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A ação disciplinar enquanto processo de aprendizagem

CAPÍTULO II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

4. A ação disciplinar enquanto processo de aprendizagem

é facilmente demonstrável que a disciplina possui uma utilidade social, por si mesma e independentemente dos actos que prescreve. Com efeito, a vida social não passa de uma das formas da vida organizada, e qualquer

organização viva pressupõe regras determinadas, das quais ela não se pode desviar sem a ocorrência de perturbações mórbidas.

As regras encontram-se definidas no Estatuto do Aluno e nos documentos internos das escolas como é o caso do Regulamento Interno e são fulcrais na regulação de comportamentos dentro e fora da sala de aula.

Como referem Carita e Fernandes (1997) os estudos sobre as questões da indisciplina na sala de aula demonstram que a existência de um enquadramento se assume num instrumento vital na regulação da vida social da turma e da escola. A não existência desse normativo conduz a situações de divergências e ambiguidade podendo levar a um maior incumprimento dos alunos e à adoção por parte dos professores de atitudes ou dispares ou prematuras. Ainda assim, será sempre desejável, que em realidade escolar se tenha em consideração os antecedentes do aluno, caso haja, e o enquadramento concreto da situação que levou à prática do ato de indisciplina.

As regras assumem-se como códigos que permitem a regulação das interações entre os vários intervenientes, para que se criem condições apropriadas ao processo de ensino aprendizagem. Podem, também, ser entendidas como ferramentas necessárias ao processo de socialização dos alunos; ou seja ajudam-nos a adquirir um conjunto de competências que lhes permite estabelecer relações sociais (Amado, 2001).

As regras na opinião, de Amado (2000, p.100) regulam o jogo interativo entre a concórdia e a discórdia, exercendo uma função de controle social.

Por isso Amado (2001, p. 67) refere que as regras da aula e da instituição são verdadeiramente importantes, porque ensinam a criança a regular os seus atos por diversos constrangimentos sociais (não excluindo a punição) e a alcançar a autodisciplina e o respeito pela regra (Durkheim, 1984, p.250).

Contudo, como diz Curwin, a sanção “produz o efeito de travar a indisciplina por um tempo curto, mas não produz uma mudança de comportamento duradoura. Só detém

temporariamente a acção que se castiga” (Curwin, 1987, p.124) e mesmo para esse efeito é necessário que ela ocorra imediatamente após o comportamento desviante em causa, como preconizam as técnicas bahavioristas de mudança de comportamento (Docking, 1987, p.119).

Neste sentido, Slavin (2006) refere que o professor deve possibilitar que os alunos façam a escolha entre obedecer às instruções ou ter uma consequência. De fato, a consequência deve consistir em algo desagradável, ter pouca duração e aplicada o mais rapidamente possível. Para os autores (Picado, 2009; Slavin, 2006), castigos longos e severos criam ressentimento e atitudes de desafio por parte da criança. Assim, após a aplicação de uma consequência, o professor deve evitar referir o incidente e aceitá-lo sem sarcasmos ou recriminações.

Já Espelage (2013, p. 31) diz-nos que:

as penalizações que forem definidas devem ser razoáveis, exequíveis e proporcionais. Os professores devem aplicar os castigos – que devem ser adequados à magnitude da infração – de forma natural, sem por isso interromper as actividades de sala de aula. As infrações de maior e de menor gravidade devem ser bem delineadas e operacionalmente definidas, para que todas as partes envolvidas saibam exatamente quais os tipos de infração que existem e qual a sua gravidade. Depois disso, os professores e funcionários da escola têm de explicar de forma clara quais os vários procedimentos que serão aplicados para cada uma das infrações.

A falta de consistência na aplicação da sanção em relação a um determinado comportamento e a inflexibilidade da autoridade levam a agravar os comportamentos em causa e a criar situações de stress e de ansiedade. Daí que Amado (2001) refira que o principal requisito dos procedimentos punitivos é o da sua razoabilidade; isto é, torna-se necessário que o aluno perceba que a exigência que é feita e o castigo que se impõe têm uma razão de ser, e que não está diante de uma simples exibição de poder e arbitrariedade. Entre outros requisitos, contam-se, de acordo com o mesmo autor, ainda, o da adequação, que torna estes procedimentos proporcionais à gravidade do problema, e o da consistência, exigindo a sua aplicação a todos e em circunstâncias semelhantes. Se

os requisitos apontados não forem cumpridos, o aluno mergulhará em sentimentos de incerteza e confusão o que poderá levar a maiores conflitos de poder entre alunos e professores, pois os primeiros podem ver a ação dos segundos como injusta, arbitrária e prepotente.

A sanção constitui uma medida frequentemente utilizada pelos professores consignada na Lei sob as formas de advertência, expulsão da aula, realização de tarefas extra aula, proibição de participação em determinados eventos, proibição de utilizar determinados equipamentos ou espaços escolares, e de suspensão e, também frequentemente exigida pelos próprios alunos, em nome da ordem e do respeito na aula (Amado, 2001, p.175- 177).

De acordo com Domingues (1995, p. 15) o controle disciplinar assume três finalidades. · O controle preventivo, que visa impedir/prevenir o aparecimento de atos de

indisciplina através de mecanismos que procuram criar um certo controle indireto e permanente de modo a rodear exigências e coações face aos desempenhos dos Alunos.

· O controle paliativo, que visa a resolução de situações concretas de alguma forma problemática para o Professor. Neste tipo de controle disciplinar, o principal objectivo é controlar os efeitos negativos da situação, mas não elimina as suas causas.

· O controle projetivo, que tem por objectivo uma certa interiorização pelos alunos de determinadas normas, valores e regras, projetando os efeitos disciplinares.

Esta leitura de Domingos vai de encontro ao estabelecido no Estatuto do Aluno que nos diz que as medidas corretivas e sancionatórias prosseguem finalidades pedagógicas, preventivas, dissuasoras e de integração, visando o cumprimento dos deveres do aluno, o respeito pelos vários intervenientes da comunidade educativa, bem como a segurança de toda a comunidade educativa.

As medidas corretivas e disciplinares sancionatórias visam garantir o normal prosseguimento das atividades da escola, a correção do comportamento perturbador e o reforço da formação cívica do aluno, com vista ao desenvolvimento equilibrado da sua

personalidade, da sua plena integração na comunidade educativa, do seu sentido de responsabilidade e da sua aprendizagem.

As medidas corretivas assumem uma natureza eminentemente preventiva e as medidas disciplinares sancionatórias assumem finalidades punitivas.

A questão é se a ação disciplinar produz efeito positivo e eficaz capaz de levar o aluno a não voltar a praticar o mesmo ato.

Sprinthall (1997, p. 260) diz que " O controlo através de meios aversivos poderá provocar um contra-ataque; sonhar acordado; desistir da escola, cometer actos de vandalismo e recusar aprender tarefas constituem indicações comuns de tentativas de evitar o controlo aversivo"

O mesmo autor (1997, p.262), referindo-se especificamente à sala de aula, refere que:

A punição na sala de aula surge geralmente sob a forma de reprovação do que o aluno fez ou de retirada do reforço positivo. Uma reprovação severa por parte do professor poderá constituir uma forma eficaz de controlar comportamento, mas não promove amor à aprendizagem.

A necessidade da punição para Amado (2001, pp. 177-178) fundamenta-se, supostamente, na ideia de que esse tipo de comportamentos tem como fatores fundamentais a má vontade, o desinteresse e a má educação do aluno. E certo que,

em Educação, punir tem como objectivo fundamental induzir a mudança de comportamento (...) mas não há dúvida de que, na realidade, se mantêm ainda as facetas tradicionais de expiação, de dissuasão e de exemplaridade, mais difíceis de justificar enquanto processos educativos.

Sprinthall (1997) afirma que "O uso de estímulos aversivos na sala de aula, quer sob a forma de reforço negativo, quer sob a forma de punição deverá ser visto com uma

precaução extrema. Embora seja certamente um meio eficaz de controlar o comportamento, raramente dá ao aluno uma atitude positiva face à aprendizagem.” Considera que a punição não é condição inerente para que o comportamento do aluno mude

Punir um aluno por um determinado comportamento não significa necessariamente que o aluno pare de apresentar esse comportamento. (...) Se se utilizar a punição, esta deverá ser feita com moderação e juntamente com o reforço positivo da resposta alternativa.

Nessa perspetiva, Hayden (2003), ao analisar a questão da exclusão da escola na Inglaterra, defendeu que excluir da escola é uma medida extrema final de um contínuo de respostas disciplinares para categorias comportamentais descritas como inaceitáveis dentro do ambiente escolar. A exclusão traz sérias consequências para a criança e para a família, principalmente, em uma sociedade pautada na educação formal e qualificada. A autora, ainda, alerta que a exclusão da criança da escola é também entendida como um ato que envolve consequências não somente para o individuo como para a sociedade como um todo, destacando como exemplo, o envolvimento na criminalidade.

Ao se expulsar o aluno, há grande tendência de evasão permanente da escola. Assim, conclui Hayden (2003) que o processo de transferência de escola, por si mesmo, se constitui como um fator de risco para o aluno causando ainda mais dano quando tal é realizado, por o aluno ter apresentado comportamentos agressivos, constituindo-se muito mais como uma expulsão, do que uma transferência.

Por já estar exposto a situações de risco e ao ser expulso acaba sendo, ainda mais, exposto a um ambiente que favorece maior envolvimento com atividades ilícitas, sejam elas abuso de substâncias, furtos e participação em agressões físicas. Assim, a transferência e/ou expulsão de alunos agressivos, segundo Hayden pode dar a impressão de que a escola está a fazer esforços para manter a segurança e a paz, contudo, o problema apenas se agrava e as soluções e responsabilidades são, na íntegra, transferidas para a família do aluno, podendo ser necessária a atuação de órgãos como a CPCJ ou o Ministério Público.

A suspensão da escola é uma técnica que não tem qualquer função corretiva, apenas aprofunda a alienação do aluno, sendo-lhe mais difícil a posterior integração na aula (Picado, 2009)

Meirieu escreveu (2006)

Porque – e não se deve deixar de o recordar –, é o erro que exclui e a sanção que integra. É o erro que exclui: pela transgressão das regras que garantem o respeito pelos seres e pelas coisas, colocamo-nos fora do “espaço livre de ameaça” que deve constituir a sociedade. Humilhando um colega, apropriando-se do bem de outrem ou degradando o bem comum, uma criança exclui-se a si própria de um grupo que permite, precisamente, colocar alguém ao abrigo da agressão dos outros e de preservar aquilo que nos pertence a todos.

Acrescenta que é

a sanção que deve permitir a alguém que se excluiu desta forma reintegrar o colectivo: reparando, tanto quanto for possível, os males que causou e emendando-se para aprender a não mais cometer erros, a respeitar as regras que verá que o protegem a si tanto quanto aos outros.

Nos dias de hoje diz-nos Meirieu

assistimos a uma estranha inversão. O erro já não exclui, integra: muitos delitos são cometidos apenas para se integrar num bando ou num grupo, prestar vassalagem a um chefe e sair, assim, da sua solidão. E a sanção já não integra, exclui: constitui um estigma indelével que impede poder esperar retomar um dia um lugar na sociedade.

Cabe-nos a nós (Meirieu, p. 2006)

inventar e pôr em prática, na família, na escola, na sociedade sanções que integrem: sanções que confiram a possibilidade de se sentir útil, que dêem

orgulho e permitam às crianças, adolescentes e adultos que erraram reencontrar um sentido para a sua presença no mundo.

Ainda assim Almeida entende que “Quando se procede mal a própria consciência a acusa, acha bem o castigo e aceita-o” ( Almeida, 1933, p.120), ou seja o individuo não é afastado totalmente do ónus da sua consciência. Pois, por mais que se procure prevenir nem todos os desvios serão evitáveis; os procedimentos disciplinares corretivos possuem como objetivo principal o de gerir essas situações corrigindo mais do que punindo como afirma Amado (2001, p. 171).