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Uma prática educativa que relacione o local com o global

5 EDUCAÇÃO POPULAR E HISTÓRIA LOCAL: CRUZANDO CONCEITOS

5.2 História local e Educação Popular: concepções comuns

5.2.6 Uma prática educativa que relacione o local com o global

A relação que propomos entre História Local e a Educação Popular não tem o intento de descartar o currículo oficial escolar; mas tratá-lo a partir de associações com a realidade, com o mundo social dos alunos. Nessa relação, a História Local busca investigar o processo histórico do lugar do entorno da escola, da relação dos alunos com esse espaço, o que pode ser feito sem que se perca o vínculo com o conteúdo escolar ou sem cair nas armadilhas do localismo. Essa prática se dá quando não se trabalha o local como componente da compreensão do todo, mas apenas a partir dele mesmo, de forma isolada, como se não existissem outras realidades.

Relacionar o local com o global torna-se essencial para conexão das escalas de análise das realidades espaciais; ação que interliga o micro ao macro e o macro ao micro. Nesse sentido, a história do Brasil não é entendida em sua existência enquanto elemento desconectado da realidade ou como acontecimentos que se dão independente dos sujeitos

sociais, mas como uma história que contém dentro de si inúmeras possibilidades de construções históricas locais que precisam ser visualizadas e discutidas, o que pode ser feito no âmbito da educação escolar, através do ensino da História.

Em relação ao significado do que seja escala, Barbosa (2005) a destaca como um instrumento de medida correspondente à variação de grandezas. Ela acrescenta que a escala é muito utilizada na área da Matemática para o “[...] dimensionamento a gosto e necessidade de quem vai operá-la e do que se pretende representar numa relação de proporções ou distâncias vinculadas à matriz concreta de um todo”. (BARBOSA, 2005, p. 46).

Os historiadores têm se utilizado dessa prática, com o intuito de perceber acontecimentos micros, buscando a minúcia dos dados, com a finalidade de acrescentar novos elementos à construção histórica. Como nos coloca Barbosa (2005, p. 46), essa prática é uma “[...] relação entre a utilização da abordagem em escala como possibilidade de um movimento relacional entre o pormenor e o todo”. Por isso, essas escalas de análise histórica, da realidade micro ou da macro, não podem ser analisadas como opositoras, mas como complementares, em que a perspectiva do local se apresenta como um recurso teórico-metodológico diversificado para a construção da história. Pois, é necessário estudar a localidade, sem perder de vista sua relação com um processo maior. Podemos nos aproximar de determinada época, podemos descobrir como as pessoas se relacionavam, como viviam em grupo. É preciso perceber que a realidade local faz parte de um contexto mais amplo e não pode ser dissociada do mesmo, o que provocaria fragmentação e reducionismo histórico. Nos dizeres de Barbosa (2005, p. 27),

É importante estar atento para o fato de que a abordagem local, metodologicamente falando, tem o seu sentido garantido, principalmente se tomada como parte do sistema maior que a integra: a região, o estado nacional, o contexto internacional.

Essa compreensão de investigar a história a partir de outras escalas de observação tem seu potencial ampliado a partir dos historiadores da micro-história, que não entendem esse olhar do micro como o recorte do todo em pedaços, como se fossem parte de um quebra- cabeça, mas mudar a própria perspectiva de análise, levando em conta o que pensam e fazem outros sujeitos. Ao se referir a micro-história, Revel (1998, p. 20) nos aponta que:

Ela afirma em princípio que a escolha de uma escala particular de observação produz efeitos de conhecimento, e pode ser posta a serviço de' estratégias de conhecimentos. Variar a objetiva não significa apenas

aumentar (ou diminuir) o tamanho do objeto no visor, significa modificar sua forma e sua trama. Ou, para recorrer a um outro sistema de referências, mudar as escalas de representação em cartografia não consiste apenas em representar uma realidade constante em tamanho maior ou menor, e sim em transformar o conteúdo da representação (ou seja, a escolha daquilo que é representável).

Em se tratando da História enquanto disciplina escolar, ela também pode ser trabalhada a partir da análise do micro, de um recorte espacial que se aproxime mais das vivências dos alunos, dessa forma vai ser tratada a partir de um outro olhar, diferente da concepção proposta nos livros didáticos. A análise em escala micro deve ser empreendida a partir da ideia de afastamento do modelo comumente aceito, que está associado à história social em escala macro, pois, dessa forma, ela rompe com os hábitos adquiridos e torna possível uma revisão crítica dos instrumentos e procedimentos da análise da história social (REVEL, 1998, p. 20). Através da história local, os alunos podem ter resgatada sua memória coletiva, percebendo-se como agentes históricos. Assim, esses alunos têm consciência de si mesmos dentro do coletivo e se envolvem com sua identidade social.

Quando tratamos da História apenas pelo viés macro, podemos deixar escapar elementos que dizem respeito aos comportamentos, às várias experiências sociais, e à própria constituição das identidades de grupos que se organizam em escala micro. Essa consideração das experiências sociais e a valorização da identidade social dos vários sujeitos estão presentes na concepção de Educação Popular, que compreende homens e mulheres a partir do seu contexto histórico, o que nos permite relacionar História Local e Educação Popular enquanto campo de saberes convergentes.

A partir dessa perspectiva, quando perguntamos aos alunos partícipes do Projeto didático de História Local se eles compreendem ser importante relacionar a história geral, que é mais trabalhada na escola, com a história de recorte local, obtivemos as mais diversas respostas, destacando as que consideramos mais relevantes, estruturando o quadro a seguir:

Quadro 26: Importância do diálogo entre História Local e História Global

Aluno 1 Aluno 2 Aluno 3

Sim. Por que dessa forma podemos ver amplamente como tudo começou e entender um pouco mais não só sobre o bairro, mas sua fundação e interligar assim a história geral.

Sim, pois só assim sabemos mais um pouco sobre nosso bairro, como ele era antigamente, a história dele, os lugares etc... e como hoje em dia é, mudaram algumas coisa, e pioram em outras, como a violência que está grande!

Sim.Porque só assim irei conhecer mais sobre o meu lugar de origem, onde aconteceram tantos marcos importantes que eu nunca imaginei que teriam surgido dessa maneira relatada pelo livro de História Local.

É de grande importancia a historia do bairro contada desde a sua fundação até os tempos atuais.

Sim. Há curiosidades neste ebook que provavelmente as pessoas não saibam.

Claro que sim. De certo modo em geral, a história de todos os bairros passam a fazer parte da história "mundial". Ela não pode ser esquecida em momento algum. Assim como outras histórias, as dos bairros são essenciais para a nossa cultura e informação pessoal.

Aluno 7 Aluno 8 Aluno 9

Porque a história geral, é o princípio de tudo, e depois a história vai sendo moldada e obtendo uma outra cara.

sim, pois o ponto de partida do conhecimento deve ser de si mesmo e depois onde se vive.

De extrema importância, pois devemos conhecer a história de onde moramos e como tudo chegou até aqui.

Aluno 10 Aluno 11 Aluno 12

Sim, porque outras pessoas que não tem conhecimento do bairro, passam a saber mais sobre ele.

Sim. Por que aprendemos a conviver com o passado e o presente da história para nossa vida.

Sim. Há curiosidades neste ebook que provavelmente as pessoas não saibam.

Aluno 13 Aluno 14 Aluno 15

Sim,pois ela faz parte da historia da cidade,mais que as vezes não e estudada.

Sim, pois mostra que alguns fatos ocorreram em consequência deoutros.

A história do bairro depende da história geral,por isso é de extrema importância mesclar as duas historias pois elas se complementam

Fonte: pesquisa de campo realizada pelo autor

Podemos perceber, conforme o Quadro anterior, que, de maneira geral, os alunos que vivenciaram a investigação histórica a partir de suas realidades, não só concordaram na importância da relação entre História Local e a História Geral, como também apresentaram justificativas coerentes para suas respostas. Nesse sentido, quando o Aluno 1 afirma que é importante a relação do local com o global, “por que dessa forma podemos ver amplamente como tudo começou e entender um pouco mais não só sobre o bairro, mas sua fundação e interligar assim a história geral”, ele está compreendendo que o lugar no qual ele vive também é passível de ser investigado, pois pode apresentar a mesma lógica histórica do espaço nacional, com um tempo que precisa ser considerado, uma origem a ser estudada e relacionada com a história geral. Essa é uma concepção que defende a redução da escala de análise dos acontecimentos, considerando o espaço local como lugar de possibilidades históricas.

Importante perceber a relação que o Aluno 15 aponta como importante no Ensino de História ao afirmar que

a história do bairro depende da história geral, por isso é de extrema importância mesclar as duas historias, pois elas se complementam”. Uma afirmação que aponta para importância das duas escalas tanto a nacional quanto a local, pois, a História

Local, por si só não dá conta de explicar todas as questões sociais que cercam as realidades dos alunos, mas quando ela busca referências no regional, no nacional, no latino-americano e no mundial, pode encontrar um leque maior de possibilidades na construção das identidades dos educandos, conforme nos aponta Romero (1998):

É importante observar que uma realidade local não contém, em si mesma, as chaves de sua própria explicação. Ademais, ao se propor o ensino de História Local como indicador da construção de identidades, não se pode esquecer de que, no processo de mundialização que se é absolutamente indispensável que a construção de identidades tenha marcos de referência relacionais, os quais devem ser conhecidos e situados: o local, o regional, o nacional, o latino-americano, o mundial (ROMERO, 1998 apud SCHMIDT, 2003, p. 33).

Uma consideração importante a ser discutida é que não existe uma hierarquia de importância de uma escala sobre a outra, ou mesmo, uma complexidade maior do nacional em relação ao local, mas recortes e sujeitos diferentes; o que nos faz questionar o que nos coloca o Aluno 7, quando afirma que “A história geral, é o princípio de tudo, e depois a história vai sendo moldada e obtendo uma outra cara”. Assim, perguntamo-nos: existe uma origem histórica nacional que aconteça de maneira supra, sem nenhuma relação com as vivências locais, ou vice e versa?

Outra reflexão importante é a do Aluno 8, que aponta para importância do ponto de partida do conhecimento, como um fenômeno que se inicia no indivíduo e vai se ampliando para o espaço onde se vive, de acordo com o mesmo: “O ponto de partida do conhecimento deve ser de si mesmo e depois onde se vive”. Tal posição nos dá indícios da necessidade de uma educação mais contextualizada, concepção comum tanto da Educação Popular quanto da História Local, que defendem a superação da escola enquanto instituição fechada em si mesma, com poucas relações com o exterior.

Assim, o que apontamos também em relação à mudança de escala de observação da História utilizada pela História Local no espaço escolar diz respeito a sua função de ligação entre a comunidade e a escola; que deve ir além da transmissão de conteúdos, conforme defende Deval (2006, p. 130):

Entretanto, a abertura da escola ao mundo tem de ir mais além das idéias que são transmitidas e deve afetar todas as relações sociais. Com efeito, uma das coisas que mais profundamente devem mudar no futuro da escola é sua relação com o entorno social. A escola tem sido um centro voltado para si mesmo, em que as crianças são mantidas durante algumas horas por dia para evitar que saiam, realizando algumas atividades que se referem à própria escola. É como uma espécie de clausura temporal, e também como uma

fábrica na qual se prepara o indivíduo para a vida futura mediante a aquisição de certos hábitos. A escola é um mundo em si mesmo que tem sua própria lógica.

Nesse sentido, quando a escola se colocar como instituição que considere os sujeitos e seus saberes, quando se relacionar com o mundo social da comunidade na qual está inserida, ela estará potencialmente preparando seus sujeitos para a vida como um todo, preparados para a vida democrática, cidadãos críticos que constroem cotidianamente suas histórias e que lutam por seus direitos.

No Ensino de História, um ponto que pode contribuir com esse papel da escola de se relacionar com a comunidade reside na utilização do recurso da História Local pelos professores como uma prática pedagógica de diálogo; que pode ser potencializada pela sua conexão com a Educação Popular, concepção que parte da práxis, relacionando os conteúdos às práticas discentes.

Esse fazer educativo se coaduna com o diálogo entre História Local e História Geral; proposto pelo Aluno 3, quando afirma que: “porque só assim irei conhecer mais sobre o meu lugar de origem, onde aconteceram tantos marcos importantes que eu nunca imaginei que teriam surgido dessa maneira relatada pelo livro de História Local”.

5.2.7 A noção de uma educação aberta aos conhecimentos populares e que se coloque