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A Ação Católica sujeita ao tempo: a transfiguração de sua essência

4. A transubstanciação da Ação Católica Brasileira (1950-1960)

4.1. A Ação Católica sujeita ao tempo: a transfiguração de sua essência

Nos idos de 1950, a Igreja vivia o período conturbado do pós-guerra na Europa. A preocupação com o liberalismo e o comunismo continuava como foco de mobilização dos católicos. Somente na Itália, o Partido Comunista contava com seis milhões de eleitores em 1953, o que preocupava a Igreja, apesar do sucesso dos seus partidos democráticos cristãos em vários países, como na Alemanha Ocidental, Bélgica, Áustria e na própria Itália. Parte do sucesso advinha da Ação Católica que era ainda um eficiente mecanismo de arregimentação de eleitores para os partidos. Propriamente na Bélgica, França e na Itália, a AC mobilizava-se em diferentes meios sociais, instalando em definitivo o modelo especializado. Principalmente as juventudes estudantis, operárias e universitárias garantiam a difusão de um modelo de política social reformadora, apregoada pelos partidos católicos, em contraposição ao modelo comunista ou modelo capitalista americano (FONTES, 2011.p.93-4; 127-30; 152; HOBSBAWM, 1995.p.237; JUDT, 2008.p.380). Já nos países ainda com regimes autoritários, como Espanha e Portugal, as Juventudes eram mobilizadas para apoiarem os governos de então, ainda que houvesse dissidências dentro das Ações Católicas desses países diante desta postura do Vaticano.

A Igreja também continuava a deflagrar uma luta contra a modernidade e a mudança, representada pelos novos comportamentos sociais em decorrência da expansão e da popularização das salas de cinema, do rádio transistor, dos salões de danças, do automóvel, da televisão (JUDT, 2008)93.

Forjava-se que a Ação Católica tinha um papel fundamental na formação do público católico quanto à escolha dos entretenimentos sociais. O papa Pio

XII94, na encíclica Miranda Prorsus, de 08 de setembro de 1957, tratou dos males da modernidade - o cinema, o rádio e a televisão – e era explícita a importância de uma conduta moral e intelectual do leigo acista para melhor discernir entre as tantas alternativas e novidades de então95.

Igualmente aos anos anteriores, durante a década de 1950, foram elaborados discursos, cartas e exortações96 que exprimiam apoio às atividades, que davam felicitações a efemérides e que encorajavam leigos e sacerdotes. Eram dirigidas, sobretudo, às Ações Católicas de Portugal, Espanha e Itália.

Mesmo que a mobilização católica fosse reclamada pelos mesmos motivos dos papas anteriores, Pio XII preferiu conduzir a questão pelo viés da “recristianização” das sociedades diante dos fenômenos ditos acima. Isto significou que, nos anos 1950, no pós-guerra, cabia à AC atuar para o aperfeiçoamento de uma sociedade cristã católica. Tanto que, para atingir mais eficazmente este fim, o papa criou em 1952 o Movimento por um Mundo Melhor

94 O pontificado de Pio XII (1939-1958) publicou 41 encíclicas. No capítulo anterior, preferiu-se

pontuar duas delas que foram produzidas propriamente entre 1939 e 1951. Foi dito anteriormente sobre a Summi Pontificatus, a primeira de seu governo, de 20 de outubro de 1939, acerca do paganismo, que diz em um dos seus itens “a colaboração dos leigos no apostolado hierárquico”, sem situar propriamente a Ação Católica nessa consideração. Já a Evangelii Praecones, de 02 de junho de 1951, sobre o fomento das missões, solicita a ajuda da Ação Católica nas atividades missionárias.

95 “nós próprios, durante o nosso pontificado, recordamos repetidamente aos pastores, aos vários

ramos da Ação Católica, e aos educadores, os deveres de cristãos perante as formas modernas de difusão dos espetáculos”.

96 Como exemplos, a “Rádio-Mensagem à JOC-Bélgica”, 30 de setembro de 1950; “Radio-

mensagem por ocasião do I Congresso Nacional dos Homens da Acção Católica Portuguesa”, 10 de dezembro de 1950; “Discurso aos Dirigentes de Ação Católica Italiana”, 3 de maio de 1951; “Rádio-Mensagem aos participantes da III Assembleia Nacional de Juventude Feminina de Ação Católica Espanhola”, 1 de julho de 1951; “Discurso à Juventude Feminina Aspirante de Ação Católica da Itália”, 30 de setembro de 1951; “Discurso à Ação Católica Italiana”, 15 de julho de 1952; “Discurso aos Homens de Ação Católica Italiana”, 12 de outubro de 1952; “Discurso ao Movimento Laureati de Ação Católica”, 24 de maio de 1953; “Discurso aos assistentes eclesiásticos Diocesanos de Juventude Italiana de Ação Católica”, 8 de julho de 1953; “Rádio- Mensagem à Ação Católica Italiana”, 8 de dezembro de 1953; “Discurso aos delegados diocesanos e paroquiais das seções Juventude Feminina de Ação Católica”, 30 de dezembro de 1953; “Discurso ao 25º Aniversário da Juventude Independente da Bélgica”, 26 de julho de 1955; “Discurso à Juventude Feminina Católica”, 2 de outubro de 1955; “Rádio-mensagem à ocasião do 25º Aniversário de Juventude Feminina Católica da Espanha”, 27 de novembro de 1955; “Carta em ocasião do 68º Congresso Nacional da União dos Operários Católicos da França”, 30 de março de 1956; “Discurso aos jovens de Ação Católica Espanhola”, 9 de abril de 1956; “Discurso a um grupo feminino de Ação Católica da Arquidiocese de Valença, Espanha”, 29 de abril de 1956; “Discurso ao Conselho da Federação de Homens Católicos da Itália”, 8 de dezembro de 1956;; “Discurso aos delegados de JOC”, 25 de outubro de 1957; “Discurso ao 90º Aniversário da Fundação da Juventude Italiana de Ação Católica”, 10 de março de 1958; “Discurso ao 50º Aniversário da União Feminina de Ação Católica”, 02 de julho de 1958; dentre outros. Disponível no site: http://w2.vatican.va/content/pius-xii/pt.html. Acesso em 05 de agosto 2016.

ao qual a AC prestou apoio. A principal ideia era de que houvesse um compromisso de fazer uma coletividade social mais humana (FONTES, 2011.p.195).

De modo geral, a Igreja definia-se essencialmente como “corpo místico de Deus”, baseada na encíclica Mystici Corporis Christi (1943). Neste discurso eclesiológico, o leigo fazia parte da Igreja na sua esfera religiosa e de conversão; sem fazer parte na sua esfera vocacional e hierárquica.

[...] todos os fiéis, sem exceção, são membros do corpo místico de Jesus Cristo assim cada qual tem uma função enquanto parte. Dessa forma, todos são chamados para a participação do apostolado da Igreja, porém não no sentido estrito, ou seja, vocacional, o qual é unicamente realizado pelos sacerdotes. Reconhece que a partir desta teologia do Corpo Místico “certamente é difícil de traçar com precisão a linha a partir da qual começa o apostolado dos próprios leigos. (Pio XII. Discurso ao I Congresso Mundial de Apostolado de Leigos, 14 de outubro de 1951).

Nesse contexto, de amadurecimento da eclesiologia do “corpo místico”, todos eram convidados para participar do corpo da Igreja e de sua missão evangelizadora, não somente os membros da Ação Católica. Contudo, na mesma medida em que todos eram convidados a participar, acentuava-se o poder do apostolado hierárquico quanto ao seu papel de governar os membros da Igreja Católica.

Destarte, vinculava-se a ideia batismal e crismal à formação de um laicato, diferente do que era previsto no código de direito canônico de 1917, em que esses ritos apenas confirmavam a posição de fiéis católicos. A crisma foi revestida de uma ideia de ‘ação apostólica’, a partir da qual o fiel, ao confirmar a sua opção religiosa e a sua vinculação institucional à Igreja Católica, deveria cumprir uma missão católica.

As fundamentações teológicas relacionavam-se de tal maneira com a vida institucional eclesiástica que este princípio religioso católico permeou o papel dos leigos e, por consequência, da Ação Católica no interior da própria Igreja. Isto porque, diante do pretexto de que o batismo e a crisma conscientizavam os leigos de suas obrigações apostólicas, passou-se a valorizar o apostolado individual e o papel das demais associações de fiéis. De igual maneira, preparou-

se o campo para dissimular o fim do mandato dado aos leigos para cumprir o apostolado que agora era de todos os fiéis. Fez-se aliviar também a responsabilidade do bispo diante de uma militância católica que lhe escapava, principalmente em virtude de uma ação mais temporal dos movimentos especializados de AC.

Para além dessas considerações, havia uma situação de reconstrução da Europa, que reclamava o apoio de todos os católicos e o comprometimento com diversas causas e instituições. Assim, papa Pio XII alimentava preocupações com outras formas de associações católicas que não estavam vinculadas à AC, tendo remetido várias cartas para as uniões e as federações de homens, mulheres e jovens católicos de diversas procedências. Por outro lado, talvez houvesse também, no interior da Igreja, uma situação reivindicada por estas, a exemplo do Brasil, onde havia exigências por reconhecimento de parte delas perante a Hierarquia.

Ao dirigir-se para a AC, Pio XII produziu discursos que se aproximavam até certo limite dos de Pio XI. Acentuou que a associação era diferente das demais, porque tinha uma ordem geral e não particular como a que possuíam as demais entidades, além de uma estrutura em que não existiam membros honorários, como nas outras associações, e não era o pároco o presidente, como era nas Congregações Marianas97.

Contudo, paradoxalmente, o papa Pio XII atenuou a ideia de que a AC tivesse por exclusividade este tipo de apostolado externo e buscou encontrar semelhanças entre todas as associações e propor-lhes que se reunissem sob a regência da Ação Católica. A partir desta perspectiva, principiam as indefinições quanto à exclusividade da ação apostólica da Ação Católica, à sua dessemelhança com outras associações já existentes e até à sua inovação enquanto apostolado leigo organizado.

Em diversos momentos, o papa98 referia-se em especial às Congregações Marianas como se estas tivessem pleno direito de poderem ser chamadas de

97 Na Ação Católica Italiana a Presidência Geral, e de vários grupos paroquiais e diocesanos,

pertencia aos leigos que eram favorecidos e liderados pelos assistentes eclesiásticos. Foi assim nas demais Ações Católicas, como bem se sabe.

98 Pio XII foi um congregado mariano na juventude, assim como Pio XI. Ao longo do seu

pontificado promoveu também o culto à Maria e, por consequência, à doutrina mariacológica (dogmas sobre Maria enquanto mãe de Jesus Cristo e sua concepção pelo espírito santo).

Ação Católica, como foi anunciado pela encíclica Bis Saeculari Die, de 27 de setembro de 1948, que tratava exclusivamente delas. Recapitulava-se a sua história reconhecendo o papel fundamental exercido pelas Congregações Marianas de Homens (1563, em Roma), cujo apostolado de leigos atuou em todas as áreas da vida pública, incluindo a participação de mulheres neste tipo de ação99. Assim, o leigo congregado mariano passava a representar o embrião do apostolado laico, com a missão de conversão católica da sociedade.

O papa era próximo de padre Emile Villaret, a quem deu apoio para a criação de uma Federação Internacional das Congregações em 1953, em Roma. Padre Villaret era então diretor do Secretariado Internacional de Congregações Marianas, surgido em 1922, no papado de Pio XI, e buscava implantar uma organização das Congregações também hierarquizada e centralizada, de maneira a estabelecer uma uniformidade entre elas (MAIA, 1992. p. 46-7).

Tais articulações entre o papa e as Congregações também foram um prenúncio de uma transformação do conceito de Ação Católica. Se ora as Congregações eram distintas, ora eram semelhantes, não foi a Congregação Mariana que teve o seu conceito ou atributos modificados, mesmo que se enfatizasse o seu caráter apostólico ao invés do caritativo. Era a AC que ia perdendo a sua identidade, em parte, devido à falta de uma definição institucional firmada no discurso canônico jurídico no qual as outras associações de fiéis encontravam suporte. Por outro lado, diferente de Pio XI, que concentrara o apostolado laical dentro de um movimento oficial e central da Igreja, Pio XII abria o caminho para uma forma plural de apostolado contemplando vários gêneros associativos de leigos e de religiosos.

Diante então do reconhecimento das Congregações, urgia a incerteza de que a Ação Católica seria ou não novidade no meio da Igreja Católica. Nesse sentido, foi-se dissipando a dualidade que opunha essência e aparência, tanto nos sentidos lato como estrito, e que justificava a colaboração dos fiéis como

99 “As Congregações Marianas na Europa, desde o surgimento, em meados de 1570, foram

combatentes contra o protestantismo e heresias. Foi uma presença de leigos com funções e tarefas até então atribuídas a clérigos. Isto num momento em que o concílio de Trento buscava definir e separar os sacerdotes dos leigos. Os jesuítas davam aos leigos funções mais intensas. A muitos parecia uma revolução”. Do ponto de vista do jesuíta Pedro Américo Maia, as Congregações Marianas entre 1750 a 1850 tornaram-se lugares onde se forjavam os primeiros defensores da democracia cristã e nos militantes de uma ação social e operária. Em vista disso, na Bélgica, em 1886, da Congregação surgiu o primeiro sindicato cristão de artesãos. (MAIA, 1992, p.32; 45)

antiga e a organização do laicato como nova. Portanto, se antes a essência da Ação Católica era antiga, agora a forma organizada também era (PIO XII. Discurso à Ação Católica Italiana, ACI, 03 de maio de 1951).

Na senda disso, pairavam incertezas a respeito das notas essenciais da Ação Católica - “participação ou colaboração do laicato no apostolado hierárquico”, “dependência laical à hierarquia” e “mandato”.

Logo, “participação ou colaboração no apostolado hierárquico”, no cômputo geral dos documentos pontifícios, tornou-se mais enfaticamente “colaboração da AC no apostolado eclesiástico”, representando que não se tomava mais parte, mas sim que se cooperava ou secundava com a ação apostólica hierárquica.

Quanto à “dependência laical à Hierarquia”, enfatizava-se que o apostolado de leigos jamais existiria de forma autônoma, sem a relação com o apostolado eclesiástico, porque era um “instrumento nas mãos da Hierarquia”. Portanto, a AC sempre se subordinaria ao bispo e ao pároco, mesmo que extrapolasse as esferas da paróquia - o que era desejado pelo papa (PIO XII. Discurso à Ação Católica Italiana, ACI, 03 de maio de 1951).

Não obstante, paradoxalmente, construiu-se nos anos 1950 a ideia de que “qualquer apostolado leigo estava sujeito à Hierarquia eclesiástica”. Diferente de antes, quando as outras obras, que não possuíam tal dependência e o mandato, sempre puderam ficar mais às suas livres iniciativas, respeitando seus objetivos. Isto representou que o papa, ao aludir às demais associações, não apenas as incentivava. Também tinha interesse em colocar “qualquer apostolado” submetido à Hierarquia nos seus diferentes graus – papa, bispos e párocos -, porque assim se desfaria qualquer iniciativa da AC de submeter as outras associações ao seu poder, ou melhor dizendo, à liderança de algum leigo.

Tanto que se realizou o Primeiro Congresso Mundial de Apostolado dos Leigos100, de 7 a 14 de outubro de 1951, para discutir e confrontar os resultados das experiências práticas dos leigos como colaboradores da missão dos

100 Desde 1949, o Comitê do Congresso tinha fixado examinar, à luz dos documentos pontifícios,

antigos e recentes os fundamentos dogmáticos, morais e ascéticos do apostolado laico. Após o I Congresso surgiu o Comitê Permanente do Congresso Internacional para o Apostolado dos Leigos que produziu uma vasta documentação e uma série de eventos até a chegada do II Congresso (ACCIÓN CATOLICA ARGENTINA, 1952; COMITE PERMANENTE DE CONGRESOS INTERNACIONALES PARA EL APOSTOLADO DE LOS LAICOS).

sacerdotes. Para o evento foram convidadas as associações de apostolado variado, os fiéis aderentes da AC e as Congregações Marianas. Na oportunidade, papa Pio XII proferiu aos participantes sobre a natureza do apostolado laical e realizou um breve histórico para “localizar o lugar e o papel de hoje do apostolado leigo”. Segundo Maia (1992, p.48), mesmo que prevista a presença das Congregações, elas não participaram porque não tinham um órgão federal que as representasse naquele momento.

Em um balanço geral do Congresso, a Ação Católica foi atenuada ou colocada no mesmo nível das demais associações laicais e do trabalho individual do leigo. Do mesmo modo, ao reforçar a instrumentalidade da AC para a Hierarquia, negou qualquer possibilidade de emancipação ou, em outros termos, liberdade e autonomia dos leigos para com o seu apostolado.

Passados seis anos do Primeiro Congresso, realizou-se em outubro de 1957, em Roma, o Segundo Congresso Mundial de Apostolado de Leigos, com a presença de representantes de 40 países. Segundo Pio XII, esses Congressos vinham demonstrar o importante engajamento dos leigos na missão apostólica da Igreja, promover a mais ampla colaboração dentre todos, além de coordenar as diferentes formas de apostolado de leigos. Tal qual o Primeiro Congresso, não versou somente sobre a Ação Católica, e sim sobre as diferentes associações e obras particulares ou individuais de apostolado.

O tema do Segundo Congresso foi pensado por teólogos e especialistas em questões da Igreja “para atualizar os princípios diretores do apostolado dos leigos, sobre certos pontos práticos, principalmente concernentes à formação e à ação dos leigos”. Pio XII na fala inaugural elucidou alguns aspectos fundamentais do apostolado dos leigos, principalmente no que tange à relação com a Hierarquia.

No entanto, muitas das questões dirigidas pelo papa, mesmo que parecessem gerais, remetiam-se à Ação Católica, como ao elucidar sobre a natureza do apostolado dos leigos e, sobretudo, o mandato e a proximidade com a Hierarquia.

Quando falamos de ‘apostolado hierárquico’ e ‘apostolado dos leigos’ temos em conta uma dupla distinção: em primeiro lugar, entre o papa, os bispos e os sacerdotes de um lado; e, de outro lado, os leigos; em seguida, no próprio clero, entre os que

tenham em sua plenitude o poder de consagrar e governar. (Pio XII. Discurso pronunciado no II Congresso de Apostolado Leigo, 05 de outubro de 1957)

Esta explanação dos limites impostos ao poder dos leigos demonstrava a necessidade de delimitar territórios de um espaço que talvez estivesse sendo transposto ou alargado pelo que se forjava com o apostolado dos leigos. Junto com a necessidade de organizá-lo vinha o medo de uma sublevação da autoridade eclesiástica. Tentava-se aqui também demonstrar que entre o próprio clero havia níveis de poder, como as hierarquias ordenadas e de jurisdição.

Tanto no Primeiro Congresso quanto no Segundo havia uma preocupação da Hierarquia em relação ao “abuso do termo de emancipação dos leigos”, que para o clero significava que o apostolado laical não estava mais sob a tutela da Hierarquia. Nesse sentido, reiterou-se a atenção do papa de que todas elas se tornassem um “instrumento nas mãos da Hierarquia”, evitando-se assim essa tal “emancipação dos leigos”, “tanto por ser desagradável quanto historicamente imprecisa”. “(…) eram crianças menores [que] tiveram que esperar a emancipação... como falar dos movimentos católicos dos últimos 150 anos?” (PIO XII. Discurso ao I Congresso Mundial de Apostolado de Leigos, 1951)

Logo, parte do discurso papal era também uma tentativa de se opor à corrente de pensamento que surgia nesses idos a respeito da configuração de uma hierarquia laical paralela à hierarquia eclesiástica, bem como a de uma teologia própria de laicato. Concomitante à experiência acista, para além de uma cadeia de reflexões que demonstrava as particularidades da Ação Católica diante das demais associações laicas de então (DABIN, 1937; LELLOTTE, 1947), os teólogos buscavam elaborar algo mais conceitual, que englobasse outras experiências associativas. Era o prenúncio para se construir o pensamento de um apostolado leigo próprio, que existia em si mesmo e não em relação à Hierarquia.

O papa respondeu em 1957 que difundir esse termo “teologia do laicato” era “distorcer a verdadeira natureza da relação entre a Igreja ensinando e a Igreja ensinada, entre sacerdotes e leigos101” e era “típico da sociedade cristã

101 Discorreu sobre os direitos que os leigos gozavam e os sacerdotes deviam respeitá-los:

receber os bens espirituais para realizar a salvação de sua alma e alcançar a perfeição cristã (can.87; 682); quando se trata de direitos humanos fundamentais do cristão (can.467, 1; 892,1)

respeitar a personalidade do sacerdote”. Somente o próximo papa, João XXIII, foi acolher a teologia do laicato ao ponto de ela nortear o Concílio Vaticano II (1962-1965).

Enquanto isso, vimos que somos forçados a refutar a falsa impressão de opinião errônea sobre a ‘teologia do laicato’ que deriva de uma concepção errada da responsabilidade dos leigos (Alloc. Se diligis, 31 de maio, 1954, Discurso, Vol. XVI, pp.4,5). O termo ‘teologia do laicato’ é privado de todo o sentido. O padrão que se aplica em geral ao apostolado dos leigos [necessário ainda rever] [...] é ainda mais para o ‘teólogo leigo’, mas se [o leigo] quer publicar escritos sobre questões teológicas,