenho que passar, acabo me identificando com toda sua história, as igrejas onde sempre vejo fiéis, o cemitério onde quase todo dia presenciamos velórios, a vizinha que participa dos eventos da escola entre outros momentos onde acabamos convivendo com o bairro. Fonte: pesquisa de campo realizada pelo autor - 2014

O quadro aponta então para a possibilidade da relação entre História Local e Educação Popular, pois parte de uma prática educativa pautada em um recorte histórico local e que coloca o aluno como um sujeito cognoscente relacionado com o conteúdo com o qual ele está investigando.

Quando o Aluno 1 afirma que se identificou com o livro da História de Cruz das Armas, porque ele diz “[...] está falando do bairro onde eu nasci e cresci e todos os lugares situados eu já estive, então em todos os momentos eu me identifiquei com esse livro”, ou quando o Aluno 5 afirma que “Todos que leram está obra se identificaram nem que seja com uma linha, como não se identificar com a mostra do que passei a vida escutando os meus pais e avós e tios relatarem”. Os mesmos estão fazendo uma associação direta do conteúdo do livro com suas realidades sociais e com suas vivências individuais. Independente do grau de complexidade das suas reflexões, eles se colocaram como sujeitos cognoscentes mediatizados pelo objeto cognoscível, que é a história do lugar onde vivem. Nesse caso, os sujeitos citados mantêm uma relação direta com o objeto de conhecimento, o que torna a educação uma prática mais significativa, próxima da realidade de cada um deles, fazendo com que os mesmos se sintam sujeitos produtores de conhecimento.

Mesmo o Aluno 15, que não mora no Bairro de Cruz das Armas, mas estuda na Escola Papa Paulo VI, refletiu sobre sua identificação com o lugar, com o espaço pesquisado, passando a desenvolver uma identidade com o mesmo, uma vez que vivencia muitos momentos sociais na escola.

Compreendemos então, que a prática educativa pode e deve ser trabalhada a partir das vivências humanas, das suas experiências, que são históricas, culturais e políticas; fazer

pedagógico defendido tanto pela História Local quanto pela Educação Popular. De acordo com Pereira (2010, p. 119):

É nessa experiência que ocorrem as relações corpo consciente ou consciência e mundo, subjetividade e objetividade, relações cujas consequências tornam homens e mulheres seres de compreensão, de conhecimento, de comunicação e de ação, na temporalidade da existência humana.

A partir do exposto, percebemos então que a prática educativa não se realiza apenas na escola, ela é intrínseca às vivências sociais, começa na família, adentra a religião e a religiosidade; além o mundo do trabalho. Está presente nos movimentos sociais e sindicatos, nas praças e diversos locais comunitários; de forma conflituosa e contraditória, mas aglutinando pontos de vista comuns aos sujeitos.

Em relação à Educação Popular, o ato de conhecer não se restringe à transmissão de um saber, este tem que ser questionado, problematizado e discutido acerca de seus valores, de suas naturezas, de suas intenções. E esse fenômeno acontece nas relações entre educador e educandos, mediatizados pelo mundo; o que percebemos na fala do Aluno 8, ao afirmar que se percebeu na prática educativa baseada na História Local: “[...] pois ela fala do lugar atual onde moro, estudo e a igreja na qual frequento”; ou quando o Aluno 14 afirma que se reconheceu “no Teatro Juteca, pois acompanhei a luta dos moradores para sua reforma”. Relatos que apontam e reforçam uma relação entre Educação Popular e História Local; constituindo-se como uma prática educativa libertadora, que recorremos a Freire (2011, p. 94) para discuti-la:

Neste sentido, a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária”, mas um ato cognoscente. Como atuação gnosiológica, em que o objeto cognoscível, em lugar de ser o término do ato cognoscente de um sujeito, é o mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de outro, a educação problematizadora coloca, desde logo, a exigência da superação da contradição educador-educandos. Sem esta, não é possível a relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível.

Já Brandão (2002), ao relacionar o ato de aprender aos processos vitais do ser humano, busca ampliar o sentido que tem sido atribuído ao conhecimento, que passa a ser entendido como uma prática que não é exclusiva da ciência, mas que se vivencia em vários espaços e

que é responsável pela interconexão entre vida e processo cognitivo. De acordo com Brandão (2002, p. 363):

A pedagogia múltipla diferenciadamente praticada nas escolas é um elo de maior importância em todo este fluxo de intercomunicações. Mas é preciso partir do princípio de que ela não é a única e de que a escola é um entre os muitos cenários de realização da vida do conhecimento. Por outro lado, a pedagogia escolar não deve abrir mão do crescente valor central de seu lugar em uma humanidade para a qual o saber-e-aprender tendem a ocupar uma posição cada vez mais essencial. Ensinar-aprender deixa de ser algo episódico e instrumentalmente destinado a (aprender para) e se torna uma inevitável e nuclear experiência humana com o seu valor-de-ser situado em si mesma. No mundo em que nos toca viver, passam e passarão cada vez mais pela educação e, de maneira especial, pela escola, os elos e os feixes de uma múltipla atividade de enlaces e de criações relacionadas ao conhecimento e ao aprender a conhecer.

Assim, a Educação Popular é, por sua natureza, uma prática pedagógica com marcante viés filosófico de questionamento, que não aceita o outro como receptáculo do conhecimento, mas que compreende a prática educativa como um ato dialógico, problematizante e político, e que se intercomunica com os vários cenários de produção da vida e do conhecimento, inclusive dentro da escola. Por isso, na concepção de Educação Popular, faz-se necessário não só aprender, mas compreender a razão de ser do que se aprende. Esclarín (2005, p. 57), afirma que a Educação Popular tem como característica

[...] uma pedagogia enraizada na experiência, que evite as formulações abstratas e axiomáticas, para comprometer-se com a construção de um sistema educativo vinculado aos problemas do contexto histórico-social específico.

Partindo dessa perspectiva, a proposta de História Local a partir da Educação Popular, rompe com a concepção de história nacional – mesmo retornando a essa escala de observação – pronta e acabada, um conhecimento inquestionável que é depositado nos educandos, pois está vinculada aos problemas do contexto histórico-social específico dos educandos. Assim, a história, que é objeto cognoscível, passa a mediatizar a construção do conhecimento entre educador e educando, pois deixa de ser abstrata e distante para ser concreta e próxima, e não mais um fim em si mesmo. Nos dizeres de Barbosa (2005, p. 38),

Em princípio, temos que, se o sujeito adquire ou tem o conhecimento histórico, isso propiciará a consciência da sua identidade social, levando-o a ação. Seria a interação entre o conhecimento e a ação – conhecimento para a ação. O local é, pois, o espaço de atuação dos sujeitos históricos. Na realidade, o que significa o fazer da própria história.

Nossa compreensão é de que, assim como a Educação Popular, a História, enquanto campo de conhecimento importante, deve ser pensada e construída em conjunto e não imposta sob uma perspectiva elitista e autoritária. No Ensino de História, a perspectiva local possibilita a aproximação do aluno com seu contexto, com a sua história; propiciando, segundo a autora supracitada, a consciência de sua identidade social. Essa proposição se apresenta como uma ligação para o ponto a seguir.

5.2.2 A educação como construção e não meramente como transmissão do