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A recusa do autoritarismo que surge das hierarquias entre o professor que

5 EDUCAÇÃO POPULAR E HISTÓRIA LOCAL: CRUZANDO CONCEITOS

5.2 História local e Educação Popular: concepções comuns

5.2.5 A recusa do autoritarismo que surge das hierarquias entre o professor que

Vivemos em um contexto histórico, que pelo processo de globalização e da expansão das tecnologias de informação e comunicação, é denominado cenário da sociedade da informação e comunicação, mas que Gadotti (2003) prefere denominar de sociedade aprendente, em uma referência à expansão dos espaços de aprendizagens para além do ambiente escolar e da celebração de uma educação centrada no ato de aprender e não mais de ensinar. Nesse contexto, a função clássica de instrução atribuída aos professores é colocada em questão. Dessa forma, a função docente passa a ser entendida e praticada de forma mais complexa e, de acordo com o que nos informa Gadotti (2003, p. 6), “O professor precisa saber organizar o seu trabalho e orientar o do aluno a organizar o seu, saber trabalhar em equipe, participar da gestão da escola, envolver os pais, utilizar novas tecnologias, ser ético, continuar sua formação.”.

Essa formação passa a ser entendida como uma prática constante, que se estende ao longo da vida, o que torna os professores infindáveis alunos, aprendentes constantes que precisam, de acordo com os quatro pilares da educação propostos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco, saber ser, saber aprender, saber conviver e saber fazer. Saberes que devem estar presentes na prática dos professores e estimulados nos alunos, que não só passam a ser entendidos como aprendentes para a vida, mas também para toda a vida.

Essa ruptura na prática docente enquanto elemento exclusivo de transmissão já era apontada por Freire na sua Pedagogia do Oprimido, quando ele defendia a ideia do educador educando e do educando educador, no sentido do diálogo entre o saber popular constituído no aluno com o saber acadêmico, característico da prática docente. Nesse sentido, a palavra- chave nessa concepção é o diálogo, elemento que aproxima os sujeitos, conforme nos expões Freire (2011, p. 83):

Em verdade, não seria possível à educação bancária problematizadora, que rompe com os esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática de liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora do diálogo. [...] Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já, não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas.

O que Freire nos aponta é uma mudança de perspectiva em relação à prática docente que já vinha sendo questionada há tempos e que agora é ampliada. Essa mudança e ampliação da função do professor passa a ser incentivada e cobradas em meio ao contexto da chamada sociedade aprendente, por isso alguns autores apontam para uma crise na prática docente, pois os educadores passam a perguntar-se qual seria seu real papel na sociedade atual, onde os alunos têm acesso à informação a partir dos meios de comunicação de massa ou mesmo da internet, que disponibiliza de maneira fácil um verdadeiro universo de dados sobre os mais variados assuntos. De acordo com Hagemeyer (2004, p. 71):

Em relação ao aluno, o acesso ao conhecimento se dá concomitantemente à influência da mídia (televisão, Internet, revistas, cinema, vídeos etc.) e das relações que se dão na sociedade, como os grupos de amigos, as tribos urbanas com valores específicos e maneiras peculiares de vestir, a música, o futebol, a igreja e outras.

Nesse contexto, que ainda apresenta outros fatores de influência no trabalho do professor, como é o caso da economia e da cultura, “[...] a profissão docente, se depara com um processo de valorização/desvalorização, crítica e perda de identidade”. (HAGEMEYER, 2004, p. 70). Assim, os docentes passam a entender o aluno como um sujeito sem interesse pela educação, que não respeita a autoridade do professor, que passa a questionar a validade de sua própria prática no atual contexto, pois não aceita a recusa da imposição dos saberes que outrora eram válidos, mas que hoje não têm maior aproximação com as realidades dos alunos. Por outro lado, o autor aponta também a altivez e o ideal de luta de muitos professores, que acreditam na importância de seu trabalho. De acordo com Hagemeyer (2004, p. 72):

Embora estejamos frente a dados tão preocupantes, sabemos que há um grande contingente de professores que permanece ativo em sala de aula, incluindo os que conservam seu ímpeto de luta e ideal, o que reafirma a urgência de um trabalho de reorganização e suporte à profissão docente. Reorganização que, no Ensino de História da escola pública, pode ser mediada pelo diálogo entre a História presente no currículo oficial e a História Local e sua associação com a Educação Popular. Isso porque, a Educação Popular esteve mais próxima da prática pedagógica escolar, mesmos em descartar o processo de ensino e aprendizagem em outras instituições, quer sejam movimentos sociais, sindicatos, cooperativas; enfim, é uma perspectiva teórico-metodológica que busca romper com a hierarquia da educação bancária, centrada na figura do professor como detentor do único conhecimento possível e que percebe o aluno como uma tabula rasa, pronto para ser preenchido com informações, como se ele não

tivesse nenhuma experiência de aprendizagem extracurricular e como se o professor não pudesse aprender nada com seus educandos.

Nessa perspectiva, a Educação Popular, por sua natureza, se constitui em uma concepção educativa que se preocupa com o diálogo constante entre professor e aluno, contrariando a educação que se pauta apenas na transmissão de informações, respeitando o saber do educando e levando em conta suas vivências locais, suas culturas e suas realidades sociais, numa perspectiva política e questionadora, uma idealização que também está presente na História Local, pois aqui, o professor aprende uma história que não foi ensinada na academia, que é a história do lugar dos seus alunos, suas culturas e sociabilidades. É a valorização da experiência local e que foi defendida por Freire (1996), quando questionou o desinteresse de muitos professores em relação aos saberes locais historicamente construídos na prática comunitária dos alunos:

Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela - saberes socialmente construídos na prática comunitária - mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Porque não aproveitar a experiência que tem os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes. Porque não há lixões no coração dos bairros ricos e mesmo puramente remediados dos centros urbanos? (FREIRE, 1996, p. 16).

Percebemos nesse sentido, que a história local e a Educação Popular estão intimamente próximas em suas naturezas, no que diz respeito a suas concepções de educação. Como não relacionar essas duas posições educativas que têm como foco o diálogo da disciplina cujo conteúdo é trabalhado em sala de aula com as questões sociais vivenciadas pelos educandos? Acreditamos que, dessa forma, os conteúdos terão significado, responderão às angústias e aos anseios dos alunos, contribuindo com a efetivação dos objetivos atitudinais propostos para o Ensino de História e, consequentemente, na formação de cidadãos críticos, sujeitos para além da conformação imposta pelas classes dominantes. Comungamos, assim, dos questionamentos de Freire (1996, p. 17):

Porque não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Porque não estabelecer uma necessária

"intimidade" entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Porque não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes elas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso?

Educação Popular e História Local, no nosso entendimento, complementam-se à medida que realizam o diálogo entre o saber escolar e das comunidades circunvizinhas e seu saber social, considerando o que sabem os educandos, os professores, os pais, ou seja, todos os envolvidos nos processos comunitários e educativos escolares.

De um lado, a Educação Popular propõe uma educação crítica que busca a formação do cidadão, através da leitura da palavra e da leitura do mundo. Do o outro, a história local propõe um ensino de História diferenciado e que, segundo Fernandes (1995), parte do concreto para o abstrato, possibilita a incorporação das experiências da vida dos alunos que se dão num “lócus” específico, permita a inserção do aluno na realidade do passado local, permita o contato do aluno com as instituições locais e seus modos de funcionamento; além de possibilitar o acesso às fontes locais (museus, arquivos, bibliotecas, monumentos, etc.) e proceder às demais relações de escalas.

Nesse sentido, percebemos duas concepções que, por muito tempo, caminharam desarticuladamente entre si, mas que comungam de muitos elementos comuns, o que nos faz questionar e defender que as duas possam ser relacionadas tanto em termos práticos, como a partir de uma aproximação teórica.