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CAPÍTULO II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3. Os poderes dos alunos

No contexto educacional, Almerindo Afonso (1991, p.22) afirma que a escola, “só pode constituir-se e, portanto, também sociologicamente entender-se, enquanto contexto social atravessado por relações de poder".

No entender de Curto (1998) estas relações são tendencialmente assimétricas uma vez que o poder do professor se impõe ao poder do aluno. A possibilidade do professor utilizar a punição mostra esse desequilíbrio de poder.

É desta desigualdade de poderes que resultam muitas vezes os conflitos, pois os alunos procuram contrariar esta tendência. Ainda assim, no entender de Amado (2001, p.384) os alunos reconhecem, exigem e valorizam o exercício da autoridade do professor como a capacidade de controlar o comportamento social e de manter as regras, a fim de se criar um clima de trabalho.

É partindo do pressuposto que o professor não é o único detentor do poder na escola e na sala de aula, que Delamont (1987, p.89) afirma que:

Enquanto que o papel do professor é um papel de dominância socialmente aceite - legítimo - o papel do aluno é um papel de subserviência. Qualquer poder que os alunos exerçam não será um poder socialmente aprovado, mas sim ilegítimo. Espera-se que os alunos aprendam e se comportem de maneira a facilitar a aprendizagem, seja deixando-se ficar sentados a absorver calmamente as lições dos professores, seja atarefando-se com folhas de exercícios, aparelhos ou recursos diversos.

Ainda de acordo com Delamont (1987, p.89) "nem todos os alunos, porém, aceitam as obrigações do papel, e seria perigoso supor que a dominação está assegurada à partida, como muitos investigadores já supuseram".

Afonso (1991, pp.34-39) concluiu que os alunos possuem pouco poder formal na sala de aula, mas que têm um poder informal elevado. Os alunos têm a capacidade de manipular os professores, de interferir nos modelos e métodos de ensino e de impor a sua própria vontade.

Se o aluno na sala de aula conseguir mobilizar conjuntos de interações pode desenvolver outros tipos de poder nos seus colegas. Nesta linha Afonso (1991) apresenta-nos diferentes tipos de poder dos alunos dos quais se destacam os mais pertinentes:

· Poder de grupo: entendido como a capacidade de mobilizar os colegas, sobretudo quando há alunos com características de liderança. Por norma, os alunos comunicam entre si e definem estratégias de ação concertadas. · Poder referente: É o poder exercido pelos alunos que têm um elevado

estatuto sociométrico sobre os seus colegas. É o poder que se pode exercer através da agressão ou ameaça de agressão.

· Poder pessoal: É a capacidade que um líder nato tem de influenciar outrem através das suas características específicas ou qualidades excepcionais. · Poder normativo: Quando os alunos legitimam a sua ação com base em

normas e valores.

· Poder de perito ou poder de resistência: Trata-se da capacidade para resistir ao saber e à ação pedagógica do professor, afetando a sua imagem profissional face à escola e face à comunidade educativa. Quando tal acontece, quando se confrontam os poderes de professores e alunos e se chega à fronteira entre o permitido e o proibido, surge a necessidade do controle disciplinar.

O controle disciplinar é aplicado na maioria das vezes, resultante das situações do duplo poder que o aluno detém: um em relação aos professores e outro em relação aos colegas. De acordo com Postic (1990, p.135) “o aluno está espartilhado entre duas influências, a do docente e a dos seus colegas”. O mesmo autor afirma que a reputação ou o prestígio que o aluno tem junto dos professores e aquele que possui junto dos colegas, ou no interior do grupo de que faz parte, influenciam-se mutuamente, pois “a relação entre professor e aluno é afectada pela presença activa do grupo de colegas, tanto como pelo tipo de intervenção do docente” (1990, p.133).

Muitas vezes, quando os alunos se identificam com os colegas, tendem a criar as suas próprias regras, que vão no sentido contrário das regras estabelecidas pelo professor dando origem a “obstruções sistemáticas no plano de comunicações da aula” (Estrela, 2002, p.57).

O poder que os alunos detêm, na sala de aula, interfere e limita o poder do professor. Delamont acrescenta que o poder que os alunos detêm será tanto mais forte quanto maior for a coesão do grupo à volta da mesma situação passando o grupo a ser a principal fonte de poder dos alunos. Este poder, com múltiplas manifestações possíveis interfere concretamente na metodologia de ensino do professor.

A liderança é outra forma de poder do aluno que pode trazer grandes problemas ao funcionamento da sala de aula. Um aluno que tenha noção dessa capacidade pode ganhar lastro e prestígio entre os colegas e os professores. Se for um aluno com boas capacidades e empreendedor, pode levar a turma a responder às expectativas do professor. Se for um aluno com atitudes negativas face à escola, pode influenciar negativamente os seus colegas e desviá-los dos objetivos educativos estabelecidos.

Quando o aluno não consegue dar a resposta correta ou o professor não aceita os seus pontos de vista facilmente os alunos se desinteressam pela aprendizagem, desmotivam-se, distraem-se, enveredam por situações de brincadeira, de

indisciplina, que poderão ser passíveis de advertência por parte do professor (Magalhães, 1992, p.71).

O aluno é ainda detentor do poder de comunicação e de filtro de ocorrências junto da família. Perrenoud (2001) afirma que o maior veículo de comunicação entre a escola e a família é o aluno, e refere-se a este como “mediador de contactos diretos” entre pais e professores e que “depende dele a transmissão ou a censura da informação”. Cria-se, por vezes, situações que podem levar à formação de juízos de valor: os pais julgam a escola pelo que ouvem através do filho e os professores julgam a família pelo que a criança conta na escola. Para o autor, o aluno mensageiro, por vezes, intimida o professor, pois este nunca sabe o que é que ele reporta em casa. A situação inversa também acontece, assistimos segundo Perrenoud (1995) ao aluno como um “agente duplo.”

Neste contexto comunicacional o aluno vive e lida com dois universos. Assim, nas suas passagens entre estes dois espaços de interação recebe a mensagem, filtra-a e transmite-a à sua maneira.

Amado (2000) considera a indisciplina como um fenómeno relacional e interativo que se traduz no incumprimento de regra e no desrespeito pelas normas e valores, logo quando falamos de indisciplina temos de atender a um conjunto de fenómenos.

Fenómenos estes, que Amado (2001) e Amado e Freire (2002) distinguiram em três níveis de indisciplina e que de alguma forma caraterizam o poder que o aluno pode ter sobre o professor, o colega e a escola:

· O 1º nível é o nível de “Desvios às regras de produção na aula”. Neste nível entende-se que “aquele tipo de comportamentos que, na sua essência, se traduz no incumprimento de regras necessárias ao adequado desenrolar da aula” (Amado e Freire, 2002, p.9). O aluno não coopera com as atividades de sala de aula, como o cumprimento das tarefas, a comunicação, a pontualidade e a apresentação do material.

integra os comportamentos que põem em causa o relacionamento entre os alunos. São exemplos a agressão, a briga, o insulto, o desviar ou danificar material aos colegas. Segundo Freire (2001) os alunos agressores aprendem a lidar com as situações do dia-a-dia usando a força e a ameaça, construindo uma personalidade com características agressivas e que desvalorizam conceitos de amizade, solidariedade e colaboração.

· O 3º nível é o nível dos “Conflitos da relação professor-aluno”.

Neste nível foram englobados os comportamentos que colocam em causa a autoridade e o estatuto do professor e que desrespeitam a propriedade da escola. Estes comportamentos afetam a relação professor-aluno e têm como objectivo principal pôr em causa a dignidade do professor manifestando-se como verdadeira oposição à autoridade. Traduzem-se em insulto, obscenidade, desobediência, contestação, resposta a chamadas de atenção e castigos, alguma agressividade contra docentes e funcionários e de vandalismo contra a propriedade dos mesmos e da escola.

Os alunos adoptam diferentes estratégias de utilizar o poder consoante os objectivos que têm no momento. Essas estratégias poderão tomar a forma de comportamentos indisciplinados. Como resposta, o professor utiliza igualmente diferentes estratégias com base no poder formal e informal que lhe é reconhecido e concedido.

O Estatuto do Aluno e o Regulamento Interno contribuem para ajudar a regular as relações de poder entre os vários intervenientes.

4. A ação disciplinar enquanto processo de aprendizagem