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A defesa de uma educação para a libertação, preconização da vida

5 EDUCAÇÃO POPULAR E HISTÓRIA LOCAL: CRUZANDO CONCEITOS

5.2 História local e Educação Popular: concepções comuns

5.2.4 A defesa de uma educação para a libertação, preconização da vida

A partir do reconhecimento de si mesmo enquanto sujeito histórico, a busca dos oprimidos é de se libertar dessa condição, de romper com a exploração e preconizar a vida democrática. A superação dessa condição, porém, não implica a tomada da posição do dominador, mas da busca de igualdade de direitos e de uma convivência social justa. Uma pedagogia que, segundo Freire (1987, p. 17):

Tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta

incessante de recuperação da sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará.

Partindo dessa concepção político pedagógica de educação, concebemos a História Local como recorte metodológico capaz de propiciar uma reflexão acerca da condição de oprimido através da articulação entre conhecimento e identidade social dos seus agentes. O que favorece a constituição do sentimento de pertencimento e de superação da condição de oprimido, sem que para isso, o indivíduo se torne opressor. Nesse sentido, compreendemos a identidade social como um elemento que pode proporcionar um equilíbrio importante na superação da condição do oprimido, e que se manifesta a partir do sentimento de pertencimento dos alunos ao lugar em que vivem. De acordo com Neves (1997, p. 15):

Identidade social, [...], implica na consciência que se tem de si mesmo. Essa consciência supõe um reconhecimento do mundo (contexto) no qual se existe e atua. Portanto, por identidade social pode-se entender o reconhecimento de si próprio como sujeito da história (processo). E, na medida em que o sujeito da história é realizador de ações, ele é também, objeto da história (ciência). A identidade social é, portanto, um atributo de sujeitos da história que se definem e se reconhecem na ação.

Essa identidade social que implica na consciência de si, proporciona a percepção do sujeito enquanto oprimido e na busca pela liberdade, que canaliza os alunos para a superação da condição de oprimidos; superação esta que não pode ser individualista, nem tampouco, pode gerar outro opressor, mas contribuir na libertação democrática do grupo social ao qual o indivíduo pertence. É por isso, que a Educação Popular está pautada na coletividade, mesmo que não descarte os fenômenos individuais, mas ela pressupõe a luta dos vários grupos sociais, que ao reconhecerem-se enquanto tais encontram o motor na busca pela libertação. É uma concepção que ainda precisa ganhar espaço na educação pública, que apesar de ter

avançado no sentido de flexibilizar e tornar mais crítico o currículo, ainda não dá conta das diversas realidades dos sujeitos, conforme afirma Brandão (2002, p. 11): “[...] a educação que aí está existe fora de tempo e de lugar; está defasada e não corresponde, há muito tempo, aos modelos de vida dos mundos sociais da atualidade”.

Cremos que a mudança que ansiamos para educação ainda é uma realidade distante e que vai se configurando de maneira gradual na medida que os movimentos organizados vão pressionando o Estado por políticas públicas de abertura da escola para novos saberes, que não vêm apenas da academia, mas de suas mobilizações, e que se constituem como o reconhecimento da sua força social. Além disso, é importante o entusiasmo dos professores para a concretização da democratização da educação, não apenas no sentido do acesso, mas, principalmente, da qualidade e do reconhecimento de todos como sujeitos históricos. Precisamos, nesse sentido, de uma educação diferenciada da que está posta, conforme nos aponta Brandão (2002, p. 11):

[...] é indispensável pensarmos em uma educação inovadora, radicalmente diferente, uma educação capaz de motivar primeiro e, depois, depois, de formar pessoas desejantes de estarem sempre aprendendo, pessoas criativas, capazes de transformarem a partir do que aprendem e do como aprendem. Se a relação entre História Local e Educação Popular não se constitui como um fazer educativo que transforme a realidade como um todo, esse elo se configura como uma experiência que inspira mudança na prática pedagógica do professor de História, que pode motivar seus alunos ao mundo da descoberta a partir da pesquisa histórica de seus espaços locais, realizando, pedagogicamente, o que a Educação Popular entende como leitura do mundo, como o descortinar das realidades, fomentando a formação das identidades sociais desses sujeitos. Nesse sentido, em termos metodológicos, Schmidt e Garcia (2003) apontam uma vantagem em relação ao Ensino de História, a partir da História Local no que diz respeito à compreensão da historicidade:

O trabalho com o local pode produzir a inserção do aluno na comunidade da qual ele faz parte, criar a sua própria historicidade e produzir a identificação de si mesmo e também do seu redor, dentro da História, levando-o a compreender como se constitui e se desenvolve a sua historicidade em relação aos demais, entendendo quanto há de História em sua vida, construída por ele mesmo, e quanto tem a ver com elementos externos a ele - próximos/ distantes; pessoais/estruturais; temporais/espaciais. (SCHMIDT E GARCIA, 2003, p. 232).

Essa identidade social, proporcionada e compreendida pela História Local, não suprime a condição de indivíduo enquanto ser único, contraditório e conflituoso dentro das lutas e ideias das quais o grupo a que pertence defende, mas ela considera os pontos que unem os sujeitos ao grupo como um todo, na configuração de sua identidade social, constituindo uma relação entre indivíduo e grupo; propiciando a intervenção histórica de forma consciente e comprometida com a justiça social, sem desconsiderar os anseios pertencentes à individualidade dos entes educativos.

No espaço escolar, a História Local proporciona a ligação entre os conteúdos trabalhados e as vivências dos educandos, constituindo-se em uma práxis pedagógica crítica, que sugere, inclusive, a intervenção dos educandos no processo histórico. De acordo com Barbosa (2005, p. 39-40):

Na perspectiva da história local, essa composição da identidade social calcada numa práxis histórica, considerando que a ligação entre conhecimento e ação nos espaços de vivência do sujeito – que é sempre local – é imprescindível à condução de intervenções no processo histórico de forma mais consciente e comprometida.

A História Local se configura, então, como uma prática pedagógica de superação, não só dos sujeitos e suas condições de oprimidos, mas também da própria metodologia tradicional que ainda é muito presente em nossas escolas. A esse respeito, Bittencourt (2009, p. 121) compreende que:

[...] o ensino de História deve efetivamente superar a abordagem informativa, conteúdista, tradicional, desinteressante e não significativa- para professores e alunos- e que uma das possibilidades para esta superação é sua problematização a partir do que está próximo, do que é familiar e natural aos alunos. Esse pressuposto é válido e aplicável desde os anos iniciais do ensino fundamental, quando é necessário haver uma abordagem e desenvolvimento importante das noções de tempo e espaço, juntamente com o início da problematização, da compreensão e explicação histórica e o contato com documento.

Podemos compreender, então, que a História Local, convergindo para o que defende a Educação Popular, se caracteriza como uma visão de história que concebe que o fortalecimento necessário para a superação da condição de oprimido reside na percepção de si mesmo, mas que a liberdade só será possível a partir da preconização da vida democrática, que acontece com a participação de todos e da superação das contradições e dos conflitos internos. Neste sentido, podemos repensar o espaço institucionalizado da educação, da escola,

e do ensino, em uma relação contextualizada social e temporalmente e não como uma estrutura distante da realidade, como se fosse um fenômeno estranho à sociedade. É aí que reside um grande desafio para a escola: superar o isolamento social no qual ela se encontra.

Nesse sentido, quando o Aluno 5 ao se referir ao Ensino de História, afirma que “deixaria as aulas mais dinâmicas, procuraria saber sobre história próximas o que nos possibilitaria ir descobrir a história pessoalmente”, ele está reivindicando um direito que lhe é inerente, que é o conhecimento histórico de si e de seu entorno. Já o aluno 7, responde a mesma pergunta da seguinte forma:

Não sei se mudar seria a palavra correta, apenas alteraria algumas coisas, diminuiria as vezes em que passamos por exemplo, estudando a vida dos maias astecas, ao invés de estar estudando as histórias que realmente são importantes para o nosso viver, sobre nossas raízes, sobre o lugar que vivemos. É claro! que essas histórias são importantes, afinal, precisamos obter informações sobre outras culturas, outros povos, isso é importante para a vida, é a história geral, melhor dizendo, todos devem saber sobre isso também.

Compreendemos, a partir da resposta do aluno acima, que é preciso repensar a prática pedagógica do Ensino de História, levando em consideração não apenas os saberes curriculares oficiais, que também são importantes (no caso da resposta do Aluno 7, ele exemplifica com o exemplo da história dos Maias e Astecas), mas que para eles também é importante conhecer a própria história, suas próprias raízes. Em termos legais, o currículo escolar das instituições no país deve se constituir de uma base nacional comum e de uma parte diversificada, que tem o objetivo de dar conta da diversidade cultural existente no vasto território brasileiro, porém, na prática e sem generalizações, o que prevalece é a reprodução do currículo oficial ou a transmissão dos conteúdos presentes nos livros didáticos.

Entretanto, a relação História Local e Educação Popular pode contribuir no projeto de educação, que vem sendo construído historicamente, e que possibilita a percepção de que “A subordinação, o autoritarismo, o controle unidirecional, a coerção, a distância, o não- reconhecimento da qualidade do outro são incompatíveis com o diálogo e a partilha de poder que a democratização requer”. (ESTEBAN, 2007, p. 15). Essa relação e esse diálogo ocorrem na escola pública, espaço de mobilização de saberes e lugar privilegiado de disputa dos projetos sociais, conforme nos informa Esteban (2007, p. 16): “A escola pública é um espaço importante na disputa dos projetos de sociedade. Assumi-la como lugar de educação popular é parte desta disputa”.

5.2.5 A recusa do autoritarismo que surge das hierarquias entre o professor que sabe e o