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2. CAPITULO II

2.2 Breve digressão do direito e as relações raciais no Brasil

2.2.5 A Abolição da Escravatura Destino jurídico dos ex-escravos

O trabalho desenvolvido pelos ex-escravos era substituído desde 1850 por imigrantes europeus e ganhou maiores estímulos na primeira República. Com a Abolição da escravatura em 1888, e Proclamação da República em 1889, os ex-escravos foram responsabilizados pelo fim do sistema político escravocrata do antigo regime baseado na exploração da mão-de-obra escrava e na monocultura.

O estado imperial brasileiro reafirmou a escravidão e excluiu o brasileiro negro da formação do estado nacional brasileiro, ao reprimir todas as revoltas negras, escravas, populares e democráticas na Bahia e no Brasil. Rejeitou igualmente o projeto de Abolição apresentado por José Bonifácio em 1823.

Daí até a Abolição final em 1888, o Império legislou sobre a escravidão, regulamentou a relação entre senhor e escravo para assegurar o uso “racional” da mão de obra, negociou e enganou os ingleses o quanto pôde para protelar a extinção do tráfico negreiro e ainda retardou ao máximo a Abolição da escravidão no Brasil.

Ao mesmo tempo, aperfeiçoou os mecanismos internos de produção do escravo, preparando inclusive as condições de subalternidade para o pós-Abolição, pela construção legal e costumeira da gratidão, uma obrigação do ex-escravo para com o ex-senhor. "Tanto a escravidão era pública que foi extinta por ato público.” (CASTRO, 2001, p. 25)

Nesse período, no Brasil, a discriminação racial direta e a segregação racial funcionaram por meio das normas jurídicas sobre os afro-brasileiros por meio de leis, normas, regulamentos, resoluções, as condutas e as posturas especificavam os impedimentos, os obstáculos, as vendas, os impostos sobre trabalho e sobre deslocamentos, alienação, alforria, heranças, bens semoventes, comercialização de escravos, exportação, fundo de emancipação, insurreição, lundu, uso das ruas, horários de circulação, tráfico de escravos no mesmo formato dos países que praticaram o racismo legal como os Estados Unidos e a África do Sul.

O dia 14 de maio de 1888 representou um dia seguinte normal para os escravos e, para os senhores, um novo começo. O período pós-Abolição simbolizou para os favorecidos da sociedade vitória sobre o passado, vitória para o futuro, a garantia jurisdicional de que, sob a ótica da igualdade, quaisquer cobranças de reparação real no futuro encontrariam bloqueio na forma de teoria sobre o Brasil, afirmando ser o país uma democracia racial e que o escravismo foi bondoso e cordial.

Para alguns autores, a Abolição passou a ser determinante do destino destes no período da pós-Abolição e no novo regime como se pode observar. A Abolição da escravatura no Brasil não livrou os ex-escravos e/ou afro-brasileiros (que já eram livres antes mesmo da Abolição em 13 de maio de 1888) da discriminação racial e das conseqüências nefastas desta, como a exclusão social e a miséria. A discriminação racial que estava subsumida na escravidão emerge, após a Abolição, transpondo-se ao primeiro plano de opressão contra os negros. Mais do que isso, ela passou a ser um dos determinantes do destino social, econômico, político e cultural dos afro-brasileiros. (HASENBALG, 1979; SANTOS, 1997).

Deixados à própria sorte, conforme expressão de Florestan Fernandes (BASTIDE e FERNANDES, 1955; FERNANDES, 1978), e, além disso, sem capital social, ou seja, sem o conjunto de relacionamentos sociais influentes que uma família ou um indivíduo tem para a sua manutenção e reprodução, logo os ex-escravos perceberam que a luta pela liberdade fora apenas o primeiro passo para a obtenção da igualdade ou, então, para a igualdade racial, pois o racismo não só permanecia como inércia ideológica, como também orientava fortemente a sociedade brasileira no pós-Abolição.

Tornou-se necessário lutar pela “segunda Abolição” (BASTIDE e FERNANDES, 1955; FERNANDES, 1978) e os negros perceberam rapidamente que tinham de criar técnicas sociais para melhorar a sua posição social e/ou obter mobilidade social vertical, visando superar a condição de excluídos ou miseráveis.

A teoria da democracia racial foi elaborada para explicar o final dramático da maior escravidão humana do mundo ocidental e impedir quaisquer reivindicações de reparação ao Estado e à sociedade pelos danos sofridos e pelas conseqüências aos descendentes afetados pela exclusão legal.

Entre 1823 e 1888, o Brasil discutiu e, gradualmente, organizou um capital simbólico dos resultados econômicos, sociais, políticos da escravidão para os brancos, e para as elites do país, para substituir o capital econômico da mais-valia da escravidão africana. Todos os debates no parlamento ou entre os abolicionistas possuíam o repúdio ao fato de que a escravidão aprisionava tanto o senhor quanto o escravo e colocava os brasileiros em uma posição inferior em relação aos outros povos. Porém, depois de tanto tempo, convivendo com a injustiça e a ilegalidade da escravidão, o legado deste período prosperou até os dias atuais: O racismo e o preconceito contra os afro-brasileiros.

Para BOURDIEU o capital simbólico que faltou para os afro-brasileiros pode ser assim descrito:

O capital social é o conjunto de recursos atuais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de intercâmbio e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação de um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998: 67) Educação anti-racista: caminhos abertos pela lei Federal n° 10.639/03/ secretaria de educação continuada, alfabetização e diversidade, - Brasília : Ministério de Educação, Secretaria de Educação

continuada ,alfabetização e diversidade, 2005. 236 , p Coleção Educação para todos)

Ao cobrar uma reposição da igualdade ou de oportunidade, os afro-brasileiros, nos dias atuais, pela teoria da democracia racial, não podem alegar uma relação direta entre a brutalidade e sevalgeria dos ex-senhores, isto é, daqueles que mantiveram o instituto da escravidão por tanto tempo ou daqueles que assinaram as leis que antecederam a Abolição e o fizeram com garantias de que os beneficiados seriam os senhores: libertando crianças escravas e mantendo-as trabalhando até os 21 anos, livrando-se de ex-escravos velhos e abolindo os senhores de responsabilidades futuras, numa economia em transição de quaisquer responsabilidades com os construtores do Brasil, isentando-os da noção de culpa, e reproduzindo a idéia de que esta era em parte da vítima.